Volume 1 - Capítulo 58
O Príncipe Problemático
O mar se perdia na escuridão profunda da noite. Espuma branca se espalhava pelo casco do navio enquanto as ondas se chocavam contra ele. O barulho parecia uma nota fúnebre de desespero, um som ausente durante o dia, como se a luz o abafasse.
Havia também o ruído de um papel sendo aberto e o barulho de lábios saboreando chocolate. Erna comia o chocolate que lhe haviam dado há quantos dias? Ela havia perdido a conta.
Enquanto comia, ela olhava para a escuridão. O frio lhe beliscava as bochechas e os nós dos dedos da mão que se agarrava firmemente à grade, mas ela não sentia.
Era pouco depois da meia-noite quando Erna decidiu sair da cabine para tomar um pouco de ar fresco. A noite havia sido agradável, graças ao retorno de Bjorn, mas, por algum motivo, ela não conseguia dormir.
Estava com raiva? Ela estava triste demais para isso.
Então, talvez fosse tristeza? Isso também não parecia apropriado.
Seja lá o que fosse, sentia-se como uma lentidão que não ia embora. Uma letargia que o sono não resolveria. Então, Erna saiu para o convés com uma sacola de chocolates na mão. Lisa dissera a Erna que, quando se sente deprimida, deve comer algo doce.
Lisa ficou chocada ao saber do relacionamento entre a Viscondessa Forester e a Princesa Gladys. Sua reação foi tão repentina que até mesmo Karen, a governanta, se encolheu. Lisa era a única pessoa ao lado dela naquele navio inteiro.
Erna sentiu-se tão sozinha ao perceber isso. Ela já havia se preparado para o papel nada acolhedor de Grã-Duquesa, mas até mesmo seu próprio marido não parecia estar ao seu lado, e isso a deixava fria.
Será que ele é mesmo um cogumelo venenoso?
Enquanto ruminava a questão, olhando para a escuridão sem fim do mar noturno, ela colocou outro pedaço de chocolate na boca e mastigou-o em vez disso.
As imagens de Bjorn Dniester se formavam na escuridão sem forma. Surgindo uma a uma;
O encrenqueiro,
príncipe problemático,
mulherengo,
filho pródigo,
o vilão.
O Bjorn que Erna conhecia não era nada parecido com essas coisas. Claro, ele podia ser um pouco mal-intencionado às vezes, mas nunca era nada parecido com sua reputação. Alguns diziam que ele deveria ter seguido o exemplo do pai, mas ele nunca poderia ser assim, ele nunca poderia ser assim.
Mas e se o julgamento dela estiver errado?
Erna olhou para a manta de estrelas que enchia o céu. Cada vez que piscava para elas, sua visão ficava um pouco mais embaçada.
Mesmo que ela não conheça o mundo, ela ainda sabe muito.
As pessoas costumavam dizer isso quando falavam de sua mãe, Annette Baden.
Ela é ingênua o suficiente para confiar em um homem assim? Ela não é muito esperta.
Eles sempre diziam coisas assim, depois que ela ficou com Walter Hardy. A pobre mulher que só se viu naquela situação por ser tão ingênua. A tola Annette Baden.
Enquanto ela estava em seu leito de enferma, definhando a cada dia, os sussurros só aumentaram em intensidade. Era uma época na mansão Baden em que a situação só piorava e havia menos empregados para ajudar.
Erna às vezes entrava sorrateiramente na despensa para procurar biscoitos, e ouvia os poucos funcionários que havia conversando uns com os outros. Ela era jovem na época, mas era intuitiva o suficiente para entender por que sua mãe estava em um leito de enferma, foi o homem que a machucou… o pai dele.
Escondida na despensa escura com um biscoito meio comido, Erna ouviu todos os sussurros e fofocas. A lembrança de sua mãe, que acabou falecendo, brilhava nas estrelas. A avó e o avô, que choraram até perderem o fôlego, e o pai que deixou o funeral após uma breve visita, também brilhavam nessas estrelas.
Minha querida Erna, por favor, saia e seja feliz, pela sua mãe. A Baronesa Baden lhe dissera.
Não havia como negar, Erna sabia que sua avó e seu avô a viam como uma substituta para sua filha perdida. Ela sentia que devia a eles, assim como a sua mãe, viver uma vida feliz em sua memória.
A visão de Erna foi rudemente interrompida pela fumaça que vagarosamente saía das chaminés do barco.
Uma rosa vermelha de Bjorn. Uma lágrima de sua avó. O segundo casamento do Príncipe Bjorn, que agitou todo o país com suas ações. Ela não tinha como fazer nada acontecer. Quando esse fato se gravou claramente em sua mente, a turbulência de sua mente diminuiu.
Depois de recuperar o fôlego e acalmar sua mente, Erna olhou para a frente, para a proa do barco. Seus cabelos castanhos despenteados ondula-vam ao vento com a barra de seu casaco.
Ela ainda queria acreditar em Bjorn. Aquele que lhe oferecera a mão todas as vezes em que ela estava em apuros. Aqueles olhos duros que continham calor por ela e um sorriso que parecia amor. Ela queria confiar em seu próprio julgamento, em vez dos horríveis rumores.
Amor Fati
Amar o seu destino…
Erna resolutamente comeu o último chocolate. Estava tão doce que ela estava começando a enjoar. Ela fez como Lisa havia sugerido e estava se sentindo muito melhor.
Era um destino muito grande que Erna havia imposto a si mesma. Foi ela quem se colocou nesse caminho, e ninguém mais, então ela tinha que assumir a responsabilidade por onde se encontrava. Não havia sentido lutar contra isso ou se esconder disso como uma covarde. Mesmo que significasse engolir um cogumelo venenoso, Erna tinha a obrigação de sobreviver e ser feliz.
Dobrando cuidadosamente o saquinho de papel, ela o guardou no bolso do casaco e tirou um lenço para limpar as mãos. Ela se afastou do mar e sentiu uma nova determinação.
Seja forte, eu
Erna se afastou da grade e voltou para sua cabine. A cada passo, ela repetia o mantra e sentia que ele bombeava força nela.
Na manhã seguinte, o barco chegou ao seu destino, Lars, seu primeiro destino de lua de mel, a casa da Princesa Gladys.
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Bjorn terminou ajustando a faixa e a insígnia pendurada em seu ombro. Satisfeito, um ajudante aproximou-se e lhe deu suas luvas e espada formal.
Bjorn se afastou do espelho enquanto colocava as luvas. Ele levantou a espada e a examinou em busca de marcas. Não havia mais nenhum traço da criança problema. Ele era uma figura digna em um uniforme preto impecável, cinto azul e ornamentação dourada deslumbrante.
“O senhor realmente se importaria de ir sozinho, Sua Alteza?” perguntou o ajudante.
Bjorn havia anunciado que se encontraria com o Rei de Lars sozinho. Ele não deveria ser acompanhado pela Grã-Duquesa ou por qualquer membro da delegação. Todos estavam nervosos, mas Bjorn estava calmo e concentrado.
“Você tem medo de que o Príncipe de Lechen vá levar uma surra do Rei de Lars?”
“Sua Alteza, uma surra!?”
“Pode acontecer, por isso é melhor eu ir sozinho. Menos vergonha.” Bjorn sorriu enquanto caminhava pelo quarto com passadas largas e graciosas. O ajudante apenas o olhou com preocupação nos olhos.
Depois de desembarcar do barco e passar um dia descansando, eles estiveram na cidade por três dias antes de finalmente conseguirem se encontrar com o Rei. Eles estavam hospedados no Palácio Manster, a casa de hóspedes da Família Real de Lars.
“Bjorn”, Erna cumprimentou Bjorn ao entrar na sala de estar.
Ela estava sentada em uma cadeira e se levantou abruptamente quando ele entrou na sala. Ela parecia estar despedindo-se de Bjorn para uma batalha.
“Você tem certeza de que está bem?” perguntou Erna.
“Se não estiver, você vai me acompanhar?”
“Você só precisa pedir.” Embora ele estivesse brincando, a resposta de Erna foi seca e séria. A fita em seu cabelo balançou levemente.
Desde o momento em que saíram do navio, Erna mostrara muita determinação em cumprir seu papel de Grã-Duquesa. Como assim? E quanto a isso? Ela tagarelava diligentemente sobre as coisas que achava que uma Grã-Duquesa deveria ser.
Ele disse que ela estava sendo absurda, mas, de alguma forma, isso só fez com que ela dobrasse seus esforços, e Bjorn achou isso cada vez mais fofo. À noite, ele percebeu que tinha que beijá-la mais do que o habitual, porque mesmo na cama ela não parava de falar sobre cumprir seu dever.
“Tarde”, ele acariciou suavemente a bochecha corada de sua esposa. “Se eu levar uma surra, você terá que me vingar.”
Erna piscou para ele, seus olhos se arregalando. “Peço perdão.” Seus olhos se estreitaram. “Você está fazendo outra piada. Uma péssima.”
Bjorn riu despreocupadamente. Erna soltou um pequeno suspiro e olhou para seu marido. Ele era um enigma de muitas maneiras, mas uma coisa era certa: Ele adorava tirar sarro de sua esposa.
“Não se preocupe, minha querida”, um dedo longo acariciou seu queixo. “Eu luto para vencer e não paro até conseguir.”
“Por favor, não faça piadas assim, estou muito preocupada.”
Quando sua mão enluvada acariciou seu lábio, ela estremeceu e afastou sua mão. Ela parecia alguém que havia sido pego fazendo algo que não deveria. Isso a tornou ainda mais adorável.
“É por minha causa, não é?”, disse Erna, desviando o olhar em constrangimento. “É porque eu me casei com você, então o relacionamento entre Lechen e Lars…”
“Erna”, seu sorriso desapareceu. “Não há nada de errado com o relacionamento entre Lechen e Lars, nada no passado ou no futuro vai mudar isso.”
“Verdade?”
“Claro.” Bjorn estava convencido. Ele considerou os riscos e sabia que a aliança entre Lechen e Lars devia permanecer forte, era para o benefício de ambos os países, e Bjorn estava determinado a mantê-la assim.
Bjorn havia considerado isso muito cuidadosamente e havia tomado sua decisão muito antes de a lua de mel ser planejada. Ele desejava não ter que parar em Lars, mas era inevitável, mas foi uma sorte que ele só precisasse lidar com o Rei e seguir em frente o mais rápido possível.
Erna ficou pensativa por um momento, mas finalmente acenou com a cabeça e soltou a mão de Bjorn. Ela não estava convencida, seus olhos ainda mostravam preocupação e culpa.
“Sinto muito por não poder ajudar em nada.”
“Você poderia ajudar me deixando entrar pelos fundos.” disse Bjorn baixinho.
“Peço perdão.” Erna o olhou com choque, surpresa e descrença. Ela olhou em volta para ver se alguém havia ouvido, eles estavam sozinhos.
Bjorn achou divertido. Mesmo depois da primeira vez que ele tentou virá-la, ela declarou que era uma dama, não um animal. Ela valia a pena o trabalho de ter que acalmá-la na maior parte da noite, mesmo quando ela finalmente cedeu, ela não estava feliz com a posição. Isso lhe dava um pequeno prazer sádico ao vê-la se contorcer sob ele.
Depois de dar-lhe um beijo apaixonado na bochecha, Bjorn saiu do quarto. Erna o seguiu e o despediu. Ela o despedia todas as manhãs e o cumprimentava toda vez que ele voltava para casa, fazia parte de seus deveres conjugais e de uma Grã-Duquesa.
“Ei, Bjorn”, Erna o chamou, assim que ele estava prestes a fechar a porta da carruagem. “Você vai voltar tarde?”
“Talvez.”
“Podemos ainda jantar juntos?” Erna fez seus melhores olhinhos de cachorrinho. Houve uma pausa enquanto eles se olhavam, uma batalha de vontades faiscando entre eles. Então Bjorn se rendeu e acenou com a cabeça. Erna sorriu brilhantemente.
Erna acenou com a mão com um flutter quando a carruagem partiu, como pétalas levadas pelo vento. Bjorn riu, foi uma risada suave com um pouco de calor, era algo diferente de seu sorriso habitualmente desbotado.