
Volume 1 - Capítulo 31
O Príncipe Problemático
Dever a alguém te coloca numa situação muito comprometedora.
Erna percebeu isso ao se acomodar no barco e se preparar para curtir uma noite com um homem com quem não tinha nenhum envolvimento. Não conseguia deixar de pensar nos boatos que isso ia causar. Agradecia que sua avó não estivesse ali para testemunhar aquilo. Ela sempre dizia que homem e mulher deviam ter cuidado para não trocar olhares descuidados.
Era ridículo.
Comportar-se de forma tão tola, mesmo que ele fosse o Príncipe, era como jogar gasolina numa fogueira que já estava queimando forte. Até ela sentia isso. Teria sido melhor se tivesse recusado educadamente e seguisse com sua noite.
Sendo a caçula da família Baden, Erna deveria ser uma moça quieta num canto, protegendo a honra da família e sem chamar atenção. Ela falhou até nisso e agora manchara o nome Baden, o que a preocupava mais do que a reputação dos Hardy, que já estava comprometida.
Era uma oportunidade para quitar a dívida, uma dívida que ela estava lutando para pagar. Mesmo que fizesse flores pelo resto da vida, não conseguiria quitar.
O Príncipe parecia tão relaxado ao convidar Erna para o passeio de barco, como se soubesse o que ela ia dizer antes mesmo dela dizer. Erna havia brigado consigo mesma sobre quitar a dívida ou manter a honra da família.
Quitar a dívida acabou vencendo e o Príncipe estendeu a mão para ajudá-la a entrar no barco. Erna o odiava pelo que ele a estava fazendo passar e pela forma despreocupada com que se comportava.
Erna sentou-se na proa e olhou para a mão que ainda a segurava. Parecia um sonho, algo distante acontecendo com outra pessoa. A suave batida da correnteza contra o barco parecia ditar a batida acelerada de seu coração e se harmonizava com sua respiração.
Bjorn remava habilmente o barco pela água. Erna o observava com os olhos arregalados. Ela estava tão perto dele. Quando Bjorn percebeu que ela o observava, o canto de sua boca se contraiu para cima.
“Você não está com medo, está?”
“Não, de jeito nenhum.” Erna disse, um pouco firme demais. Nem ela mesma estava convencida de sua resposta.
Bjorn riu enquanto direcionava o barco para as lanternas coloridas. Elas tinham formas tão diferentes, algumas de papel e outras de vidro. Eram de todas as cores do arco-íris, que se misturavam para formar novas cores que não faziam parte do arco-íris.
Erna observava as luzes e as cores se espalhando ao seu redor com admiração. Ela nunca tinha visto uma visão tão esplêndida em toda a sua vida. Sua avó estava certa, a cidade realmente levanta o astral. Ela não havia percebido antes, tão concentrada em tudo o que tornava a cidade um lugar ruim para se viver.
A beleza avassaladora das luzes, refletida em brilhantes cintilâncias na água, apagou todos os pensamentos.
Todos os olhares curiosos, os fofoqueiros e espalhadores de rumores pareciam tão distantes agora. Ela nem se importava mais com a raiva que seu pai sentiria ao saber disso.
Tudo parecia tão distante.
Erna lançou um olhar ao redor do rio, tentando absorver cada detalhe, gravando cada parte na memória. Quando percebeu que estava olhando diretamente para o Príncipe, e ele olhava diretamente para ela, tocou reflexivamente o lado do rosto e soube que fora descuidada.
Ela precisava dizer algo, quebrar o silêncio constrangedor que compartilhavam, mas não conseguia pensar em nada. Ficou muito consciente da coceira em seus dedos, todo o trabalho os fazia doer e nenhuma massagem os aliviava. Erna escondeu as mãos sob o parasol para que Bjorn não percebesse que ela estava mexendo nelas.
Seria bom se ele dissesse algo, em vez de apenas olhá-la com aquele sorrisinho suave. Ele não disse nada e apenas soltou uma risada. Uma risada fria e suave que logo foi levada pela brisa do meio do verão.
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“Foi uma questão de jogo de cara, afinal.” Peter declarou.
Ele observou o barco de Bjorn se afastando pelo rio e viu que ele não estava sozinho. Estava com Erna. Ele havia enviado flores, cartas apaixonadas e trocado olhares de tempos em tempos. Ele havia se esforçado tanto para conquistar Erna e Bjorn, o homem que passou todo o tempo na lateral assistindo, seria quem levaria o troféu.
Era a cara dele, tinha que ser, era a única conclusão que Peter conseguia chegar. Ele não havia escrito uma única carta, não havia enviado uma única flor sincera e, no entanto, Bjorn Dniester seria quem sairia vitorioso.
“Que idiota o colocou nessa situação?” Peter disse.
“Se bem me lembro, foi você.” Leonard disse entre risos.
“Eu? Impossível.”
Então Peter se lembrou. Sentado à mesa de jogo, a caminho de uma embriaguez profunda, uma pilha enorme de fichas na frente de Bjorn e a sensação de desesperadamente tentar alcançar uma vitória.
“Inacreditável, eu deveria ter sabido, ele sempre leva a melhor.” Peter disse desanimado.
Bjorn sempre demonstrara sinceridade quando se tratava de dinheiro e era um conhecido conquistador de mulheres extravagantes e, quando jogou sua ficha fora de frustração, Peter teve certeza de que ele não se esforçaria para conquistar alguém tão meiga quanto Erna Hardy. Ele tinha certeza de que ela seria muito trabalho para ele.
Bjorn nunca ia atrás das mulheres, ele sempre as deixava ir até ele e elas sempre pareciam que se enforcariam pelo Príncipe. Peter o observara por décadas e sentia-se tão seguro de si. Por isso era difícil imaginar que ele se divorciou da Princesa Gladys porque teve um caso com outra mulher.
“Será que ele está falando sério sobre a Erna?” Peter murmurou para si mesmo.
“O quê, seu maluco?” Leonard riu dele.
“É, tão maluco quanto ele.” Peter disse e riu de volta.
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“Você rema muito bem.” Erna disse.
Haviam ficado em um silêncio ensurdecedor por tanto tempo que Erna estava ficando louca. Ela entregou as palavras cuidadosamente, como se quebrar o silêncio fosse um pecado. Parecia certo começar com um elogio, uma das habilidades básicas de conversação educada.
“Você deveria remar na competição do ano que vem.”
Remar no rio e remar em uma corrida eram dois eventos completamente incomparáveis e Erna se sentiu um pouco boba por sugerir isso, mas ela precisava dizer algo, era difícil suportar aquele silêncio sufocante. Bjorn raramente parecia disposto a conversar, então ela tentou por si mesma.
“Sim?” Bjorn disse.
Foi uma tentativa fraca, saindo de sua boca com o mínimo esforço que apenas um homem não interessado em conversa usaria. Ele ainda respondeu a ela e Erna se sentiu um pouco aliviada, isso estava a caminho de se tornar uma conversa bem-sucedida.
“Você gosta de remar?”
O próximo passo em uma conversa educada é descobrir os gostos e desgostos um do outro, encontrar pontos em comum e construir a partir disso. Ela lembrou que homens jovens gostam de falar sobre esportes, ela não gostava, mas os ensinamentos do livro de oratória que leu em Buford também diziam que os homens jovens gostam de falar muito sobre si mesmos.
“Não, não muito.” Bjorn respondeu sem pensar muito.
Erna estava orgulhosa de sua capacidade de seguir o guia passo a passo. Os ensinamentos do livro que ela leu não eram muito bons em um lugar como Buford, mas isso a tinha pego de surpresa. Ela mexeu na bainha de sua saia.
“Ah, por que isso?” Ela juntou as palavras como uma criança montando um quebra-cabeça.
“Não gosto do suor e do cheiro de outros homens tão perto de mim.” Bjorn disse.
Por seu tom, estava claro que ele não estava brincando. Toda essa situação estava deixando Erna confusa, o Príncipe não aprendeu as normas sociais quando se trata de conversa?
“Mas você gosta de animais?” Erna estava orgulhosa de si mesma por ter encontrado algo para se agarrar. “Li que você é um excelente cavaleiro e venceu várias competições.”
“Sim, porque cavalos são belos. Comparados a homens suados, malcheirosos e brutais, os cavalos são dignos.”
Bjorn havia parado de remar, deixando os remos repousarem preguiçosamente na água, ele observou Erna com uma mão caída na ponta do remo. Ela murmurou para si mesma e acenou com a cabeça. Deve ter sido uma visão curiosa para ele.
“Mas por que você odeia corridas de cavalos? Ouvi dizer que você possui o cavalo mais rápido de Lechen, mas raramente vai assistir.” Erna olhou para Bjorn, seus olhos brilhavam com a multidão de luzes coloridas.
“Ah, não, não estou interessado em assistir outras pessoas montarem cavalos.”
“Não? Você é o tipo de pessoa que prefere participar?”
“Sim.” Houve uma breve pausa enquanto Bjorn olhava para Erna. “Você fez um trabalho bastante diligente investigando meu passado.”
Todos conheciam Bjorn Dniester, era difícil não ouvir falar do Príncipe até mesmo nos eventos sociais mais incomuns. Se Erna tivesse se concentrado, provavelmente conseguiria descobrir tudo sobre o Príncipe em meio dia.
Erna se encolheu, sentindo que havia se passado dos limites, mas o Príncipe apenas pareceu se aproximar dela. Ele entrou em seu campo de visão enquanto ela tentava desviar o olhar e seus olhos se encontraram. Suas bochechas coraram e ela não conseguiu evitar mexer nos dedos.
Ela pretendia aproveitar aquele momento um pouco mais e não ia deixar a timidez tomar conta. Qual o pecado de aproveitar um pouco de fofoca?
“Desculpe, Príncipe, por favor, perdoe minha presunção.” Erna disse.
Ela recuperou a compostura sob seu olhar, mas não conseguiu remover o tremor em sua voz. Se ele continuasse a provocá-la assim, ela ia se jogar no mar.
“Não há nada para se desculpar, não acho que você tenha sido rude.”
“Mas eu ofendi…”
“Vamos falar sobre você.” Bjorn interrompeu Erna. “Não é justo se só falamos sobre mim.”
“Sim?”
“Você disse que era de Buford? Os festivais lá são como este também?”
Havia um pouco de sinceridade em sua voz, como se ele realmente quisesse saber sobre Erna. Ele queria saber sobre Buford, um lugar que ele não sabia que existia até que Erna Hardy apareceu repentinamente.
“Ah, sim. Sim, mas nada perto de tão grande e chique quanto este, eu acho. Nunca vi algo assim.” Como se percebendo suas intenções, Erna respondeu com um sorriso relaxado.
“Você nunca viu, por que isso?”
“Minha avó e meu avô não gostavam de lugares cheios de gente e às vezes os festivais eram realizados em lugares muito distantes. Em vez disso, minha família jantava debaixo da árvore de freixo. Fazíamos muitas coisas maravilhosas e bolos deliciosos. Minha avó fazia um vinho de rosas muito especial todos os anos, que ela me deixava tomar quando eu tinha dezesseis anos.”
Erna se lembrou do sabor decepcionante do vinho que ela estava ansiosa para beber desde tão cedo. Ela amava a cor dele e o cheiro de flores de verão. Sempre lhe lembrava de insetos da grama conversando e dentes-de-leão levados pela brisa.
Erna falou com uma voz distante enquanto detalhava o jantar anual de verão. Parecia que ela estava lá agora, com sua avó e avô. O cheiro de bolos ricos e carnes suculentas.
Bjorn a observava com interesse enquanto ela se perdia na lembrança. Ele percebeu por que Erna Hardy se considerava uma Baden em primeiro lugar, pois ela falava com tanto carinho de sua avó e pai e de sua casa.
Ela parecia feliz. Bjorn nunca a tinha visto assim antes e ele se viu sendo atraído por seu sorriso.
“Parece lindo.” Bjorn disse.
Era apenas a resposta apropriada em elogio ao entusiasmo da mulher, mas Erna sorriu para ele por ter dito isso. Eles se olharam por um longo tempo, até que houve uma batida repentina e retumbante acima deles. Erna riu de seu nervosismo enquanto Bjorn virava a cabeça para cima para assistir aos fogos de artifício pintando o céu noturno.