Mother of Learning

Volume 1 - Capítulo 15

Mother of Learning

Zorian sentiu a esfera carregada de mana se aproximando dele, mas não se moveu. Não conseguia dizer se estava direcionada para a esquerda ou para a direita, mas sabia que não estava mirando em sua testa. Ele sempre conseguia perceber isso. Sempre. Não tinha certeza de como conseguia ter essa certeza absoluta, mesmo sem conseguir identificar onde a esfera estava indo, mas era grato por isso. Apenas desejava poder replicar esse sucesso no exercício como um todo.

A esfera passou zumbindo por ele, e ele se esforçou para identificar de qual lado ela o ultrapassou.

“Esquerda”, ele tentou.

“Errado”, disse Xvim em um tom desinteressado. “De novo.”

Outra esfera foi lançada em sua direção. Essa também não estava mirando em sua testa. Não era exatamente surpreendente – Xvim parou de fazer isso quando percebeu que Zorian conseguia identificar as esferas com precisão perfeita. Afinal, não seria bom dar pontos gratuitos para Zorian.

“Direita”, ele disse.

“Errado”, respondeu Xvim imediatamente. “De novo.”

Zorian franziu a testa atrás da venda. Era apenas uma impressão ou ele realmente estava ficando pior nisso com o passar do tempo? Algo estava muito errado aqui. No início da sessão, ele acertava mais da metade, mas agora estava errando constantemente. Ele teria pensado que acertaria corretamente de vez em quando, pela inevitabilidade estatística, se nada mais. Havia apenas duas possibilidades!

Por isso, quando Xvim lançou a próxima esfera, Zorian rapidamente arrancou a venda para ver o que estava acontecendo.

A esfera passou diretamente sobre sua cabeça.

Aquele filho da mãe!

“Eu não disse que você poderia tirar a venda”, disse Xvim calmamente, como se Zorian não tivesse acabado de pegá-lo no flagra.

“Isso é trapaça!” Zorian protestou, ignorando completamente o comentário de Xvim. “É claro que eu não poderia adivinhar corretamente se você não vai nem mesmo respeitar suas próprias regras!”

“Você não deveria adivinhar, senhor Kazinski,” disse Xvim sem se desculpar. “Você deveria senti.”

“Eu estava sentindo”, Zorian retrucou.

“Se você estivesse, teria percebido o que estava acontecendo muito antes, e não teria precisado tirar a venda para identificar o problema”, disse Xvim. “Agora pare de perder seu tempo e coloque a venda de volta para que possamos continuar.”

Zorian xingou Xvim mentalmente, mas fez o que lhe foi dito. Por mais que odiasse admitir, Zorian tinha que reconhecer que havia muita verdade nas palavras de Xvim. Ele estava, em sua maioria, adivinhando por qual ombro as esferas estavam indo, confiando na intuição em vez de uma percepção clara de sua localização. Mas não era culpa dele não conseguir rastrear um objeto em movimento rápido através de suas fracas emissões de mana – segundo os livros, essa era uma habilidade altamente avançada que levava anos para ser dominada! Honestamente, pedir a um aluno para dominar esse tipo de coisa em seu terceiro ano era completamente irracional. Mas completamente característico de Xvim, ele supôs. Pelo menos não precisava mais se preocupar em ser atingido na cabeça.

O restante da sessão foi típico, ou seja, repetitivo e entediante. Por outro lado, que parte da escola não era entediante nesse ponto? Ele estava preso no loop temporal há pouco mais de um ano, e fingir atenção durante as aulas estava começando a ficar difícil. Ele estava tentado a seguir o exemplo de Zach e sair vagando por aí durante alguns recomeços, mas não podia. Por um lado, seria irresponsável desperdiçar tempo assim quando poderia estar trabalhando em habilidades que precisava para descobrir o que estava por trás disso tudo. Por outro, não queria chamar atenção para si mesmo. A memória da interação deles provavelmente ainda estava fresca na mente de Zach, e havia uma possível terceira parte a considerar. Ignorar completamente as aulas seria completamente fora de seu caráter, e levantaria muitas sobrancelhas. Ele já estava se arriscando ao levar Kirielle com ele e faltar quase um quarto de suas aulas para fazer suas próprias coisas, mas essas mudanças eram pelo menos facilmente explicáveis. Se sua atual linha de ação não produzia resultados, ele teria que abandonar a máscara para preservar sua sanidade, mas isso não era uma preocupação imediata. Ele tinha problemas mais urgentes para se preocupar, então adiou essa questão para mais tarde, quando e se se tornasse relevante.

Com sua sessão com Xvim concluída, ele foi à biblioteca para se reportar a Kirithishli. Normalmente ele não ia trabalhar às sextas-feiras, já que lidar com Xvim tendia a acabar rapidamente com seu ânimo, mas hoje ele estava se sentindo bem. Ele parecia estar se acostumando com as travessuras do homem irritante.

“Zorian!” Kirithishli o cumprimentou. “Boa hora! Acabamos de receber uma nova remessa hoje e Ibery teve que ir para casa mais cedo.”

“Uh, ok”, Zorian disse lentamente. Estava prestes a perguntar que tipo de remessa havia chegado, mas decidiu que era uma pergunta estúpida. Era uma remessa de livros, é claro. “O que você quer que eu faça?”

“Apenas desempacote os livros das caixas e separe-os em categorias gerais”, respondeu Kirithishli, apontando na direção de uma pequena montanha de caixas. “Vou inspecioná-los em mais detalhes mais tarde para ver o que fazer com eles.”

“Você não sabe o que fazer com eles?” perguntou Zorian, perplexo. “Por que os encomendou, então?”

“Eu não encomendei”, disse Kirithishli, balançando a cabeça. “Alguém doou sua biblioteca pessoal para a academia. Isso acontece de vez em quando. Às vezes as pessoas nos deixam seus livros em seus testamentos, ou aqueles que os herdam não têm uso para eles e não conseguem vendê-los. Muitos livros antigos só são úteis como curiosidades históricas e, às vezes, nem isso. Para ser honesta, a maioria dos livros nessas caixas será descartada.”

“Oh?” perguntou Zorian, abrindo uma das caixas e puxando um dos livros empilhados dentro dela. Era um manual sobre o cultivo de ameixas. A capa dizia que foi publicado há 20 anos. “Estou surpreso com isso. Lembro-me claramente de você dizer que os bibliotecários deveriam preservar tudo o que puderem, em vez de selecionar o que acham ‘bom’ ou ‘útil’.”

“Ah, cala a boca”, resmungou Kirithishli, dando um golpe sem muita força nele, que ele desviou. “É um ideal a ser seguido, não uma lei inquebrável. Não importa o quão grande a biblioteca pareça, sempre há um limite de espaço. E além disso, a maioria desses livros são duplicatas de outros que já temos. Pare de ser sabichão e comece a trabalhar.”

Zorian se lançou à tarefa, desempacotando caixa após caixa. Kirithishli lhe deu um grande livro que continha lista após lista dos livros mais comuns que recebiam nesse tipo de entrega e mandou que ele o usasse para separar as duplicatas óbvias do resto. Usar o livro manualmente para encontrar as correspondências seria um verdadeiro pesadelo, é claro, especialmente porque as letras estavam em uma impressão muito pequena para caber o máximo de palavras possível em cada página, mas Zorian sabia que foi projetado com outra coisa em mente. Um dos feitiços que aprendeu com Ibery nos reinícios anteriores envolvia fazer uma lista de termos que você queria pesquisar e, em seguida, conectar a lista via feitiço de adivinhação a um livro-alvo que você queria pesquisar. Naquela época, parecia um pouco sem sentido, mas agora ele percebeu que foi feito precisamente para esse tipo de coisa. E o enorme livro de referência, denso e cheio de informações, foi provavelmente feito com o feitiço em mente, por sua vez.

Quase 2 horas e 20 listas apressadamente escritas depois, ele havia separado as duplicatas do restante dos livros e estava no processo de folhear um dos livros de feitiços que encontrou nas caixas quando Kirithishli finalmente voltou de onde quer que ela tivesse desaparecido após lhe dar a tarefa. Seu rápido progresso a surpreendeu, já que ela não tinha ideia de que ele estava tão bem versado em magia bibliotecária, e ela aparentemente também achou isso um pouco decepcionante.

“Você não dá trabalho nenhum”, ela suspirou dramaticamente. “Eu queria te mostrar aquele truque quando voltasse, depois que você passou 2 horas penosamente procurando correspondências naquele monstro de livro. A expressão no seu rosto teria sido impagável.”

Zorian apenas levantou uma sobrancelha para ela, mas permaneceu em silêncio. Kirithishli mostrou sua maturidade ao lhe mostrar a língua como uma criança de 5 anos, antes de olhar para o livro que ele estava folheando.

“Encontrou algo interessante?” ela perguntou.

“Não realmente”, Zorian disse, fechando o livro. Não havia nada particularmente interessante nele. “Eu meio que esperava encontrar um livro sobre magia antiga poderosa e coisas do tipo, mas sem sorte.”

Kirithishli bufou. “Mesmo que você encontrasse algo assim, não te ajudaria muito. Ao contrário do que vários romances de aventura podem ter levado você a acreditar, a magia antiga é quase sempre inferior ao que temos disponível agora. Aqueles feitiços que estão perdidos geralmente se perderam por um bom motivo – geralmente por serem muito impráticos, exigirem ingredientes ou condições que não existem mais, ou porque seriam considerados massivamente antiéticos na era moderna. Por exemplo, você teria dificuldade em encontrar participantes para magia ritual de orgia nos dias de hoje, e os feitiços vulcânicos heruanos dependiam de condições presentes em um vulcão particular que não está ativo há mais de 200 anos.”

Zorian piscou. “Oh. Bem, isso é decepcionante.”

“Com certeza,” concordou Kirithishli. “E mesmo quando esses feitiços podem ser lançados sem problema, tendem a ser irritantemente inflexíveis e longos de serem lançados. Magos antigos não tinham as habilidades de modelagem que os magos modernos têm, então eles compensavam fazendo seus feitiços longos e hiperespecializados. Havia centenas de feitiços de mudança de cor, por exemplo, mas a maioria deles só diferia em qual cor o feitiço mudava os objetos afetados. Tem sido uma tendência persistente nos tempos modernos generalizar feitiços, já que melhores métodos de treinamento permitem que os magos modernos compensem a falta de precisão dos feitiços com o controle que têm sobre sua magia.”

“Tornando muitos feitiços antigos obsoletos para um mago devidamente treinado”, completou Zorian. Ele sempre soube que a maioria dos livros de história apresentava uma imagem bastante idealizada de seus ancestrais – a forma como retratavam a desertificação do norte de Miasina (ele se recusava a chamar de ‘Cataclismo’, como se fosse um acontecimento natural além do controle de Ikosianos) e a subsequente migração para Altazia era prova suficiente de que recebiam uma versão adocicada da história – mas ele não tinha percebido que os Ikosianos também eram magos ruins, além de serem idiotas míopes. “E você tem que ser um se planeja ser certificado. Sabe, sempre me perguntei por que tantos feitiços realmente fáceis são classificados como de primeiro círculo. Pensei que poderia ser uma política deliberada da Guilda para incentivar a certificação, mas imagino que muitos deles não eram tão triviais quando foram avaliados pela primeira vez.”

“Isso, mas você também deve considerar as coisas do ponto de vista do criador do feitiço,” disse Kirithishli. “É muito mais prestigioso e rentável fazer um feitiço de 1º círculo do que um de 0º círculo. Então, eles quase nunca classificam um feitiço como algo menos que 1º círculo, e a guilda permite que eles façam isso, provavelmente pela mesma razão que você mencionou. Uma pessoa determinada poderia conseguir que a guilda rebaixasse a classificação de muitos desses feitiços, mas você faria muitos inimigos, especialmente os grupos de interesse dos criadores de feitiços. Seria uma tarefa ingrata, e você teria que ficar de olho em pessoas tentando reverter as mudanças.”

Zorian digeriu essa informação em silêncio. Ele não tinha intenção de se envolver em tais políticas de alto nível, é claro, tanto no loop temporal quanto fora dele. Se havia uma coisa que seus pais haviam cravado em sua mente com seus intermináveis sermões, era que suas forças não estavam nessa área. É claro que provavelmente não era isso que aqueles sermões se propunham a fazer, mas isso não era seu problema. Ainda assim, coisas assim eram úteis de se saber. Ele teria que perguntar a Kirithishli por mais histórias no futuro.

- pausa -

Quando Kirithishli disse que ele poderia ir para casa, Zorian ficou muito feliz em atendê-la. Tinha sido um dia longo (e entediante), com as aulas regulares, sua sessão com Xvim e o trabalho na biblioteca, e tudo o que realmente queria era voltar para a casa de Imaya e relaxar. Infelizmente, não foi assim, porque no momento em que saiu da biblioteca, foi abordado por um homem de aparência suspeita que o esperava bem do lado de fora da entrada.

Bem, talvez ‘abordado’ fosse uma palavra muito forte – tecnicamente, o homem em questão estava apenas encostado em um pilar ao lado da entrada, não bloqueando seu caminho ou mesmo falando com ele. No entanto, no momento em que o homem olhou para cima e seus olhares se encontraram, Zorian soube que o homem o estava esperando, e somente a ele. De meia-idade, vestido com um terno barato e amassado e sem fazer a barba, ele quase parecia um dos muitos sem-teto de Cyoria, mas havia uma confiança em sua postura que não se encaixava nessa imagem.

Ele parou instantaneamente, e um silêncio desconfortável caiu sobre a cena enquanto ambos se analisavam. Zorian não tinha ideia de quem era o homem ou o que ele queria fazer com ele, mas não estava inclinado a ser generoso. Ele não havia esquecido a forma como foi assassinado em um dos reinícios iniciais e não tinha desejo de repetir a experiência.

“Zorian Kazinski?” perguntou o homem finalmente.

“Esse sou eu”, confirmou Zorian. Ele não achava que mentir funcionaria, e seria melhor ter um confronto perto da biblioteca do que ser emboscado em uma rua vazia no caminho para casa.

“Detetive Haslush Ikzeteri, departamento de polícia de Cyoria”, disse o homem. “Ilsa me enviou para ser seu instrutor de adivinhação.”

Zorian não sabia o que dizer. Ilsa escolheu um detetive como seu instrutor? Então foi por água abaixo sua ideia de convencer seu novo instrutor de adivinhação a ensiná-lo as habilidades restritas de adivinhação que ele precisava para investigar esse negócio do loop temporal. Por que tinha que ser a lei, de todas as coisas?

“Isso é ótimo”, Zorian disse de forma plana. “Eu estava me perguntando quando a Ilsa encontraria alguém.”

Se sua falta de entusiasmo incomodou o homem, ele não demonstrou. Ele se virou e começou a andar, gesticulando para que Zorian o seguisse.

“Vamos lá, garoto, vamos encontrar uma taverna para nos sentar”, disse ele, enfiando as mãos nos bolsos da jaqueta.

Ah sim, uma taverna – o ambiente de aprendizado perfeito. Deuses, não só o homem era um detetive, como também era pouco profissional. Sua aparência desleixada sugeria isso logo de início, mas Zorian sempre tentava não julgar as pessoas tão severamente apenas pela aparência – muitas pessoas faziam isso com ele, e ele sempre achava isso muito irritante.

Seus pensamentos devem ter sido mais visíveis em seu comportamento do que ele pensava, porque o homem rapidamente começou a se justificar.

“Vamos lá, não olhe para mim assim”, disse o homem. “Não é como se fôssemos fazer algo muito sério hoje. Foi um longo dia para ambos, eu acho – você está cansado, eu estou cansado, não nos conhecemos, e não vamos conseguir nada se apenas mergulharmos direto nas aulas. Que diabo, talvez decidamos que não gostamos um do outro e cancelamos tudo. Então hoje, vamos apenas compartilhar uma bebida e conversar.”

Ok, então talvez Haslush fosse mais inteligente e capaz do que Zorian lhe dava crédito. Ele precisava parar de julgar as pessoas tão rapidamente. Embora…

“Eu não bebo álcool”, advertiu Zorian.

Haslush lhe lançou um olhar curioso. “Tabu religioso?”

Zorian balançou a cabeça. Ele nunca foi muito religioso – os deuses estavam em silêncio há séculos, e, para Zorian, isso significava que ou tinham se matado entre si ou abandonado suas criações para se virar sozinhas. Inferno, ouvindo algumas das histórias da era dos deuses, ele não podia deixar de pensar que a humanidade estava melhor sem eles – tinham uma tendência perturbadora de lançar pragas e amaldiçoar cidades inteiras por motivos fúteis. Ele não achava que era uma coincidência que a humanidade só começou a avançar, tanto social quanto tecnologicamente, depois que os deuses ficaram em silêncio.

“Experiências ruins”, ele simplesmente disse, não querendo discutir mais sobre o assunto.

“Ah,” disse Haslush, satisfeito com sua resposta. “Tudo bem, você pode pedir suco de frutas ou algo assim. Inferno, eu posso até te mostrar um feitiço que uso quando estou de serviço, mas não quero ofender as pessoas recusando uma bebida oferecida.”

Agora isso parecia útil! Zorian olhou para Haslush, e o homem corretamente interpretou isso como permissão para continuar.

“É um feitiço de alteração bem legal que converte álcool em açúcar”, disse Haslush, levantando a mão direita para mostrar um anel de metal simples em seu dedo médio. “Eu o imprimi neste anel para não ter que lançá-lo visivelmente – lançar um feitiço visivelmente em sua bebida é muitas vezes mais mal visto do que simplesmente recusá-la, acredite ou não. No momento em que toco o copo, o feitiço está feito.”

“Conveniente”, disse Zorian, apreciando. Esse feitiço teria lhe poupado tantos problemas ao longo dos anos. “Mas pensei que matéria orgânica não pode ser reestruturada através de feitiços de alteração?”

“Normalmente não, mas isso porque a maioria deles é impossivelmente complexa e pouco compreendida, não porque compostos orgânicos sejam de alguma forma impossíveis de replicar”, disse Haslush, estudando vários letreiros de taverna enquanto caminhavam. Aparentemente, ele não estava apenas procurando a mais próxima. “Tanto o etanol quanto a glicose são moléculas bastante simples e bem compreendidas, então não há dificuldade em converter uma na outra.” Ele parou de repente em frente a um letreiro próximo, estudando-o por um momento antes de se virar novamente para Zorian. “Acho que este é um bom lugar. O que você acha?”

As experiências de Zorian com tavernas eram muito limitadas e geralmente desagradáveis, então ele simplesmente gesticulou para Haslush entrar antes de segui-lo.

Não foi tão ruim quanto Zorian temia: o interior da taverna era escuro e o ar estava um pouco estagnado, mas as mesas estavam limpas e o barulho era suportável. Haslush escolheu uma mesa afastada no canto e lançou um longo e complicado feitiço sobre ela depois que ambos pediram uma bebida. Provavelmente um feitiço de privacidade.

Zorian esperava que o homem começasse a interrogá-lo no momento em que o feitiço se firmasse, mas não foi assim que as coisas aconteceram. Se Haslush estava o interrogando, estava fazendo isso de forma tão sutil que Zorian não percebeu. Inferno, o homem nem mesmo lhe perguntou sobre Daimen, o que sempre era bom. Gradualmente, Zorian começou a relaxar e começou a fazer perguntas próprias. Perguntas como ‘como um detetive tem tempo e disposição para ensinar um estudante de terceiro ano em magia de adivinhação’?

“Hah,” resmungou Haslush. “Uma boa pergunta. Normalmente, algo assim seria a última coisa em minha mente, mas ontem meu comandante me passou um caso realmente bobo. Aparentemente, há um rumor circulando pela cidade sobre aranhas mentalistas espreitando nos esgotos, e eu sou o responsável por verificar isso.” Ele revirou os olhos com um suspiro. “Aranhas mentalistas, honestamente…” murmurou.

Zorian lutou para não deixar sua surpresa aparecer e de alguma forma conseguiu – em grande parte porque Haslush estava prestando mais atenção em sua bebida do que nele no momento. Ele começou um rumor sem nem perceber? Supôs que não deveria se surpreender, já que havia contado a Taiven sobre as aranhas bem na frente de Imaya e sua irmã – entre Taiven e aquelas duas, elas provavelmente contaram para uma dúzia de pessoas no mínimo.

“De qualquer forma, depois do trabalho, fui me encontrar com minha boa amiga Ilsa para podermos reclamar de nossos problemas um para o outro enquanto tomávamos uma ou duas bebidas, quando ela me disse que estava tendo problemas para encontrar um tutor de adivinhação para você. E nesse momento percebi que tinha uma solução perfeita para meu problema. Eu poderia passar o caso para algum outro pobre coitado, ajudar uma amiga em apuros e resolver uma longa discussão entre mim e meu comandante em um só golpe. Veja, há alguns anos, os burocratas em Eldemar decidiram lançar uma iniciativa para atrair mais magos interessados em uma carreira na aplicação da lei. Só que, em vez de fazer algo concreto para atrair novos talentos, pediram aos magos que já trabalhavam na força policial que se apresentassem à magia em treinamento por iniciativa própria.”

“Ah,” disse Zorian. “Então você deveria fazer coisas assim de qualquer maneira?”

“Sim, mas eu tenho meio que relaxado nesse aspecto, então meu comandante está constantemente me pressionando sobre o cumprimento da minha cota. Você pode me culpar? Nós recebemos uma quantia extra por isso, mas é uma merreca considerando o transtorno.”

“Você sabe melhor do que eu,” Zorian deu de ombros. “Como, err, ‘me apresentar à profissão’ te livra do caso das aranhas, então?”

“Não tenho tempo para fazer os dois,” disse Haslush. Ele franziu a testa por um segundo e depois balançou a cabeça, como se estivesse se livrando de um pensamento. “Sim. Essa é minha história e vou me manter nela.”

A discussão se esgotou depois disso, e Haslush prometeu se encontrar com ele novamente na segunda-feira. Zorian estava perdido em pensamentos enquanto voltava para a casa de Imaya, se perguntando se algo sairia da investigação das aranhas. Provavelmente não, considerando o quão a sério Haslush parecia levar isso, mas ainda assim. Ele teria que perguntar ao homem por mais detalhes após uma semana ou mais.

- pausa -

Zorian batia o pé impacientemente enquanto esperava Imaya abrir a porta. Ele tinha a chave da porta da frente, mas isso não ajudava – Imaya tinha o hábito irritante de deixar a chave na fechadura, e hoje não era exceção. Ele não podia entrar sem a ajuda dela.

Ela provavelmente gostava que fosse assim.

O som do destravamento trouxe sua atenção de volta à porta, que se abriu para revelar uma Imaya preocupada olhando para ele.

“Umm… aconteceu algo?” ele perguntou. Kirielle fez algo estúpido enquanto ele estava fora?

“Eu deveria ser a que pergunta isso,” ela disse. “Onde você estava? Deveria ter voltado há horas.”

“Uh…” Zorian hesitou. “Qual é o problema? Não é como se eu estivesse voltando no meio da noite ou algo assim…”

O olhar de desapontamento que ela lhe lançou disse que ele não deveria ter dito isso. Não que ele entendesse por quê – não havia uma regra dizendo que ele tinha que voltar correndo para casa após as aulas, afinal. No Cirin, seus pais nunca se importaram com o que ele fazia em seu tempo livre, desde que não negligenciasse seus deveres ou os envergonhasse no processo. Era uma sensação estranha ter alguém preocupado com ele só porque não voltou a tempo.

“Olha, desculpe, mas tive que me encontrar com meu instrutor de adivinhação após a aula e a reunião meio que se arrastou,” disse ele. “Sério, senhora Kuroshka, você vai perder os nervos se entrar em pânico toda vez que eu me atrasar nas aulas. Não é a primeira vez que sou segurado após a aula, e com certeza não será a última.”

Ela suspirou e o mandou entrar, aparentemente um pouco mais tranquila com seu discurso.

“No futuro, tente me avisar quando for se atrasar,” Imaya disse. “Certamente há algum tipo de magia que pode transferir mensagens dentro dos limites da cidade, não?”

Essa era uma boa ideia, Zorian teve que admitir. “Vou ver o que posso encontrar,” prometeu.

“Bom,” disse Imaya. “Sua irmã tem perguntado por você há um tempo, sabia?”

Zorian gemeu. “Ela não está sendo uma chata, está?”

“Não, ela é um anjinho,” disse Imaya, afastando suas preocupações. Zorian revirou os olhos silenciosamente à ideia de Kirielle ser um anjo. Se Kirielle fosse tão legal, por que Imaya queria que ele voltasse para casa tão desesperadamente? “Ela passou a maior parte do dia desenhando, brincando com o cubo mágico que você deu a ela e conversando com Kana. Ou deveria dizer que estava falando com Kana? Eu juro, essa criança é quieta demais. Preciso conversar com Kael sobre isso um dia desses. Não é normal uma criança ser tão retraída…”

Zorian assentiu em silêncio, contente que o cubo que fez fosse um grande sucesso. Não era nada especial, apenas um cubo de pedra simples com um monte de sigilos emissores de luz arranjados em um quebra-cabeça infantil. Ele encontrou um design em um dos livros que Nora recomendou quando ela o estava ensinando sobre fórmulas de feitiços e decidiu que fazer um seria duplamente útil: lhe daria alguma experiência prática usando fórmulas de feitiços e daria a Kirielle algo para passar o tempo.

“Parece que ela se divertiu hoje,” Zorian comentou. “O que ela precisava de mim, então?”

Imaya lhe lançou um olhar estranho. “Você é o irmão mais velho dela. Ela não precisa de um motivo especial para sentir sua falta.”

“E a verdadeira razão?” Zorian insistiu.

“Kana cochilou e seu brinquedo ficou sem mana e parou de funcionar,” Imaya finalmente admitiu após um segundo de silêncio.

“Ah,” Zorian assentiu. Ele havia notado que o design tinha muito pouco em termos de armazenamento de mana, mas não estava se sentindo confiante o suficiente para redesenhá-lo ao criar o cubo. Havia uma razão pela qual o cubo tinha reservas de mana tão rudimentares, afinal – grandes concentrações de mana tendiam a explodir se manipuladas de forma inadequada, e o cubo foi feito para ser uma prática para iniciantes. Iniciantes que poderiam muito bem estragar tudo nas primeiras tentativas. Considerando quantos problemas teve apenas para recriar o design no cubo de pedra, sentiu que tomou a decisão certa ao não mexer no design base. Ele simplesmente faria mais deles se Kirielle ainda quisesse brincar com um – seria uma boa prática, de qualquer maneira. “Ela está no seu quarto, eu imagino?”

“Não, ela está no seu quarto, lendo seus livros,” Imaya disse casualmente.

O olho de Zorian twitchou, resistindo ao impulso de marchar direto para seu quarto e expulsar Kirielle. Na realidade, ele estava com sorte por ter um quarto para chamar de seu. Imaya ainda não tinha encontrado ninguém disposto a alugar o outro quarto da casa, e Zorian estava grato por isso, já que significava que poderia manter o quarto para si. Infelizmente, sua capacidade de manter Kirielle fora dele era completamente inexistente. Kirielle não tinha inibições em entrar e sair quando quisesse, e Imaya estava ainda menos inclinada a detê-la do que sua mãe estava no Cirin. Ela parecia achar o comportamento de Kirielle ‘natural’.

E a pequena travessa sabia disso! Ela sabia que poderia escapar de quase tudo, já que Imaya gostava mais dela do que dele, e explorava isso ao máximo. Por isso, quando Zorian entrou no quarto com barulho, ela o ignorou completamente. Ela estava deitada em sua cama com um livro aberto na frente dela, seus pés confortavelmente apoiados em seu travesseiro. Enquanto a observava, ela se esticou em direção ao prato de biscoitos que Imaya lhe trouxera, com a intenção de espalhar ainda mais migalhas sobre seus lençóis.

“Ei!” ela protestou. “Esses são meus! Pegue seus próprios biscoitos!”

Zorian a ignorou e estudou o prato cheio de biscoitos que havia arrancado de sua irmã demoníaca. “Sabe, originalmente eu só queria chamar sua atenção e impedir que você fizesse uma bagunça ainda maior do que já fez, mas eles parecem bem gostosos…”

“Nãooooo!” Kirielle gritou enquanto ele abria a boca, ameaçando engolir um punhado de biscoitos de uma vez. Ela parecia relutante em deixar sua cama para recuperá-los, no entanto. Ela provavelmente sabia que ele não a deixaria reivindicar seu lugar de volta facilmente caso ela alguma vez o abandonasse, esperta como era.

“Vou te dizer uma coisa,” ele disse, fechando a boca e colocando os biscoitos de volta no prato. “Te darei seus biscoitos se você se livrar de todas as migalhas que você colocou na minha cama.”

Kirielle imediatamente passou as mãos sobre os lençóis algumas vezes, empurrando todas as migalhas para o chão em frente à cama. Com a tarefa cumprida, ela lhe lançou um sorriso travesso.

“Ha ha,” disse Zorian sem humor. “Agora vá pegar uma vassoura e faça isso direito. Vou comer um biscoito a cada minuto que essa bagunça permanecer no quarto.”

Ele enfatizou suas palavras enfiando um dos biscoitos na boca. Eles estavam bem gostosos, na verdade.

Kirielle soltou um grito de protesto e pulou da cama em um huff. Ela tentou recuperar seu prato de biscoitos sem sucesso, mas quando percebeu que não conseguiria fazê-lo voltar (e quando ele comeu um segundo) ela correu para pegar uma vassoura e uma pá. Aparentemente, ela também reclamou para Imaya, porque vários minutos depois, ela apareceu com outro prato de biscoitos, ‘para que ele não tivesse que roubar de sua irmãzinha’. Seja lá o que for.

Infelizmente, mesmo depois de recuperar sua cama das garras de Kirielle, ela ainda voltou para seu quarto. Atualmente, ela estava espremida em seu peito, tendo desabado sobre ele quando ele fechou os olhos por um segundo.

“Por que você ainda está aqui, Kiri?” Zorian suspirou.

Kirielle não respondeu de imediato, ocupada demais escalando o corpo de Zorian como se ele fosse um objeto inanimado que não sentia dor ou desconforto. Uma vez que ela se acomodou firmemente na cama com ele, tendo se contorcido para ter espaço livre, ela falou.

“Estou entediada”, disse ela. “Seu quebra-cabeça quebrou, a propósito.”

“Não quebrou,” Zorian disse. “Ele apenas ficou sem mana. Posso fazer um novo para você amanhã, se quiser.”

“Ok.”

Um breve silêncio caiu entre eles e Zorian fechou os olhos para tirar um pequeno cochilo.

“Zorian?” Kirielle de repente chamou.

“Sim?” Zorian perguntou.

“O que é um morlock?”

Zorian abriu os olhos e olhou para o lado, fixando Kirielle com uma expressão curiosa.

“Você não sabe o que é um morlock?” ele perguntou incrédulo.

“Só sei que são essas pessoas de cabelo branco e olhos azuis,” Kirielle disse. “E que as pessoas não gostam muito delas. E que Kael é um. Mas mãe nunca quis me contar qual é o lance com eles.”

“Ela não quis, huh?” murmurou Zorian.

“Não,” confirmou Kirielle. “Ela disse que uma jovem como eu não deveria falar sobre essas coisas.”

Com o intuito de evitar uma discussão, Zorian se absteve de fazer um comentário sarcástico sobre se Kirielle se qualificava ou não como uma dama. Nem um resmungo desdenhoso. Alguém deveria lhe dar uma medalha pela autocontrole.

“Basicamente,” Zorian disse, “eles são uma raça de humanos subterrâneos. Embora a maioria deles não viva mais debaixo da terra. O desaparecimento dos deuses atingiu sua civilização duramente, e os outros habitantes da Masmorra os expulsaram em grande parte para a superfície. Os colonizadores ikosianos meio que ajudaram no processo, dando chutes neles enquanto estavam no fundo do poço e queimando algumas de suas localidades mais proeminentes.”

“Oh,” disse Kirielle. “Mas isso não explica por que as pessoas não gostam delas. Parece que elas deveriam estar mais bravas conosco do que nós com elas. E Kael não parece odiar a gente.”

“Kael provavelmente está totalmente ignorante de sua cultura ancestral. Eu entendo que muitos morlocks são. E a razão pela qual as pessoas não gostam deles é que os antigos morlocks tinham alguns costumes bastante bárbaros. Eles gostavam de sacrificar pessoas para seus deuses e pareciam ser canibais,” disse Zorian.

“Canibais!?” Kirielle gritou. “Eles comiam pessoas!? Por quê!?”

“Difícil dizer,” Zorian deu de ombros. “Os colonizadores ikosianos estavam mais interessados em condená-los por suas práticas do que em entender por que faziam o que faziam.”

“Bem, sim, eles comiam pessoas,” Kirielle disse. “Isso é maligno e nojento. Não me diga que eles ainda estão fazendo isso?”

“Não seja ridícula,” Zorian zombou. “As autoridades nunca deixariam que eles fizessem algo assim.”

“Oh,” disse Kirielle. “Isso é bom. É por isso que as pessoas não gostam deles? Elas têm medo de que os morlocks vão comê-los?”

“Isso contribui,” Zorian suspirou. “Perdi a conta do número de rumores que ouvi sobre morlocks supostamente sequestrando crianças na rua para comê-las ou algo do tipo. Mas há mais. Os morlocks tinham sua própria marca de magia, que atualmente é banida em quase todos os lugares, mas muitos morlocks ainda a praticam. A guilda a chama de ‘magia do sangue’.”

“Parece sinistro,” observou Kirielle.

“Parece, não parece?” Zorian disse. “Não há informações oficiais sobre o que a magia do sangue realmente é, mas a maioria das pessoas pensa que tem algo a ver com sacrifício. A história é que os morlocks poderiam usar um assassinato ritual de uma pessoa ou animal para alimentar seus feitiços. Morlocks modernos não podem exatamente matar um monte de pessoas à vontade, mas supostamente ainda realizam sacrifícios de animais, tanto por razões mágicas quanto religiosas.”

Kirielle se aninhou mais perto dele, tremendo.

“Estou feliz que Kael e Kana não sejam assim,” disse ela.

“Eu também, Kiri,” disse Zorian, acariciando-a na cabeça. “Eu também.”

Comentários