Volume 1 - Capítulo 3
Playing Death Games to Put Food on the Table
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Yuki acordou em seu apartamento de 11 metros quadrados.
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Este era o momento que Yuki mais desprezava sobre os jogos: ver a visão tão familiar do teto de seu pequeno e deteriorado apartamento. A cena martelava em sua cabeça grogue que os momentos divertidos passados em um jogo de morte, no único palco no mundo onde ela podia prosperar, haviam terminado. Yuki sempre acabava de mau humor momentos após acordar.
Ela se sentou e saiu do colchão. Sua mobilidade estava de volta ao normal. Seu olho direito também havia sido curado, e não restavam problemas com sua percepção de profundidade. Ela tirou as roupas para verificar o corpo e constatou que todos os ferimentos de faca haviam desaparecido. Ela havia sido totalmente restaurada. Yuki elogiou a habilidade dos organizadores de curar tudo, até mesmo seu globo ocular.
Ela pegou o telefone ao lado do travesseiro. Eram cinco horas da tarde. Yuki então percebeu que a paisagem do lado de fora da janela tinha um brilho avermelhado. Não precisava ter verificado o horário—claramente era por volta do pôr do sol.
Ainda era cedo demais para Yuki se levantar. Ela era uma notívaga por natureza. Sempre adormecia às sete da manhã e acordava às sete da noite, totalizando impressionantes doze horas de sono. Isso era o resultado natural de levar uma vida sem rumo desde que se formou no ensino fundamental, e também o motivo pelo qual se considerava uma pessoa vergonhosa que não conseguia enfrentar a sociedade. Ela não conseguia sair do apartamento durante o dia, por medo de ser vista em público.
*Acho que vou cochilar*, pensou. Mais duas horas até a minha hora do dia.
Como o sono havia desaparecido completamente, provavelmente não conseguiria dormir de novo, mas pelo menos poderia deitar de costas e olhar para o nada. Ou poderia ser como uma adolescente pouco saudável e passar o tempo no celular. De qualquer forma, apenas mais duas horas. Yuki jogou as cobertas, que havia removido, sobre si e foi se deitar.
No momento seguinte, uma sensação incômoda começou a se formar em seu coração. Parecia descontentamento, ou talvez mais culpa. Uma voz em sua mente questionava se estava tudo bem fazer isso. Yuki havia voltado a dormir depois de acordar inúmeras vezes, mas essa era a primeira vez que algo assim acontecia. Enquanto se remexia sob as cobertas, procurou a razão.
Imediatamente, encontrou a resposta—era porque ela havia herdado a vontade de sua mentora.
As palavras que Yuki havia pronunciado sem pensar para sobreviver em Candle Woods estavam tendo um impacto muito mais profundo nela do que esperava. Era bastante surpreendente, mas uma mentalidade começou a brotar lentamente dentro dela de que precisava se recompor, que precisava se comportar como uma sucessora adequada de Hakushi.
Conforme o tempo passava, sua inquietação aumentava rapidamente.
—Ahhh... — Yuki suspirou e tirou as cobertas, que já não conseguiam reprimir seus sentimentos. — Eu só preciso me levantar, certo? — murmurou para si mesma antes de sair para fora.
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O único lugar para onde Yuki podia ir era a loja de conveniência a cinco minutos de caminhada.
Yuki temia que uma nova voz surgisse em sua cabeça, instruindo-a a melhorar seus hábitos alimentares, mas esses medos eram infundados. Enquanto carregava uma refeição pronta da loja de conveniência, repleta de açúcar, sódio, gordura e conservantes, ela voltou para seu apartamento.
Comprar comida sempre era um desafio para Yuki. Isso porque seu apetite tomava conta dela, forçando-a a devorar tudo o que comprava. Inusitadamente, Yuki desta vez colocou a refeição no chão e a deixou ali. Foi até o armário, abriu a porta e tirou roupas que estavam dobradas—ou melhor, amassadas—no canto, espalhando-as no chão.
Eram os trajes que ela havia usado em jogos anteriores.
O traje anterior era de sacerdotisa. Antes disso, era uma roupa de delinquente. Antes disso, um maiô escolar, e assim por diante. Ao todo, seis trajes estavam espalhados no chão. Além desses, Yuki lembrava que havia jogado fora dois outros trajes devido ao mofo, totalizando oito. Com a fantasia de coelhinha do jogo mais recente, isso fazia nove.
Esse era o recorde atual de Yuki.
Nove jogos. Faltavam noventa para chegar aos noventa e nove. Seu objetivo estava muito longe. Yuki nunca havia refletido sobre nenhum jogo anterior, mas lembrava-se claramente de uma ou duas situações difíceis pelas quais havia passado. Sentia orgulho por ter conseguido lutar e voltar do inferno. Depois de sobreviver a situações especialmente perigosas em seus dois jogos anteriores e, claro, em Candle Woods, ela havia conseguido apenas uma sequência de nove vitórias. Ela teria que replicar essa sequência de vitórias mais dez vezes para alcançar noventa e nove.
Yuki mais uma vez percebeu o quão insana sua mentora havia sido—e o quão ambiciosa era sua própria bravata.
Ainda assim, em um tom decidido, ela disse: —Tudo bem, eu vou conseguir, droga!
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Voltando no tempo…
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O jogo Candle Woods havia terminado.
Após a ameaça da assassina psicopata ter sido eliminada, as poucas sobreviventes—Yuki e Airi—permaneceram em uma sala equipada com itens essenciais à vida, que havia sido montada no labirinto. Como os organizadores determinaram que o jogo havia alcançado um equilíbrio e não havia motivo para continuar, ele foi encerrado antecipadamente no terceiro dia. Após resgatar as duas jogadoras, os funcionários da organização responsável pelo jogo se apressaram em limpar o local.
Entre eles estava um funcionário que entrou na grande sala que serviu como base do Time Bunny. O lugar onde trezentas Bunnies se reuniram pela primeira vez, onde Hakushi foi morta e onde Yuki e Kyara tiveram seu confronto fatal. O funcionário ficou diante do corpo de Hakushi, que havia sido deixado em seu estado horrível.
—Eu vim para te buscar —disse o funcionário ao cadáver. —O jogo acabou. Você não precisa mais fingir estar morta.
Depois de um tempo...
... um único rangido ecoou.
Momentos depois, o som áspero se multiplicou. Creak, creak, creak, creak, creak, creak, creak, creak, creak, creak, creak, creak, creak, creak, creak, creak, creak, creak, creak, creak, creak, creak, creak, creak, creak.
Quando finalmente cessou, o cadáver grotesco, em toda a sua feiura, estava de pé. Mesmo que seus ossos, músculos, entranhas e cada última parte de seu corpo tivessem sido destruídos, mesmo que tivesse sido pessoalmente desmontado pela psicopata, o corpo estava de pé, coberto inteiramente de flocos brancos. Parecia uma fantasia de Halloween.
—Você nunca muda —disse o funcionário, agente pessoal de Hakushi. —Eu penso isso toda vez, mas como no mundo você faz isso?
Hakushi não respondeu. O funcionário se perguntou se ela não conseguia falar em seu estado atual.
O funcionário não tinha ideia do que tornava aquilo possível. Hakushi havia passado por um procedimento de modificação corporal não oficialmente sancionado pelos organizadores do jogo. Comparado ao Tratamento de Preservação e à psicopata, que havia implantado armadura dentro de sua cabeça, o que Hakushi era capaz de fazer era de outro mundo. Era fisicamente impossível para um corpo humano se manter de pé sem músculos ou ossos. Sua ressurreição só podia ser explicada por algum mecanismo que transcendia as leis da física—talvez fosse até uma forma de feitiçaria.
No entanto, não era impossível. Afinal, ela era uma super-humana de uma em quinhentos trilhões. Não seria estranho que ela tivesse sido possuída por um ou dois deuses.
—Parabéns. Isso faz noventa e seis jogos —o funcionário aplaudiu. —Faltam três. Estou ansioso por sua performance.
Aquelas palavras eram genuínas. Nestes jogos onde vidas humanas eram completamente descartáveis, completar noventa e nove jogos era nada menos que um feito milagroso. Qualquer pessoa gostaria de testemunhar tal feito, se pudesse.
No entanto, Hakushi balançou a cabeça.
—......? —O funcionário parecia perplexo.
—Estou me aposentando —Hakushi respondeu com sua própria voz. Ela parecia absolutamente monstruosa. —Brinquei tanto com meu corpo que isso finalmente está me alcançando. Como não consegui acompanhar ela, não vejo como posso fazer outro jogo.
—Eu discordo.
—Não, eu posso dizer. Chame de intuição feminina —Hakushi comentou com uma frase antiquada.
—Hmm, isso seria porque você passou sua vontade para sua protegida, Yuki?
—Sim. É exatamente como ela disse àquela assassina.
—As palavras dela pareceram agradar Kyara, curiosamente.
—Provavelmente porque aquela mulher tinha protegidas próprias. Deve ter ressoado com ela.
—Você esperava que Yuki dissesse o que disse?
—Não achei que ela expressaria isso tão claramente. Me pergunto o que aconteceu.
—Gostaria de ver as filmagens arquivadas? Se você está determinada a se aposentar, eu a convidarei para o nosso clube.
—Não, vou passar. Não sou fã de bisbilhotar. —De certa forma, suas palavras eram uma total reprovação a esses jogos de morte.
O funcionário sorriu. —Acho que você está preocupada se ela conseguirá cruzar trinta jogos.
—A Muralha dos Trinta, não é?
O fenômeno em que veteranos que haviam completado jogos com facilidade de repente experimentavam uma queda rápida em suas chances de sobrevivência por volta de seu trigésimo jogo. Servia como uma espécie de ritual para distinguir meros veteranos de grandes jogadores.
—Isso me faz recordar —continuou Hakushi. —Ainda penso no meu trigésimo de vez em quando.
—Estou muito feliz em ouvir isso. Não há nada que nos incentive mais do que jogadores se recordando de nossas criações.
—Acho que posso perguntar agora, mas qual é a verdade por trás da muralha? Os organizadores interferem?
—Claro que não. Nos traz grande alegria testemunhar o nascimento de novos jogadores estrela. Embora possamos ajustar o design do jogo para permitir mais sobreviventes, nunca tornamos mais difícil sobreviver.
—Sério...? —Mesmo sem boca, Hakushi parecia soltar um suspiro. —Bem, não preciso me preocupar com a Yuki. Ela não é o tipo de jogadora que tropeçaria no trigésimo jogo.
—Oh? Por que não?
—O que você acha?
—Você poderia ter descoberto um truque para superar a Muralha dos Trinta e transmitido isso para sua protegida?
—Tente de novo. A Muralha dos Trinta é uma maldição. E não há um jeito infalível de vencer uma maldição.
—Então sua protegida tem habilidades extraordinárias? Talvez no seu nível ou até maiores?
—Não. Claro, ela está acima da média em seus instintos, mas não é melhor que Sumiyaka nesse aspecto.
—Apesar das aparências, poderia ser uma trabalhadora extremamente dedicada?
—Por favor. Ela é a garota mais preguiçosa do mundo. Pergunte ao agente dela.
—Então ela passou pela mesma modificação corporal que você?
—Não disse uma palavra a ela sobre isso, nem pretendo.
—...Então não faço a menor ideia. Por quê?
Parte do rosto de Hakushi se contorceu. Ela estava sorrindo.
Em tom de brincadeira, ela disse: —Porque ela é um fantasma. Maldições não funcionam em fantasmas.
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De volta ao presente.
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Yuki passou um tempo refletindo—o que ela precisava fazer para sobreviver a noventa e nove jogos?
Ela fez tudo o que pensou. Primeiro, limpou seu quarto. Até mesmo tirou o lixo. Comprou um caderno e uma caneta e terminou de refletir sobre todos os jogos anteriores. Também comprou uma grande quantidade de cabides e pendurou suas roupas de jogo no armário. Ela até melhorou seus hábitos alimentares e decidiu trabalhar para corrigir seu estilo de vida sedentário, um passo de cada vez.
Por fim, ela chegou à última coisa.
—... Isso não é nada embaraçoso nos jogos, então por que eu me sinto assim...? —Yuki tocou sua bochecha quente. Seu rosto apreensivo foi capturado pela câmera frontal de seu celular e refletido na tela. A razão para seu desconforto podia ser encontrada abaixo do pescoço. O que adornava seu corpo no momento não era seu agasalho de uso interno, nem seu agasalho de uso externo.
Era um maravilhoso uniforme escolar estilo marinheiro.
Ela havia comprado o uniforme online, e ele foi desenhado para se parecer com um uniforme escolar. Não havia uma razão específica para precisar ser um uniforme, mas como Yuki não tinha senso de moda para se vestir bem, ela optou por essa opção. E agora, Yuki sentia um imenso arrependimento por sua decisão. Em termos de idade, ela passaria por uma estudante do ensino médio, então não deveria parecer que estava usando uma fantasia, mas, por algum motivo, seu cérebro achava isso extremamente embaraçoso.
No entanto, como o momento de partir estava se aproximando, ela não tinha tempo para preparar outra roupa. Nem podia se dar ao luxo de não ir. Para sobreviver a noventa e nove jogos, ela precisava desesperadamente de conhecimento. Afinal, uma garota que não fazia ideia do que se tratava a história de “Kachi-Kachi Mountain”, que não conseguia nem calcular as chances de sobreviver a noventa e nove jogos, não tinha chance de se tornar uma jogadora de elite.
Yuki calçou um par de mocassins que também comprara online e saiu de seu apartamento.
O céu estava tingido de vermelho. Era o entardecer. A hora do dia em que uma escola comum já teria encerrado suas atividades há muito tempo, mas isso não era problema, pois Yuki estava indo para as aulas noturnas.
Seu celular indicava que ela não tinha muito tempo, então correu. Enquanto a garota fantasma disparava, com a saia esvoaçando ao vento, muitos transeuntes voltavam seus olhares para ela, mas Yuki não se sentia nem um pouco envergonhada. Seus pés batiam no asfalto com mais força do que nunca, e, por mais que corresse, o cansaço nunca a alcançava. Ela imaginou que devia ser porque estava seguindo seu próprio caminho. O objetivo que agora existia no cerne de seu ser havia imbuído cada centímetro de seu corpo com força.
A partir de agora, vou viver como uma jogadora—e participar de jogos mortais para pôr comida na mesa.
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