Playing Death Games to Put Food on the Table

Volume 1 - Capítulo 2

Playing Death Games to Put Food on the Table

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—Não lute contra um assassino experiente.

Essa foi uma lição que Yuki aprendeu há muito tempo.

—Essa indústria atrai muitas maçãs podres. Pode chegar o momento em que você se deparará com um psicopata sedento por sangue... mas nem pense em enfrentá-lo. Faça tudo o que puder para evitar um confronto direto.

Aquelas palavras vieram de — para usar um termo convencional — seu mentor.

Mesmo em uma profissão tão letal quanto a de Yuki, relações de mentor e aprendiz existiam. Assim como qualquer veterano no ramo, Yuki havia sido instruída no passado.

—A quantidade de experiência em jogos, as especificações do seu equipamento — nada disso importa. No momento em que jogadores como você ou eu entramos em uma batalha contra um psicopata enlouquecido, nossas chances de vitória caem para zero.

—...Eu não entendo — Yuki protestou. — Eu mesma já tirei vidas com minhas próprias mãos. Sem contar que sobrevivi a muitos jogos que envolviam combates entre jogadores. Isso já é mais do que suficiente para que eu seja vista como uma assassina fria aos olhos da sociedade, e ainda assim você está dizendo que eu não posso vencer contra um?

—Você não pode. Na verdade, sua experiência te coloca em uma desvantagem ainda maior. Você foi feita para sobreviver, não para matar. São habilidades completamente diferentes. Pense nisso como a diferença entre um mangaká e um ilustrador. Um fisiculturista e um atleta. Um artista marcial e um gangster. O objetivo desses jogos não é matar — é sobreviver. Nós treinamos nossos corpos e mentes com esse objetivo em mente, então nossas habilidades não serão úteis em um campo de jogo diferente. Ninguém pode competir com alguém que se especializa em assassinato. Nem mesmo os melhores profissionais de jogos de morte como nós temos chance contra um jogador amador que matou alguém no calor do momento. Não há caminho para a vitória, então evite a luta a todo custo.

—E se eu não tiver outra escolha? — Yuki perguntou. — E for o único jeito de vencer o jogo. O que devo fazer então?

—Aceite seu destino. — A resposta foi fria e desumana. — Você só pode rezar para nunca se encontrar nessa situação.

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Yuki acordou em cima de um colchão familiar.

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Ela conhecia aquela cama, o que significava que nenhum novo jogo havia começado. A familiaridade servia como prova de que Yuki estava no Apartamento 107 de um prédio residencial de concreto armado, com trinta anos de idade, localizado a quinze minutos de caminhada da estação de trem mais próxima. Um apartamento de um cômodo que custava trinta e cinco mil ienes por mês, incluindo as taxas de manutenção. Ela se sentou, sentindo-se desapontada, como se tivesse sido arrancada de um sonho agradável.

O quarto estava completamente escuro.

Era noite. Yuki estendeu a mão e tateou ao redor, tocando o chão várias vezes antes de conseguir pegar seu celular. Após apertar um botão para dar vida à tela, ela verificou a hora.

O visor mostrava 2:07.

Ela olhou para a janela sem cortinas. Pouco era visível além do vidro. Exceto pelas luzes da rua que pontilhavam a paisagem distante, tudo estava envolto em escuridão. Se fosse de tarde, a tela mostraria 14:07, então Yuki não teve escolha a não ser aceitar que eram pouco mais de duas da manhã.

Ela refletiu sobre suas lembranças do dia anterior. Depois de almoçar tarde, ela cochilou no início da noite. Um ataque de sonolência a dominou — possivelmente resultado de um pico de glicose — e, sem vontade de fazer nada, ela se enfiou debaixo das cobertas e fechou os olhos. Calculando de trás para frente a partir da hora atual, ela descobriu que aproximadamente oito horas haviam se passado desde então.

O ritmo de vida dela estava completamente desordenado.

Yuki levantou-se, segurando a cabeça ainda pesada.

Ela acendeu as luzes, iluminando todo o seu horrível apartamento de um cômodo.

Ponto horrível número um: Havia mais sacos de lixo cheios no lugar dela do que móveis. Três sacos de lixo queimável e cinco sacos de lixo plástico estavam no chão. Em comparação, os únicos objetos que poderiam ser considerados móveis consistiam em uma cama, uma geladeira e uma pequena caixa para objetos de valor. Yuki não possuía nem mesa, nem panela, nem faca, nem qualquer outro utensílio de cozinha.

Ponto horrível número dois: Uma montanha de caixas de papelão estava em um canto do quarto. Yuki não as estava colecionando; na verdade, ela simplesmente não tinha ideia de como descartá-las em seu município.

Ponto horrível número três: Mofo crescia nas quatro paredes. Yuki não tinha a menor ideia de como lidar com isso. Era algo que surgia naturalmente e que não podia ser removido? Ou talvez, se ela aprendesse algumas habilidades domésticas, o mofo respeitaria e desapareceria?

Ponto horrível número quatro: As únicas roupas espalhadas eram agasalhos. Isso não era surpresa, já que Yuki não possuía nenhum outro tipo de vestimenta, exceto alguns trajes de jogos anteriores. Ela havia jogado fora todo o resto por causa do problema mencionado anteriormente com o mofo. Como se sentia muito constrangida em ser vista de agasalho, passou a sair exclusivamente à noite.

Além desses, havia muitos outros elementos horríveis a serem notados — fios de cabelo espalhados pelo chão, o fato de que ela não sabia dizer se havia tomado banho, e assim por diante — mas, como a lista continuaria interminavelmente, nada mais será nomeado.

O estômago de Yuki começou a reclamar de fome.

Ela abriu a geladeira em busca de comida, mas não encontrou nada. Isso não significava que a geladeira estava vazia. Na verdade, ela estava cheia até a borda — caixas de leite vazias que ela havia negligenciado por muito tempo, restos de comida enlatada que ela temia deixar à temperatura ambiente, um repolho que ela havia enfiado lá em algum momento desconhecido do passado, um pequeno saco de condimentos que sua frugalidade a impediu de jogar fora, fatias de queijo que certamente já possuíam poderes mágicos a essa altura, e muito mais. Yuki fechou a porta para proteger sua sanidade da visão terrível.

Ela trocou o agasalho de dormir pelo que usava para sair. Era o mesmo tipo de agasalho e, para ser perfeitamente franca, eles diferiam pouco em termos de limpeza. Ainda assim, Yuki sempre seguia esse hábito. Apesar de não tomar banho todos os dias, ela ficaria insatisfeita se não mantivesse pelo menos essa rotina. Ela deslizou os pés descalços em um par de sapatos e saiu de seu apartamento. Graças ao Tratamento de Preservação, ela não precisava se preocupar em arranhar os pés.

Depois de caminhar por cinco minutos, chegou a uma loja de conveniência. No entanto, por algum motivo, sua fome havia desaparecido nesse curto espaço de tempo. Apesar de ter perdido o apetite, ela já tinha caminhado até lá, então pegou um sorvete que chamou sua atenção enquanto percorria os corredores e foi até o caixa. Ela tirou o celular e pagou 220 ienes com dinheiro eletrônico.

Depois, ela esperou alguns momentos com o sorvete descansando no balcão.

—……?

Ela olhou para o caixa, que retribuiu o olhar com confusão.

—Ah, uma sacola, por favor.

Certo. Yuki havia esquecido que sacolas plásticas não eram mais gratuitas há algum tempo. Ela não conseguiria uma a menos que pedisse. Fazia três dias que ela não dizia uma palavra, então sua voz não estava totalmente clara, mas parecia que a mensagem havia sido compreendida. Após pagar mais três ienes com dinheiro eletrônico, ela saiu da loja de conveniência com a sacola plástica na mão.

Enquanto caminhava pela rua à noite, Yuki tirou o sorvete. Era do tipo no palito. Ela não tinha reservas em comê-lo enquanto caminhava.

No momento em que desembrulhou o sorvete, Yuki percebeu que não precisava de uma sacola plástica em primeiro lugar. Um instante depois, ela se lembrou de que precisava reabastecer sua quase esgotada reserva de sacos de lixo, então se virou, mas deu apenas alguns passos antes de parar. Ela já tinha desembrulhado o sorvete e se sentia constrangida ao pensar em encarar o mesmo atendente de novo, então desistiu da ideia.

Yuki comeu o sorvete. Estava delicioso. Ela o terminou antes de chegar à metade do caminho de volta para casa, deslizando o palito de volta na embalagem antes de jogar o embrulho na sacola plástica. Ela pendurou a sacola no dedo e a girou enquanto caminhava, mas, assim que estava atravessando uma ponte, a sacola escorregou de seu dedo e voou através do corrimão para o rio, sendo levada pela correnteza para um ponto muito distante para ser recuperada. Embora a situação estivesse além de seu controle, Yuki se sentiu incrivelmente culpada por ter jogado lixo na rua.

Foi então que ela se lembrou de que o lixo queimável seria coletado amanhã. Ela precisava jogar fora os três sacos que haviam se acumulado em seu quarto, mas achou isso muito incômodo. Se aquela sacola plástica não tivesse sido levada pelo rio ou... Enquanto inventava desculpas, ela voltou arrastando os pés para seu apartamento.

No entanto, ela não voltou para o quarto, pois havia um carro parado em frente ao seu prédio.

A janela do lado do motorista estava aberta, e alguém falou com ela de dentro.

—Desculpe por vir a uma hora tão tardia.

Era o agente de Yuki.

Depois que Yuki completou seu terceiro ou quarto jogo, ela foi designada a um agente exclusivo. E, devido ao estilo de vida noturno dela, seu agente normalmente chegava no meio da noite.

—Você foi convidada a participar de Candle Woods. Suas preparações estão completas?

Era uma pergunta estranha. Ela estava usando um agasalho e voltando da loja de conveniência, então era óbvio que não tinha feito nenhuma “preparação”. Mas isso não era novidade. Toda vez que isso acontecia, ela aceitava o convite com qualquer roupa que estivesse vestindo, então seu agente devia ter presumido que essa ocasião não seria diferente.

E Yuki não tinha intenção de trair essa expectativa.

—Sim. Por favor, me leve lá imediatamente — respondeu.

Ela abriu um sorriso.

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Início do jogo.

Yuki acordou no meio de uma floresta.

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Ela estava no meio de uma floresta. Yuki abriu os olhos e viu raios de luz penetrando pelas árvores acima. Embora ela sempre tivesse dificuldades para acordar no início de um jogo, a luz do sol rapidamente a despertou. Ela se sentou e examinou os arredores. No instante seguinte, percebeu que era um erro pensar que estava em uma floresta comum.

Ela estava em uma floresta sintética.

Aquelas não eram árvores plantadas, mas sim fabricadas por mãos humanas. A paisagem artificial ao redor parecia o interior de um café temático ou uma área de um parque de diversões que tentava replicar a natureza do mundo antigo.

Yuki se encontrava dentro de um pequeno cômodo, semelhante em tamanho ao seu apartamento de 120 pés quadrados. Árvores e folhas falsas cobriam as paredes e o chão, enquanto apenas o teto ficava parcialmente descoberto. A luz entrava por entre os galhos, e o céu azul que se estendia além não mostrava sinais de artificialidade. Provavelmente, a luz do sol era real.

O quarto estava desprovido de qualquer outro objeto. Yuki estava completamente sozinha. Ela se levantou, fazendo as folhas farfalharem. Após dar uma boa olhada em suas roupas, um som escapou de seus lábios.

—Urgh…

Yuki estava vestida com um traje de coelhinha.

Apenas uma pequena porcentagem de pessoas provavelmente já tinha visto tal roupa na vida real. Era o tipo de fantasia que, segundo rumores, era comum em cassinos ou clubes noturnos, e consistia nos seguintes elementos: uma tiara com orelhas de coelho; um top composto apenas por mangas, uma gola e uma gravata; um macacão que destacava as curvas de seu corpo ao máximo teoricamente possível; e saltos que eram desconfortáveis para caminhar. Ambas as pernas de Yuki estavam totalmente expostas.

De certa forma, usar aquilo era mais embaraçoso do que estar nua.

Enquanto tocava o pompom branco e felpudo preso próximo à sua parte traseira, Yuki soltou outro gemido.

—Ugh…

Os deuses das fantasias a haviam abandonado. As roupas dos jogadores variavam de acordo com o jogo e, embora geralmente fossem garantidos algum tipo de traje, a variedade exata afetava fortemente o estado mental de quem o vestia. Em toda a história de Yuki como jogadora, esse era o pior traje. Até mesmo o maiô escolar de três jogos atrás seria uma melhora significativa em relação a isso. Ela se perguntava se o público estava realmente satisfeito com a visão. Nenhuma fantasia demonstrava mais claramente a diferença gritante entre fantasia e realidade. Como Yuki não conseguia ver seu corpo inteiro, ela escapou com danos mínimos à sua sanidade, mas sabia que as câmeras de vigilância escondidas em algum lugar no quarto estavam gravando uma visão aterrorizante. Isso era realmente aceitável? Será que a natureza aterrorizante do jogo justificava isso?

Yuki deixou o quarto. Ela entrou em um corredor estreito, não mais largo que quatro polegadas além de seus ombros, e se chocou repetidamente contra as esquinas a cada poucos metros. O espaço lembrava um daqueles enormes labirintos frequentemente encontrados em parques de diversões no interior. Talvez fosse isso que esse lugar costumava ser. Yuki teve a impressão de que esses labirintos eram remanescentes da era da bolha econômica. Reformar um para transformá-lo no cenário de um jogo de morte era um ato de ganância incomparável.

Yuki continuou a atravessar o labirinto. Havia uma estratégia para resolver labirintos conhecida como a "regra da mão esquerda", que afirmava que seguir a parede esquerda sempre levava à saída. Mesmo alguém tão pouco instruída quanto Yuki sabia disso, mas nessa ocasião, ela decidiu abandonar essa estratégia. Isso porque ela viu para onde precisava ir.

Para ser precisa, ela ouviu para onde precisava ir. Depois de vagar pelo labirinto por um curto período, o murmúrio de um grande grupo de pessoas misturado com os sons da floresta sintética chegou aos seus ouvidos. O barulho era semelhante ao de uma sala de aula antes do toque do sinal pela manhã, ou de um cinema antes do início de um filme. Pelo volume do som, o jogo era, muito provavelmente…

Suas suspeitas foram confirmadas no momento em que a cena surgiu diante de seus olhos.

Ela estava diante de uma grande sala — uma com algumas centenas de coelhinhas dentro.

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Em nítido contraste com o corredor, a sala era bastante espaçosa. O tamanho do espaço fazia com que a palavra “sala” parecesse inadequada para descrevê-lo. Talvez fosse melhor chamá-lo de salão ou praça. Deixando a semântica de lado, o vasto espaço continha coelhinhas suficientes para encher uma escola primária.

Claro, nenhum dos coelhos era real — eram coelhinhas de cosplay. Assim como Yuki, eram garotas em trajes humilhantes. No entanto, Yuki teve a impressão de que todas estavam se saindo muito bem, transformando-se em coelhinhas magníficas. Será que a roupa ficava mal apenas nela? Ou talvez, como a franja na puberdade, ficasse perfeitamente bem nela sob a perspectiva dos outros? Esperando que a segunda opção fosse verdadeira, Yuki entrou na sala.

Várias das coelhinhas se viraram para olhá-la. Por ser uma dorminhoca, Yuki não era estranha a chegar tarde no início de um jogo e atrair os olhares de inúmeros jogadores. Para seu alívio, nem todos se viraram em sua direção, poupando-a do constrangimento de ser o único centro das atenções. Ignorando os olhares, ela se aproximou de uma coelhinha sentada em um tronco falso no fundo da sala.

—Bom dia, Mestre — cumprimentou Yuki. — Essa roupa está totalmente desfavorável em você.

Yuki estava diante de uma coelhinha de cabelos brancos ondulados que pareciam algodão doce. Sua tez era bastante pálida, sem o menor sinal de cor. Seu corpo esbelto era acentuado pelo traje de coelhinha, e Yuki sabia que seu corpo não era frágil, mas sim tonificado, resultado de ter eliminado toda a massa desnecessária.

Seu nome era Hakushi. Ela era a mentora de Yuki, a jogadora mais experiente de jogos mortais ainda viva.

—Posso dizer o mesmo de você — Hakushi respondeu com uma voz baixa. Embora sua voz fosse suave, ela se propagava bem. — Quanto tempo faz, três meses? Como estão as coisas? Nenhuma lesão estranha?

—Tudo bem, acho. Está tudo tranquilo.

—Em que número você está agora?

—Seis, sete ou oito. Acho que ainda não cheguei a dez.

Isso não tinha a ver com a idade de Yuki; era o número de jogos que ela havia jogado.

—Comece a acompanhar já — sua mentora disse, estreitando os olhos. — Eu já te disse um milhão de vezes. Mantenha um registro dos jogos que você joga.

—Que diferença faz? Eu nunca precisei.

—Você não vai conseguir continuar por muito tempo com essa atitude. Vai ficar aquém de trinta.

—Mestre, como estão as coisas para você? — Yuki perguntou, tomando as rédeas da conversa. — Três meses significariam mais três ou quatro jogos. Não me diga — você já chegou ao noventa e nove?

—Não. — Hakushi cruzou as longas pernas. — Estou no número noventa e seis. Não joguei desde aquele jogo na piscina.

—...Você está realmente pegando leve.

Yuki inclinou a cabeça para o lado. “Aquele jogo na piscina” foi a última vez que as duas se viram, o que significava que sua mentora havia feito uma pausa de três meses.

—Não faz mal ser cautelosa — respondeu Hakushi. — Estou a quatro jogos de distância. Eu não vou conseguir descansar em paz se morrer por estar insuficientemente preparada.

Dizer que Yuki não tinha objeções seria mentira. Ela acreditava que manter um ritmo era mais importante do que recuperar a forma. Esse era o único lugar onde se podia aperfeiçoar as habilidades para esses jogos mortais — fora do mundo comum. O mais importante era não deixar um grande intervalo entre os jogos. Ela havia ouvido inúmeras histórias de jogadores morrendo em seu primeiro jogo após retornar de uma longa pausa, e Hakushi certamente estava ciente dessas histórias também. Apesar da preocupação de Yuki—

—Entendo. — Foi tudo o que Yuki disse em resposta. Ela não sentia vontade de criticar o julgamento de sua mentora. — E então? Você acha que suas preparações valeram a pena?

—Quem sabe. Só vou descobrir quando este jogo acabar.

Hakushi virou-se para um ponto distante. Lá, um mascote modelado como um tanuki estava deitado no chão. Ele havia sido destruído, e partes eletrônicas estavam saindo de seu abdômen aberto.

—O que é isso?

—O explicador do jogo. Todos se uniram contra ele.

Alguns jogos tinham um explicador; outros não. Esta era a terceira vez que Yuki encontrava tal personagem. Ocasionalmente, se um jogo tinha regras complexas ou era difícil de entender intuitivamente, um explicador aparecia no início. Por alguma razão desconhecida, o explicador sempre tomava a forma de um personagem mascote, em vez de um ser humano real preenchendo o papel ou a explicação sendo simplesmente conduzida por uma voz sem corpo ou por escrito.

—Isso deve ter exigido muita coragem — comentou Yuki. — Você pensaria que atacar algo assim levaria a algum tipo de punição.

—Duvido que o tivessem destruído se fosse uma tartaruga ou um lobo. É porque o explicador era um tanuki. Ele poderia estar escondendo um item.

—......? É permitido destruir um tanuki?

—Você conhece aquele velho conto folclórico “Kachi-Kachi Yama”, certo? Aquele em que o coelho mata o tanuki. Isso mostra que os coelhos são superiores.

—É sobre isso que essa história trata?

—De qualquer forma, eles não encontraram nada em particular. — Hakushi parecia relutante em discutir a ignorância de Yuki.

—...Então, qual é o jogo desta vez? — Yuki perguntou.

—Esconde-esconde, em resumo. Os jogadores do Time das Coelhinhas vencem o jogo se sobreviverem por uma semana. Os jogadores do Time dos Troncos — os buscadores — vencem o jogo matando pelo menos cinco Coelhinhas. O explicador não mencionou, mas imagino que os Troncos tenham acesso a algum tipo de equipamento.

—Troncos não deveriam estar mortos?

—Mas eles ainda matam coelhos. Você nunca ouviu aquele velho ditado sobre coelhos correndo contra troncos?

—Claro que já ouvi. — Na verdade, isso era um blefe, pois Yuki não fazia ideia do que sua mentora estava falando. — O jogo ainda não começou, certo? Quanto tempo mais teremos que esperar?

—Isso não estava na explicação, mas provavelmente mais seis horas.

—Como você sabe?

—Há um cronômetro digital ali. Um vermelho, como aqueles que você encontraria presos a uma bomba.

Yuki olhou na direção que Hakushi havia apontado com o polegar. Um grupo de Coelhinhas estava bloqueando a visão.

—Como você pode ver — continuou Hakushi —, ele chegará a zero em seis horas.

—Não consigo ver nada com todas essas pessoas no caminho.

—Você tem dois pés. Use-os.

—Ainda assim, este é um número enorme de jogadores. Você sabe quantos estão neste jogo?

—Trezentas Coelhinhas e trinta Troncos. Este é o maior jogo em que já estive.

Naturally, também era o maior jogo em que Yuki já havia participado. Esqueça trezentos; ela mal tinha experiência com contagens de jogadores que ultrapassassem cem.

—Estou chocada que haja tantos — disse Yuki. — Suponho que a maioria deles sejam novatos...

—Adivinhe de novo. Veja, as únicas caras novas estão naquele grupo ali.

Hakushi usou o queixo para apontar para um canto da sala onde um grupo de cerca de trinta jogadores se havia reunido. Era um agrupamento de novatos.

—A maioria dos outros eu já vi antes — ela continuou. — Eu nunca pensei muito sobre isso, mas esses jogos têm mais de duzentos jogadores regulares. Meio surpreendente.

—Huh. Eu não sabia que havia tantos tolos dispostos a arriscar suas vidas por alguns milhões de ienes em dinheiro do prêmio.

—Como se você fosse alguém para falar.

Os de fora provavelmente pensariam que os jogadores se juntavam a esses jogos por razões sinceras, urgentes e convincentes — enfrentando problemas com agiotas, sendo exigidos resgates, ou querendo apoiar crianças em um orfanato, por exemplo. Mas isso estava longe da verdade. Embora jogadores de uma única vez às vezes participassem por essas razões, qualquer pessoa que fizesse carreira como regular nesses jogos, cujos riscos superavam em muito os benefícios, tinha que não estar muito certa da cabeça. A razão mais comum pela qual as pessoas se tornavam regulares era o desejo de saborear o emocionante risco de vida ou morte. Havia também um contingente considerável de jogadores que haviam decidido morrer por suicídio e decidiram participar por pura diversão. Às vezes, psicopatas impiedosos aproveitavam os jogos como oportunidades ideais para cometer massacres sem consequências legais. Independentemente da razão, era melhor ter uma razão clara; embora possa ser difícil de acreditar, muitos jogadores simplesmente se acomodavam nos jogos sem motivo aparente.

Yuki era uma delas.

Não era que ela não tivesse uma razão. Ela tinha poucas chances de encontrar um emprego comum como alguém que não possuía as habilidades necessárias para sobreviver na sociedade. Ela sentia orgulho em ter algo em que era pelo menos um pouco boa. Ela havia feito várias conexões com jogadores como Hakushi. Ela se sentia confortável como jogadora. E ela também encontrava diversão nos jogos em si. No entanto, todas essas justificativas eram frágeis, mesmo quando combinadas. Yuki não tinha escolha a não ser reconhecer que ela mesma não estava muito certa da cabeça. Surpreendentemente, ela tinha a maior dificuldade em entender seus próprios sentimentos. Mais caos rugia em seu coração do que em sua geladeira em casa.

Em palavras, ela estava cheia de autodesprezo. Sem vontade de viver, ela jogava nos jogos com a mesma mentalidade que teria ao engolir um punhado de pílulas para dormir.

—Você é a pessoa que eu menos entendo, Mestre — disse Yuki. — Noventa e nove jogos? Não é como se você fosse ganhar um troféu ou dinheiro extra por chegar tão longe, certo?

—Sim, será apenas um novo recorde. Mas, honestamente, isso nem é garantido. Pelo que eu sei, noventa e oito é o recorde mais longo.

—Estou surpresa que você consiga se agarrar a isso.

—Eu quero um objetivo. — Hakushi se levantou. — Eventualmente, você também perceberá isso.

Yuki ficou em silêncio.

Um recorde de noventa e nove jogos consecutivos.

Esse era o objetivo que sua mentora buscava alcançar. De todas as razões difíceis de se empatizar que os regulares tinham, a de Hakushi era muito mais enigmática do que as demais. Primeiro de tudo, o nível de dificuldade era inimaginável. Noventa e nove jogos, cada um com uma taxa de sobrevivência em torno de 70 por cento. Yuki não tentou calcular as probabilidades, mas tinha que ser um número astronomicamente pequeno. O perigo também era inimaginável, claro. Quebrar a sequência significava a morte. Como Hakushi conseguia invocar a motivação para arriscar sua vida? E, como ela mesma mencionou, o recorde real era incerto. Noventa e nove jogos talvez não fossem suficientes, ou talvez ela já tivesse entrado em território desconhecido ao completar seu nonagésimo quinto jogo. Yuki imaginou que havia uma chance substancial de que o último fosse verdade, caso em que sua mentora era a definição de dicionário de uma tola.

Mesmo assim, um objetivo era um objetivo. Apenas ter um já tornava Hakushi mais digna do que sua aluna. Yuki não tinha intenção de zombar de Hakushi; na verdade, ela até sentia um senso de inferioridade em relação a ela. Para seu embaraço, ela não conseguia se identificar com a atitude de seguir corajosamente em direção a um objetivo.

Por mais ridículo que fosse um objetivo, pensou ela, é muito melhor ter um do que vagar pela vida como eu.

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Pouco depois, Hakushi foi designada como líder do Time das Coelhinhas. Mesmo com mais de duzentos jogadores regulares presentes, nenhum possuía o nível de experiência que ela tinha.

As Coelhinhas realizaram sua reunião de estratégia. O jogo compartilhava regras semelhantes ao esconde-esconde, mas considerando a duração de uma semana, era irrealista continuar fugindo dos Troncos. Se cada um dos trinta Troncos cumprisse a condição de vitória de cinco mortes, metade das trezentas Coelhinhas morreria, colocando a taxa de sobrevivência em apenas cerca de 50 por cento.

Naturalmente, surgiu a ideia de uma estratégia ofensiva, que envolvia roubar e usar as armas que os Troncos provavelmente possuíam para matá-los em vez disso. Quanto mais Troncos as Coelhinhas eliminassem, mais membros de seu time poderiam evitar a morte, elevando assim a taxa de sobrevivência. Teoricamente, seria possível para o Time das Coelhinhas terminar o jogo sem baixas, eliminando completamente o Time dos Troncos. Esse seria o maior pontuação possível neste jogo e, para as Coelhinhas, a forma ideal de vitória.

O problema com a estratégia era que alguém teria que enfrentar os Troncos armados. Yuki se perguntou quem assumiria esse papel, mas Hakushi e a maioria dos jogadores regulares se voluntariaram de bom grado. Conseguir roubar uma arma aumentaria significativamente as chances de sobrevivência daquela Coelhinha, já que um Tronco não teria razão para perseguir intencionalmente uma Coelhinha armada quando muitas outras estavam desarmadas. Mergulhar no perigo, portanto, aumentaria as chances de sobrevivência. Era uma estratégia arriscada, completamente adequada para jogadores regulares de jogos mortais.

Yuki decidiu não adotar essas táticas, pensando que era melhor deixar esse trabalho para os veteranos. Em vez disso, ela escolheu permanecer na grande sala, como outros jogadores cautelosos que optaram por não lutar contra os Troncos, junto com o grupo de novatos. Com os olhos no grupo de Coelhinhas combativas lideradas por Hakushi, que discutiam a melhor formação para atravessar o labirinto, Yuki ponderou algo que não tinha nada a ver com o jogo em si — os trajes.

Ela sabia que o Time das Coelhinhas estava usando fantasias de coelhinhas.

O que, então, os Troncos estariam vestindo?

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Início do jogo.

Moegi acordou no meio de uma floresta.

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Para Moegi, o pior momento de um jogo era logo no início. Isso porque sua cabeça sempre latejava. As dores de cabeça lamentavam o sono inadequado, como aquelas que surgem após uma soneca longa demais ou na manhã seguinte a uma noite em claro. Moegi culpava a medicação usada para colocar os jogadores para dormir. Talvez fosse completamente incompatível com ela, ou talvez os outros jogadores também estivessem com dores de cabeça, mas estivessem suportando a dor. Ela sempre planejava perguntar às outras meninas, mas, toda vez, o início do jogo rapidamente lhe tirava a oportunidade, e desta vez provavelmente não seria diferente. Sentindo-se meio resignada, Moegi abriu os olhos.

Início do jogo. Moegi acordou no meio de uma floresta.

Imediatamente, ela percebeu que não era uma floresta de verdade, pois sentia suas costas apoiadas em algo perfeitamente plano que só poderia ser feito pelo homem. Ela se levantou do chão, espalhando folhas falsas com a textura de celofane pelo ar.

Ela se encontrava dentro de um espaço do tamanho de uma sala de aula, projetado para imitar um ambiente natural.

A imagem de uma sala de aula veio à mente porque havia algumas dezenas de outras pessoas ao redor que, como Moegi, pareciam ser garotas adolescentes. E, apesar da falta de evidências concretas, ela sabia que elas tinham que ser estudantes de ensino fundamental ou médio. Neste país, qualquer pessoa em idade escolar emanava uma aura notavelmente diferente da de estudantes universitários e adultos que trabalhavam.

As outras já haviam acordado e se viraram para olhar para a sonolenta.

—...Olá — cumprimentou Moegi, sentindo-se um pouco envergonhada. — Sou Moegi. Prazer em conhecer vocês.

Várias garotas responderam com cumprimentos próprios.

—Então... parece que fui a última a acordar. As regras já foram explicadas?

Ela esperava iniciar a conversa com um pequeno bate-papo, mas, ao contrário de suas expectativas, as outras garotas mostraram grande relutância.

—Er... olá? — chamou Moegi, mas, novamente, elas mostraram pouca reação.

Achando estranho, ela examinou toda a sala. Havia cerca de trinta jogadoras no total — provavelmente exatamente trinta, incluindo Moegi. Elas pareciam estar nervosamente avaliando o ambiente, como se estivessem na primeira aula de um novo período escolar. Isso sugeria que elas não estavam acostumadas a essa situação.

Uma teoria surgiu na mente de Moegi, e ela não pôde evitar expressá-la em voz alta.

—...Não me digam... É a primeira vez de todo mundo? — Depois que ninguém mostrou uma resposta visível, Moegi reformulou sua pergunta. —...Er... Vocês estão confusas sobre por que estão aqui?

As outras garotas olharam ao redor para avaliar as reações umas das outras, e logo cada uma delas começou a balançar a cabeça em diferentes momentos. Embora a hesitação colorisse seus movimentos, não importava o quão descoordenado fosse o coro de cabeças, só havia uma interpretação possível: Elas estavam expressando acenos de confirmação.

Elas eram todas inexperientes.

Eram todas jogadoras de primeira viagem.

Excluindo Moegi, todas e cada uma delas eram novatas.

—...... — Ela segurou a cabeça. — Isso é ruim...

—Com licença... — Uma das garotas levantou a mão.

—O que foi? — Moegi perguntou.

—Por ‘primeira vez’, isso significa que você tem experiência com... seja lá o que for isso, Moegi? Você sabe o que está acontecendo?

—...Sim. — Moegi lançou um olhar de soslaio para a garota. — Mas olhe, vocês não precisam que eu explique tudo. Acho que todas vocês já têm alguma ideia. Deixem suas imaginações adolescentes correrem soltas, e o que resultar disso é a resposta. Tenho certeza de que vocês pelo menos já ouviram falar disso antes.

A outra garota ficou em silêncio.

Moegi acrescentou: — Isso não é um programa de pegadinhas ou uma promoção de filme, a propósito.

Ela deu outra olhada ao redor.

Além do fato de que a sala foi modelada para parecer uma floresta, duas coisas se destacaram como incomuns.

A primeira era uma porta que levava para fora. Ela era feita de aço robusto e emanava uma aura imponente que gritava “Você não passará.” Na verdade, estava trancada. Ao lado da porta havia um pequeno painel LCD com números vermelhos que diminuíam a cada segundo. O visor mostrava 06:12:56 quando Moegi olhou para ele, sugerindo que algo aconteceria em mais seis horas.

A segunda era um personagem mascote em um dos cantos da sala. Era uma árvore diferente de qualquer outra na sala, uma que tinha um metro de altura e não tentava esconder sua artificialidade. O rosto de um homem velho estava entalhado em seu tronco. Moegi imaginou que a árvore com rosto humano era o explicador do jogo. Ela tocou suavemente a parte superior da árvore, como se estivesse acariciando sua cabeça.

Uma risada ecoou, e um ruído eletrônico começou a tocar.

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A explicação dada pela árvore seria ligeiramente condensada.

Isso era necessário porque os explicadores sempre se alongavam demais. Eles faziam declarações provocativas contra os jogadores, falavam em círculos, riam com vozes irritantes e eram desagradáveis de várias maneiras. Moegi simplesmente não suportava ouvi-los. Ela filtrava mentalmente cerca de 80% do que a árvore tinha a dizer e organizava as informações restantes da seguinte forma:

Aquilo era um jogo de esconde-esconde, e o time de Moegi seria o dos buscadores. Quando a contagem regressiva ao lado da porta chegasse a zero, o jogo começaria oficialmente. O time deles teria que caçar as trezentas Coelhinhas do outro lado da porta. O jogo duraria uma semana, durante a qual cada uma delas precisaria matar cinco Coelhinhas. Qualquer buscadora — o explicador as chamava de "Troncos" — que não cumprisse essa cota seria morta por um dispositivo implantado em seus corpos.

Havia algumas regras mais detalhadas. A condição para vencer o jogo seria avaliada individualmente para cada Tronco. Em outras palavras, não era uma partida em equipe. Os Troncos podiam trabalhar juntas, mas, essencialmente, era cada uma por si. Somente o número de Coelhinhas mortas contaria para a condição de vitória; qualquer morte entre Troncos ou entre Coelhinhas não resultaria em nenhum resultado positivo. Se vários Troncos trabalhassem juntas para acabar com uma Coelhinha, a morte contaria apenas para a Tronco que desse o golpe final. Uma buscadora podia verificar sua contagem individual de mortes tocando o explicador. Além disso, o jogo só terminaria após uma semana, e qualquer Tronco que cumprisse sua cota cedo teria que esperar até lá. Elas também foram avisadas para ficarem atentas à retaliação do Time das Coelhinhas.

Assim que o explicador terminou seu discurso, uma das paredes girou. Do outro lado, estavam pendurados três tipos diferentes de armas.

A primeira era modelada como uma flor de ipomeia. Tinha um cano em forma de trombeta, além de um gatilho, empunhadura e cão. A arma era de tamanho reduzido, cabendo bem na mão de uma garota. As sementes de ipomeia não continham substâncias alucinógenas? Se assim fosse, qualquer coisa que essa flor disparasse provavelmente deixaria a pessoa inconsciente. Moegi pegou uma e percebeu que a arma lhe parecia familiar — devia ter sido reaproveitada de um jogo anterior. Pelo que ela se lembrava, podia ser disparada oito vezes, mas, como o carregador não podia ser recarregado, era inútil quando a munição acabava.

A segunda parecia uma folha de bambu. Havia um relato de alguma figura histórica ter usado uma folha de bambu como arma, mas isso aparentemente era completamente fabricado. Ainda assim, as folhas na parede eram magnificamente afiadas. A lâmina parecia ter mais de quinze centímetros de comprimento e era tão leve quanto uma folha de bambu real. Movê-la no ar resultava em um corte satisfatório, deixando Moegi com a sensação imoral de querer testá-la em combate.

A terceira lembrava uma pinha. Era pequena o suficiente para ser segurada em uma mão, mas, ao contrário das outras duas armas, ostentava um peso considerável. A pinha havia sido completamente pintada de marrom, e o pino na ponta era feito de um material transparente, talvez para manter a ilusão. As pinhas certamente seriam altamente inflamáveis, mas, sem nada na sala que oferecesse abrigo contra um incêndio, Moegi não sentiu nenhuma inclinação de testar essa teoria.

Essas armas eram suas amigas da floresta. E elas representavam uma grande ameaça, sem o menor traço de misericórdia.

A parede segurava dez de cada arma, totalizando trinta, o suficiente para que cada membro do time pudesse empunhar uma.

Moegi pegou todas as dez folhas de bambu e começou a jogá-las para as diferentes Troncos. Algumas garotas as pegaram habilmente, enquanto outras as recolheram depois que se fincaram no chão. De qualquer forma, ninguém parecia duvidar de que eram armas reais, já que pequenos gritos surgiram um após o outro.

—Querem verificar se as outras também são reais? — Moegi apontou para as ipomeias e as pinhas.

Ninguém respondeu. Moegi interpretou o silêncio como um sinal de que não era necessário.

—Tudo o que a árvore explicou é verdade — continuou ela. — Em seis horas, aquela porta se abrirá, e o jogo começará. Cada uma de nós precisa matar cinco pessoas ao longo da próxima semana.

Ninguém reagiu. Moegi ignorou o silêncio e prosseguiu.

—Há trezentas Coelhinhas no total. Como somos trinta, precisamos matar cento e cinquenta no total, se todas quisermos cumprir a cota. Se fizermos as coisas direitinho, todas podemos sobreviver juntas. Vamos nos unir e dar o nosso melhor.

—Vamos fazer isso — disse ninguém. Tudo o que enchia a sala era o silêncio único e desconfortável que surgia quando um grupo de pessoas se encontrava pela primeira vez.

Uma das Troncos levantou a mão.

—O que foi? — perguntou Moegi.

—...Isso é mesmo real? — A voz da garota tremia. — Você está por dentro disso, não está? Quero dizer, é estranho você ser a única que sabe alguma coisa...

........

Era inútil. Moegi sabia disso muito bem.

Isso se aplicava a muitos aspectos diferentes da situação. Em primeiro lugar, seria impossível convencer aquelas garotas da realidade do jogo. Afinal, havia vinte e nove novatas entre as trinta. De fato, se estivesse no lugar delas, Moegi também teria dificuldade em acreditar. As chances de ela conseguir convencê-las sozinha eram mínimas.

Mesmo que conseguisse, isso só colocaria seu time na linha de partida. O jogo era uma competição entre Coelhinhas e Troncos, e era difícil imaginar que um grupo de novatas conseguisse se sair bem. Para piorar, elas tinham que caçar o outro time. Ao contrário das Coelhinhas, que só precisavam correr, os Troncos precisavam agir de forma decisiva para sobreviver.

Talvez eu as abandone e jogue sozinha.

Esse pensamento passou pela mente de Moegi. No entanto, também era impraticável. A ideia de navegar pelo jogo sozinha era perigosa, até mesmo imprudente.

O explicador fazia parecer que o time dela iria massacrar as Coelhinhas, mas isso provavelmente não seria o caso. Moegi entendia que o cerne desse jogo era a matança mútua. Não havia como as Coelhinhas caírem sem lutar, e era mais do que possível que elas roubassem as armas em uma luta e contra-atacassem. O explicador não mencionou nenhuma regra que protegesse os Troncos, o que significava que elas também corriam risco de morte. Além disso, um contra-ataque não era nem o pior cenário — um número significativo de Coelhinhas provavelmente estaria se preparando para lançar uma ofensiva total. Fazia sentido — reduzir o número de Troncos aumentaria o número de Coelhinhas que poderiam sobreviver. Jogadores de jogos mortais sentiam grande prazer em estratégias arriscadas desse tipo; isso era algo que Moegi havia aprendido em seus dois jogos anteriores.

Moegi não era tão capaz a ponto de emergir vitoriosa em um confronto contra as Coelhinhas sozinha. Ela estava comandando seu time como se fosse uma veterana experiente, mas esse era apenas seu terceiro jogo. Ela ainda estava aprendendo lentamente sob a orientação de sua mentora. E, embora seu time tivesse a vantagem das armas, seria muito imprudente andar sozinha, quando as trezentas Coelhinhas poderiam usar sua força numérica para lançar um ataque. Idealmente, os Troncos também deveriam coordenar-se como um grupo.

Mas arrastar junto um bando desorganizado de jogadoras seria inútil. Se as outras pudessem entender que isso era um jogo de vida ou morte e aprender a manusear suas armas, por mais desajeitadas que fossem, elas poderiam tirar a vida de outra pessoa. Seria inútil a menos que conseguissem ao menos isso. Nas próximas seis horas, Moegi teria que guiar suas companheiras para alcançar esse nível.

Não importando os meios.

Felizmente, ela tinha uma ideia, pois havia sido treinada para se acostumar aos jogos em um curto período de tempo. Ela poderia replicar a lição que sua mentora lhe deu sobre como matar. A questão era o seu nível de determinação — de realmente fazer isso. Ela realmente faria isso aqui? Quando se deu conta, seu coração já havia começado a disparar. Ela tocou o peito com a mão, de forma que as outras garotas não vissem, e reuniu-se por dentro, pelo menos exteriormente.


No momento seguinte, Moegi pegou uma das ipomeias da parede.—Estamos ficando sem tempo. — Ela se virou para a multidão. — Não vou tentar convencê-las com palavras. Vejam. Ouçam. Sintam.

Ela apontou o cano da ipomeia para uma garota aleatória—

E disparou três vezes.

(10/43)

Sementes saíram voando da flor, perfurando as pernas e o torso da garota. O Tratamento de Preservação entrou em ação, fazendo com que uma substância branca e fofa escapasse de seus ferimentos. Embora o sangramento tenha cessado imediatamente, nenhum ser humano seria capaz de permanecer em pé após levar tiros nas duas pernas — a garota caiu de joelhos. As folhas no chão amorteceram sua queda.

Momentos depois, ela começou a chorar como um bebê. Sua voz não era muito alta. Assim como dizem que tiros na vida real são mais suaves do que nos filmes, gritos reais nunca atingem volumes muito altos, o que significava que Moegi podia ser facilmente ouvida acima dos lamentos.

—Matem ela. Isso vai servir como prática. Todas vocês, matem ela.

A mesma expressão se formou nos rostos de todas as outras Troncos.

Moegi apontou o cano da arma para outra garota. —Qual é o seu nome?

—Er... Eu... Eu sou Kabane.

—Certo. Bem, Kabane, esfaqueie aquela garota se não quiser levar um tiro. — Moegi lançou um olhar para a folha de bambu na mão direita de Kabane. — Use essa arma.

—Duas vezes por pessoa — essa é a cota. Estafe até pelo menos o centro da lâmina. Idealmente, mire em um ponto vital.

—Mas... — Kabane hesitou.

—Estamos perdidas a menos que cada uma de vocês consiga suportar esfaquear alguém — resmungou Moegi, sua frustração crescendo a cada segundo. — Ouviram bem? Este jogo não se trata de caçar Coelhinhas — é uma batalha até a morte. Com cada Tronco que morrer, mais Coelhinhas poderão sobreviver, então elas certamente virão atrás de nós. Se mostrar fraqueza, terá sua arma roubada por uma Coelhinha e será morta. Isso não é ruim apenas para você, mas também prejudicará nosso time. Não teremos chance a menos que você consiga brandir uma lâmina sem hesitação.

Mesmo após essa explicação adicional, Kabane ainda estava relutante em agir.

Talvez eu deva fazer outro exemplo, pensou Moegi. Mais três tiros ecoaram no ar. Todas as três sementes perfuraram o torso de Kabane, e ela caiu no chão como uma marionete com os fios cortados. Várias garotas ofegaram ao mesmo tempo, enchendo a sala com um som de choque.

—Que isso sirva de aviso — disse Moegi. — Estou perfeitamente disposta a matar cinco ou seis de vocês, se for necessário. — Ela se encostou na parede das armas. — Prefiro um grupo de vinte e cinco lutadoras mal treinadas a trinta amadoras desastradas em qualquer dia da semana. Vocês precisam se acostumar a tirar vidas o mais rápido possível, e alguns sacrifícios são necessários para que isso aconteça.

Não importa o que você esteja fazendo, a primeira vez é sempre a mais difícil. Isso ocorre porque fazer algo pela primeira vez representa um ato de se transformar em alguém novo — um ato de se transformar de alguém que não fazia para alguém que faz. Realizar qualquer ação sempre se baseia na primeira vez. A mesma lógica se aplica a por que jogos móveis oferecem giros especiais de gacha para novos jogadores, por que serviços de dinheiro eletrônico dão grandes descontos para novos usuários e por que aplicativos de entrega de comida fornecem cupons generosos no cadastro. Uma vez que alguém supera o primeiro obstáculo, qualquer coisa depois disso se torna fácil. O ato de matar não é exceção; qualquer pessoa veria uma melhoria rápida após a primeira morte. Por isso, a prioridade de Moegi era estabelecer o clima certo e preparar o terreno para que as outras superassem esse obstáculo, sem se importar com as aparências.

Enfraquecer a presa de antemão. Ameaçar as outras apontando a ipomeia para a cabeça delas. E, além disso, manipular a multidão com palavras persuasivas.

—Qual é o seu nome?

Moegi apontou a ipomeia para uma garota aleatória pela terceira vez. Desta vez, ela escolheu alguém que parecia estar relativamente mais calma.

Um segundo depois, a garota respondeu: —...Hikawa.

—Esfaqueie uma delas. Não me importa qual.

Como era de se esperar, a garota não reagiu imediatamente.

Moegi acrescentou: —Você prefere chorar no chão como aquele bebê ali? Ou vai pegar uma arma para sobreviver?

A falácia da falsa dicotomia: uma técnica retórica em que apresentar duas escolhas extremas faz parecer que não existe outra opção. Era pura sofisma, mas isso não impediu Moegi de tentar. Ela havia decidido usar tudo o que pudesse.

—Você tem três segundos — disse. — Um. Dois—

Não foi necessário contar até três. Com a folha de bambu na mão, Hikawa mudou para uma empunhadura reversa e esfaqueou Kabane na coxa. O grito da garota ficou mais alto.

Depois de esperar que o barulho diminuísse, Moegi disse: —Mais uma vez.

Dessa vez, ela nem precisou contar. Um segundo ferimento de faca apareceu a dez centímetros do primeiro. O grito que encheu a sala foi mais baixo do que o anterior, reforçando a teoria de que a primeira vez para qualquer coisa é sempre a mais difícil.

—Ótimo. Agora, entregue a folha para quem você quiser. Ela será a próxima.

Hikawa fez o que foi instruída.

Moegi apontou a ipomeia para a próxima garota. —Três segundos.

(11/43)

Ela repetiu tantas vezes as três segundos que desenvolveu um estranho sotaque, e apesar de muitos sucessos, apenas Kabane foi esfaqueada. Ela expirou antes que a outra garota— aquela que Moegi havia atirado primeiro— fosse esfaqueada sequer uma vez. Isso aconteceu porque todos simplesmente seguiram o exemplo de quem estava à frente. Esfaquear um cadáver não era o mesmo que matar, então Moegi instruiu o resto dos jogadores a esfaquear a garota que ainda estava viva. As outras garotas demonstraram relutância, então Moegi precisou fazer outro exemplo com alguém para forçá-las a mudar de alvo.

Combinando com as duas de antes, isso fez três sacrifícios no total. Logo, as Stumps concluíram sua lição.

Três poderia ser considerado um número relativamente pequeno. Moegi pretendia matar cinco ou seis Stumps se fosse necessário e até mesmo se preparou para a possibilidade de ter que eliminar mais. Ela estava preparada para continuar reduzindo o número delas— fosse até vinte, dez ou até mesmo duas— até que as outras garotas finalmente encontrassem sua determinação. Foi um golpe de sorte precisar de apenas três sacrifícios, e no fundo, Moegi sentiu uma pontada de alegria.

Ainda assim, foram três perdas.

Moegi não via isso como ter salvo vinte e seis vidas. Ela via como três garotas sendo mortas. Embora outras Stumps tivessem dado os golpes finais, ela foi a instigadora da operação. Qualquer tribunal a julgaria como tal. Moegi havia assassinado três pessoas— e nem mesmo como parte do jogo principal; foi apenas para organizar sua equipe. Dizer que seu coração estava em dor não chegava nem perto de descrever. Moegi não era o tipo de pessoa insensível ao sofrimento dos outros. Ela era de classe média-baixa e se sentia culpada até por coisas como receber mesada demais. Ela não conseguia adotar a mesma mentalidade de sua mentora. Sua cabeça parecia pesada. A ideia de abrir um buraco nela para torná-la mais leve até passou por sua mente.

No entanto, as coisas tinham dado certo, e ela se deu crédito por isso. Uma pessoa forte que não se importava com aparências— alguém como sua mentora— teria feito tudo da mesma forma. Moegi se sentiu orgulhosa dos últimos vários minutos, durante os quais conseguiu se apresentar dessa maneira. Esse era seu objetivo, afinal. Ela sacrificaria qualquer coisa para poder agir assim o tempo todo.

Uma pessoa poderosa que nunca hesitasse nem por um instante.

Um indivíduo forte que não se importava com aparências.

Até que ela pudesse ser essa pessoa, estava preparada para superar a morte quantas vezes fosse necessário.

(12/43)

As Stumps usavam vestidos tipo jardineira.

(13/43)

O jogo finalmente começou. No momento em que o cronômetro dentro da sala chegou a zero, um barulho ensurdecedor de uma porta destrancando ecoou, como o som de portões de prisão se abrindo. Conforme decidido na reunião de estratégia, as Bunnies atravessaram o gigantesco labirinto em grupos de seis.

As Bunnies haviam inspecionado todo o labirinto antes do jogo começar, mas havia várias contradições nos relatórios de reconhecimento. Algumas paredes que tinham sido reportadas anteriormente agora haviam desaparecido. Aparentemente, também havia uma porta camuflada em uma das paredes, e as Bunnies sabiam que o barulho que ouviram momentos atrás era dessa porta se abrindo, sinalizando assim o início oficial do jogo.

Além da porta, havia um labirinto ainda maior. Devido aos corredores estreitos e às muitas voltas e reviravoltas que dificultavam a passagem de duas pessoas ao mesmo tempo, o campo de visão das jogadoras era severamente limitado. Embora não tivessem certeza das dimensões exatas do labirinto, determinaram que o local tinha aproximadamente metade do tamanho de um campo de futebol antes que a porta se abrisse. Surgiu então a teoria de que, combinada com a nova seção acessível, o labirinto agora cobria a área de um campo de futebol completo. Isso era mais do que suficiente para um labirinto, mas inegavelmente insuficiente para se esconder por uma semana, o que dava mais legitimidade à estratégia de eliminar ativamente as Stumps.

A área recém-aberta continha salas com comida, água, banhos e banheiros, garantindo que as necessidades diárias das jogadoras fossem atendidas por uma semana. As garotas secretamente sentiram um grande alívio ao saber que não teriam que comer suas próprias fezes como coelhos de verdade, e logo prosseguiram mais adentro do labirinto em busca de membros da equipe adversária.

As Stumps usavam vestidos tipo jardineira. Com base no nome do time, Yuki havia imaginado que as Stumps pareceriam personagens de árvores em uma peça infantil, mas sua teoria estava errada. Elas vestiam vestidos tipo jardineira marrons com uma blusa preta e uma fita verde ao redor do peito. A imagem fazia algum sentido, ainda que em parte, porque ela havia recebido a palavra "stump" (toco) de antemão. O traje era dividido em uma parte superior e uma inferior por um cinto, como um uniforme escolar, e como as jogadoras que o usavam tinham idade em torno do ensino fundamental, isso não trazia exatamente à mente a ideia de uma fantasia. De sua posição como Bunny, Yuki sentia apenas inveja.

Logo, ocorreu o primeiro encontro entre Bunnies e Stumps.

Aquilo sinalizou o verdadeiro início do jogo. Duas Bunnies morreram. E, em troca, sua equipe conseguiu capturar uma das Stumps.

(14/43)

—Ha! Ah-ha-ha! Ha... Ha-ha!

Uma garota estava rindo. No entanto, sua voz falhava repetidamente. Parte disso era porque lhe faltava oxigênio para sustentar a risada, mas também havia uma resistência psicológica em rir dentro da base inimiga.

—Ha-ha! Ah-ha-ha-ha!

Ela estava sendo interrogada.

Após capturar um inimigo, o interrogatório era obrigatório. Ao redor da solitária Stump estavam cerca de trinta Bunnies. Elas eram algumas das “novatas” mencionadas por Hakushi: membros do grupo de iniciantes. Como não podiam ir para a linha de frente, foram deixadas para lidar com o trabalho nos bastidores.

Elas estavam em uma sala espaçosa, a mesma em que todas as trezentas Bunnies haviam se reunido durante o prelúdio do jogo. Ela havia se tornado a base da equipe. Lá dentro estavam uma Stump capturada, cerca de trinta Bunnies do grupo de iniciantes, quarenta ou mais Bunnies cautelosas que escolheram não lutar, e cerca de dez Bunnies que haviam retornado do labirinto para descansar, totalizando mais de oitenta jogadoras.

Entre elas estava Yuki.

Ela estava de plantão, observando as iniciantes interrogarem a Stump à distância para garantir que as garotas não exagerassem. Pela experiência de Yuki, interrogatórios conduzidos por iniciantes lentamente, mas com certeza, evoluíam para violência. Ela estava pronta para intervir se notasse o menor indício de barbárie nos sorrisos delas, mas, no momento, o interrogatório ainda parecia bastante adorável. Não havia problemas.

—A gente fazia muito isso com os meninos na pré-escola — disse Yuki. — Mas agora eu não consigo me lembrar do que era tão divertido nisso.

—Coisas de criança — respondeu uma voz ao lado dela.

Yuki se virou para olhar naquela direção. Estava lá uma jogadora chamada Sumiyaka.

Sumiyaka era outra jogadora regular e uma conhecida de Yuki. Sua aparência rebelde sugeria que ela havia sido uma encrenqueira no passado, e sua voz cronicamente rouca era resultado de álcool e cigarro. Ela era a imagem de uma delinquente. Sumiyaka estava em seu vigésimo terceiro jogo da última vez que se encontraram, então ela era muito mais experiente do que Yuki. E, como Yuki, era uma das Bunnies que adotavam uma abordagem cautelosa, optando por ficar na base.

—Eu conheço muitas maneiras mais rápidas de fazer o trabalho. Elas estão dificultando as coisas para si mesmas.

—Bom, disseram para não recorrer à violência — respondeu Yuki.

Ambas, Yuki e Sumiyaka, eram jogadoras bastante competentes e sabiam muitas formas de conduzir um interrogatório eficaz— métodos que eram mais rápidos e envolviam muito mais dor. No entanto, a líder das Bunnies, Hakushi, havia proibido estritamente tais métodos, pois seriam desastrosos em um jogo com um grande número de jogadoras. Segundo ela, a violência faria com que a moral se desintegrasse e, eventualmente, levaria à queda do grupo.

—Além disso, o jeito que elas estão fazendo não é tão ridículo assim. Você nunca foi feita de cócegas por tantas pessoas, foi, Sumiyaka?

—Bom, não... — Sumiyaka lançou um olhar de soslaio para Yuki.

No instante seguinte, ela desapareceu do campo de visão de Yuki. Seus movimentos foram tão naturais que Yuki não teve tempo de reagir.

Momentos depois, Yuki sentiu um toque em ambas as axilas.

—Wah! — Yuki saltou, como um coelho. — Sumiyaka, pare com isso.

—Ha-ha, você tem razão. Não é tão ridículo assim.

O ataque de Sumiyaka não parou por aí. Em vez de soltar as axilas de Yuki, ela segurou firme com todos os dedos e começou a fazer cócegas.

—Sem dúvida — continuou. — Afinal, é o que a veterana com noventa e cinco jogos ordenou. Seguir as instruções dela não vai nos levar ao erro.

—Ela é incrível... — Yuki conseguiu dizer enquanto se contorcia. Mesmo sendo torturada por cócegas, suas palavras estavam cheias de respeito.

Hakushi estava jogando seu nonagésimo sexto jogo. Em outras palavras, ela tinha noventa e cinco vitórias consecutivas em seu currículo.

De todas as jogadoras que Yuki havia conhecido, sua mentora tinha de longe o melhor recorde de invencibilidade. A taxa média de sobrevivência em um jogo era de 70%. Yuki não conseguia calcular as chances de vencer noventa e cinco jogos, mas compreendia plenamente o quão impressionante era o recorde. Era um feito sobre-humano. Em comparação, um recorde de seis, sete ou até mesmo vinte e três jogos parecia completamente trivial, mas tanto Yuki quanto Sumiyaka estavam bem dentro da categoria de jogadoras avançadas. Especialmente Sumiyaka, que poderia ser considerada uma das cinco melhores jogadoras ativas. Ainda assim, em comparação com as duas, Hakushi estava em uma liga própria. Um deus entre os pesos-pesados— essa era a posição que ela ocupava.

—Incrível não cobre tudo. Você sabe quais são as chances de vencer noventa e cinco jogos seguidos?

—Huh...? — Yuki pensou um pouco. — Não sei, uma em mil?

—Bem longe. Tente uma em quinhentos trilhões.

Yuki ficou chocada. — Você está brincando.

—É verdade. Faz as contas quando chegar em casa. Ninguém na Terra se compara a ela. Ela é mais talentosa que qualquer um na história. Ela é diferente. Enquanto isso, estou aqui me preocupando em chegar aos trinta.

O número trinta chamou a atenção de Yuki. Quando elas se encontraram pela última vez, Sumiyaka havia vencido seu vigésimo terceiro jogo. Isso significava que agora ela estava perto de alcançar os trinta?

Antes que Yuki pudesse perguntar sobre seu recorde atual, a estimulação física em suas axilas ficou mais forte.

—Então, algum sucesso? — perguntou Sumiyaka, mudando de assunto. — No interrogatório, quero dizer. A garota mencionou algo?

—Não... Nada digno de nota. — Yuki balançou a cabeça. — Tudo o que elas conseguiram foram alguns nomes.

—Quais nomes?

—Bem, o nome dela é Kushieda, e a líder do time dela é... Ei, você pode me soltar já? — Yuki deu um tapa nas mãos de Sumiyaka, que ainda estavam em suas axilas.

—Tudo bem — ela respondeu. Yuki esperava que Sumiyaka a soltasse completamente, mas tudo o que ela fez foi mover as mãos para a frente e abraçar Yuki por trás.

—Vamos lá...

—Deixa pra lá. Me deixa te abraçar. Este é o meu vigésimo nono jogo, então estou me sentindo nervosa.

Vinte e nove.

—Bateu na Parede dos Trinta, foi? — perguntou Yuki. — Isso não é só um mito?

A Parede dos Trinta.

O termo não tinha nada a ver com a idade do casamento; referia-se ao número de jogos que uma jogadora havia vencido. Era um fenômeno em que as chances de sobrevivência de uma jogadora caíam dramaticamente em torno do trigésimo jogo, uma das muitas superstições que surgiram dentro da indústria. Normalmente, a taxa de sobrevivência de uma jogadora era mais baixa em seu primeiro jogo e aumentava gradualmente à medida que ela vencia mais e mais, ganhando experiência ao longo do caminho, mas por algum motivo, esse padrão não se mantinha por volta do número trinta.

—Não é mito. Como você explica o fato de tão poucas jogadoras terem ultrapassado os trinta? O fenômeno existe. A Parede dos Trinta é real.

—Será que os organizadores estão envolvidos de alguma forma? Talvez eles fiquem frustrados quando uma jogadora chega aos trinta?

—De jeito nenhum. Com certeza eles querem que jogadoras estrela nasçam; só traz benefícios para eles. Mas eu sei que deve haver algo. Algo que separa uma mera veterana como eu das jogadoras de ponta como a superstar dos noventa e cinco jogos.

—Como o quê?

—Eu não estaria tão nervosa se soubesse a resposta.

A conversa terminou ali.

—Sobre o que estávamos falando mesmo...? — Yuki se perguntou em voz alta.

—Do interrogatório. Você disse algo sobre ter descoberto nomes.

—Oh, certo. O outro time é liderado por alguém chamada Moegi. Aquela Stump parece extremamente assustada com ela, então logo se calou depois disso. Provavelmente, ela não vai revelar mais nada, mesmo que o interrogatório continue.

—Assustada?

—Regime de medo. — Yuki se inclinou para trás. — A líder delas está adotando uma abordagem diferente da nossa.

A Stump que estava sendo interrogada, Kushieda, era uma jogadora de primeira viagem. De acordo com as Bunnies que haviam encontrado o grupo dela, as outras duas com ela também pareciam inexperientes. Era incomum para um esquadrão ser composto inteiramente por iniciantes, então Yuki supôs que a maioria das Stumps— ou talvez até todas— eram jogadoras de primeira viagem. Essa "Moegi" devia ser uma das poucas jogadoras experientes em sua equipe. Ou, então, ela possuía o talento inato para reinar como uma déspota, conseguindo organizar seu lado em um curto período de tempo através de táticas assustadoras. Isso tinha que ser.

—Se eu estivesse no lugar dela, provavelmente teria feito o mesmo — continuou Yuki. — Essa é a única maneira de impulsionar os iniciantes à ação.

—Então, o quê? Com base na teoria de Hakushi, isso significa que nosso lado está melhor organizado?

—Sim. Em teoria, pelo menos. — Yuki concordou nesse ponto. — Mas isso não é motivo para relaxar... Mesmo se estivermos melhor organizadas, isso não necessariamente se traduz em vantagem. O outro time pode ter armas que não conhecemos.

—Já sabemos de dois tipos até agora, certo?

—Certo. Uma faca que se assemelha a uma folha de bambu e uma pistola que parece uma glória-da-manhã. Infelizmente, não conseguimos colocar as mãos na última.

—Não seria surpreendente se a equipe delas tivesse uma terceira.

—Ei, uma pistola é melhor que uma faca? — perguntou Yuki. — Já ouvi coisas sobre como armas de fogo não são úteis em combate corpo a corpo e como não são uma ameaça nas mãos de uma iniciante.

—Não sei. Não sou profissional.

—Mas qual é a sua opinião?

—Armas de fogo têm seus prós e contras. Mas com o Tratamento de Preservação, uma faca não seria um pouco melhor? É mais fácil mirar nos pontos vitais — disse Sumiyaka, balançando a mão. A julgar pela sua pegada, ela estava cometendo um assassinato no ar com uma faca de ar. — Além disso, as pistolas no jogo são fáceis para iniciantes e garotas usarem.

—Como você sabe?

—Esses jogos sempre reutilizam as mesmas armas. Os organizadores só mudam a aparência delas. As pistolas têm capacidade para oito tiros e não podem ser recarregadas. Elas são do tamanho ideal para mulheres e cabem confortavelmente em nossas mãos.

—Parece um pouco exagerado chamá-las de 'do tamanho ideal para mulheres'...

Yuki imaginou a arma. Como não podia ser recarregada, uma vez que os oito tiros fossem disparados, não seria mais perigosa do que uma verdadeira glória-da-manhã. Essa informação seria importante para manter em mente ao lutar contra uma Stump. A avaliação de Sumiyaka sobre como uma faca seria um pouco melhor parecia levar em consideração as especificações das armas.

Era possível que as pistolas tivessem sido atualizadas para comportar doze tiros, e o inimigo sempre poderia armar uma cilada fingindo ter ficado sem balas enquanto escondia outra arma consigo. De qualquer forma, não havia mal em memorizar a informação que Sumiyaka havia oferecido.

...........

Não. Isso não era necessariamente verdade.

No momento, Yuki não tinha nenhum papel a desempenhar. Ela só era capaz de desfrutar desses momentos pacíficos em um jogo de morte porque havia muitas jogadoras mais experientes do que ela. As veteranas iriam lutar contra as Stumps e virar a maré da batalha a favor delas. Tudo o que Yuki tinha que fazer era ficar parada naquela sala como um fantasma. Ela não precisava de nenhuma informação sobre as armas inimigas.

—Huh? — A voz era de Sumiyaka. — Para onde foi aquela garota?

Sumiyaka havia se inclinado para frente, seu peito farto pressionando contra as costas de Yuki.

—Quem?

—Aquela garota com o cabelo comprido cor de caramelo. Ela estava com o grupo das novatas.

Yuki olhou para o grupo de iniciantes. Como elas estavam cercando a Stump, metade delas estava de costas para Yuki, mas não era difícil verificar a cor do cabelo delas.

Ela avistou uma garota com cabelo castanho e apontou. — É ela?

—Não, idiota. Aquele é cabelo castanho. Estou falando de alguém com cabelo cor de caramelo.

—Qual a diferença?

—Sabe, caramelo é um tom mais claro e suave.

Embora fosse impossível criar uma imagem vívida apenas com essa descrição, nenhuma das garotas parecia se encaixar.

—Tem certeza de que não foi imaginação sua? — perguntou Yuki. — Quando você a viu? Ela estava aqui agora?

—Quando toda a equipe estava reunida no início. Eu poderia jurar que ela estava naquele grupo.

—Ela poderia ser uma jogadora experiente? Não havia nenhuma regra dizendo que as iniciantes tinham que ficar juntas, certo?

—Hmm... — Sumiyaka resmungou. — Eu definitivamente a vi.

Yuki achou que ela estava muito fixada na garota. Poderia ser facilmente explicado como um engano, e mesmo que não fosse o caso, Yuki não via problema.

Logo, Sumiyaka abriu a boca novamente. — Yuki, eu vou perguntar para elas sobre—

A frase dela foi interrompida.

Uma voz alta a interrompeu.

(15/43)

—Todo mundo!

Um único substantivo. Não havia "Olhem para cá!" ou "Ouçam!" que seguisse. Ainda assim, como a voz ecoou bem, todos na sala se viraram em sua direção.

A voz vinha da entrada.

A sala não tinha portas. O interior e o exterior estavam conectados diretamente por um espaço vazio do tamanho de uma porta, e ali, bloqueando o caminho, estava ninguém menos que a líder das Bunnies, Hakushi. A super-humana que havia sobrevivido a noventa e cinco jogos de morte.

Ela não apresentava ferimentos visíveis. Em sua mão direita estava a arma em forma de glória-da-manhã que havia sido mencionada na conversa entre Yuki e Sumiyaka. Isso significava que Hakushi havia encontrado uma Stump com uma arma e conseguido roubá-la sem sofrer nenhum ferimento. Mas, apesar desse feito, ela estava ofegante, e seu rosto estava tomado pelo pânico.

—Todas vocês, levantem-se! — A expressão de Hakushi continuava frenética. — Fujam! Vamos cancelar a estratégia! Alguém entre as Bunnies é uma—

(16/43)

Moegi havia sido encurralada.

A diferença de força entre elas era evidente.

(17/43)

Moegi não tinha ideia de qual seria a formação ideal. Ela não tinha experiência militar, nem tinha particular interesse por esses assuntos. O melhor que conseguiu pensar foi em esquadrões de três, pois achava que os grupos não deveriam ser muito grandes nem muito pequenos. Com poucos jogadores, eles estariam em risco de serem dominados pela quantidade de oponentes, enquanto grupos grandes demais diminuiriam o senso de autonomia de cada indivíduo, efetivamente cortando sua força pela metade. Ela determinou que esquadrões de três eram uma disposição apropriada.

Ela não sabia se essa havia sido a melhor decisão.

Independentemente disso, a realidade era que o jogo progredia com as Stumps em constante desvantagem. A previsão de Moegi sobre o Time Bunny adotar uma postura ofensiva estava certeira. Depois de apenas trinta minutos, o primeiro esquadrão voltou para relatar a captura de Kushieda, e as coisas rapidamente pioraram a partir daí. Durante as primeiras seis horas de jogo, as Stumps foram reduzidas a menos da metade. Em contraste, as Bunnies perderam aproximadamente o mesmo número ou menos. Com ambas as equipes perdendo jogadoras na mesma proporção, até um goblin poderia calcular qual time seria o primeiro a ser eliminado se as coisas continuassem assim.

A boa notícia era que todas as Stumps estavam lutando o melhor que podiam. O time delas conseguiu evitar o pior cenário de não conseguir matar nenhuma jogadora. Isso significava que a lição de Moegi havia sido parcialmente bem-sucedida, e enquanto ela podia dizer que fez o seu melhor nesse aspecto, esses jogos não premiavam menções honrosas.

Ela precisava fazer algo em breve, ou a morte seria inevitável.

Enquanto isso aconteceria se as Stumps perdessem para as Bunnies, nesta fase do jogo, Moegi também temia suas próprias companheiras. Afinal, o mundo não era tão indulgente a ponto de permitir que uma líder incompetente reinasse até o fim dos tempos. Considerando que nenhum reinado de terror dura para sempre, a vida de Moegi estava em grande perigo.

O que fazer? O que ela deveria fazer?

Ela estava na base do Time Stump. Era a sala do tamanho de uma sala de aula onde todas elas haviam acordado. Moegi se encostou na parede vazia que antes segurava três variedades de armas e começou a pensar.

O que uma pessoa forte faria nessas circunstâncias?

Se ela fosse uma pessoa forte que não se importava com as aparências, se estivesse no lugar de sua mentora, o que ela deveria fazer? Moegi não conseguiu encontrar uma resposta. Não, na verdade, ela tinha uma resposta: Elas nunca teriam se colocado nessa situação para começo de conversa. Elas teriam usado sua liderança superior para coordenar melhor suas forças e quase dizimado todo o Time Bunny até agora. Essa era a resposta. Com a situação atual, nem mesmo sua mentora seria capaz de reverter as coisas. Era tarde demais. No momento em que alguém se colocava em uma posição desvantajosa, perdia o direito de ser considerada uma pessoa forte. Quando Napoleão e o Império Romano sofreram derrotas, perderam de forma decisiva. Já era. O destino de Moegi já estava selado.

Esses pensamentos passaram por sua cabeça.

Ela só podia esperar que a realidade inevitável desabasse sobre ela.

Era a primeira vez na vida que o medo a dominava por dentro. Ela estava como um condenado no corredor da morte subindo as escadas pela última vez. Um empresário à beira da falência. Um operário sem aspirações de construir uma carreira. Moegi havia visto cenas em filmes onde comandantes militares se matavam ao serem cercados pelo inimigo, e ela ingenuamente se perguntava por que não lutavam até o fim, mas agora ela sabia. Era porque o tempo gasto esperando pela morte era muito mais aterrorizante do que a própria morte. Encarar a certeza da morte despertava um medo puro e inalterado.

—Com licença.

A mão direita de Moegi tremeu. Nela estava uma das glórias-da-manhã, a mesma que ela havia usado durante a lição. Ela atirou na primeira garota três vezes, na segunda garota três vezes e na terceira garota uma vez, então restava uma bala dentro.

Um pensamento passou por sua mente, assustador demais para ser dito em voz alta: Como seria realmente? Ela passaria de forma indolor? Por causa do Tratamento de Preservação e do pequeno diâmetro do cano da arma, ela poderia sofrer bastante. Mas, independentemente dos meios, o resultado não mudaria. Mesmo que fosse doloroso, ela ainda achava que era uma opção viável.

Moegi lentamente levantou a mão direita—

—Com licença!

Foi como se ela tivesse sido respingada com água.

Ela ficou surpresa. Sua cabeça se levantou abruptamente depois de ter caído para baixo em algum momento.

À sua frente estava uma Stump.

O nome da garota era Airi, e ela tinha belos olhos índigo. Ela era uma das jogadoras que rapidamente se adaptou à lição de Moegi, e já havia matado quatro Bunnies com sucesso.

Em sua mão estava uma folha de bambu.

O coração de Moegi quase saiu pela boca. Um pensamento aterrorizante passou por sua mente, e ela ficou paralisada. Seu braço direito parou sua ascensão em uma posição estranha. Ela estava completamente imóvel.

Se Airi percebeu ou não que estava em posição de brincar livremente com a garota à sua frente, ela não deu sinais. Em vez disso, Airi moveu os lábios. — Tenho algo a relatar.

Levou três segundos inteiros para Moegi responder. Esse foi o tempo que ela precisou para agarrar sua alma, que havia saltado para o ar.

—...O quê?

—Eu... descobri algo estranho.

O vigor voltou ao corpo de Moegi. Seu braço direito retomou o movimento e bateu em seu peito.

—...Ah... Eu... Eu entendo.

—Gostaria de ouvir? Não é algo tão importante que você precise...

—Diga. O que é?

—Eu encontrei um cadáver com as roupas arrancadas — disse Airi. — Pertencia a uma das Stumps. E ao lado do corpo estava uma roupa de coelhinha, o que significa...

—...Alguém se disfarçou — completou Moegi antes que Airi pudesse terminar.

Não havia regras proibindo tal ato. Fazer isso não mudaria o time de alguém, nem alteraria as condições para vencer o jogo. Ainda assim, as jogadoras eram livres para trocar de roupas como quisessem. Era desnecessário dizer que trocar uma roupa embaraçosa de coelhinha por um vestido tipo jardineira, relativamente menos constrangedor, traria efeitos mentais positivos, mas também havia um propósito estratégico nisso.

Isso borrava a linha entre amigo e inimigo.

Airi continuou, — Como éramos apenas trinta no começo, acho que não confundiríamos um inimigo, mesmo que eles trocassem de roupa... mas achei melhor relatar.

—Obrigada. Bom saber.

—Também havia algo estranho sobre o cadáver que você deve saber... — Airi cobriu a boca com a mão. — Ele estava severamente mutilado. Acho que alguém mexeu nele depois da morte.

—Mutilado? — Moegi repetiu. — Pode ser mais específica?

—Não é algo agradável de se ouvir...

—Continue.

—O corpo foi aberto. — O rosto de Airi ficou pálido enquanto falava. — Os órgãos, tudo, foram removidos. Será que isso significa que há alguém no outro time que mata por prazer? Mesmo com o Tratamento de Preservação, não consigo imaginar alguém fazendo isso com outro ser humano.

(18/43)

Um calafrio percorreu o corpo de Moegi. Não porque o relato de Airi fosse assustador— claro, era assustador, mas Moegi temia outra coisa.

—O que você disse? — ela perguntou, com os lábios frios. — Por ‘aberta’, você quer dizer fileteada como um peixe...?

—...Se eu tivesse que fazer uma comparação, seria essa.

—E a garota morta foi despida?

—Sim.

Moegi olhou para sua própria roupa. Ela estava usando um vestido tipo jardineira marrom, inspirado em um toco de árvore. Comparado com a roupa de coelhinha, era relativamente folgado.

Uma lembrança voltou à sua mente.

Aquela garota havia mencionado um desgosto por roupas apertadas.

Era possível. Era totalmente possível que ela tivesse esse desejo.

—De quem era o corpo? — Moegi perguntou.

—Eu não sei quem ela era...

—Então, qual era a altura do corpo?

—Hã?

—Ela tinha cerca de um metro e setenta?

Airi parecia confusa. — Isso é relevante?

—Apenas responda.

—...A garota morta era do lado mais alto, mas não tenho certeza da altura exata.

Isso resolveu a questão. Moegi recostou-se na parede.

Ela está aqui? Neste jogo? Nesse caso, se ela matou uma pessoa assim, então...

—Airi.

—Sim?

—Saia daqui imediatamente.

Airi a encarou sem entender. Moegi conseguia ver completamente os lindos olhos índigo dela.

Moegi gaguejou, —...N-não... Espere... Então, vencer o jogo... Mas isso vai nos prejudicar...

—Hum, sobre o que você está falando? — Airi perguntou. — Uma das Bunnies se disfarçou de Stump. Tem algo mais além disso?

—Desculpe, Airi. Estou completamente perdida...

—Você pode me dizer o que está acontecendo?

—Apenas me escute e corra!! — Sua voz saiu anormalmente alta. A energia drenou do corpo de Moegi, e ela caiu no chão, mas isso não a impediu de forçar ainda mais a voz. — Matar é o mesmo que beber água do mar para ela! Uma vez que ela começa, ela não consegue parar! Os times não importam mais! Nesse ritmo, ninguém vai sobreviver!

No entanto, nem metade do que ela disse parecia ter chegado a Airi. Moegi reformulou sua explicação para que fosse mais fácil de entender. — Escute—!

(19/43)

—Alguém nas Bunnies é uma maníaca homicida! Ela tem cabelo cor de madeira de ágar!

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Logo após Hakushi gritar, dois objetos voaram por cima de sua cabeça.

Ambos os itens tinham aproximadamente o tamanho de um punho e eram moldados como pinhas. Não importava o quanto Yuki os olhasse, ela não conseguia enxergá-los como outra coisa além de pinhas. No entanto, graças ao seu conhecimento prévio sobre as glórias-da-manhã e as folhas de bambu, ficou claro que esses objetos não eram simplesmente decorações. Todos na sala, incluindo as iniciantes, provavelmente pensaram o mesmo.

Todos se jogaram no chão, esperando uma explosão.

A previsão deles estava meio certa. Embora houvesse de fato uma explosão, ela não representava perigo para suas vidas. O que se espalhou pela sala não foi ar quente ou estilhaços de pinha, mas fumaça cinza. A fumaça se expandiu de forma inesperada, considerando o tamanho das pinhas. Em um piscar de olhos, dois pequenos objetos haviam dominado uma sala com trezentas pessoas.

A visão de Yuki ficou turva, mas, em troca, sua audição se tornou mais sensível.

—Ngh...

Um som chegou aos ouvidos de Yuki, uma voz que parecia rouca demais para ser de uma garota. Yuki intuitivamente entendeu que era o som da agonia da morte. As cordas vocais de uma garota estavam tremendo de maneira involuntária depois que ela foi ferida, por exemplo, por uma facada no estômago.

Incontáveis pensamentos passaram pela mente de Yuki. Quem foi responsável pela facada? Quem havia se machucado? Poderia aquela ser a voz de Hakushi? Será que aquela "psicopata assassina" havia a alcançado? Não podia ser. Uma super-humana que havia vencido as probabilidades de uma em quinhentos trilhões cairia tão facilmente? Não. O que diabos estava acontecendo? A assassina que Hakushi mencionou provavelmente jogou as pinhas, mas isso significaria que sua mentora havia sido seguida. Impossível. Não havia como uma veterana de noventa e cinco jogos cometer um erro assim. Mas nenhuma outra explicação fazia sentido—

Yuki deu um tapa nas próprias bochechas.

—Não, — seu coração gritou. Nada disso vai ajudar. Ela havia desperdiçado vários segundos preciosos. Sua experiência limitada com jogos de morte havia mostrado sua face feia. Não—nada disso importava. Esse não era o momento de pensar nisso. Ela precisava descobrir no que focar sua mente. No que ela precisava pensar naquele momento. O que era mais importante. O que era isso?

—Como sobreviver.

—Certo. Isso faz sentido. O que você precisa fazer?

—Sair daqui.

—Sensato. Seria prudente seguir as instruções de Hakushi. Então, por que você não está fazendo isso?

—Porque há uma cortina de fumaça.

—Exatamente. Mas você se lembra de onde está a saída. O problema é que a assassina pode estar esperando em emboscada. Então, o que você deve esperar?

—Um som.

—Correto. A assassina ativou a fumaça para caçar. Espere aqui, e ela certamente atacará alguém de novo. E essa garota soltará um grito de agonia em seus momentos finais, sinalizando que o caminho está livre.

Embora fosse possível que a própria Yuki fosse a vítima infeliz, essa era a melhor estratégia que ela conseguiu pensar no curto espaço de tempo que teve. E assim, ela esperou por aquele momento sem mover um músculo. Enquanto suportava a sensação que era como estar deitada em uma mesa cirúrgica—

—Arf...

Ela ouviu um gemido de morte bobo, como o grito de uma foca peluda. Como o som veio da direção oposta à saída, Yuki correu como se sua vida dependesse disso.

(21/43)

Moegi partiu em direção ao gigantesco labirinto.

Ela estava indo caçar algumas Bunnies.

(22/43)

O interior do labirinto parecia uma imagem do inferno. A cada esquina que virava, Moegi encontrava um novo cadáver. Uma Bunny com o rosto destruído por uma glória-da-manhã. Duas Stumps que haviam caído no chão, abraçadas uma à outra. Uma Bunny que havia rastejado o máximo que pôde em seus últimos momentos, deixando para trás um rastro de pelos brancos pelo corredor. Havia também uma Stump, que provavelmente Moegi havia matado, cujas entranhas foram arrancadas de seu corpo.

Os corredores do gigantesco labirinto eram estreitos, então, sempre que Moegi encontrava um cadáver, ela tinha que passar por cima dele. No entanto, ela sentia certa relutância em fazer isso, devido à superstição de que pisar sobre uma pessoa a impediria de crescer. O fato de serem corpos mortos não mudava sua hesitação, e ela se frustrava consigo mesma por sentir culpa por algo tão trivial.

Apenas os fracos sentiam culpa. Ela não podia se deixar ser sobrecarregada por isso.

Moegi atravessava o gigantesco labirinto na esperança de matar Bunnies. Essa era a condição para vencer o jogo e sua prioridade imediata. Embora restassem mais de seis dias antes do término do tempo, se as coisas continuassem nesse ritmo, não haveria mais Bunnies para ela matar.

Isso porque a maníaca homicida, Kyara— a mentora de Moegi— estava à solta. Para a garota de cabelo cor de madeira de ágar, trezentas Bunnies seriam brincadeira de criança. Todo o Time Bunny seria aniquilado em breve. O mesmo aconteceria com as Stumps. Isso tornaria impossível cumprir a condição de vitória, e todos, Bunnies e Stumps, seriam mortos por ela antes do fim do jogo.

Todos seriam exterminados. Não haveria sobreviventes.

Nem mesmo Moegi estava segura como protegida de Kyara. Ela sabia muito bem o quão imprevisível sua mentora poderia ser. Era mais do que possível que Moegi fosse morta depois que Kyara se deixasse levar pela situação. Mesmo que isso não acontecesse, sua mentora não sabia que Moegi fazia parte do Time Stump, então não havia como ela deixar cinco Bunnies vivas para que Moegi cumprisse sua cota.

Embora essa fosse uma situação irregular, era uma questão de vida ou morte. Ela tinha que matar cinco Bunnies o mais rápido possível.

Apesar de sua pressa, Moegi ainda não havia matado nenhum membro do time adversário. Por onde passava, só encontrava cadáveres. Ela levantava as Bunnies caídas para ver se estavam realmente mortas, sentia a temperatura dos corpos para estimar quanto tempo havia se passado desde que foram mortas e escolhia a direção a seguir com base nisso, mas tudo em vão.

Talvez todos já tivessem sido assassinados—

Justo quando esse pensamento crescia em sua mente, grande demais para ser ignorado, Moegi finalmente encontrou uma sobrevivente.

Não era uma Bunny.

—Ah...

Ambas as garotas expressaram sua surpresa ao se encontrarem.

Era uma Stump. Moegi se lembrou do nome da outra garota: Hikawa. Ela havia sido a primeira a completar a lição de Moegi.

—Moegi! — disse Hikawa com uma expressão de alívio. — Estou feliz em te ver. Você ainda está viva?

—... — Moegi hesitou por um segundo antes de responder. — Sim.

—Hum, você ouviu falar? Tem uma assassina entre as Bunnies, então há mais com o que se preocupar além do jogo. Pode ser que estejamos ficando sem sobreviventes para matar... — A gramática da garota começou a falhar, mas sua mensagem foi transmitida.

—Sim — respondeu Moegi.

—Eu estava com medo de ficar sozinha, então estou feliz que te encontrei. As coisas estão uma loucura, mas vamos sobreviver juntas. — As palavras de Hikawa estavam cheias de entusiasmo.

—Sim — respondeu Moegi.

—Hum... Não quero ser um incômodo, mas posso te pedir um favor?

—O quê?

—Estou sem armas. — Hikawa tirou uma glória-da-manhã do bolso de sua jardineira. Ela apertou o gatilho duas, três vezes, mas nada saiu. — Sem balas. Se você tiver algo de sobra, eu agradeceria...

—Ok — Moegi respondeu. Ela puxou a glória-da-manhã que mantinha escondida atrás de suas costas. — Um tiro basta?

(23/43)

Ao saquear o cadáver de Hikawa, Moegi descobriu uma folha de bambu e uma pinha. A garota havia mentido descaradamente sobre não ter nenhuma arma. Talvez ela quisesse acumular o máximo possível ou talvez estivesse planejando apunhalar Moegi pelas costas no momento em que visse uma oportunidade. Se a glória-da-manhã de Hikawa não tivesse ficado sem balas, Moegi poderia muito bem ser a que estava morta.

Moegi tinha a intenção de matar Hikawa desde o início. Ela havia decidido matar qualquer um que encontrasse, Bunny ou Stump. Embora matar companheiras Stumps não contribuísse para a vitória no jogo, não havia Bunnies suficientes para todas. Na situação atual, as companheiras Stumps eram rivais disputando pedaços de um pequeno bolo.

Atualmente, Moegi tinha consigo três glórias-da-manhã, duas folhas de bambu e três pinhas. Ela havia tirado cada uma delas de uma Stump. Embora ainda não tivesse matado nenhuma Bunny, sua contagem de mortes de Stumps já havia ultrapassado cinco. Para impedir que mais alguém eliminasse mais Bunnies e para colocar as mãos em mais equipamentos, Moegi havia derrubado suas companheiras de equipe com uma determinação implacável.

Era isso que ela achava que as pessoas fortes, que não se importavam com as aparências, fariam. Era isso que ela precisava fazer para se tornar alguém assim.

Uma ideia absurda estava ganhando força na sociedade, proclamando que a verdadeira força não era medida pela proeza física, mas pela fortaleza mental. Moegi descartava isso como completo e absoluto nonsense. Não passava de uma desculpa criada por tolos patéticos que se recusavam a admitir que não tinham habilidades próprias, como uma forma de se legitimarem.

Verdadeira força.

Verdadeira força era nada mais do que a capacidade de realizar as coisas. O poder de expressar egoisticamente seus desejos. A atitude de não se importar com as aparências. Aceitar a violência como um meio para um fim. Visto de outra perspectiva, a "fortaleza mental" para suportar qualquer situação enquanto reclamações são feitas não servia para absolutamente nada. Ética, moral, respeito pela lei— tudo isso era desprezível. Era precisamente a capacidade de realizar as coisas que encarnava a ética da nova era, e qualquer um que não tivesse essa capacidade não era humano. Boas garotas perderiam tudo— essa foi a lição mais importante que Moegi aprendeu em seus dezesseis anos de vida. Foi por isso que Moegi estava participando desses jogos e por que ela se tornou protegida de Kyara. Tudo era para que ela pudesse renascer como uma nova pessoa.

Ela desprezava a Moegi que chorava o tempo todo. Ela ia se transformar em alguém sem fraquezas.

Ela ia se tornar forte.

Moegi encontrou uma Bunny.

(24/43)

A garota tinha a aura de um fantasma. Sua pele pálida dava a impressão de que ela nunca havia estado sob o sol, e seu rosto sem vida fazia parecer que ela havia perdido uma fortuna na bolsa de valores. Ela pertencia ao Time Bunny e vestia a roupa de coelhinha, mas talvez devido à aura de morte que emanava de seu corpo, a fantasia parecia surpreendentemente desajeitada nela.

Elas estavam em uma esquina. Ambas tentavam virar na direção uma da outra. Isso lembrava Moegi daquelas situações em que uma garota fofa, com uma torrada na boca, esbarra em um garoto bonito. Nesse caso, porém, não havia torrada, nem elas se esbarraram. Havia menos de trinta centímetros de distância entre elas.

O tempo parou. As duas garotas congelaram no lugar, encarando-se de perto.

—......!

Um constrangimento pairou no ar.

Incapaz de avançar, Moegi deu um passo para trás. Enquanto garantia alguma distância, ela mirou o cano da glória-da-manhã no peito da garota fantasma. Mas toda ação tem uma reação igual e oposta, então a garota fantasma recuou e desapareceu atrás da esquina.

Um tiro ecoou— seguido pelo recuo. A postura terrível de Moegi ao disparar voltou para mordê-la. Ela cambaleou para trás, com as pernas trêmulas, e caiu de bunda. Embora não sentisse dor porque as folhas no chão amorteceram sua queda, levou algum tempo para se levantar.

Na esperança de perseguir a garota fantasma, Moegi virou a esquina. A garota já estava dobrando outra esquina, mas Moegi atirou em suas costas. Ou melhor, ela apertou o gatilho para atirar nas costas da garota, mas errou e acertou a parede. Xingando a si mesma por sua incompetência, Moegi continuou a perseguição.

Ela dobrou a próxima esquina, com a glória-da-manhã em mãos. No entanto, seu alvo não estava em lugar nenhum. A única coisa à vista era um corredor vazio, envolto em silêncio.

Moegi a havia perdido de vista.

Ela abaixou a glória-da-manhã e encostou as costas na parede. Embora tivesse corrido apenas uma curta distância, estava sem fôlego, e seu coração batia acelerado. Moegi respirou fundo algumas vezes para acalmar cada órgão em seu corpo.

Então ela aguçou os ouvidos. Havia um leve farfalhar.

Eram os passos da garota fantasma. Ela havia pisado em algumas folhas. As leis da natureza ditavam que o ato de se mover geraria som. Como Moegi também estava se movendo um momento antes, o som de seus passos havia se sobreposto e a impediu de perceber que a garota estava se aproximando, mas o jogo foi projetado para permitir que as jogadoras detectassem qualquer pessoa por perto. Apesar de pensar que era inútil, Moegi avançou o mais silenciosamente possível, seguindo o ruído.

Ela virou mais três ou quatro esquinas antes de se encontrar em uma encruzilhada. Moegi correu na direção do som. E ali...

—...Hã...?

Ali, no chão, havia um par de orelhas de coelho. Uma tiara e nada mais. As orelhas estavam saltando para frente em um ritmo constante. Esse era o som do farfalhar que Moegi havia confundido com passos.

Claro, a tiara não estava se movendo por conta própria. No ápice do arco que conectava as duas orelhas, havia um nó, amarrado com a fita que adornava a fantasia das Bunnies como um laço em volta do pescoço.

A fita continuava pelo corredor. Parecia ter sido feita com fitas tiradas de cadáveres espalhados por aí, já que havia nós amarrados em intervalos regulares. Moegi não conseguia ver o que estava no final dela, pois a fita levava a outra esquina, mas era lógico pensar que a tiara estava se movendo devido à força de alguém a puxando.

Para resumir essa explicação em quatro palavras: Era uma isca.

Nesse momento, Moegi sentiu uma forte pressão em volta de seu pescoço. Ela estava sendo estrangulada por algo de textura sedosa, e rapidamente percebeu que era outra fita— ou melhor, uma corda feita de várias fitas. Moegi cambaleou para trás, mas esbarrou no corpo de alguém. Foi imediatamente óbvio de quem era.

Moegi levou a glória-da-manhã em sua mão direita até perto da orelha. Posicionando-a como se estivesse fazendo uma ligação telefônica, ela disparou um tiro na garota fantasma atrás dela, mas o esforço saiu pela culatra. O tiro ecoou em seu ouvido. Ela sentiu uma faísca na cabeça, como se tivesse injetado cafeína diretamente em seu cérebro. Ela deixou a glória-da-manhã cair de choque, e a arma caiu no chão antes de deslizar para frente em uma chuva de folhas. A garota fantasma a chutou para longe.

Mesmo depois de Moegi ter disparado a pistola, a força em volta de sua garganta permaneceu. Isso era a prova de que a bala não havia encontrado o alvo. Moegi pegou uma folha de bambu e cortou a fita em volta de seu pescoço. Embora normalmente isso fosse assustador demais para ser feito, felizmente, a falta de fluxo sanguíneo em seu cérebro a privou do senso comum. Por reflexo, ela empurrou o pescoço e a cabeça recém-libertados para frente.

Moegi simultaneamente olhou para cima e girou. Em uma série de movimentos suaves, ela ergueu a folha de bambu e a balançou sem ter tempo de mirar.

Uma mão agarrou seu pulso.

A lâmina parou bem em frente aos olhos e nariz da garota fantasma.

As duas ficaram cara a cara. Moegi não sabia por quantos segundos permaneceram naquela posição, mas o tempo todo, ela estava desesperada para empurrar a folha de bambu mais dez centímetros à frente. No entanto, ela se arrependeu disso no momento em que um chute atingiu a boca de seu estômago.

—Ah—

Um som meio parecido com um gemido escapou de seus lábios. Ela deu um passo para trás para colocar alguma distância entre elas. Agora que a garota fantasma estava se aproximando, Moegi tentou intimidá-la, agitando a folha de bambu que, de alguma forma, ainda estava em sua mão.

Então ela recuou.

Foi tanto um recuo físico quanto psicológico. A diferença nos níveis de habilidade delas havia ficado clara. A experiência de jogo delas era diferente. Moegi não tinha chance de vencer em combate corpo a corpo. Absorvida pelo pensamento amador de que não tinha escolha a não ser mirar na garota de longe com a glória-da-manhã, Moegi jogou a folha de bambu de lado e puxou as duas glórias-da-manhã restantes dos bolsos de sua jardineira.

Ela disparou, ambas as armas em chamas.

No entanto, foi nesse momento que ela se lembrou de que estavam no meio de uma encruzilhada. A garota fantasma só precisou dar um passo para o lado para desviar da chuva de balas. Ela desapareceu de vista, deixando Moegi sozinha novamente.

Uma torrente de pensamentos incontáveis desfilou pela mente de Moegi. Sua respiração tornou-se irregular. Seu ouvido direito ainda latejava. Sua blusa estava manchada de suor. O cabo da glória-da-manhã absorvia tanto calor de seu corpo quanto podia. Toda a área ao redor de seu pescoço ardia de dor, possivelmente tendo sido cortada quando ela cortou a fita.

Nenhum som de passos ecoava no ar. A garota fantasma ainda estava à espreita atrás da esquina.

Não havia como sua inimiga estar paralisada de medo. Ela devia pensar que seria vantajoso ficar parada. Afinal, com Moegi empunhando duas pistolas, seria perigoso tentar escapar de maneira imprudente. Ainda havia muitas maneiras de a garota fantasma transformar a situação em uma batalha corpo a corpo.

Moegi não tinha coragem de avançar. Um momento atrás, ela havia feito uma demonstração patética. Ela perderia se começassem a lutar. Independentemente da lógica, suas pernas simplesmente não se moviam. Não havia nada que ela pudesse fazer além de ficar ali, com a glória-da-manhã na mão, esperando que sua inimiga cometesse um erro e reaparecesse.

À medida que os segundos passavam, Moegi ficava cada vez mais aflita.

Ela ainda não havia matado nenhuma Bunny. Enquanto ela permanecia indecisa, sua mentora, Kyara, provavelmente estava dizimando outras jogadoras. Zero. A garota fantasma seria sua primeira. Moegi mordeu o lábio, frustrada com a dificuldade de matar até mesmo uma única pessoa. Para ser sincera, ela havia pensado que as coisas seriam muito mais fáceis. Subestimara a situação, acreditando que, por estar armada com pistolas contra uma oponente desarmada, poderia finalizar a tarefa com um simples apertar de gatilho.

—Como acabei em uma posição onde um movimento errado significa morte? Eu realmente tenho que fazer isso mais quatro vezes? Uma idiota como eu nunca—

—Pare com isso.

—Pare com isso. Pare com isso, pare com isso. Pare de se entregar a esses sentimentos de inutilidade. Uma pessoa forte nunca faria isso. Não é hora de se afogar em pensamentos covardes. Isso é uma provação, um ritual para renascer como meu eu ideal. Aquela garota é simplesmente um obstáculo, uma fonte de experiência, um combustível para uma história de superação que posso contar no futuro. Exatamente. Os deuses só nos dão provações que podemos conquistar. O esforço será recompensado. A vida é um jogo de soma zero, e eu vou dar a todos que me ridicularizaram no passado o que eles merecem.

—Eu não vou ser derrotada — Moegi disse em voz alta.

Ela continuou, — Eu não vou ser derrotada aqui! Eu sou a protegida de Kyara! Ouçam o meu rugido!!

Não houve resposta.

Em vez disso, a garota fantasma jogou um objeto na direção de Moegi.

(25/43)

Era uma pinha: uma granada de fumaça. Tentáculos de fumaça encheram vigorosamente a encruzilhada e se estenderam até onde Moegi estava. Na mesma velocidade, Moegi recuou.

Ela olhou para si mesma, para seu vestido tipo jardineira. Ela estava usando o cinto para carregar pinhas, e embora tivesse começado com três, agora percebeu que apenas uma estava presa. A garota fantasma havia roubado não uma, mas duas durante a luta.

Como se estivesse esperando Moegi chegar a essa realização, a segunda pinha apareceu da nuvem de fumaça, dando cambalhotas pelo ar além de Moegi. Ela explodiu atrás dela, fazendo a fumaça subir e bloquear sua rota de fuga.

Ela estava presa entre duas paredes de cinza.

Claro, a fumaça era algo que ela poderia facilmente atravessar, e essa deveria ter sido a prioridade imediata de Moegi. Não havia necessidade de deliberação sobre o que ela tinha que fazer naquele momento: escapar da fumaça e se distanciar da garota fantasma. Não era uma fuga—ela simplesmente precisava se afastar. Quer ela desistisse ou não da garota fantasma, estar bloqueada por fumaça de ambos os lados não era uma situação favorável. Ela deveria ter escapado rapidamente.

Na realidade, Moegi permaneceu paralisada. Isso porque ela temia se precipitar na fumaça, em um espaço onde seu campo de visão seria obstruído. A ideia de atravessar a cortina de fumaça nem sequer passou por sua mente.

As duas paredes de cinza se combinaram para formar um único todo e envolveram Moegi. Sua visão foi reduzida a nada.

Ela ouviu passos frenéticos.

Moegi instintivamente puxou o gatilho da glória-da-manhã, disparando duas vezes na encruzilhada. Os tiros não resultaram em gemidos, e ela percebeu que os passos não estavam se aproximando dela—eles estavam se afastando. A garota fantasma estava correndo para mais fundo no labirinto.

Ela está fugindo...

Não demorou mais do que alguns segundos para esse pensamento ser refutado. Os passos mais uma vez se aproximaram, mas estavam vindo de uma direção diferente. A garota devia ter dado a volta para tentar atacar Moegi por trás. Relutante em deixar isso acontecer, Moegi se virou rapidamente.

Um som de farfalhar mais alto ecoou por perto. Moegi se lembrou da tiara conectada a fitas no chão, então sabia que não devia confundir aquele ruído com os passos da garota fantasma. Não importa o quão distraída estivesse, ela podia distingui-los. Exatamente. Independentemente de haver ou não uma cortina de fumaça ou de a inimiga estar tentando dar a volta por trás, não mudava o fato de que Moegi tinha a vantagem de estar em um corredor reto. Afinal, o alcance de ataque delas era completamente diferente. Nenhuma pessoa, por mais experiente que fosse, poderia enfrentar duas armas de fogo estando completamente desarmada—

—Ah! — Um som escapou de sua boca.

Todo o calor drenou de seu corpo em um instante.

Ela se lembrou—no início da batalha, ela estava carregando três glórias-da-manhã.

Ela se lembrou—ela havia deixado a primeira cair depois de dispará-la ao lado do ouvido.

Ela se lembrou—a garota fantasma a chutou para longe.

Então, onde ela estava agora?

(26/43)

Tiros consecutivos ecoaram.

Metade deles veio de Moegi, enquanto a outra metade veio de outra pessoa.

Moegi estava no meio de um corredor estreito, tão apertado que era impossível contornar um cadáver sem pisar sobre ele e ainda mais impossível escapar de um ataque. Com as duas garotas agora empunhando glórias-da-manhã, a situação havia se invertido. Uma delas estava no centro de um corredor mal largo o suficiente para se mover. A outra estava próxima de uma esquina, onde seria fácil esconder o corpo. Estava claro como o dia qual delas venceria o tiroteio.

Moegi foi atingida no ombro, no estômago e na perna direita.

Ela não conseguiu nem adotar uma postura defensiva ao cair.

Se havia algo pelo qual merecia elogios, seria o fato de não deixar a dor transparecer em sua voz. No entanto, ela não conseguiu esconder o fato de que havia desabado. Ela levou mais um tiro. Já não conseguia mais identificar onde havia sido atingida. A dor percorreu todo o seu corpo, como se cada parte estivesse competindo por atenção.

Uma sensação abrasadora atacava seus nervos. Todo o seu ser parecia à beira de explodir.

Dois pensamentos preenchiam cada canto de seu cérebro. O primeiro era que ela estava com dor. O segundo era que ela queria escapar da dor. Mas, no fundo de sua mente, sabia que, mesmo que tentasse fugir, não conseguiria escapar. Moegi usou as duas mãos para tatear em busca da glória-da-manhã que havia deixado cair.

No momento seguinte, um salto alto pisou em sua mão direita.

O cano de uma arma apareceu diante de seus olhos.

......

Embora a fumaça ainda preenchesse a área, já começava a se dissipar, e não havia como enganar-se a essa distância. Ela olhou para o rosto da garota fantasma por trás da glória-da-manhã. A garota tinha uma expressão severa. Havia malícia em seus olhos? Ou seria repulsa pelo ato de matar?

Moegi focou seu olhar na glória-da-manhã apontada para seu rosto. Era a que ela havia deixado cair. Se a memória não falhava, ainda havia uma bala dentro. Mesmo que estivesse vazia, a garota simplesmente passaria a golpeá-la com o corpo da arma.

Era o fim. Moegi não precisava mais manter a fachada de força.

Ela sentiu uma sensação nos cantos dos olhos que não experimentava há muito tempo. A garota segurando a glória-da-manhã puxou o gatilho, disparando uma bala com poder de matar suficiente para perfurar um crânio humano. No breve momento que levou para a bala atravessar os menos de trinta centímetros entre o cano da arma e o rosto de Moegi— nos últimos momentos de sua vida— Moegi estava, sem sombra de dúvida, chorando.

(27/43)

A fumaça se dissipou.

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Yuki esperou a fumaça se dissipar antes de recolher as armas.

A Stump ainda tinha duas pistolas, uma pinha extra e, provavelmente, pelo menos uma folha de bambu também. Para lutar contra uma assassina psicopata, a prioridade imediata de Yuki era conseguir armas. Como a fumaça já havia clareado quando ela matou a Stump, sua visão não estava obstruída, e ela já poderia ter começado a saquear o cadáver, mas optou por ficar parada por um tempo.

No momento em que a fumaça se dissipou completamente, Yuki começou a se mover.

Ela bateu contra a parede com toda a sua força. Era dura. Nem se mexeu. Isso não a surpreendeu, já que fazia parte do cenário do jogo. Yuki não tinha a intenção de destruir a parede. Não, ela simplesmente queria extravasar sua frustração, e teria até se contentado em espancar o cadáver da Stump.

Isso porque a garota caída no chão diante dela a irritou profundamente.

—...Se gabando de ser forte e madura... — Yuki murmurou com reprovação na voz. — Uma garota como você não serve para esses jogos! Você estaria melhor no mundo real!!

A Stump não representava nenhuma ameaça. Ela não tinha talento. Yuki não tinha mais nada a dizer. A garota não mostrou o menor sinal de bom julgamento. Aparentemente, ela era a protegida daquela psicopata, mas se isso era tudo que ela conseguia fazer, não havia esperança para ela. Durante a luta, Yuki não sentiu perigo algum para sua vida. Mesmo que o mundo reiniciasse cem vezes, nada poderia impedir Yuki de vencer aquela batalha.

Na superfície, ela havia alcançado uma vitória convincente. No entanto, Yuki havia visto algo. O rosto da garota em seus últimos momentos. Foi um verdadeiro presente de despedida. Até agora, Yuki tinha visto o rosto de inúmeros jogadores morrendo, mas, ao contrário dos outros, o rosto dessa Stump não estava cheio de medo, desespero ou animosidade alimentada por uma vontade ainda ardente de lutar. Tampouco exibia uma expressão tola nascida da recusa em aceitar a morte.

O rosto da garota estava colorido de exasperação. Era a emoção resultante de colocar corpo e alma em algo e ainda assim fracassar. A compensação para uma pessoa pobre que dedicou tudo o que tinha à vida e, mesmo assim, não conseguiu alcançar os resultados desejados. O prêmio de menção honrosa desses jogos de morte. Yuki não fazia ideia do que estava por trás daquela expressão, e mesmo que descobrisse, não seria capaz de se identificar. Ainda assim, havia algo ali, algo diferente das razões frágeis de Yuki para participar desses jogos. Algo diferente dos motivos dos jogadores que participavam uma vez e desistiam. Aquela garota queria realizar algo ao continuar participando.

Seja lá o que fosse, Yuki havia destruído todas as chances disso acontecer. Como alguém que apenas flutuava pela vida, ela havia pisoteado tudo isso com seus instintos naturais.

(29/43)

Mesmo depois de Yuki terminar de saquear o corpo, suas emoções continuavam turvas. Mesmo após obter duas glórias-da-manhã, duas folhas de bambu e uma pinha, e mesmo depois de deixar o cadáver da Stump para trás, ela ainda se sentia da mesma forma. O que havia enraizado dentro de Yuki era algo que não se curaria por conta própria, e ela sentia isso crescendo lentamente, mas com certeza, dentro de sua alma.

Ela continuou andando pelo gigantesco labirinto, dirigindo-se para o acampamento base do Time Bunny sem um plano em mente. Se ela quisesse aumentar suas chances de sobrevivência, deveria ter continuado a explorar o labirinto. Hakushi havia instruído todos a continuarem fugindo da assassina psicopata, e Yuki precisaria garantir comida e água para sobreviver por uma semana. Ao retornar ao acampamento, ela corria o risco de encontrar a psicopata, como uma mariposa voando em direção a uma chama. O ato ia muito além de tolice.

Ainda assim, ela tinha o desejo de voltar. Queria ver se Hakushi estava sã e salva. Embora não tivesse ideia de se a psicopata ainda estava no acampamento base, sentia-se confiante de que sua mentora estaria lá.

Viva ou morta.

Idealmente, Hakushi ainda estaria viva. Yuki havia sido ensinada anteriormente que era impossível derrotar um assassino endurecido, mas talvez sua mentora tivesse alcançado uma vitória fácil. Talvez Hakushi tivesse reunido todas as Bunnies sobreviventes e estivesse celebrando no acampamento base nesse momento. Alternativamente, as coisas estariam bem também se ela estivesse morta. O que Yuki precisava era descobrir o que havia acontecido. Ela desprezava vagar sem saber quem estava vivo ou morto—sem saber nada sobre a situação em geral.

À medida que se aproximava de seu destino, o número de cadáveres espalhados pelo caminho aumentava. Parecia haver cerca de duas vezes mais corpos do que antes. Pilhas deles estavam espalhadas pelo chão. Graças ao Tratamento de Preservação, Yuki foi poupada de vê-los cobertos de vermelho. Cerca de um em cada dez cadáveres estava severamente mutilado, e ela imediatamente entendeu que era obra especial da assassina psicopata.

Deitada entre os cadáveres estava alguém que ela conhecia—Sumiyaka.

Seu corpo fazia parte dos nove em cada dez—um cadáver normal. Incontáveis ferimentos de faca marcavam seu peito, infligidos com a mesma intensidade que se faria ao perfurar uma máquina para torná-la mais leve. Um deles havia sido o golpe fatal. Suas cordas vocais, que haviam ficado roucas devido ao álcool e ao fumo, não vibravam mais, e suas mãos, que haviam atacado as axilas de Yuki algum tempo atrás, não mostravam sinais de vida. Ao tocar em seu corpo, Yuki não sentiu nenhum indício de calor. A alma de Sumiyaka havia viajado tão longe que não podia mais ser recuperada.

Ela havia sido morta pela psicopata. A mulher com cabelo cor de madeira de ágar, que, segundo Sumiyaka, estava entre o grupo de iniciantes. A mulher que havia desaparecido sem que Yuki notasse.

Se Yuki não a tivesse ignorado, ou talvez se ela tivesse—

Yuki imediatamente afastou esses pensamentos ao entrarem em sua mente. Hakushi havia ensinado-a a não se responsabilizar por nada que acontecesse em um jogo. Yuki havia passado por muito treinamento para endurecer seu coração. Depois de tomar uma ou duas respirações profundas e lentas, ela conseguiu apagar suas memórias como um político diante de membros da imprensa.

No entanto, nem essa técnica conseguiu dissipar seus sentimentos nublados. Ela sentia como se uma agulha estivesse perfurando seu peito.

Ela não conseguia tirar da mente o rosto moribundo da Stump. Era o rosto de alguém claramente sendo mostrado seu lugar como ser humano. Yuki até sentia que havia algo errado com seu próprio batimento cardíaco. De acordo com suas regras pessoais, aquela Stump era superior a ela, e Yuki não conseguia aceitar completamente a realidade de que a garota havia morrido enquanto ela mesma permanecia viva.

Nesses jogos onde todos estavam à beira da morte, essa mentalidade era letal.

Yuki entendia que, em seu estado mental atual, ela morreria se encontrasse a assassina psicopata.

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Yuki chegou ao acampamento base.

Deitado lá estava o cadáver de Hakushi.

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O corpo de Hakushi fazia parte dos um em dez. O cadáver havia sido tão meticulosamente mutilado além do reconhecimento que Yuki sentiu que merecia elogios por ter identificado que era de Hakushi. Ela fez o julgamento com base na altura do corpo, na constituição e na cor dos poucos fios de cabelo restantes, mas o cadáver, ou pelo menos algumas de suas partes constituintes, poderiam muito bem pertencer a um completo estranho.

Por onde começar a descrever a cena?

Primeiro de tudo, havia a questão da localização do corpo. Ele havia sido colocado de forma conspícua no meio de um vasto salão que poderia abrigar trezentas Bunnies, como se fosse uma rocha lunar em exibição. E, de fato, o corpo era comparável em valor a uma rocha lunar, já que pertencia a alguém que havia sobrevivido a noventa e cinco jogos de morte. Tanto o cadáver quanto todo o local do jogo que atualmente o abrigava poderiam muito bem ser considerados relíquias sagradas.

O corpo de Hakushi—sua cabeça, abdômen, braços e pernas, até mesmo cada dedo individual e fio de cabelo—havia sido completamente desfigurado. O sangue, que havia se transformado em uma espécie de pelagem branca devido ao Tratamento de Preservação, cobria quase cada centímetro de sua carne. Mesmo o interior do corpo havia sido mutilado. Ao redor do cadáver, ossos das costelas haviam sido dispostos como graduações em um relógio analógico, o intestino delgado estava espalhado na forma de uma vista aérea de uma pista de corrida, e os órgãos estavam espalhados como rochas pontuando um jardim paisagístico. Histórias de suspense tinham um tropo comum em que cadáveres transmitiam alguma mensagem grotesca, mas, pelo que Yuki pôde perceber, não havia indicação de que a psicopata estivesse tentando chamar atenção ou transmitir qualquer coisa. Em vez disso, ela concluiu que a cena era simplesmente o resultado de uma assassina querendo mutilar um corpo.

Talvez, só talvez, o corpo ainda estivesse respirando.

—Incrível, não é?

Uma voz veio de um lado da sala.

Lá estava sentada uma mulher, abraçando os joelhos.

(32/43)

A mulher tinha cabelo cor de madeira de ágar.

Cabelo cor de caramelo.

Yuki não sabia a cor da madeira de ágar, então presumiu que era a mesma cor do cabelo da mulher. Com base no que a Stump havia dito antes, a mulher se chamava Kyara.

À primeira vista, ela se parecia com Hakushi, com cabelos longos e uma constituição alta. No entanto, seu comportamento era completamente diferente do de sua mentora.

O rosto da mulher era difícil de descrever. Ela simultaneamente parecia um ferreiro lendário mal-humorado que relutava em aceitar pedidos, um velho tão obcecado por pachinko que seus olhos começaram a se parecer com bolas de pachinko, um instrutor de cursinho que tinha uma maneira estranha de dar aula, uma heroína tsundere que se tornava mais feminina após bater a cabeça e um androide que havia acabado de ser equipado com um programa que lhe concedia a faculdade das emoções. No entanto, ao mesmo tempo, nenhuma dessas descrições parecia realmente acertar. Yuki nunca havia conhecido alguém remotamente parecido com essa mulher. Consequentemente, quanto mais tentava organizar seus pensamentos em palavras, mais sentia que se afastava da verdade.

Essa mulher...

Era ela?

—Foi você? — A primeira observação de Yuki tomou a forma de uma pergunta estúpida. — Foi você que fez isso?

—Sim. — Kyara assentiu.

E assim, elas iniciaram uma conversa.

Uma maníaca homicida. A mulher que havia derrotado Hakushi, uma jogadora veterana em seu nonagésimo sexto jogo.

—Por que você está usando uma roupa de Stump?

Como indicado pela pergunta de Yuki, Kyara vestia uma jardineira. De acordo com Hakushi e Sumiyaka, a mulher deveria estar no Time Bunny, mas como ela estava usando uma fantasia de Stump...

—Eu prefiro roupas folgadas. — A resposta veio de maneira inesperada. Kyara olhou para Yuki. — Deixe-me perguntar, você não se sente envergonhada vestindo isso?

—...Eu me sinto. — Yuki tocou a fita na base do pescoço.

A roupa de Stump que a mulher usava estava limpa demais para ter sido arrancada de um cadáver. Mesmo assim, Yuki tentou não pensar muito nisso.

—Então você estava fingindo ser uma iniciante? — Yuki continuou.

—Sim. Mas ainda me considero uma novata. Este é apenas o meu décimo jogo, afinal.

—Eu diria que isso já é bastante. Pelo menos, é mais do que eu.

—Sério?

—Com trezentos jogadores ao redor, como ninguém te reconheceu? — Yuki perguntou. — Se você tem dez jogos no currículo, certamente algumas pessoas sabem como você é.

—Improvável. — Um sorriso cínico se espalhou pelo rosto de Kyara. — Quero dizer, eu matei todos os outros jogadores em cada jogo em que participei.

—...O que você disse? — Os olhos de Yuki se arregalaram.

—Não, esqueça isso. Meu segundo jogo foi uma exceção. — Kyara corrigiu-se. — Eu deixei Moegi viver. Uma boa garota, aquela.

Moegi. Esse era o nome da líder do time inimigo e, muito provavelmente, o nome daquela Stump.

—Tenho certeza de que a encontrei — respondeu Yuki.

—Oh? Como ela estava?

—Ela está morta. — Yuki omitiu o fato de que ela mesma havia tirado sua vida. — Por que ir tão longe? Por que você sempre mata todos? Nenhum dos jogos exige isso. Como aqui, você só precisava alvejar as Stumps, sabia? Foi porque Moegi estava no Time Stump? Você estava ajudando ela?

—Não.

—Você ganha dinheiro de prêmio extra por cada pessoa que mata?

—Não.

—Então por quê? Você acha que vai se tornar algum tipo de heroína depois de matar um milhão de pessoas ou algo assim?

—Eu te disse—eu só queria essas roupas. — Kyara puxou uma das mangas. — Eu tive que matar a dona anterior sem feri-la para manter essa roupa em perfeitas condições, sabe. Isso acabou sendo mais difícil do que eu pensava. Ela resistiu bastante... então eu me cansei disso.

Yuki franziu as sobrancelhas. — Você se cansou... e daí?

—Isso é tudo.

Nada disso fazia sentido para Yuki. — Eu não vejo como isso se relaciona com você sair matando todos.

—Ah? — Kyara deu uma risadinha. — Certo.

Ela lançou um olhar para Yuki.

Um simples olhar.

Um calafrio percorreu o corpo de Yuki, até a ponta dos dedos.

(33/43)

Yuki ficou congelada até a alma. Seu corpo ficou frio, como se estivesse sangrando por algum lugar, e, como se para compensar, sua cabeça esquentou. Seu cérebro entrou em overdrive. Uma onda de informações inundou sua mente, como se ela tivesse ganhado quatro novos olhos. O acampamento base do Time Bunny. A floresta sintética. O mascote de tanuki caído de bruços. O cadáver de Hakushi. O estado da sala, cheia de tantos corpos que ela nem prestara atenção neles. A psicopata— a única outra pessoa viva no acampamento— encostada na parede, relaxando como se estivesse no conforto de sua própria sala de estar. A maneira como ela se sentava, envolvendo os braços em torno das pernas. Os olhos que brilhavam por baixo da franja. A expressão "looks that can kill" (olhar que mata) surgiu na mente de Yuki, seguida por uma voz que começou a repreendê-la, dizendo que o idiomático não significava o que ela pensava.

O ar se agitou, e um segundo depois, uma aura de sede de sangue preencheu a sala.

—Você não entende? — Kyara lentamente se levantou. Seu característico cabelo cor de madeira de ágar balançou para a esquerda e para a direita. — Sério? Você já jogou nesses jogos, então com certeza teve uma oportunidade de matar pessoas, certo? Mesmo que você não tenha ido tão longe, pelo menos já descontou a frustração em pessoas ou objetos, certo? Eu não consigo imaginar como você não entende.

A psicopata começou a se mover. Em contraste, as pernas de Yuki permaneceram paralisadas.

—Matar não levanta seu ânimo, sabe — continuou Kyara. — Tudo o que faz é iludir o eu. Você entra em fúria, se cansa até nada mais fazer sentido, e isso te carrega até que sua raiva naturalmente diminua. É o mesmo que beber para esquecer as preocupações com o futuro. Não importa quantas vidas você tire, nunca resolve o problema raiz.

Kyara lançou outro olhar para Yuki.

—É isso. — A psicopata estava com uma expressão de raiva. — Esses olhos. Toda vez que alguém ouve que sou uma assassina, me olha com desprezo. Isso me irrita profundamente. Se quer saber, todos me forçam a ser uma assassina. Eles intencionalmente provocam minha sede de sangue. Não há uma única pessoa que eu tenha matado porque queria de verdade. Sou um produto do meu ambiente. Se você quer viver, é melhor se endireitar como Moegi.

Kyara enfiou a mão no bolso e imediatamente puxou um objeto— uma folha de bambu.

—Não me importa se você não entende. — Kyara começou a caminhar apressada e determinada.

Yuki repetidamente tentou comandar suas pernas a se moverem. Mova-se. Mova-se. Mova-se. Mova-se. Mas elas não obedeciam. Não mostravam sinais de ceder.

Se ela não conseguia se mover, então não tinha outra opção a não ser parar a outra mulher em sua trajetória.

—Não pode ser — disse Yuki. — Está dizendo que ela perdeu para seu desabafo?!

Embora Yuki não tenha mencionado sua mentora pelo nome, Kyara entendeu que ela se referia a Hakushi.

—Hã? — ela respondeu em um tom casual. — Você não consegue ver a resposta com seus próprios olhos?

—Mas ela é a jogadora mais experiente! Este era seu nonagésimo sexto jogo!

—Ela parecia fraca para mim. — Essas palavras saíram prontamente da boca da psicopata. — Além disso, o corpo dela se movia todo errado.

(34/43)

Nesse ponto, não apenas Yuki estava congelada, mas o frio também havia atingido sua cabeça. Enquanto ela permanecia ali em transe, a voz da psicopata chegou aos seus ouvidos.

—Basta olhar para dentro dela. Estranho, não é? — Kyara lançou um olhar de lado, e, como se estivesse conectada ao seu olhar por uma corda, os olhos de Yuki a seguiram.

Eles pousaram no cadáver grotesco de Hakushi. A visão era tão repulsiva que o termo "cadáver" parecia fora de lugar. O corpo havia sido cortado em tantos pedaços que surgia a dúvida se algo tão mutilado sequer poderia ser considerado um cadáver segundo as leis nacionais.

Yuki focou seus olhos em cada parte do corpo individualmente.

Ela não conseguia dizer só de olhar se a visão era "estranha". Não sabia como era o interior do corpo de uma pessoa saudável, mas agora que Kyara havia mencionado, alguns elementos realmente pareciam errados. Os ossos das costelas eram tão finos que pareciam cenouras cultivadas a duras penas em um deserto apocalíptico, e os órgãos haviam escurecido, como garotos bronzeados de um time de futebol. Além disso, o número de órgãos espalhados pelo chão parecia baixo, considerando que tudo havia sido arrancado. Se Yuki se lembrava corretamente, o manequim humano em sua antiga sala de ciências tinha mais órgãos do que isso.

—Bem, ela quase chegou a cem jogos, você sabe — Kyara disse. — É natural que ela ficasse frágil.

Yuki lembrou-se de que Hakushi havia tirado uma pausa de três meses após seu jogo anterior. Isso parecia tempo demais apenas para fazer preparativos. Qual seria o motivo?

—Ela deveria ter parado de jogar depois de ganhar todo aquele dinheiro — continuou a mulher. — Quem sabe, talvez ela fosse viciada.

O objetivo de Hakushi de completar noventa e nove jogos já era difícil de entender para começar, mas agora parecia ainda mais incompreensível. Depois que seu corpo ficou daquele jeito, será que nunca passou pela mente dela que era hora de parar? A teoria de Kyara de que Hakushi estava viciada era a única coisa que fazia algum sentido. Será que o objetivo de completar noventa e nove jogos era tão atraente que valia a pena forçar seu corpo já desgastado até o limite?

Yuki ficou sem palavras.

A imagem do rosto moribundo daquela Stump surgiu em sua mente. O som de insetos estridentes encheu sua cabeça.

—Satisfeita? — Kyara perguntou.

Essa foi a extensão da distração. Kyara começou a se mover novamente.

—De qualquer forma, ela não era páreo para mim. Não só ela; isso vale para todos. — Ela acelerou o passo. — E tenho certeza de que você não será diferente.

(35/43)

Engraçado como, mesmo nessa situação, Yuki permaneceu paralisada. Ela observava em branco enquanto Kyara acelerava, de caminhar para correr, com uma expressão severa no rosto, apontando a ponta da folha de bambu em sua direção. Se Yuki estivesse assistindo a essa cena em uma tela, teria reagido de forma muito mais intensa. Ao pensar que o jogo estava sendo transmitido em algum lugar, sentiu vergonha de sua incapacidade de agir.

Sua mão se contraiu, como se sinalizando que aquele não era o momento para ficar parada.

Nela estava uma glória-da-manhã.

Yuki rapidamente levantou o braço.

Três tiros ecoaram em sucessão. Ela estava confiante de que todos os três haviam atingido o alvo. Embora tivesse pouca experiência em manejar uma arma de fogo, a precisão de seus tiros podia ser atribuída ao fato de a arma ser, como Sumiyaka descreveu, "do tamanho certo para mulheres", ou talvez ao fato de Yuki ser naturalmente habilidosa. As três balas se alojaram na cabeça de Kyara, e os movimentos vigorosos da mulher tornaram-se coisa do passado. O corpo de Kyara se curvou tanto para trás que Yuki pôde ver claramente o contorno de seu queixo e pescoço. Deslizando levemente para frente, a assassina caiu de costas.

Um turbilhão de folhas girou no ar com um farfalhar. Um momento depois, todo som desapareceu da sala. Estava tão quieto que Yuki conseguia ouvir o bater de seu próprio coração.

Enquanto o cheiro de pólvora fazia cócegas em seu nariz, Yuki olhou para Kyara. A mulher havia caído no chão, completamente imóvel. O sangue escorria de sua cabeça, transformando-se imediatamente em tufos brancos ao entrar em contato com o ar. Uma das pernas de Kyara estava dobrada em um ângulo como o de uma pessoa na placa de saída de emergência, e suas mãos estavam erguidas, como se em uma pose de celebração. Era uma visão patética. Embora sua mão direita ainda segurasse a folha de bambu, aquilo devia ser resultado do rigor mortis ou algum outro efeito; Kyara não estava em condições de manter o aperto. Ela havia levado três tiros na cabeça. Nem mesmo Hakushi sobreviveria a isso.

Mesmo assim, Yuki achou que precisava verificar para ter certeza.

Ela abaixou a glória-da-manhã. Estava sem balas. Ela a jogou de lado e substituiu pela segunda pistola que havia pegado de Moegi.

No entanto, ela não levantou a arma. Yuki se aproximou do cadáver sem cautela.

Esse foi seu maior erro.

Kyara se ergueu como uma armadilha de rato.

Uma folha de bambu voou na direção de Yuki.

Embora tivesse impulso, considerando a postura de Kyara e o fato de não ser uma faca de arremesso, não ganhou velocidade suficiente para ser considerada rápida. No entanto, pegou Yuki de surpresa. Ela ainda tinha dúvidas se Kyara estava realmente morta, mas nem imaginava que a mulher contra-atacaria tão rapidamente. Yuki foi descuidada.

E o preço que pagou foi a perda da visão do lado direito.

O ferimento que se formou era profundo, e ela pressionou com a mão. Ou seu globo ocular ou algum ponto ao redor dele havia sido cortado, mas ela não conseguia identificar o local exato, pois toda a área latejava de dor. Sem tempo para avaliar sua condição, Yuki concentrou o olho esquerdo em sua inimiga.

A psicopata havia se levantado. Mesmo agora, sangue escorria de sua cabeça.

Yuki olhou para onde suas balas haviam acertado. Carne, sangue, cabelo cor de madeira de ágar e tufos brancos estavam tão misturados que era difícil diferenciar uma coisa da outra, mas no meio havia uma cor inesperada que não correspondia a nenhum dos componentes mencionados—prata.

Por baixo da pele da cabeça de Kyara havia algo com um brilho prateado.

—O quê...? — Yuki não conseguiu conter a confusão em sua voz. — O que é isso?

—Você não consegue perceber? — Kyara bateu na parte que havia ficado exposta, resultando em um som metálico. — Armadura. Está embutida em todo o meu corpo. Para me proteger de balas, é claro.

Yuki ficou sem palavras. Achava que já estava acostumada a coisas além do senso comum. Jogos de morte. O Tratamento de Preservação. Jogadores regulares que participavam desses jogos sem um motivo aparente. Nunca houve um momento nesta indústria em que você não estivesse cara a cara com o inacreditável, então Yuki presumiu que tinha os nervos para se manter imperturbável na maioria das situações.

Mas isso? Isso era de um nível completamente diferente de absurdo. Só havia uma maneira de reagir a algo assim—

—Você está louca?! Isso é como se transformar em um ciborgue!

—Não coloque as coisas assim. A armadura cobre apenas parte de mim. A maior parte do meu corpo ainda é humana.

—Isso vai contra as regras—

—Por favor. Se isso violar as regras, então obturações de prata também. Deixe-me perguntar, como você pode estar disposta a jogar com um corpo humano indefeso? Por que nunca lhe ocorreu se modificar para ganhar uma vantagem? Não consigo entender.

Yuki levantou a glória-da-manhã. Mas ela não fazia ideia de onde mirar. Kyara mencionou que a armadura estava embutida em todo o corpo dela. Era certo presumir que cada ponto vital estava protegido? Nesse caso, as pernas de Kyara seriam bons alvos. Mas era possível que ela também tivesse reforçado a parte inferior do corpo para manter o equilíbrio. Pelos movimentos rápidos que mostrou antes, era improvável que cada centímetro de sua carne estivesse protegido—

Claro, Kyara não tinha motivo para esperar que Yuki organizasse seus pensamentos. A psicopata começou a correr, segurando uma segunda folha de bambu que parecia ter aparecido do nada.

Tanto faz, Yuki pensou. Ela mirou no centro do peito da mulher e puxou o gatilho. O tiro errou—ou melhor, Kyara desviou do caminho. Só porque tinha armadura não significava que precisava ser atingida a cada tiro. Tardiamente, Yuki percebeu que havia permitido que Kyara calculasse o momento certo para desviar, tornando óbvio onde estava mirando.

Para o segundo tiro, Yuki disparou sua arma como um caubói em um duelo no Velho Oeste. Acertou. A bala rasgou a lateral do estômago de Kyara, mas não conseguiu parar a investida da mulher. Nesse ponto, Yuki finalmente pegou o jeito da coisa. Em seguida, decidiu atirar no estômago de Kyara e repetiu a mesma ação de antes, mas nada saiu. A arma havia ficado sem balas. Moegi havia disparado apenas cinco balas dessa glória-da-manhã durante a luta delas, então Yuki imediatamente percebeu que Kyara devia ter disparado outro tiro antes do encontro. De qualquer forma, a arma estava vazia.

Ela segurou a glória-da-manhã de lado e usou o corpo da arma para aparar a folha de bambu que vinha em sua direção. Mas suas armas não se entrelaçaram. Kyara imediatamente recuou sua folha de bambu e a empurrou para frente. Yuki desviou. Como não tinha armadura sob a pele, tinha a vantagem na mobilidade. Enquanto continuava a evitar a sequência de ataques, ela pegou sua própria folha de bambu e passou para a ofensiva.

O primeiro golpe de Yuki foi absorvido. Não por uma folha de bambu, mas pelo pescoço da mulher. A arma atingiu diretamente um dos pontos vitais de Kyara, mas não fez mais do que cortar uma fina camada de pele. Nem o pomo de Adão de um velho ofereceria tanta resistência. Um arrepio percorreu a espinha de Yuki ao perceber que sua oponente havia embutido armadura em um local que provavelmente afetava sua vida cotidiana.

Como Yuki havia atingido metal, sua mão ficou dormente por um instante, algo que não passou despercebido por sua inimiga. Nesse milissegundo, Kyara a esfaqueou três ou quatro vezes.

—......! Aaah! — Yuki soltou um grito patético.

Depois de liberar tudo, Yuki recuou um pouco. Ela olhou para baixo por um segundo rápido. Flocos brancos saíam de seu corpo. Ela não se importava onde, onde, onde e onde havia sido esfaqueada. Por enquanto, seus membros ainda funcionavam, e era a única coisa com que precisava se preocupar.

—Ha-ha! — riu a psicopata man

(36/43)

Yuki falou sem pensar muito.

Mas, como se as palavras tivessem o poder de alterar a realidade, no momento em que a declaração saiu de sua boca, uma sensação de satisfação a envolveu. Seu corpo inteiro foi envolto em uma ilusão reconfortante, uma que sinalizava, surpreendentemente, que talvez ela realmente acreditasse no que havia dito.

Yuki entendeu o que sua mentora quis dizer sobre querer um objetivo.

O que ela precisava era de um roteiro. Uma narrativa coerente.

Por que eu venceria essa psicopata? Por que eu sobrevivi, e aquela Stump não? Yuki precisava preparar uma explicação que ligasse tudo. Não tinha nada a ver com estratégia. Tinha a ver com seu espírito, sua mente. Antes de pensar em táticas reais, ela precisava convencer seu coração, que atualmente estava afundado em inferioridade. Ela não poderia lutar enquanto abrigasse fraqueza. Não precisava de Hakushi para lhe dizer isso.

E havia uma explicação adequada sentada bem na palma de sua mão.

Ainda assim, Yuki não precisava escolher essa explicação em particular. Não havia problema em seguir uma história sobre vingar sua mentora fazendo a assassina pagar, ou sobre querer provar sua força como ser humano. Mas escolher aquela explicação em específico dava origem a um certo senso de orgulho, pois permitia que ela traçasse um caminho para si mesma por vontade própria.

Era uma declaração para guiá-la à vitória. Um ato calculado. No entanto, para uma explicação forçada, parecia estranhamente natural. Talvez fosse verdade. Desde o momento em que ela havia colocado os olhos no cadáver de Hakushi, ou talvez, apenas talvez, desde o momento em que conhecera sua mentora, esse desejo estava escondido em algum lugar dentro dela.

Yuki não sabia a verdade.

Mas, independentemente disso, ela a expressou em voz alta.

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—Eu sou a protegida dela! — Yuki gritou. — Vou herdar sua vontade! Eu vou completar noventa e nove jogos! E não tem como eu perder para uma idiota como você!!

(38/43)

Yuki se impulsionou do chão, avançando em desespero.

Enquanto corria, Yuki tocou a lâmina da folha de bambu com as pontas dos dedos, confirmando que ainda estava afiada. Ela não conferiu com os olhos, pois seu olhar estava fixo apenas em Kyara.

Kyara torceu os lábios em um leve sorriso. Não era um sorriso de condescendência, nem estava ridicularizando Yuki por ter dado uma declaração apaixonada que nem mesmo se encontraria em uma popular série moderna de shonen manga. Em vez disso, o sorriso de Kyara sugeria interesse, como se estivesse animada por as coisas terem se desenvolvido de uma maneira inesperadamente fascinante. Yuki não sabia realmente por que Kyara estava sorrindo, nem tentou descobrir. Sua inimiga era uma maníaca homicida. Era óbvio que Yuki ficaria presa em um abismo se tentasse entender a mente daquela mulher.

Yuki usou a mão livre para lançar um objeto—uma pinha.

Uma nuvem de fumaça se formou entre as duas.

Como Yuki havia lançado a pinha, ela continuou em movimento. Correu direto para a fumaça sem pensar duas vezes. Ela lembrava-se com precisão da distância entre ela e a assassina, e, como havia imaginado antes, avançou, pisando à esquerda, direita, esquerda, jogando todo o peso em um golpe com a folha de bambu no local onde Kyara deveria estar.

A lâmina cortou o ar vazio.

Yuki avistou a cor marrom de uma jardineira pelo canto do olho direito.

No momento seguinte, uma dor aguda percorreu seu ombro. Ela soltou um grito, mas não parou de se mover. Quase deixando cair a folha de bambu enquanto aplicava pressão no ombro, ela continuou correndo, passou por Kyara e saiu da cortina de fumaça.

Seu objetivo não era emboscar Kyara. Afinal, Yuki não era como Moegi, e sabia que uma simples cortina de fumaça não seria suficiente para paralisar sua oponente. Ela havia lançado um ataque pensando na pequena chance de acertar um golpe de sorte, mas seu principal objetivo estava além do ponto onde Kyara havia estado.

Yuki não estava fugindo. Ela estava avançando até alcançar aquilo.

Com as mãos naquele objeto, Yuki se agachou. Ela se virou para encontrar Kyara saindo da cortina de fumaça.

No momento seguinte, os olhos de Kyara se arregalaram de surpresa. Isso era de se esperar, pois o objeto que Yuki segurava não era uma arma ou algo do tipo.

Era o mascote tanuki—o explicador do jogo.

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Yuki achava estranho. Hakushi havia ensinado a evitar lutar contra assassinos experientes, pois uma jogadora como Yuki era uma profissional em sobreviver, não em matar. Yuki só agora percebia o peso das palavras de sua mentora. Ela podia sentir que não era capaz de avançar em uma batalha direta.

No entanto, Kyara havia dito que Hakushi "parecia fraca". Yuki pensara que ela se referia ao corpo desgastado de Hakushi após completar noventa e cinco jogos. O impacto de ouvir sua mentora ser chamada de fraca havia sobrecarregado Yuki tanto que ela não percebeu de imediato, mas, ao refletir mais, achou a declaração de Kyara estranha.

Isso porque implicava que Hakushi havia lutado contra Kyara, uma assassina experiente. Com um corpo com o qual ela não poderia vencer. Contra uma oponente que ela não tinha chance de derrotar.

A realidade era que o cadáver de Hakushi estava no chão. O fato de ter sido completamente desmontado provavelmente significava que ela havia enfurecido Kyara consideravelmente. Uma batalha indubitavelmente havia ocorrido. Essa era a verdade inabalável, por mais estranha que Yuki a achasse.

E Hakushi nunca entraria em uma luta invencível.

Considerando esses motivos, Yuki se perguntou—haveria alguma chance de Hakushi ter deixado algo para trás nesta sala? Hakushi havia percebido que não conseguiria vencer com seu corpo, então poderia ter deixado um presente para quem viesse ao acampamento base, garantindo a vitória contra Kyara?

Talvez Yuki estivesse se agarrando a qualquer esperança. Talvez fosse simplesmente o que ela queria acreditar. No entanto, após escanear o salão com essa teoria em mente, um local em particular se destacou. O mascote tanuki. Yuki só soubera dele depois de acordar tarde, mas aparentemente, ele havia sido o explicador para o Time Bunny. Seu abdômen estava rasgado, e peças eletrônicas se projetavam para fora. Hakushi mencionou como as Bunnies se reuniram para espancá-lo.

O fato de Yuki ter sido capaz de ver o abdômen do mascote significava que ele estava de barriga para cima, mas, no momento presente, o mascote estava em posição de bruços. Como o tanuki provavelmente não estava preso ao chão, era possível que alguém simplesmente o tivesse chutado desde então, mas havia uma possibilidade inegável de que esse não fosse o caso.

Isso porque Hakushi também havia dito o seguinte:

—Todo mundo se juntou para espancá-lo.

—Poderia estar escondendo um item.

Sem prestar atenção à surpresa de Kyara, Yuki virou o tanuki de barriga para cima.

Como ela esperava, ocultado dentro do abdômen do mascote, em cima dos circuitos, estava uma única glória-da-manhã.

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Yuki preparou a arma e fixou sua mira em Kyara. Como seu olho direito estava danificado, ela tinha apenas metade de seu campo de visão normal, mas até mesmo o que conseguia ver estava embaçado. Embora não tivesse derramado nenhuma lágrima, sentia como se estivesse prestes a fazê-lo.

Yuki foi tocada pelo ato de sua mentora.

Como Hakushi se sentiu quando escondeu a arma?

Sua mentora poderia facilmente ter usado a arma para si mesma. Só porque seu corpo não estava nas melhores condições, não significava que ela não pudesse mirar em um alvo e puxar o gatilho. Isso teria aumentado suas chances de vitória, ainda que ligeiramente. No entanto, Hakushi havia intencionalmente escondido a arma. Para impedir que caísse nas mãos de Kyara. Pelo bem de quem quer que entrasse nesta sala em algum momento no futuro. Na esperança de que quem quer que fosse pudesse aproveitar uma oportunidade fortuita e pegar a psicopata de surpresa.

Muito provavelmente, a arma ainda tinha todas as oito balas.

Yuki disparou três tiros em rápida sucessão. Ela já havia decidido onde mirar—o ombro, o estômago e a perna direita de Kyara. Os mesmos locais onde havia atirado em Moegi. Yuki supôs que, embora aquela Stump não parecesse ter armadura sob o rosto, poderia ter implantado em outras partes do corpo, já que era protegida de Kyara. Como Moegi havia deixado essas três partes do corpo desprotegidas, Yuki arriscou o palpite de que o mesmo se aplicava a Kyara.

Yuki não sabia se sua teoria estava correta, mas pelo menos as balas acertaram onde ela pretendia.

As pernas de Kyara pararam, e ela caiu. Quando bateu no chão com os joelhos, fez um movimento com o braço direito—para lançar a folha de bambu. No entanto, Yuki permaneceu imóvel com a arma, sem se importar com onde Kyara iria mirar.

Yuki disparou mais três vezes.

Seu quarto tiro errou. Isso porque Kyara havia abaixado o corpo.

Seu quinto tiro acertou a cabeça de Kyara. Isso porque Kyara havia caído para a frente.

Yuki disparou o sexto tiro ao mesmo tempo que Kyara lançou a folha de bambu. Como suas respectivas posições dificultavam para Yuki mirar no estômago, ela se contentou em atirar na coxa esquerda da mulher. A bala acertou. Embora isso fosse uma sorte, Yuki não teve tempo de desviar do projétil lançado contra ela. A folha de bambu veio voando em direção ao seu peito—

—mas não conseguiu perfurar sua pele. Em vez disso, atingiu o botão da fantasia de coelhinha antes de cair inerte aos seus pés.

Yuki riu. Talvez sua fantasia não fosse tão ruim, afinal.

Ela disparou um sétimo tiro. Acertou o olho direito de Kyara, que havia se arregalado de surpresa com o erro não forçado. Um olho por um olho. Não importa quão fortes fossem as defesas de um inimigo, seus olhos e boca sempre estariam desprotegidos. Lembrando-se desse pedaço de bom senso de uma série de mangá de batalha, Yuki disparou uma oitava bala na boca da mulher. Acertou o alvo. Yuki tentou puxar o gatilho novamente, na esperança de que uma nona bala pudesse sair por algum golpe de sorte, mas foi inútil. Em vez disso, ela pegou a folha de bambu que Kyara havia jogado contra ela.

Yuki se aproximou da psicopata, que estava de bruços no chão.

Ela a esfaqueou. No rosto. No peito. Nas mãos e nos pés. Exatamente como alguém esfaquearia em um acesso de raiva desenfreada. Kyara parecia ter ficado sem folhas de bambu e começou a resistir com as unhas, mas Yuki não teve medo. Ela esfaqueou novamente. Agora, estava menos preocupada em infligir dano e mais preocupada em dar um golpe final, então gradualmente passou a mirar nos pontos vitais da mulher. Para pouca surpresa, havia uma placa de metal sob o peito de Kyara, então Yuki optou por cortar o abdômen e as entranhas da mulher. Yuki esfaqueou e esfaqueou e esfaqueou e esfaqueou, afundando sua arma tão profundamente que seu punho inteiro afundou dentro do estômago da mulher.

Finalmente, ela percebeu que Kyara havia dado seu último suspiro.

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O campo de visão de Yuki se ampliou. Ela parou de mover a mão e acalmou a respiração, finalmente se dando conta do que havia feito. Diante dela estava o cadáver de Kyara—com o estômago completamente dilacerado. Embora não se comparasse ao estado muito mais horrível do corpo de Hakushi, era, sem dúvida, um cadáver, sem nenhuma chance de aposta contrária.

Yuki olhou para sua mão esquerda, que segurava a folha de bambu. Não havia sido manchada de sangue. Devido ao Tratamento de Preservação, qualquer sangue teria se transformado em flocos brancos. Sua mão estava limpa, a ponto de ninguém poder imaginar que ela acabara de cometer um assassinato. As mangas de sua fantasia de coelhinha também não tinham uma única mancha.

A folha de bambu caiu de sua mão.

Yuki se jogou no chão.

Ela baixou completamente a guarda. Certamente, não era a melhor atitude a tomar. Afinal, uma das pessoas que ela presumira estar morta mais cedo se revelou viva. O jogo ainda estava em andamento. Uma Stump sobrevivente poderia muito bem estar escondida nas sombras, esperando a chance de atacá-la enquanto estava ferida. Yuki entendia que essa possibilidade existia, mas não conseguia agir sobre ela. Fisicamente e mentalmente, ela estava dominada por uma exaustão que superava qualquer coisa que já havia sentido em jogos anteriores.

Era uma exaustão derivada de satisfação.

Yuki soltou um suspiro profundo. A luz penetrava através de uma clareira entre as árvores sintéticas. Seu corpo ficava cada vez mais leve, como se estivesse passando por fotossíntese, e se nada a perturbasse, ela poderia ter adormecido ali mesmo.

Isso, no entanto, era apenas uma hipótese. Na realidade, ela se sentou ao ouvir o ecoar de passos.

Na entrada da sala estava uma Stump. Uma garota com deslumbrantes olhos cor de índigo. A exaustão era visível em seu rosto. Suas mãos estavam entrelaçadas como se estivesse rezando aos deuses, e entre suas mãos havia uma folha de bambu.

Uma Bunny versus uma Stump. Um confronto que o jogo originalmente pretendia.

A garota ficou ali por um tempo, paralisada.

—Você vai me matar? — Yuki perguntou.

—Não. — A garota levantou as mãos, deixando a folha de bambu cair no chão. — Já matei cinco. Já terminei.

—Huh. — Yuki se sentiu surpresa. — Isso é impressionante.

—Já tive o suficiente. Nunca mais quero me envolver em outro desses jogos.

Um sorriso tímido surgiu no rosto de Yuki. O apertar de sua pele machucava seu olho direito. — Eu posso imaginar.

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E assim, o jogo chegou ao fim.

Candle Woods quebrou o recorde do jogo com o maior número de jogadores, bem como o recorde da menor taxa de sobrevivência. De 330 jogadores, 298 Bunnies e 29 Stumps pereceram. Apenas 3 jogadoras sobreviveram.

Nome da jogadora: Yuki. Nome real: Yuki Sorimachi.

Nome da jogadora: Airi. Nome real: Airi Hitose.

Nome da jogadora: Hakushi. Nome real: Manami Shiratsugawa.

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