The Beginning After The End

Volume 12 - Capítulo 521

The Beginning After The End

A luz cinzenta da dimensão de bolso foi engolida pela escuridão.

Mana escorria pelas sombras, obscurecendo os sentidos do Realmheart como uma névoa densa, e todos os vestígios de Kezess ou Agrona se desvaneceram.

O vento rugia em meus ouvidos. Um éter — que não era o meu — pesava sobre meus membros, apagando toda sensação física. Por um momento, estava de volta ao vazio sem forma da minha primeira queda nas Relictombs, como se meu corpo sequer existisse. De todos os meus sentidos, só restaram o gosto e o cheiro amargos da corrupção.

Algo atingiu meu peito, e fui lançado para trás. A força foi tão brutal, tão repentina, que já atravessava muros distantes quando a dor finalmente alcançou meu cérebro. Estrelas explodiram em minha visão, sobrepondo-se à escuridão.

Lutei para ativar God Step. A rede de pontos interligados da dimensão de bolso se acendeu diante de meus olhos, e me projetei de um ponto a outro, girando no espaço. Espadas etéreas se condensaram ao meu redor em um círculo, cortando em todas as direções. Como antenas, as lâminas estenderam minha percepção um pouco mais, e senti quando encontraram seu alvo. O cheiro metálico do sangue impregnou o ar.

O vento uivante que ainda ensurdecia meus ouvidos se intensificou, e eu caí sobre um joelho. Mesmo com minha carne dormente sob o peso do éter, senti o sopro da morte passar rente à minha cabeça, a súbita leveza de alguns fios de cabelo sendo cortados rentes ao couro cabeludo. Minhas próprias lâminas rodopiavam como um ciclone à minha volta. Através das mãos e das solas dos pés pressionadas contra o chão, senti o tremor de um grande peso se aproximando. Inclinei-me para frente, mergulhando novamente nos caminhos do éter.

Os pontos revelados pelo God Step eram fáceis de ver e seguir, mas sua relação com o espaço físico dentro da dimensão de bolso era quase irrelevante. Ainda assim, consegui distinguir os limites distantes da bolha que nos continha, e mesmo que o conceito tradicional de espaço quase não existisse ali, isso me dava uma tênue noção de onde estávamos.

Avancei com God Step mais uma e outra vez, cada salto me levando a um ponto específico dentro da dimensão, comprando um momento para pensar.

Agrona e Kezess haviam ambos calculado os riscos deste combate; apenas demoraram mais para chegar à mesma conclusão que eu já sabia há semanas. Eu era perigoso demais para ambos. Como Seris havia previsto há muito tempo, os dois reis-deuses se enxergavam como a maior ameaça, e haviam se lançado ao limite para pôr fim à luta rapidamente.

A equação, no entanto, havia mudado. Kezess e Agrona sabiam que, se continuassem a lutar entre si, no fim eu mataria o vencedor. Eu tinha que fazer isso. Não havia outra escolha. Eu não poderia salvar os povos de Dicathen, Alacrya e Epheotus se Agrona ou Kezess sobrevivessem. Então, primeiro, eles destruiriam a mim. Cada um acreditava que poderia derrotar o outro depois da minha morte.

Claramente, apenas um de nós três poderia estar certo.

God Step me levou ao ponto central da esfera da dimensão de bolso. Por entre a magia sufocante — a escuridão e a mana e éter espessos — havia um emaranhado de feitiços. Enquanto me teleportava pela câmara, também sentia a orientação das magias, buscando seu ponto de origem. Kezess, em especial, não era tão habilidoso em desaparecer por completo, e sua manipulação do éter deixava sinais claros na atmosfera turva.

Empunhando o éter como um bisturi, tentei cortar cirurgicamente os fios dos encantamentos, cancelando-os. A resposta de Agrona foi imediata e igualmente sutil, contra-atacou realocando a mana sufocante, seu feitiço deslizando por sobre meus esforços como uma onda que contorna as rochas. Mudei de posição novamente, e seu feitiço se adaptou, mas a escuridão se contorceu visivelmente com o esforço, e, por um instante, vi um dragão branco-prateado avançando, enquanto o vento ao meu redor ganhava gumes afiados.

Dei um passo etérico e me afastei, mas Regis ficou para trás. Através de nosso elo, senti ele se inflamar com Destruição. Ele esquivou-se das garras do dragão, sem tentar revidar. Em vez disso, derramou Destruição pelo chão e no ar, como uma chama no coração do feitiço.

Seguindo o emaranhado da magia através dos caminhos do éter, cortei os fios do poder de Agrona, desviei dos espinhos de ferro-sangue, torrentes de mana pura e foices de vento do vazio que me perseguiam, e então teleportei-me novamente. A cada golpe, Agrona se ajustava, mas seu controle sobre a escuridão enfraquecia. O rugido do furacão enfraquecia a cada God Step, e o breu se tornava uma nuvem cinzenta.

— Chega desta escuridão! — rugiu Kezess, e ouviu-se um terrível som de rasgo. O cinza desbotado rasgou-se como uma cortina e esvaiu-se no chão, afundando entre as pedras como fumaça oleosa.

Destruição se expandia do centro do nosso campo de batalha. Pedra, ar, mana e éter queimavam enquanto Regis concentrava toda sua força em liberá-la. Sem a escuridão para consumir, a chama se espalhava em labaredas, alcançando o teto e descendo até os níveis inferiores. Partes inteiras da fortaleza começaram a ruir.

De repente, a borda da conflagração estagnou. Como vento varrendo um campo, as chamas violetas recuaram em minha direção, congelando numa onda voltada para mim.

Estendendo meu próprio éter, investi contra o poder dele, tentando rompê-lo.

Uma sombra escura espetou meus olhos, e pontadas de dor trespassaram minha cabeça. Meus pensamentos se apagaram enquanto o Gambito do Rei, vacilando, amplificava a sensação repetidas vezes. Como o punho de ferro de um titã, o tempo se fechou ao meu redor.

Meu éter congelou dentro dos canais. Não conseguia reagir, não podia lutar contra a arte etérica que me aprisionava.

A cena pareceu pular adiante, e minha mente nadou em vertigem.

Agrona estava bem diante de mim, uma adaga de ferro-sangue cravada em meu esterno. Recobrei os sentidos no exato momento em que a lâmina roçava a superfície endurecida do meu núcleo. Atrás dele, a Destruição rugia, chamas violetas avançando para devorar toda a dimensão de bolso, que tremia contra minha consciência.

Agarrei seu pulso com minha mão esquerda conjurada, golpeei sua garganta, avancei e cravei o cotovelo em seu rosto, enlaçando sua perna com a minha para derrubá-lo, seu braço se torcendo de forma antinatural sob meu domínio.  Seus dedos se contraíram, soltando a lâmina, que arranquei e tentei cravar na parte de trás de sua cabeça.

O ferro-sangue se desfez antes que o golpe pudesse atingir, mas o rosto dele ainda ricocheteou contra o chão com um estalo brutal. Ergui o braço novamente, e uma espada de éter formou-se nele, curta e perfeita para perfurar. Tentei cravá-la, mas uma mão feita de vento e sombra brotou do ombro de Agrona e agarrou meu braço.

Girei a lâmina para cortar o membro sombrio, mas o mundo girou, e de repente eu estava de costas, encarando um Agrona de três braços. Com uma mão imobilizando meu braço armado e o antebraço pressionando minha garganta, seu membro espectral mergulhou na ferida em meu peito.

Uma dor, quente e repentina, ardia de dentro do meu peito. Reagi com um Burst Strike à queima-roupa no plexo solar de Agrona. O poder se acumulou e explodiu entre nós, arremessando-o para longe. Caí de costas, ativando God Step, e reapareci no centro do espaço, ao lado de Regis, enquanto uma dor corrosiva agarrava meu núcleo.

Eu não estava me regenerando. Meu núcleo havia sofrido um golpe direto.

Percebendo meu desespero, Regis deu um último impulso de Destruição, tornou-se incorpóreo e deslizou pela minha pele até meu núcleo.

— Urgh, nojento — resmungou antes de se incendiar dentro de mim, queimando a corrupção e permitindo que meu éter curasse minha carne. — Mas o núcleo tá inteiro, pelo menos.

Um estrondo ensurdecedor me fez erguer os olhos: a fortaleza estava ruindo, incapaz de se sustentar com tanto sendo devorado pela Destruição. Ventos tingidos de trevas puxavam as pedras das paredes, guiando os escombros direto para mim.

Abracei o éter ao meu redor enquanto metade do Taegrin Caelum desabava sobre minha cabeça. O rugido da avalanche sacudiu meus tímpanos. Poeira invadiu meus pulmões e ardeu em meus olhos. Com o braço etéreo conjurado sobre a cabeça, abri as comportas do meu núcleo e derramei tudo o que pude na barreira, suportando toneladas de pedra até o momento certo… e então me movi com o God Step, surgindo acima dos últimos destroços em queda.

Um tremor doentio percorreu meu corpo enquanto as ondas anteriores de Destruição ainda se espalhavam, escalando as paredes da dimensão de bolso. Por um instante, achei que a Destruição engoliria tudo — consumindo Agrona e Kezess de uma vez —, mas a fria realidade logo chegou: a Destruição racharia as paredes entre esta realidade e o mundo exterior, deixando este combate vazar para o mundo real, envolvendo o Taegrin Caelum em chamas ametistas.

Regis interrompeu o fluxo. Ao nosso redor, a luz violeta das chamas famintas se extinguiu.

O colapso cessou. Voltei a pisar em chão firme, embora o ar ainda estivesse denso de poeira. As assinaturas de mana de Agrona e Kezess se destacavam como faróis na ausência da Destruição.

A poeira rodopiou, agitada por asas branco-prateadas. Levei um instante para perceber que a fortaleza havia se reformado ao meu redor antes de mergulhar nos caminhos do éter. Apareci atrás de Kezess, mas desapareci no instante seguinte, surgindo à sua frente no exato momento em que ele se virou, uma espada dourada em sua mão.

Minha lâmina etérea avançou em direção às costelas expostas dele, mas o lorde dos asuras era rápido. Sua espada dourada atravessou o espaço que eu acabara de deixar, enquanto sua mão livre girou para trás, desfazendo minha arma como se fosse ilusão.

A espada dissolveu-se quando meu controle sobre ela foi arrancado de mim. Cambaleei, surpreso, e a lâmina dourada saltou de sua mão direita para a esquerda com um crepitar de éter. Bloqueei o golpe seguinte com o antebraço, mas outra lâmina atingiu meu quadril, desta vez por trás, com a intenção assassina de Agrona pairando às minhas costas.

Uma nova espada condensou-se em minha mão direita, em posição invertida. Girei-a para trás em direção a Agrona, enquanto Regis imbuía a lâmina ondulando com as chamas da Destruição.

A lâmina cortou o nada.

Minha mão esquerda conjurada ainda segurava a lâmina dourada de Kezess, mas ao girá-la, ele quebrou meu braço tal como havia feito com a espada. Ele recolheu a arma em uma nova postura, e quando atacou novamente, a manifestação dracônica que o envolvia ergueu-se e lançou-se, suas garras monstruosas descendo sobre mim.

Ativei God Step. Kezess comprimiu o tempo e o espaço ao meu redor, tentando me manter ali. Esperando por isso desta vez, rasguei a prisão com um rosnado e desapareci pelos caminhos etéreos, reaparecendo do outro lado da dimensão, envolto em relâmpagos ametistas.

Eu estava na defensiva. O poder bruto de Kezess era esperado, mas sua habilidade de desmanchar minhas formações de éter, não. Enquanto eu não fosse pego desprevenido por sua manipulação temporal, poderia neutralizar seu trunfo, e nem ele nem Agrona tinham resposta para a Destruição. Desde que Regis não dependesse demais de sua forma física (e de seu reservatório limitado), mantendo-se em mim ou em minha espada, não se esgotaria.

Também ficou claro que os dois reis-deuses não conseguiam cooperar. Seja por orgulho, por incompatibilidade natural ou por falha estratégica, aquilo podia ser minha salvação. Bastava manter o Gambito do Rei focado em seus ataques e encontrar um modo de virar essa autossabotagem contra eles.

Quando voltei ao combate, uma dor aguda explodiu em meu quadril. Havia um rasgo na armadura ali, e uma ferida superficial por baixo. Chamas negras ardiam dentro da abertura. Estendi meu braço recém-conjurado, mas não houve tempo para lidar com o fogo da alma.

A manifestação do dragão branco-prateado já me aguardava, e um jato de mana pura desceu sobre mim. Avancei contra o ataque com agressividade, revertendo os truques de Kezess. Ele conseguia dissipar minha magia etérea até certo ponto, mas eu também podia fazer o mesmo com a mana dele. No coração das chamas, havia a formação de um feitiço, mana moldada em intenção. Manipulando o éter como um par de luvas, arranquei a raiz do feitiço e o remodelei.

A mana atmosférica se fundiu à mana pura reconstituída, e quatro espadas tomaram forma, flutuando ao meu redor: uma de vento, uma de fogo, uma de terra e uma de relâmpago.

Quando senti mana do tipo Decadência formando-se sob meus pés, projetei éter sobre ela e fiz o mesmo, rompendo o vínculo entre a influência nativa de Agrona e a mana em si. Em vez de espinhos negros brotando do chão, uma parede de pedra ergueu-se para proteger minhas costas.

Golpeei atrás de mim, contornando o muro, com a lâmina flamejante. A borda curva da espada de vento cortou o quadril de Kezess, enquanto a espada longa de obsidiana atingiu onde esperava que estivesse sua garganta quando ele desviasse. A lâmina de raios amarela e crepitante explodiu, seu eco queimando minha retina mesmo de olhos fechados.

Kezess se esquivou do primeiro ataque, e sua lâmina dourada subiu para despedaçar a de terra. A espada de fogo, sem encontrar alvo atrás de mim, caiu como uma guilhotina sobre seu pescoço. Quando ele aparou, o fogo foi absorvido pela sua arma dourada.

O dragão, cujo sopro havia se voltado contra Kezess, derreteu-se em luz e retornou para ele. Ele o reabsorveu, e sua assinatura tornou-se subitamente mais forte, mais concentrada.

A parede de pedra se despedaçou, e virei as costas a Kezess para agarrar o pulso de Agrona enquanto ele repetia o mesmo movimento que me ferira antes. Sua adaga estava a poucos centímetros do meu flanco. Envolvi meu punho em éter e golpeei, mas ele torceu-se, escorregando de meu aperto como se estivesse coberto de óleo. Esquivou-se para a esquerda e para a direita ao mesmo tempo, exibindo novamente cópias ecoantes de si mesmo a cada passo.

Percebi o corpo físico de Kezess fortalecendo-se enquanto mana e éter concentravam-se em seus músculos — um sinal de que ele estava conservando o restante de sua força. Um combate físico, como um duelo de espadas, exigiria menos energia do que continuar lançando magias capazes de arrasar todo o Taegrin Caelum.

Projetei minha vontade através da runa espacial, solidificando o espaço em uma barreira que interceptou o caminho de Agrona e nos isolou brevemente de Kezess. Houve um impacto e o espaço se torceu; por um instante havia dois Agronas, um à minha esquerda e outro à direita, ambos cambaleando. Canalizei o Passo Divino e preparei-me para cravar a lâmina da Destruição através das duas imagens de Agrona, mas o ferimento no quadril ardeu violentamente quando o fogo da alma se aprofundou em meu sistema. Regis instintivamente se retraiu da lâmina, fluindo para dentro do meu corpo para combater o fogo da alma de Agrona.

Cravei minha espada de éter na rede interconectada de nós espaciais, e duas lâminas emergiram dos Agronas enquanto eles colidiam de volta em um só. Agrona estava instantaneamente de volta ao ponto de partida, como se a realidade tivesse voltado ao normal. Um corte limpo marcava sua armadura no ombro direito e flanco esquerdo, sangue escorrendo livremente.

Com uma careta, ele abriu a boca. Nenhum som saiu, mas minha visão embaçou e uma dor desorientadora perfurou meus tímpanos. Minha garganta se fechou. Os joelhos trêmulos ameaçaram me derrubar.

Mesmo com os olhos revirando, encontrei as ondas de mana emanando dele e arranquei a Decadência como um mato pela raiz. O ar iluminou-se com fissuras serrilhadas de relâmpagos amarelos. Quando a parede de espaço condensado se rompeu e cedeu à lâmina de Kezess atrás de mim, lancei o relâmpago por cima da cabeça, fazendo-o despencar ao redor dele.

O vínculo que conectava Agrona ao seu fogo da alma se rompeu quando Regis queimou as chamas consumidoras do meu corpo com suas próprias ondas de Destruição. Chamas negras também ardiam nas feridas de Agrona, cauterizando-as.

Kezess não avançou, mas aproximou-se lentamente. Dando-me tempo para enfraquecer ainda mais o isolado Agrona, teorizei. O próprio Agrona movia-se como um animal enjaulado, uma expressão bestial estampada em seu rosto, aguardando a cicatrização.

Deixei o momento se prolongar enquanto refletia sobre o problema com minhas armas etéreas.

Kezess já havia demonstrado ser mais que capaz de dissipar minhas armas conjuradas exatamente nos momentos mais críticos. Não podia lutar com algo que não controlava totalmente. Embora não tivesse motivo para usar princípios de manipulação de mana desde a formação de meu núcleo de éter, as lições de minha vida antes das Relictombs — dos meus pais, Virion, professores da Academia Xyrus, as Lanças, os anciões Hester, Bund e Camus — vieram à minha mente. Desmontando os feitiços de Kezess e Agrona, poderia compensar a instabilidade de minha lâmina e a limitação de não poder usar Destruição livremente.

Ainda assim, eu precisava de uma arma.

A runa divina espacial foi ativada, formando um fragmento de espaço condensado em meu punho. Negro como o ébano e impenetrável, a “arma” não tinha peso na minha mão. Minha mão servia apenas para guiar minha mente em seu formato, como um mago murmurando um encantamento. Sua forma era mantida e movida apenas por minha vontade e a runa.

Agrona torceu os pulsos, e adagas serrilhadas de ferro-sangue surgiram em suas mãos. Com um silvo de mana concentrada, ele avançou, nada mais que um vulto sombrio. Segurei minha arma com ambas as mãos, bloqueei uma adaga, recuei um passo, desviei a segunda, cortei sua garganta com um golpe curto e direto, desviei de mais dois ataques, então bloqueei uma estocada de Kezess e desviei o ataque em direção a Agrona, interrompendo o golpe de uma adaga.

Minha concentração vacilou, pois segurar e manobrar a lâmina se provou difícil. O fragmento espacial desfez-se em minhas mãos. Agrona lançou duas adagas negras em arcos curvos. Liberei uma explosão de éter, destruindo ambas, então extraí a mana, moldando-a em projéteis de granito que arremessei em um círculo ao meu redor.

Desarmado, avancei como se fosse seguir o ataque com as mãos nuas, mas usei God Step para surgir do outro lado dos meus oponentes, reaparecendo com uma nova espada formada pela runa espacial descendo sobre o ombro de Kezess. Ele ergueu um escudo branco reluzente de mana, mas a lâmina espacial o cortou como se fosse papel. Kezess se esquivou no último instante, sua elegância abandonando-o momentaneamente quando um lampejo de medo passou por seu rosto.

A lâmina se desfez novamente, e minha mente acelerou.

A espada espacial era abstrata demais, desconectada da realidade. Talvez, com tempo, eu aprendesse a manter sua forma, mas tempo era algo que não tinha.

A lâmina dourada de Kezess aproveitou a abertura, e foi minha vez de desviar. Houve uma explosão de mana na ponta de sua espada, mas um golpe rápido de éter a dissipou. Rapidamente, reformei-a em uma fina névoa de água que se espalhou ao redor dele antes de congelar instantaneamente contra sua pele.

Antevendo o ataque furtivo de Agrona, já me movia, roubando parte de seu impulso enquanto ele avançava, adagas cortando o ar. Disparei uma explosão etérea em seu rosto, mas ele a encarou de frente e continuou vindo, girando uma adaga e cravando-a na lateral do meu pescoço. Tentei ativar God Step mais uma vez, mas uma onda de éter reverberou de onde Kezess havia se libertado do gelo, me atrasando. Desviei o corpo bruscamente e levei a adaga no ombro. O fogo da alma alastrou-se pelo ferimento, invadindo meus canais até que Regis o queimou.

A vitória flamejou nos olhos de Agrona quando ergueu a segunda adaga sob meu queixo. Seu sorriso vingativo desfez-se em fúria e dor um instante depois, quando minha perna disparou em um Burst Strike, detonando contra seu joelho com a força brutal de dezenas de descargas de éter concentradas através de minhas pernas e quadris.

Ele desabou sobre um dos joelhos, e eu ergui as mãos, não para invocar a runa espacial, mas para moldar o éter em uma espada e imediatamente se inflamou com Destruição. Se eu não conseguia manter a concentração na lâmina formada pela runa espacial, talvez ao menos a Destruição afastasse a capacidade de Kezess de desestabilizar minha espada etérea. Com ela, golpeei a nuca de Agrona. Imediatamente, a força dilacerante do cancelamento etéreo de Kezess atingiu. Regis apertou seu controle sobre a forma da espada enquanto ela cortava o ar, deixando um rastro serrilhado de chamas violetas.

Regis, tão densamente enrolado dentro da forma da espada de Destruição, enviou um lampejo de pânico quando seu domínio sobre o éter no qual estava imbuído cedeu.

Jorros de chamas violetas espirraram sobre meu rosto e braços enquanto eu era lançado para longe de Agrona. A dor abrasadora me consumiu, e o rebote psíquico do terror existencial de Regis foi como facas cravadas no meu cérebro. Ele havia sido despedaçado em mil fragmentos desconectados, seu espírito ardendo em pequenos focos de chama pelo campo de batalha.

O tempo parecia congelado enquanto minha mente, fraturada pelo Gambito do Rei, tentava focar em uma centena de detalhes ao mesmo tempo. De onde eu havia sido arremessado pela explosão, mal consegui distinguir Agrona, a uns quinze metros, contorcendo-se no chão. Kezess estava mais ao fundo, intocado pela nova de Destruição. Eu tinha certeza que aquele desgraçado havia planejado tudo aquilo, usando minhas próprias habilidades como arma para desferir um golpe potencialmente fatal tanto em mim quanto em Agrona ao mesmo tempo.

Contudo, naquele momento, eu mal me importava. Só conseguia tentar concentrar minha atenção em Regis, ou melhor, nos fragmentos dele que ainda conseguia sentir.

Ecos de sua dor e medo vinham de todas as direções, mas mais fortemente das chamas de Destruição que ainda devoravam minha carne e armadura enquanto eu permanecia deitado. Sem ele, eu não podia usar a runa da Destruição, não podia…

A esperança pulsou em meu peito junto ao meu coração disparado. Regis havia, o que parecia uma vida atrás, tomado para si a runa divina para me salvar de me consumir ao utilizá-la. Se ele ainda estava aqui, então a runa divina também estava.

Liberei éter nas chamas que me devoravam, mergulhando-o no fogo. Por um instante, senti a consciência de Regis antes que a energia se desfizesse Aquela consciência revidou, empurrando algo. Desesperado, agarrei aquilo, e o éter retraiu-se, trazendo um fragmento de volta para dentro de mim.

E então eu senti. A runa divina, um símbolo de insight; primeiro minha, depois de Regis, e agora compartilhada entre nós. Estava alojada em um fragmento despedaçado do meu companheiro, menos que um fiapo de éter autoconsciente.

Seguindo um palpite calculado, absorvi o éter. A runa divina da Destruição veio junto.

O tempo voltou a correr. Mal consegui erguer meu braço conjurado para deter a lâmina dourada que descia. Um estalo como trovão ecoou, meu éter tremeu, e então o braço colapsou. A espada atravessou minha armadura e cravou-se entre minhas costelas. Eu senti a ponta dela atingir a pedra debaixo de mim. A luz irradiou da lâmina, me iluminando por dentro, enquanto a mana de Kezess escapava pela minha pele em forma de vapor.

Lutei de volta, tomando aquela mana, desfazendo-a e remodelando-a através do meu éter. Ela escoava por meus poros como vapor, agarrando-se à pele de Kezess, superaquecendo num estalo antes de ser expelida, levada por seu controle superior.

Entretanto, aquilo era apenas uma distração. Por dentro, eu tateava pela runa divina da Destruição, buscando aquele controle. Meu corpo doía enquanto a runa queimava contra minhas costas, como se uma parte dela ainda tentasse me despedaçar. De repente, toda a Destruição que ainda consumia a dimensão de bolso ficou clara em minha mente. Eu podia alimentá-la, atiçar as chamas, ou congelá-la, lançá-la contra meus inimigos.

Em vez disso, puxei tudo para mim, invocando toda aquela Destruição. Regis ainda vivia no fogo, e eu precisava…

A espada de Kezess girou, e éter e mana se expandiram entre minha pele desprotegida e a armadura relicária, que explodiu e voou em todas as direções. Um grito arrancou-se de minha garganta. Minha visão se turvou, e meu núcleo pareceu se contrair dentro do esterno.

Esperei por palavras amargas ou provocadoras. Talvez um discurso de vitória. Tempo, qualquer coisa que me desse tempo. Kezess, porém, era friamente eficiente e se recusava a me dar a única coisa de que eu precisava. Em vez disso, a lâmina dourada foi arrancada do meu corpo, seu punho ajustou-se suavemente, e então cravou-se mais uma vez, desta vez direto ao meu pescoço.

Tentei ativar God Step, minhas lâminas, minha armadura, minha conexão com Regis… tentei ativar tudo ao mesmo tempo, cada ramificação do Gambito do Rei competindo pela limitada capacidade do meu corpo físico. Era como cair e tentar agarrar uma mão longe demais. Meu poder escorria por entre meus dedos, e a lâmina afundou, me atravessando e mergulhando fundo no chão.

Não houve dor…

Kezess, ofegante, arregalou os olhos. Seus nós dos dedos branquejaram ao redor da empunhadura da espada. Uma gota de suor pendeu de seu nariz por um segundo antes de cair. Observei enquanto ela descia, pousando em meu ombro. Ou melhor, atravessando meu ombro e espirrando no chão abaixo de mim.

Eu estava levemente sombrio e vagamente incorpóreo.

— Gah!

A voz de Regis foi como uma ruptura sonora na carne atrás do meu olho esquerdo,e eu me contraí, encolhendo o corpo, me curvando ao redor da espada como se ela não estivesse ali. Ou como se eu não estivesse.

Chamas violetas envolveram minha forma translúcida, um manto de Destruição enquanto eu me levantava. Sentia Regis nnão como uma pequena forma difusa escondida dentro do meu núcleo, mas como mil partículas fundidas em meu ser, parte de mim. A explosão anterior o despedaçou, e, no desespero para montá-lo novamente no momento seguinte, ele havia se fundido totalmente comigo, não apenas compartilhando pensamentos ou éter, ou mesmo uma runa divina, mas tornando-se um só ser.

Ele havia me salvado. No último segundo, ele me transformou. Agora, através da runa divina da Destruição, eu me concentrava em mantê-lo em meu interior, contendo suas partes dispersas até que pudesse se reconstituir por completo.

Ao mesmo tempo, examinei minha mão esquerda, que agora não existia mais como um membro etéreo conjurado, mas como uma forma de pura Destruição.

Kezess aproveitou o que interpretou como distração e avançou, sua lâmina mais uma vez mirando minha garganta. Minha mão ergueu-se num reflexo e a agarrou no meio da lâmina. A Destruição devorou a espada, partindo-a ao meio. A ponta ainda ardia no chão entre nós quando Kezess arremessou o cabo para longe.

Atrás dele, Agrona lutava para se levantar. O basilisco estava gravemente ferido, sua armadura queimada em vários pontos, e a carne sob ela não estava só queimada, mas apagada, como se esculpida à faca. Chamas negras tremeluziam nas bordas de seus ferimentos, tentando regenerá-los. Um de seus chifres havia perdido metade das pontas.

— Consegue manter essa forma? — perguntei a Regis, pressionando sua mente, preocupado com o quanto ele parecia disperso e incompleto.

— Três sacudidelas — arfou ele em minha mente, sua voz um eco enlouquecedor. — Mais que isso e você estará só… brincando com fogo.

Avancei um passo em direção a Kezess. Ele empurrou com mana pura reforçada por éter, formando um escudo entre nós. Meu próximo passo foi através dos caminhos etéreos, e reapareci diante de Agrona. Ele praguejou, e o chão sob meus pés irrompeu em espinhos negros que atravessaram meu corpo incorpóreo e se desintegraram na Destruição.

Minha mão se estendeu, casualmente. Dedos formados por Destruição afastaram armadura e carne, e então se fecharam ao redor do núcleo dele. Seus olhos se arregalaram, seus lábios pálidos e manchados de sangue moveram-se sem som. Segurei o núcleo gentilmente enquanto ele se dissolvia, desfeito pela Destruição. Ele já estava morto antes que seu corpo deslizasse do meu braço.

Seu corpo atingiu as pedras quebradas com um ar de desfecho. Olhos sem vida me encaravam acusadores, como se achassem esse fim injusto.

Ao me virar, encontrei Kezess, desarmado e no limite de suas forças, encarando o corpo de Agrona.

— Então. Enfim, Agrona Vritra está morto — disse ele com pesar. As primeiras palavras pronunciadas em algum tempo. Ele balançou a cabeça, pesaroso. — E mesmo assim suas maquinações ainda ameaçam pôr fim a tudo pelo que trabalhei. Achei que encontraria alguma paz com a morte dele.

— Talvez encontre paz na sua própria — respondi, minha voz distorcida pela Destruição.

Não usei God Step para ir até ele, como fiz com Agrona. Eu podia sentir a luta de Regis, o esgotamento de suas últimas forças. Manter a forma da Destruição por mais tempo significaria tomar tudo dele. Queimá-lo como lenha por mais alguns segundos de poder. E mesmo com a lógica fria do Gambito do Rei me guiando, nem considerei essa opção. Ele não era apenas uma arma a ser usada até quebrar.

Expeli as partes dele para fora.

Nas distorções saltitantes das minhas muitas sombras, um pequeno filhote de lobo emergiu da escuridão. Liberei a runa da Destruição, e as chamas se dissiparam enquanto eu me condensava novamente em carne e osso. A dor do corpo físico retornou, meu braço esquerdo decepado jorrava sangue novamente.  Éter fluiu para aquele ferimento, bem como aos demais, para começar o processo de cura.

Kezess inclinou a cabeça, observando Regis por um instante antes de procurar sua espada. Meus olhos seguiram seu olhar até um fragmento opaco do cabo, tudo o que restou da bela arma dourada.

Assenti.

— Você ainda é pai da Sylvia e avô do meu vínculo. Saque sua arma.

Com um resfôlego que soava estranhamente deslocado em sua persona, Kezess recolheu o cabo quebrado. Houve uma torção de éter, e o ouro pareceu escorrer de sua palma para o cabo até a lâmina quebrada, e então para fora, formando a espada em seu formato original. Em poucos instantes, a arma estava completamente restaurada. Ele a observou por um momento antes de, com um floreio, apontá-la para minhas mãos vazias.

Também olhei para elas. Quantas vezes estive nessa posição? De pé, diante do líder de outra grande nação, o destino de milhões repousando no fio das lâminas que cruzaríamos. Como rei, lutei com uma dúzia de espadas diferentes ao longo dos anos. Nenhuma delas se destacou como especial. Aqui, nesta vida, porém, só havia realmente empunhado uma única lâmina. Balada do Amanhecer, cujos fragmentos repousavam em uma caixa em meu armazenamento dimensional.

Antes mesmo de formar o pensamento, os fios de minha mente já haviam resolvido o enigma. Devia ter pensado nisso antes, mas talvez algum perdão fosse aceitável. Eu estava lutando pela minha vida. Ainda assim, agora parecia tão óbvio.

Meu próprio núcleo era a chave.

A runa de armazenamento abriu-se com um pensamento, e a caixa apareceu ao meu lado, sustentada por éter condensado. A tampa abriu-se, e os fragmentos flutuaram para fora, girando antes de se alinharem em sua forma aproximada. A runa divina espacial irradiou luz dourada enquanto eu moldava um fragmento de espaço endurecido ao redor da Balada do Amanhecer, usando-o para concentrar a forma da lâmina da mesma forma que havia construído meu núcleo de éter ao redor dos cacos do meu antigo núcleo de mana.

A expressão de Kezess era indecifrável. Ele ergueu sua arma em uma espécie de saudação.

— Que uma última morte abra caminho para um futuro melhor — falou, solenemente.

Segurei A Balada do Amanhecer com cuidado. A luz acinzentada incidia sobre os fragmentos, emitindo feixes azul-esverdeados através da lâmina e conferindo-lhe um brilho translúcido. Retribuí a saudação.

— Exatamente o que pensei — concordei.

Nos movemos ao mesmo tempo. Ele avançou num lampejo, empunhando a espada como um florete, a lâmina um borrão dourado. Levantei a Balada do Amanhecer para aparar seu golpe. Faíscas douradas voaram, e então já havíamos passado um pelo outro. Dêi meia-volta, preparando o próximo golpe.

Um fino rastro de sangue escorria pela Balada do Amanhecer.

Kezess virou-se para mim, novamente segurando apenas a empunhadura da espada. Demorou um instante até que a densa mana e éter se desfizessem onde a carne já havia sido separada. Ele caiu de joelhos, um corte limpo, dividido através do centro do núcleo.

Pensei nos remanescentes djinn que me treinaram, em Ji-ae. Pensei em Haneul e Lady Sae-Areum. E no pai de Chul. E então pensei em todas aquelas outras civilizações que Kezess destruiu. Nenhuma delas, imagino, desejaria que sua morte fosse tão rápida, mas para mim, sua morte não era punição. Como separar Cecilia do Legado, foi apenas o próximo passo necessário.

A lâmina espacial desfez-se, e os fragmentos da Balada do Amanhecer flutuaram de volta para a caixa antes de desaparecerem no meu armazenamento dimensional. Então, por fim, liberei a runa divina por completo, permitindo que o espaço condensado ao redor da dimensão de bolso voltasse ao normal. O efeito foi imediato: as paredes começaram a se dissolver enquanto este espaço se desfazia, e pude sentir que estava sendo expelido de volta ao mundo físico.

Regis mancou até mim, e curvei-me para erguê-lo. Ele afundou em meu braço. Minha mandíbula se contraiu contra o desconforto do colapso do espaço, e eu me preparei.

No último momento antes de a dimensão de bolso ruísse e fôssemos devolvidos ao Taegrin Caelum, Regis inclinou a cabeça e lançou um último olhar exausto aos dois cadáveres.

— Parece que você era o melhor espadachim…