
Capítulo 889
My Iyashikei Game
As pessoas sempre desejavam aquilo que não tinham. Depois de consegui-lo, sentiam falta das coisas que haviam perdido. Os dois garotos estavam sentados bem próximos um do outro. Os turistas passavam apressados, mas eles permaneciam no mesmo lugar. Gao Xing era os olhos de seus pais. Sua família raramente visitava lugares lotados como aquele. Seus olhos brilhantes escondiam um traço de ansiedade. O barulho dos visitantes o assustava. Segurando-se ao banco, ele observava a loja de aquários. Sua mãe cega estava comprando um sorvete de pinguim para ele. Aquilo tinha que ser um dia especial, pois seus pais geralmente não comprariam algo assim para ele. Sua mãe cega saiu cuidadosamente da loja com o sorvete. Como não podia ver, ela usava as mãos para proteger o sorvete para o filho. Seu corpo estava curvado enquanto tentava cobrir o sorvete com o próprio corpo.
O mundo da mãe dele era escuro. Só a voz dele era sua orientação.
Gao Xing ia chamá-la quando outra mulher saiu com dois sorvetes. Ela era confiante e bonita. Brilhava. Quando as duas mães ficaram próximas, o contraste era grande.
A mulher foi muito educada e gentil. Ajudou a mãe cega com um sorriso enquanto se dirigiam ao banco. Gao Xing guardaria essa sensação para sempre. “Se ao menos ela fosse minha mãe…”
Gao Xing olhou para Gao Cheng ao seu lado. O garoto cego não podia ver nada, mas não havia medo no rosto dele. Parecia saber que a mãe viria buscá-lo.
A mãe cega agradecia continuamente à outra senhora e entregou o sorvete a Gao Xing. O sorvete já derretia e escorria pelos dedos da mãe, mas ela não se importava. Lambia a pontinha. Ela não gastaria dinheiro com esse luxo, mas comprava para Gao Xing. Porém, Gao Xing ficou envergonhado ao abaixar a cabeça. Observou a mulher pegar um lenço de papel e dividir o sorvete com o garoto cego.
Por causa de Gao Cheng ser cego, a mulher pacientemente explicava tudo sobre o aquário para ele. O mundo descrito por ela era tão bonito e colorido. Depois de terminar o sorvete, a mulher segurou a mão de seu filho e foram embora.
Gao Xing mordia o sorvete e se levantou involuntariamente. Caminhou até a senhora.
“Você já acabou?” A mãe cega de Gao Xing ouviu a movimentação e também se levantou. “Vamos passear mais um pouco, já que o ingresso foi caro.”
“Ok...”
Gao Xing segurou a mão da mãe e seguiu a outra senhora de longe. Não sabia por que fazia aquilo. Talvez fosse uma saudade de algo melhor. Passaram pelo túnel subaquático e assistiram à apresentação dos golfinhos. Foi o melhor dia da vida de Gao Xing. Ele não sabia o que aconteceria a seguir. Só sentia felicidade. Por um momento, esqueceu seus pais cegos, sua família pobre e seus valentões. Aproveitou algumas horas sendo uma criança normal.
Gao Xing ainda não queria sair, mesmo com o aquário quase fechando. Quando os alto-falantes pediram a todos que deixassem o local, ele e sua mãe foram conduzidos para fora. Gao Xing viu seu pai cego uma última vez ao sair do aquário. Para economizar o valor de outro ingresso, seu pai não entrou. Ficou na parada de ônibus por várias horas. A alegria no coração de Gao Xing foi substituída por outra coisa. Por mais que visitasse o aquário várias vezes, aquela sensação sempre permanecia como uma ferida aberta. Ao retornarem para a rodoviária, o pai de Gao Xing sorriu e não reclamou de nada.
O sol se pôs. O ônibus não chegava. De repente, um carro muito caro parou na frente deles.
“Você não é o menino que vinha me seguindo no aquário?” A voz familiar da mulher saiu do carro. Ela sorriu. “Está quase escurecendo. Onde você mora? Por que não vou te levar para casa?”
Gao Xing não esperava que ela soubesse que ele vinha a acompanhando. Ficou envergonhado e permaneceu parado, sem se mover.
A reação do pai cego foi estranha. Parecia reconhecer a voz dela. “Você esteve no Hospital Mental do Terceiro?”
“Sim. Meu filho nasceu cego, por isso o levo sempre ao hospital.” A mulher foi muito educada. Abriu a porta do carro e planejava fazer seu filho ocupar o banco do passageiro. Mas Gao Xing não sabia disso e foi caminhando até lá.
“Vai. Não fique entre minha mãe e mim!” Gao Cheng trombou em Gao Xing porque não podia ver, mas não tinha intenção de pedir desculpas.
Gao Xing não disse nada. Era sempre um covarde. Mas seu pai cego, que normalmente era tímido, de repente avançou para segurar os braços de Gao Cheng.
“O que você está fazendo?” Gao Cheng ficou assustado, pois não podia ver.
O pai cego ergueu o braço e quase deu um tapa em Gao Cheng. “Neste mundo, só você pode ralhar com ele.” Os pais cegos não viam, mas sabiam muito bem que Gao Cheng era seu filho verdadeiro. Por isso, o pai era tão rudes com ele.
“Só ele não pode me intimidar?” Gao Xing ficou confuso. Antes que pudesse pensar melhor, seu pai agarrou ele e sua esposa e foi embora. O destino deu uma pista a Gao Xing. Havia uma cruz em seus caminhos.
Gao Xing e seus pais chegaram em casa quando já escurecia completamente. O cômodo apertado e o cheiro horrível fizeram Gao Xing voltar à realidade. “Sim. Este é o meu lar, minha vida.”
Gao Xing ajudou com as tarefas domésticas como de costume e voltou para seu quartinho. Muitas coisas tinham acontecido naquele dia. Ele não conseguiu dormir. Sentou-se na cama. Gao Xing ouviu os pais discutindo. Não acendeu a luz e abriu a porta. A casa dele tinha apenas um quarto. Seus pais cegos lhe deram o cômodo, e eles dormiam na sala.
“Vamos mesmo fazer isso?”
“Os olhos mais adequados são os do Gao Xing. Se ele estiver disposto a doar, nosso filho terá uma vida normal. A esposa também nos dará muito dinheiro, e nossa vida vai mudar.”
“Mas isso é injusto com o Gao Xing.”
“Eu sei. Já devíamos ter feito muita coisa por aquela criança.”
O casal parou de conversar. Seus corações atormentados.
“Vamos assinar o acordo?”
“Não sei…”
Os dois conversaram em voz baixa. Não conseguiam dormir, mas Gao Xing, que ouvira tudo, não tinha ideia. Ele permanecia na porta, ouvindo tudo.
“Nosso menino? Aquele garoto? Será… não sou o filho deles?” O rosto de Gao Xing começou a se contorcer. Seu corpo frágil se retorceu. Ficou ali até seus pais adormecerem. Caminhou até o outro lado da sala e vasculhou as roupas dos pais. Por fim, encontrou o documento no bolso do pai. O hospital esperava que seus pais ‘doassem’ os olhos de Gao Xing a Gao Cheng.
Seus pais hesitavam, não por medo dele, mas por considerarem entregar seus olhos.
“Por quê? Por que tenho que entregar meus olhos a outra pessoa? Não sou seu filho? Vocês disseram que eu sou seus olhos? Por que vão dar meus olhos a outra pessoa? Por que querem que eu viva na escuridão, igual a vocês?”
O rosto e o corpo de Gao Xing começaram a se transformar rapidamente. A memória mudou. Tudo virou rostos feios. As mesas, cadeiras, paredes e camas, objetos familiares, tornaram-se figuras grotescas. Estavam amarrados como cordas, formando uma teia sufocante. Alguns tinham peles grudentas. Pareciam peixes presos em uma rede, alguns se afogando, outros tentando subir mais alto. Este era o mundo real aos olhos de Gao Xing.
O frágil Gao Xing lutava nesse mundo assustador. Não muito longe, o cego Gao Cheng também implorava por ajuda.
Nessa memória, além dos dois garotos, só Han Fei não se transformou em alguma criatura monstruosa.