Terramar: O Mar Encoberto

Capítulo 1046

Terramar: O Mar Encoberto

Uma caminhonete branca acelerava desenfreadamente pela estrada.

Jackal dirigia enquanto Olivia, com sardas, estava no banco ao lado dele.

Anna e Gao Zhiming estavam no banco de trás, mais distantes do centro do campo de batalha anterior.

Quando as rodas da caminhonete de entrega passou por uma pedrinha na estrada, Gao Zhiming — com a cabeça repousada no colo de Anna — se arrepiou.

Anna olhou para ele e acariciou suavemente sua bochecha machucada de lágrimas com a mão. Durante o caos, Gao Zhiming rangeu os dentes e perseverou. Ele nunca os deixou cair nem uma vez.

Agora que estavam fora da tempestade, as cenas violentas de antes — os cadáveres dilacerados, os monstros sugadores de sangue e as convulsões da morte das pessoas — fizeram Gao Zhiming sentir que estava à beira de um colapso.

Um aperto de tristeza invade o coração de Anna enquanto ela vê Gao Zhiming encolhido como um bebê.

Independentemente de quantas pessoas ele acabará matando no futuro, Gao Zhiming, no momento, era apenas uma criança de nove anos. Aquelas cenas eram demais, cedo demais para o jovem Gao Zhiming.

Anna estendeu a mão e segurou suavemente Gao Zhiming em seus braços. Então, ela pigarreou uma canção de ninar na tentativa de aliviar o medo em seu coração. O pálido Gao Zhiming finalmente deixou de tremer, envolvendo-se na fragrância tranquilizadora de Anna e na melodia suave de sua canção.


— Sacerdotisa Suprema, há um congestionamento à frente. Parece que o exército montou um bloqueio, — disse Jackal, alertando-os com uma mão no volante.

Anna olhou pela janela e viu que barreiras de metal tinham sido colocadas na esquina distante, enquanto pessoas vestidas em uniformes militares estavam fazendo inspeções.

Parecia que as autoridades locais tinham decidido tomar o controle da cidade com o exército em resposta ao caos repentino. Dado o histórico oficial do FMI, Anna tinha certeza de que eram os responsáveis pelo bloqueio.

— Dirija para o matagal à esquerda, — ordenou Anna.

Jackal olhou para Anna pelo espelho retrovisor, surpreso. — Se for por esse caminho, vamos entrar na floresta. Lá dentro não tem estrada.

— Eu mandei dirigir, então dirija, — respondeu Anna, pressionando a mão contra o encosto do assento à sua frente.

Logo, a caminhonete vibrou em alta frequência, passando rapidamente pela floresta. Olivia observava maravilhada enquanto as árvores altas sePhaseavam através dela.

Graças à habilidade especial de Anna, o caminhão de entrega, carregando o enorme espelho de bronze, conseguiu escapar facilmente do bloqueio. Infelizmente, usar essa habilidade por tanto tempo em um objeto tão grande deixou Anna exausta.

Por fim, tiveram que parar em um riacho cristalino na floresta para descansar e recuperar as energias.

Anna estava sentada no caminhão, segurando Gao Zhiming nos braços, e observava Jackal, que, com uma só mão, pescava alguns peixes no riacho com facilidade.

Jackal claramente tinha passado por um intenso treinamento de sobrevivência — devia ser um dos melhores.

Anna não perguntou, e Jackal não revelou nada sobre seu departamento no FMI.

Logo, fizeram uma fogueira, e Jackal espetou os peixes em alguns galhos, assando-os até ficarem dourados e crocantes.

O grupo de quatro se sentou silenciosamente ao redor do fogo, desfrutando de uma refeição pacífica após a batalha intensa.

Gao Zhiming finalmente acordou e devorou os peixes assados sem deixar os braços de Anna. Com tanta fome, seu rosto ficou coberto de graxa. Ele comia de forma selvagem, como se estivesse descontando suas emoções negativas na comida.

Depois de acabar com o peixe em poucos bocados, Jackal limpou os lábios gordurosos com a mão e fixou o olhar na correnteza clara ao lado deles.

— O que você está olhando? — perguntou Anna.

— Estou olhando aquele galho... o galho que faz parte do corpo de Fhtagn, — respondeu Jackal, com uma expressão de sonho.

Anna ficou constrangida ao ouvir Jackal chamar Charles de “Fhtagn”. Se soubesse que isso aconteceria, teria inventado um apelido falso para Charles ao invés de chamá-lo de “Fhtagn”.

— Ainda dá pra ver aquele galho? — perguntou Anna, seguindo seu olhar. Mas, na correnteza, não viu nada.

— Ele está ali. Está em toda parte, — afirmou Jackal, apontando na direção dele.

A expressão de Jackal mudou para uma de alegria — uma alegria infantil que só se encontra em bebês.

A mudança abrupta assustou Olivia, sardenta, que segurava um peixe espetado com ambas as mãos e se aproximou um pouco mais de Anna.

De repente, Jackal abaixou a mão e ajoelhou na frente de Anna, que estava sentada em um tronco com os joelhos dobrados.

— Acho melhor a gente conversar, — falou Jackal, com tom calmo e tranquilo.

Ah? Sobre o quê? — perguntou Anna, esperando que ele começasse a falar.

— Vamos conversar sobre sua atitude em relação a Fhtagn. Como é que você nunca demonstrou nem um pingo de reverência por Ele, na sua voz?

Anna não respondeu à pergunta dele. Em vez disso, tomou o controle da conversa ao dizer, — Sua missão agora é orar. Ore para aquele Deus nos seus sonhos. Entre em contato com Ele por mim e diga para aquele cara que Anna está esperando uma resposta dele.

Parece que, por ora, essa era a única forma de demonstrar seu valor.

— Aquele cara? — Jackal franziu o rosto profundamente. — Por que você se refere a Ele assim? Isso é blasfêmia! Uma blasfêmia contra Ele!

bate!

Um som nítido ecoou quando Anna deu um tapa na face de Jackal.

— Saiba seu lugar. Que direito você tem de gritar comigo, hein? — Anna então segurou o rosto de Jackal com as mãos nas bochechas, olhando-o com firmeza. — Se você realmente quer ajudar seu Deus, faça o que estou mandando.

Swoosh!

Mais de uma dúzia de bolas de fogo verdes se manifestaram instantaneamente ao redor de Jackal. Se ele mexesse um músculo sequer, certamente morreria.

No final, Jackal só pôde olhar para baixo.

Anna viu isso e finalmente soltou suas bochechas. — Deixe-me adivinhar. Como você é tão dedicado a Ele, seu objetivo deve ser encontrá-lo, certo? Se fizer o que eu digo a partir de agora, seu desejo acabarás realizando.

Apesar da humilhação clara, Jackal não sentiu nem rancor. Para ele, seu Deus era tudo, e sua honra e desonra não valiam nada.

— Como você vai fazer isso? Pelo que eu tenho visto, você realmente não consegue invocar o grandioso Fhtagn.

Anna balançou a cabeça e revelou: — Não precisamos invocá-lo. Ele está sob a terra. Assim que abrirmos o portal para aquele lugar, você poderá vê-Lo.

— Não, você está mentindo! O granDe Deus Fhtagn está em toda parte! Ele não pode estar preso em algum mundo subterrâneo condenado! — exclamou Jackal, claramente com sua própria interpretação da situação de Charles.

Anna não tinha intenção de discutir com Jackal. Ela tocou suavemente sua têmpora e respondeu, — Tudo bem. Seu Deus está em toda parte, certo? Vá em frente, entre em contato com Ele. Diga para Ele te levar até o lado dele. Se você não conseguir fazer isso, suas palavras serão inúteis.

Se fosse possível, Anna certamente não gostaria de esperar tantos anos até poder retornar ao Mar Subterrâneo. Seria ótimo retornar ali mesmo, na hora.

— Eu vou... eu vou... — murmurou Jackal, sentado novamente e encarando o riacho à sua frente.

Ah! Senhora Anna, olhe! Está saindo fumaça da parte de trás do caminhão! — gritou Olivia.

Anna se virou rapidamente e viu uma névoa vermelha saindo por trás do caminhão onde descansava o espelho de bronze. A cena fez Anna pensar que aquilo que estivesse dentro do espelho de bronze poderia ter escapado dele.