Terramar: O Mar Encoberto

Capítulo 992

Terramar: O Mar Encoberto

De volta ao Mar Subterrâneo, Sparkle estava do lado de fora da porta principal. Ela encolheu os joelhos ao peito e envolveu os braços firmemente ao redor deles. Com um olhar desanimado, observava em silêncio a floresta vibrante do lado de fora da casa.

Um som repentino de ranger de árvores quebrando o silêncio — o estalo de galhos se partindo — foi interrompido quando uma criatura grotesca, que se erguia por vários andares, emergiu do denso folhagem.

A primeira vista, parecia um lobo gigantesco e distorcido. No entanto, ela não tinha um único fio de cabelo e, ao invés disso, estava coberta por uma camada espessa de membrana carmesim. Dentro dessa membrana translúcida, linhas de organismos roxos, semelhantes a fios, deslizando e retorcendo-se.

O gigante lobo abriu suas mandíbulas rachadas e devorava continuamente os galhos caídos no chão. Quando acabava com os galhos, passava a rasgar pedaços de grama do chão, e, quando a grama se esgotava, começava a consumir o próprio solo.

A cada mordida, sua forma quase de lobo começava a se transformar em uma aberração mais estranha. Se antes ela era apenas o resultado da fusão de dois lobos, agora, pelo número de membros, lembrava a mistura de seis lobos, fundidos e contorcidos em uma única entidade monstruosa.

Sparkle o reconheceu; era um de seus irmãos mais novos. Ela não o via há dias, mas parecia que ele tinha conseguido encontrar sua própria fonte de alimento — devorando a carne e o sangue do pai deles.

Enquanto isso, o pai deles, Charles, permanecia indiferente à perda de suas próprias vestimentas físicas. Estava mais preocupado com outras questões.

Ao observar a transformação gradual do irmão, um traço de tristeza brilhou nos olhos de Sparkle. Ela se moveu, apoiando a maior parte de seu corpo delicado contra a porta caqui.

Com uma ponta de súplica na voz, ela implorou: "Pai… por favor, me deixe entrar."

Contudo, diante das próprias súplicas da filha, a porta permaneceu firmemente fechada.

Uma luz branca e brilhante envolveu o corpo de Sparkle; sua silhueta começou a ficar translúcida enquanto ela tentava entrar na sala com seus próprios poderes.

No entanto, quando Charles decidiu não deixá-la passar, qualquer tentativa de teleportação era inútil. Afinal, seus poderes tinham a mesma origem, e nenhuma tentativa de deslocamento seria eficaz.

A luz branca ao redor de Sparkle piscou algumas vezes antes de desaparecer completamente. Ela ainda permanecia ali, presa, frustrada, tocou as linhas tênues no rosto.

"Pai…" ela começou. "As mudanças físicas em mim não têm nada a ver com ajudá-lo. Sempre foi assim."

Seus olhos apagaram-se enquanto continuava: "Nem mesmo sei em quê vou me transformar quando crescer totalmente…"

A voz cansada de Charles ecoou atrás da porta fechada.

"Querida, vá procurar sua mãe. Eu não deveria ter te envolvido nesse caos desde o começo."

Um olhar de dor ocultou o rosto de Sparkle enquanto ela fechava os olhos em sofrimento. "Pai! Você foi quem mandou a mamãe para a superfície; não se lembra? Como posso ir até ela?"

"Os outros deuses do Mar Subterrâneo nem conseguem sair daqui. Como vou encontrá-la?!"

"Será que… eu mesma a enviei para a superfície? Talvez eu a tenha amado demais, não foi? O que eu estava pensando naquela época? Por que não a enviei comigo?"

"Espere. Não. Você não pode subir lá. O mundo da superfície entraria em caos se você fosse. Você pertence ao Mar Subterrâneo! Agora, vá logo e saia daqui!"

Sparkle apertou a mão direita e bateu na porta com o punho cerrado. Com a voz trêmula, insistiu: "Pai! Você é tudo que eu tenho! Também não tenho muito tempo."

No instante em que essas palavras saíram de seus lábios, a porta rangeu lentamente ao se abrir, e a silhueta de Charles apareceu ao fundo.

"Se você quer ficar, precisa me prometer uma coisa. Caso contrário, vou te mandar embora e você nunca mais vai me encontrar."

Parece que Sparkle já adivinhava as próximas palavras de Charles e começou sua argumentação. "Pai, você esqueceu que meu corpo sempre tem crescido nesse ritmo? Desde que nasci, envelheço mais rápido do que os outros. Talvez, desde o começo, eu tenha menos de dez anos de vida."

"Promete pra mim," disse Charles com uma leve inclinação da cabeça.

A cabeça de Sparkle caiu em derrota. "Tudo bem, eu prometo."

"Se acontecer a mesma coisa de antes de novo, nunca arrisque sua segurança para me acordar. Saia daqui e vá o mais longe possível," ordenou Charles.

Por um momento, Sparkle hesitou, mas acabou assentindo de relutância.

Quando Charles se virou para ela, ela não conseguiu se segurar mais. Lágrimas escorreram pelo rosto enquanto se lançava aos seus braços.

Charles segurou o rosto de Sparkle com as mãos. Ao olhar para as linhas delicadas que marcavam sua pele jovem, sentiu uma pontada de dor no coração.

Seus dedos desceram lentamente até o pescoço claro dela. Como tentáculos, exploraram sob a pele enquanto tentava analisar o corpo de Sparkle e buscar uma solução plausível para interromper as mudanças aparentemente inevitáveis.

Mas Sparkle não demonstrava nenhum preocupação com as transformações. "Pai, não fica assim. Não sou humana, e nunca temi a morte. Tenho uma premonição há bastante tempo de que, quando chegar ao fim da minha vida, talvez seja esse o momento em que vou me transformar naquilo que realmente devo ser."

Com um sorriso suave, ela continuou: "Sabe… Quando eu nasci, se a mamãe não tivesse me criado como se eu fosse humana, talvez eu já tivesse terminado a transformação faz tempo."

"A mamãe me ensinou muitas coisas. Também aprendi muito com os humanos. Mas só agora percebo… Nunca fui uma humana."

"Não há sentido em imitar humanos — a aparência, a linguagem, as regras. É como um humano tentando aprender a língua das formigas e viver entre elas. Talvez, minha forma atual seja algo artificial."

Charles apertou-a com força e deu um beijo suave na testa de Sparkle.

"Minha filha lá de dó…"

Um sorriso suave iluminou o rosto delicado de Sparkle. "Não sou uma coitadinha. Mesmo que tivesse sido um erro, como humana, senti emoções muito especiais que nunca teria experimentado de outro jeito. Coisas como o amor que você e a mamãe me deram. E eu gosto disso."

Charles a levou até o sofá de couro e afundou-se na cadeira. A carne nas suas costas se fundiu rapidamente com o couro macio.

Uma dúvida atravessou seus olhos enquanto perguntou: "Sparkle, sua mãe está mesmo na superfície agora?"

"Mhm," Sparkle assentiu, enroscando-se no colo dele. "Você foi quem a enviou lá. Talvez tenha tomado essa decisão depois que ela sacrificou dois milhões de vidas por poder."

"Tantas pessoas morreram?" Charles murmurou para si mesmo, antes de perguntar a Sparkle: "Qual era o nome dela… mesmo?"

"Anna, mas na maior parte do tempo você a chamava de Zhao Jiajia."

"Entendi…" Charles então levantou lentamente as mãos, e no instante seguinte, uma folha de papel dobrada apareceu entre seus dedos. Era um desenho escondido entre as páginas de seu diário.

Era um retrato de uma mulher deslumbrantemente bonita. Charles não tinha desenhado esse retrato, mas já tinha esquecido quem o tinha feito.

Porém, tinha certeza de que nutria sentimentos profundos por ela, ou jamais teria guardado seu desenho no diário. A mulher era, com certeza, Anna — sua esposa.

Seus dedos rudes percorreram as linhas do retrato. Olhando para a imagem da estranha com quem ele não compartilhava nem uma lembrança, ele disse: "Anna, como você está? Como é a vida na superfície? Não se preocupe com o que acontece aqui embaixo. Eu vou cuidar de tudo. Apenas… viva em paz."

Observando a cena à sua frente, um leve sentimento de inveja brilhou nos olhos de Sparkle. Quando era mais jovem, houve um momento fugaz em que ela sonhou experimentar um amor assim.

Mas, antes que pudesse explorar o que era o amor, ela já tinha saído dessa fase.

De repente, a testa de Charles franziu e seu rosto escureceu. Ele lentamente se levantou.

"Pai, o que aconteceu?"

"Algo está errado. Não sei exatamente o que é, mas agora parece que algo importante aconteceu."