
Capítulo 91
Minha irmãzinha vampira
"Fui eu quem trouxe aquele Demônio Exterior."
A voz de Ysabelle vacilou enquanto seu corpo teimava em não obedecer às suas ordens. Tremendo como uma folha queimada pelo calor do verão, a temperatura do corpo da jovem aumentava, enquanto seus olhos de ágata pura ficavam cada vez mais nublados.
"Fui eu quem causou seu ferimento, Jin. Fui eu quem te fez perder quinze anos da sua vida! Eu—Eu que...[1]"
Lágrimas romperam-se do rosto da jovem. Soluços estremeceram seus delicados ombros enquanto a ferocidade da Deusa da Guerra se dissipava. O que estava diante de mim não era uma guerreira indomável, mas uma menina com emoções destruídas. Ysabelle tentando parar os soluços, mas quanto mais tentava, mais lágrimas caíam.
Logo, a menina virou uma pequena garota derrotada, a soluçar sem parar no meu colo.
"Ysabelle... Calma..."
Pus minha mão esquerda na cintura dela enquanto minha direita acariciava seus cabelos. Aproximando a menina do meu peito, relutante em deixá-la ir embora. Minhas mãos traçaram delicadamente o alinhamento do topo da cabeça dela até a nuca, acariciando suavemente a base do seu pescoço. Na mesma sequência de movimentos, continuei a acalmá-la, depositando suaves beijos na testa pálida e branca.
"Calma, Ysabelle..."
"Jin... Se não fosse eu, você..."
"Calma, Ysabelle..."
Não sabia exatamente o que havia acontecido no passado, nem conseguia lembrar. Mas, não conseguiria ter uma conversa clara com Ysabelle se ela estivesse assim, nervosa e chorando. A garota, ofegante, não estava em condições de dialogar racionalmente comigo. Portanto, fiz o meu melhor para acalmá-la, mesmo que fosse passar uma dúzia de minutos apenas a segurando.
"Você já se acalmou?"
"... Desculpe."
"Não, não precisa se desculpar." Além de demonstrar carinho, fiz questão de manter a expressão livre de qualquer sentimento além do amor. "Não se culpe, Ysabelle."
"Como não poderia?!" A garota gritou, erguendo o rosto avermelhado do meu peito. "Se não fosse por mim, você não teria se machucado! Se não tivesse me conhecido, teria sofrido esses quinze anos todos! Você teria sido zombado pelos seus colegas! Teria passado tantos anos no hospital! Teria realizado seu sonho de se tornar Caçador!"
É minha culpa toda!"
"Ysabelle..."
"Por toda a minha vida, fui a portadora da má sorte..."
Ysabelle apertou ainda mais a roupa comigo, enquanto seu rosto se desmanchava numa expressão de tristeza e sorrisozinho de desventura. O nariz vermelho pelo excesso de catarro e o corpo tremendo como se estivesse com medo de algo.
"No dia em que nasci, a Casa Blackburn sofreu uma derrota contra os Demônios Exterior, matando vinte e seis de nossos Vampiros mais poderosos. Isso foi o começo do meu mau presságio. Quando tinha três anos, meu irmão perdeu um braço lutando contra um Demônio Exterior, protegendo-me. Quando completei seis anos e comecei a treinar meu Aspecto de Vampiro, queimei minha mansão e todas as joias valiosas dentro dela.
Quando tinha sete anos, quebrei uma relíquia da Casa Blackburn..."
Ysabelle continuou a listar os episódios de azar na sua vida. Honestamente, a maioria eram apenas incidentes fortuitos que não podiam ser culpa de uma garota tão jovem. Mesmo queimar e quebrar coisas poderia ser consequência de uma supervisão parental ruim.
Porém, eu conseguia entender por que a jovem considerava tudo isso como sua culpa.
"Por toda a minha vida, tenho sido uma praga. A má sorte me persegue e eu magoo quem me cerca."
"Ysabelle, isso não é verdade."
"Mas é!!!"
A garota gritou em alto e bom som, destroçada e dilacerada pelos anos de sofrimento que infligira a si mesma.
"Há quinze anos... fui eu que não escutei você. Insisti em entrar na caverna para treinar. Por minha causa, Jin, você..."
Mais uma vez, Ysabelle ficou desolada. Seu corpo tremia, e o rosto carregado de desespero. Ela segurou minha mão, com medo de que eu a largasse e, possivelmente, a abandonasse de vez.
"Ysabelle... Só relaxa," sussurrei suavemente. "Prometo que não vou sair de perto de você, pode ficar tranquila. Não vou te abandonar."
"Jin..."
Ysabelle fechou os olhos, respirou fundo, e a pressão que a sufocava começou a diminuir. Com isso, ela revelou toda a verdade.
"Há quinze anos, passávamos nossos dias juntos. Os cinco. Você vinha todas as manhãs da sua casa e ia embora só tarde da noite. Todos nós ficávamos felizes com seu esforço; realmente ficávamos. Mas queríamos mais. A Irina queria brincar com você.
A Lilith queria estudar com você. Rosa, como sempre, ficava quieta ao seu lado. E eu... Eu queria que você continuasse me treinando."
Consegui imaginar. Uma jovem Ysabelle, que acabara de descobrir seu propósito na vida. Se ela desejasse seguir o caminho de cavaleira, queria minha orientação.
"E assim, treinávamos todas as manhãs. Acordávamos mais cedo que o resto e passávamos as horas antes do amanhecer brandindo espadas e correndo voltas. Era cansativo, mas você sempre estava lá para me segurar quando eu caía."
Uau... Preciso admitir, o jovem que eu era tinha seu charme. Se eu tivesse uma máquina do tempo, voltaria a esse momento e daria um grande joinha.
"Eu adorava cada dia que passávamos juntos. Nunca quis que acabasse." O rosto de Ysabelle relaxou, mostrando um sorriso amargo e derrotado.
"Mas tudo mudou naquele dia fatídico... Foi uma manhã escaldante, sem nuvens no céu, e o Sol irradiava seu calor ao máximo. Estava mais quente do que tudo que já tinha sentido, e após nosso treino matinal, levei você para uma caverna para descansar."
Não parecia tão ruim assim. Vampiros eram criaturas noturnas, e seu melhor momento era durante a Lua de Sangue. Os quatro Vampiros provavelmente me deram uma concessão ao treinarem de manhã em vez de à noite, então a fraqueza de Ysabelle ao calor do Sol fazia sentido.
"Achei que, se ficássemos isolados, talvez pudesse passar uma ou duas horas a mais ao seu lado. Eu era tão jovem e egoísta naquela época..."
A voz de Ysabelle carregava um tom de remorso. Não, ela provavelmente se sentia sobrecarregada por aquela decisão e carregou esse arrependimento desde então.
"Foi aí que... O Demônio Exterior me atacou?"
Parei meu silêncio com uma pergunta sombria. Na realidade, nesta fase, era uma questão retórica. Eu já sabia a resposta.
"Sim..."
A beleza de cabelos negros ficou desolada, enquanto sua voz ressoava com o vazio de uma civilização caída.
"Quando percebemos que havíamos entrado na toca do diabo, você imediatamente se colocou na minha frente. Como um verdadeiro cavaleiro reluzente, me protegeu. Me forçou a sair da caverna e me enviou para um lugar seguro, enquanto ficava lá atrás enfrentando o Demônio Exterior."
Ysabelle apertou seus punhos com tanta força que o tecido de suas roupas começou a rasgar, e sangue escorria de suas mãos inchadas e feridas.
"Pedi para ajudá-lo, mas você gritou comigo. Disse que eu só iria te atrapalhar. Disse que a melhor coisa que eu poderia fazer era buscar reforços. E disse... Que seria meu cavaleiro guardião, mesmo que isso custasse a sua vida."
"..."
"E assim... corri e corri... Corri até a casa, mesmo querendo ficar ao seu lado. Fui buscar os outros três, que ainda dormiam profundamente, e corri de volta para salvar você. Pensei... Você era meu cavaleiro, afinal. Não há como você sofrer. Mesmo que não conseguisse vencer o Demônio Exterior, ao menos poderia fugir... Foi isso que repeti para mim mesma incontáveis vezes. Mas..."
Ysabelle agora parecia uma mulher destruída. Uma viúva que perdera marido e filho para a praga. Um imperador que assistia sua dinastia sendo consumida pelo fogo. A impotência em seus olhos... Era algo que eu não conseguia deixar de ver.
"Quando voltamos… Você jazia numa poça de sangue. Y- Sua alma havia sido ferida, e seu corpo estava a um passo de se despedaçar. Eu—Eu não consegui suportar aquela visão... Eu só..."
A garota virou o rosto, engolindo as lágrimas que subiam pela garganta.
"Você matou o Demônio Exterior… À custa da própria vida. Quando cheguei, você não me culpou pelo que fiz. Não pediu que alguém cuidasse de você. Você apenas... sorriu."
"..."
"Jin... Aquele sorriso cheio de sangue... É uma coisa que nunca vou esquecer. Deitado numa poça do seu próprio sangue, machucado e roxo, incapaz de mover um músculo... Você se virou para mim e perguntou..."
"Você está bem?"
Inconscientemente, continuei a frase de Ysabelle.
Agora lembro... As memórias que estavam lacradas iam lentamente voltando. Sim, foi isso que aconteceu. Estava tão preocupado com a vida dela que a afastei e enfrentei aquela monstruosidade sozinho. Não fugi porque tinha medo de que ela fosse atrás de mim se o fizesse. E, mesmo sendo derrotado repetidas vezes...
Eu persisti.
"Sim, foi isso que você disse." Ysabelle sorriu. "Eu... Eu fui quem te conduziu ao Demônio Exterior. Fui eu quem fugiu para a segurança. E ainda assim, você me perguntou se eu estava bem... Não aguentei e derramei minha alma. Se não fosse a Lilith e sua inteligência... Teríamos perdido você naquele dia."
"Ysabelle..."
"Desde então, fiz um juramento. Assim como você me protegeu, eu vou protegê-lo. Treinei mais forte do que nunca. Dominei a Chama Fantasma da Blackburn e me tornei a melhor artista marcial da minha geração. Trabalhei o dia todo para eliminar o maior número possível de Demônios Exterior, só para garantir que nenhum se escondesse na minha caverna para te ferir de novo. Mas... Eu não queria te ver."
Queria te proteger das sombras, mesmo que isso significasse passar toda a vida sem ser notada."
"Porque você achava que era uma praga?"
"..."
A bela de cabelos negros permaneceu em silêncio. Mordeu o lábio inferior e rangia as unhas. A pele começou a rachar, mas cicatrizava rapidamente, sem nunca manchar as mãos de seda branca que Ysabelle possuía.
"Toda vez que alguém se aproxima, coisas ruins acontecem. Jin, eu não posso te perder... Não de novo. Até agora, você veio me procurar e foi engolido pelo Eyghon! Se não fosse eu, você..."
As mãos puras e brancas de Ysabelle ficaram vermelhas. Não pelo calor de suas emoções, mas por ferimentos que infligira a si mesma.
Agora entendo...
Finalmente compreendo por que Ysabelle vinha evitando minha presença desde que cheguei. Agora entendo que tipo de pessoa ela é.
Ysabelle é uma alma nobre. Ela odeia o fato de que os outros tenham que sofrer por causa dela. Preferiria se machucar com milhares de cortes a ver alguém que ama se ferir. Se ela falhasse em salvar alguém, Ysabelle colocaria toda a culpa nela mesma, sem querer dividir o peso.
Sacrifício.
Ysabelle estaria disposta a se sacrificar se fosse necessário. Um exemplo claro foi o que aconteceu antes. Ela me jogou de lado e se lançou na escuridão do desconhecido, até atacando o Coração de Ferro sem pensar nas consequências.
Esse é o tipo de garota que Ysabelle Blackburn era. Uma mulher capaz de tudo por quem ama, mesmo que isso signifique nunca mais me encontrar. Desde que eu estivesse seguro, Ysabelle estaria satisfeita.
Mas isso não me satisfazia.
"Ysabelle, você é uma tola."
"H-Hã?"
Sem esperar por uma resposta, peguei seus lábios à força e a empurrei para o chão de jade branco como a alabastro.
A beleza amazônica lutou por um tempo, suas mãos se formando em punhos enquanto batiam contra meu peito e suas pernas se agitavam sob meu corpo, como se tentassem me afastar. Mas não tinha força suficiente para me empurrar longe.
A força de Ysabelle era muito maior que a minha. Se ela realmente odiava, teria me lançado para outro planeta. E o fato de ela ainda estar sob mim era prova de que não tinha nenhuma repulsa pelo meu toque.
E assim, desfrutei do banquete diante dos meus olhos.
Os dentes reluzentes, de um branco ivo da minha amada, estavam cobertos pela minha língua, que começava a sangrar após o beijo desajeitado dela. Embora ela tenha ficado surpresa com minha ousadia, Ysabelle naturalmente se encaixou no beijo, mexendo a língua por conta própria. Mas parecia ser a primeira vez, pois suas presas vampíricas cortaram a ponta da minha língua, formando sangue que preencheram nossas bocas.
Meus braços subiram até sua cintura e cobriram sua cabeça. Ambos. Segurei a parte de trás dos cabelos dela e pressionei seu rosto mais fundo no meu. Não queria dar a ela chance de respirar ou pensar. Meus lábios forçaram seu caminho até os dela como um ímã, sem nunca se separar.
E só após estar satisfeito, me afastei da jovem beleza.
"J-Jin..."
"Você é uma tola, Ysabelle. Acha que eu ficaria feliz se você se afastasse? Já pensou nos meus sentimentos algum dia?"
"M-Mas… Se eu ficar com você, você será amaldiçoado..."
"Não me ligo nisso!" gritei. "Nunca vou te ver como uma praga, Ysabelle. Pelo contrário, você é uma bênção. Uma fada que realiza meus sonhos e cura minha alma."
"J-Jin..."
"E mesmo que você fosse uma praga," sorri com força, "não vou mais me separar de você. Derrubarei qualquer perigo que aparecer e matarei quem ousar te trazer má sorte. Mesmo que seja Deus em pessoa."
"Jin, você..."
Devagar, mas certamente, o sorriso de Ysabelle foi mudando de desânimo para esperança e amor. Ela sofreu anos sozinha, culpando-se por tudo de ruim que aconteceu na minha vida.
Nem mais.
"Ysabelle. Aqui e agora… Quero que você seja minha mulher."
"!!!"
"Não me importo se todos os Senhores Demônios do mundo, todos os Vampiros ou todos os Humanos forem contra mim. Não me importo se o mundo condenar você a uma vida de azar! O que quero... É estar ao seu lado... como seu cavaleiro e amante."
"Jin..."
"Então, não se preocupe em ser uma praga ou algo feio ou qualquer loucura que você imagina sobre si mesma. Eu te quero, Ysabelle."
"V-Você!"
Por um lado, Ysabelle era uma guerreira que enfrentava seus inimigos sem remorso, banhando-se em sangue.
Por outro, era uma alma gentil e dócil, reservada, que ficava tímida ao ficar com seu homem.
Como o preto e o branco desta câmara, minha amada tinha duas faces da mesma moeda... E eu amava ambas.
"... Se você me quiser."
"Hehe, não quero mais nada."