
Capítulo 76
Minha irmãzinha vampira
A ciência por trás do dispositivo de teletransporte criado pela Casa Moonreaver era bastante simples. Primeiro, dois pontos no tecido do Espaço precisavam ser conectados por meio de pontos de referência. Geralmente, esses pontos de referência eram apenas um dispositivo instalado pelos técnicos da Moonreaver.
Depois, usando energia mágica armazenada, os dois pontos estabeleciam uma conexão, demandando que os dois operadores de cada lado estivessem em sincronismo. Surpreendentemente, os Vampiros utilizavam tecnologia de satélite criada pelos humanos para estabelecer essa linha de comunicação.
Por fim, uma vez que a conexão fosse estabelecida e os dois pontos no Espaço conectados, um buraco de verme espacial seria criado, permitindo que qualquer pessoa passasse por ele.
Não era uma lógica complexa, mas tecnicamente impossível de se realizar sem a expertise dos Moonreavers em magia dimensional. Na verdade, a principal fonte de renda da Casa Moonreaver era a manutenção e instalação de Portais de Distorção (Warp Gates), que eram, de longe, o método de transporte mais eficiente.
Utilizar o Portal de Distorção era tão simples quanto atravessá-lo.
Por isso, viajar até a Casa Blackburn foi extremamente tranquilo. Ao atravessarmos o portal criado pela Casa Moonreaver, chegamos instantaneamente ao nosso destino. A primeira coisa que nossos olhos se depararam não foi o sorriso encantador da minha futura amante ou uma recepção grandiosa, mas a visão estranha de operadores correndo como ratos.
O Portal de Distorção da Casa Blackburn não era tão imponente quanto o da Moonreaver, sendo apenas um grande auditório. Incontáveis homens e mulheres vestidos com roupas variadas circulavam, contribuindo para o movimento agitado.
Porém, por mais que estivéssemos cercados por várias pessoas, nenhuma delas deu atenção à nossa estranha turma. Houve alguns olhares aqui e ali, mas eram apenas olhares curiosos, principalmente voltados às duas belas flores que seguravam cada uma de minhas mãos. Mas, por mais que estivessem encantados, logo retornavam às suas rotinas agitadas, como uma estação de trem na hora do pico.
"O que está acontecendo?" perguntei inocentemente.
"A Casa Blackburn está no meio de uma operação, por isso há mais movimento aqui," respondeu Capella, observando o movimento. "Acho que há um ataque de Demônios Externos em algum lugar, e eles precisam usar os Portais de Distorção."
"Entendi…"
Após ouvir a explicação de Capella, foquei minha atenção ao redor. Como ela disse, a maioria das pessoas ao nosso redor eram soldados ou operadores apoiando esses soldados. Estranhamente, com base no cheiro que exalavam, apenas metade das pessoas aqui eram Vampiros.
Embora houvesse muitos Vampiros Verdadeiros e Servos de Sangue, uma grande maioria eram humanos também. Sem falar que algumas entidades exalavam um cheiro estranho, nem humano nem Vampiro. Na verdade, não conseguia perceber uma ponta de energia mágica em seus corpos.
No entanto, pela postura e maneira como se comportavam, dava para perceber que não eram apenas pessoas sem magia.
Percebendo minha expressão de perplexidade, Lilith explicou rapidamente: "Aquelas pessoas são lobisomens."
"Lobisomens? Desde quando Vampiros e Lobisomens se dão bem?"
"Não nos damos," explicou Lilith com um sorriso astuto. "Embora nossas duas raças sejam consideradas criaturas da noite, não nos damos nada bem. Ao longo de nossa longa história, houve inúmeras guerras entre nós. Na Idade das Trevas, os Lobisomens se aliaram à Santa Igreja para caçar os Vampiros."
A mulher loira continuou sua explicação, sua voz carregada de um genuíno desprezo pela raça estrangeira.
"Embora, nos tempos modernos, nossa relação tenha melhorado bastante, não teremos harmonia racial tão cedo."
"Entendi... Então por que há tantos Lobisomens aqui?"
"Bem… As circunstâncias da Casa Blackburn são especiais…"
Lilith suspirou e observou a paz precária no auditório. Embora parecesse que a paz era lei na área, havia algumas tensões disfarçadas, principalmente entre Vampiros e Lobisomens. Alguns lançaram olhares de desafeto um para o outro, mas nenhum teve coragem de dar o primeiro passo. Outros se ralharam ao ver Vampiros e Lobisomens um de olho no outro, numa espécie de desconfiança taciturna.
"O que você sabe sobre a Casa Blackburn, Jin?"
"Tudo o que sei é que fazem parte das Dez Casas Guardiãs."
"Exatamente," confirmou Lilith. "Porém, mesmo entre as Dez Casas Guardiãs, elas são únicas. Diferentemente da Casa Everwinter, que se isola, ou da minha Casa Moonreaver, que atua mais no lado comercial, a Casa Blackburn é a mais próxima de uma força militar organizada."
"Uma força militar?"
"Sim, elas basicamente são a única Casa que se dedica a formar os guerreiros mais fortes. Em essência, elas são a Casa da Guerra da raça Vampira."
Uma Casa de Guerra? O que seria isso? Felizmente, Lilith não precisou demorar para esclarecer minhas dúvidas.
"A Casa Blackburn é a maior dentre todas as Dez Casas Guardiãs. E não porque reproduzam rápido, mas porque aceitam qualquer Vampiro em suas fileiras. Desde que estejam dispostos a lutar nas inúmeras batalhas em que participam, é claro."
"Eles realmente participam de tantas lutas assim?"
"Com certeza! Você nomeie a guerra; a Casa Blackburn possivelmente teve uma participação. Seja contra Demônios Externos, Lobisomens, Humanos, Elfos… Eles lutam contra tudo que ameaça a raça Vampira. Se as Dez Casas Guardiãs são o escudo que protege os Vampiros, a Casa Blackburn é a espada que ataca nossos inimigos."
Huh? Então essa Casa nobre tinha essa importância toda, hein? Mas isso não explica por que há tantos Lobisomens e Humanos aqui.
"Você deve estar se perguntando por que há outras raças aqui então?"
"Sim…"
"Posso explicar."
Antes que Lilith pudesse continuar sua explicação detalhada, uma voz rouca quebrou nossa conversa. Um homem de meia-idade apareceu com um sorriso agradável, mantendo contato visual com o grupo. Ele vestia um terno de mordomo semelhante ao de Variel, embora um pouco mais simples.
No entanto, pela maneira como se comportava, dava para perceber que aquele Vampiro não era apenas uma figura comum na multidão.
Ele esfregou as mãos e nos cumprimentou com o sorriso mais caloroso que eu já tinha visto.
"Saudações, Senhora Lilith, estimada Capella e Senhorita Lisa, do Casa Moonreaver. Senhora Irina, Honrado Variel Caramitru e Senhorita Luminita, da Casa Everwinter. E, claro, vocês devem ser o Mestre Jin Valter. Prazer em conhecê-los finalmente!"
"Prazer em conhecê-lo?"
O homem identificou todos nós com precisão, como se tivesse uma folha de respostas em mãos. Embora tenha me surpreendido ele realmente saber quem eu era — sem se limitar a tratar Lilith ou Irina — uma pergunta melhor veio à minha mente.
"Meu nome é Julien, servo da Senhora Ysabelle. Ela me enviou para levá-los até seus quartos e ajudar na acomodação. Por favor, tratem-me como um servo comum."
"… Onde está a Ysabelle?"
Antes que pudesse fazer minha pergunta ardente, Lilith cortou minha fala e a fez por mim.
"A Senhora Ysabelle está atualmente fora em uma missão e não pode vir hoje. Ela pediu que eu lhe informasse que lamenta muito não poder buscá-los e que ansia pelo dia em que finalmente irá encontrá-los."
"É por isso que há tantos Lobisomens e Humanos aqui?"
"Que perspicácia," elogiou Julien, aplaudindo. "A Casa Blackburn atualmente está aliando-se ao Clã Warclaw e aos Caçadores da região para combater a ameaça dos Demônios Externos. A Senhora Ysabelle está ocupada com uma expedição ao norte para lidar com a recente epidemia."
"Entendi… Se ela está ocupada, não dá pra fazer nada."
Não posso dizer que fiquei muito animado com as notícias. Conhecer Ysabelle era a principal razão de eu estar na Blackburn House desde o começo. Mas, infelizmente, se a garota não estava aqui, não tinha outro remédio senão esperar pacientemente pelo seu retorno.
"..."
"..."
Desapercebido por mim, Lilith e Irina estavam fazendo caras engraçadas. Contudo, minha cabeça estava totalmente focada na questão de Ysabelle, e acabei não notando.
"Por favor, diga que estou à disposição, se ela precisar de qualquer coisa."
"Entregarei sua mensagem, Mestre Jin." Julien fez uma reverência respeitosa, mantendo o sorriso constante. "Agora, se me permite, vou mostrar-lhe seus quartos."
"Com certeza."
Não foi o primeiro dia perfeito que imaginei, mas era só uma questão de tempo até que eu reencontrasse Ysabelle. Enquanto isso, deveria aproveitar para perguntar e descobrir qual era o problema que atormentava os Blackburn. Provavelmente, eu iria acabar envolvido nisso de qualquer forma.
No fundo do labirinto que era a Mansão Blackburn, uma jovem de cabelos negros sentava-se silenciosamente em seus aposentos, com os olhos indo e voltando entre dezenas de relatórios espalhados na mesa. Enquanto bebia uma taça de vinho tinto, uma batida na porta quebrou sua concentração. Após receber confirmação, um homem de meia-idade entrou calmamente na sala, fazendo uma reverência firme para a jovem.
"Ah, Julien. O que houve?"
"Senhora Ysabelle, seus convidados das Casas Moonreaver e Everwinter chegaram. Eles ficarão na mansão por tempo indeterminado."
"Obrigada, Julien."
Ysabelle recebeu a notificação do mordomo com um gesto suave. Contudo, a garota não se levantou apressada para sair da sala. Ao contrário, focou sua atenção nos relatórios que tinha diante de si.
Percebendo que ela não se moveria, Julien aproveitou para trocar seu copo vazio antes de perguntar:
"… Não vai encontra-los agora?"
"Ainda não; estou ocupada." Ysabelle franziu a testa e olhou para seu servo. "Você lhes comentou que estou aqui?"
"Não, de jeito nenhum. Segui suas instruções exatamente como pediu."
"Boa."
O olhar firme de Ysabelle suavizou enquanto ela voltava a examinar os relatórios. Como uma profissional, Julien não se atrevia a contrariar as ordens de sua Senhora. Mas isso não significava que ele não pudesse brincar um pouco.
"Ah, quase que me esquecia. Mestre Jin pediu que eu entregasse uma mensagem."
"… O quê?"
As orelhas de Ysabelle se eriçaram, mas seu cabelo preto curto logo escondeu a reação rápida. A jovem Vampira tentou parecer indiferente, mas não conseguiu esconder uma ponta de surpresa daqueles que conviviam com ela há mais de vinte anos.
"O Mestre Jin disse que, se precisar de ajuda, correrá até você na hora. Que ele atravessaria o inferno se fosse preciso para estar ao seu lado, e…"
"Ok, pode parar de mentir agora," Ysabelle suspirou, sem entender por que suas expectativas haviam se inflamado. "Se terminou de brincar comigo, pode ir embora. Estou lotada de tarefas."
"Haha, talvez eu esteja exagerando, mas o Mestre Jin realmente disse que está disponível se precisar dele."
"Entendi…"
Ysabelle voltou sua cadeira, escondendo o rosto da visão de Julien.
"Tem alguma mensagem para ele?"
"Não," a voz seca de Ysabelle respondeu. "Só diga que estou ocupada e que não poderei encontrá-los por enquanto."
"Claro, obedecerei!"
Julien tinha muitas outras coisas para dizer, mas engoliu suas palavras por ora. Afinal, era apenas um servo comum. Não era inteligente demais interferir nas decisões de sua Senhora.
Depois que o inconveniente mordomo saiu, Ysabelle levou os dedos ao nariz e começou a massageá-lo.
"Jin… Oh, Jin… Você realmente é mestre em escolher os piores momentos."