
Volume 3 - Capítulo 661
Brasas do Mar Profundo
A jaula ficava em um compartimento do navio que tinha sido especialmente reforçado. O espaço, estreito, úmido e abafado, era dividido por grades de ferro em mais de uma dúzia de celas de vários tamanhos, onde os “sacrifícios” eram mantidos prisioneiros.
Entrar em um lugar como aquele nunca seria uma experiência agradável — até mesmo Lucretia franziu levemente a testa ao pisar naquela prisão.
Quando Duncan chegou, as vítimas que antes estavam presas nas celas já tinham sido movidas para uma área aberta no fundo do compartimento — o ambiente ali era um pouco melhor e ficava junto a uma abertura de ventilação, parecendo ser o local onde os guardas ficavam por curtos períodos.
O ar estava impregnado com um odor desagradável, o cheiro de sangue e carne podre em decomposição gradual. Manchas de sangue sujas podiam ser vistas nas jaulas de ferro de ambos os lados, algumas delas claramente recentes. Diversas “ferramentas de processamento” para sangria, esfolamento e perfuração estavam penduradas nas paredes e pilares entre as jaulas, emanando uma aura repulsiva.
Duncan passou por essas jaulas e instrumentos de tortura e, guiado por Lucretia, foi diretamente para o fundo do compartimento, olhando para os sobreviventes.
Isso causou um certo tumulto. A visão de uma figura alta, envolta em chamas espirituais, entrando no compartimento, parecia a de um espírito maligno invadindo a dimensão da realidade. Os “sacrifícios” sobreviventes soltaram exclamações de pânico e tentaram recuar, mas estavam fracos demais, sem forças sequer para se levantar e fugir. Após se debaterem um pouco, só conseguiram se amontoar em um canto, apoiando-se uns nos outros, e observar o “espírito maligno” em meio às chamas com olhares aterrorizados e incertos.
Duncan sentiu-se impotente com a situação — ele, claro, sabia que sua aparência atual era assustadora, mas desta vez ele tinha “descido” a este navio através do “sinalizador artificial” criado por Lucretia. Para se manter em sintonia com o sinalizador, ele precisava manter essa forma espiritual.
Mas logo ele percebeu que nem todos tinham gritado e se escondido — uma figura pequena e magra permanecia no mesmo lugar.
Era uma garotinha que parecia ter apenas sete ou oito anos. Suas roupas estavam em farrapos e seu corpo, coberto de feridas e manchas de sangue. Ela estava sentada em silêncio no chão, olhando para cima, para Duncan e Lucretia, com uma expressão indecifrável nos olhos.
Duncan ficou curioso. Ele se agachou na frente da criança e olhou em seus olhos. “Você não está com medo?”
No entanto, a criança não teve nenhuma reação, nem mesmo seu olhar mudou. Ela apenas o encarava fixamente, o brilho das chamas esverdeadas refletido no fundo de seus olhos um tanto vagos.
“Eu já investiguei. Os cultistas ‘sacrificaram’ os pais dela na sua frente. Depois disso, ela ficou assim”, Lucretia se aproximou por trás e sussurrou para Duncan. “Isso aconteceu há muito tempo. Ela está neste navio há um ano.”
A “Bruxa do Mar” fez uma pausa e continuou: “… Crianças são ‘materiais cerimoniais’ especiais e preciosos, especialmente para os Aniquiladores. Eles guardam as crianças para as cerimônias mais importantes.”
Duncan não disse nada. Ele estava de costas para Lucretia, então ela não pôde ver a expressão de seu pai ao ouvir aquilo — apenas as chamas esverdeadas que se espalhavam lentamente no fundo do compartimento, começando a crepitar.
Alguns segundos depois, Duncan estendeu a mão, e seu corpo espiritual etéreo tocou a cabeça da criança, acariciando suavemente seus cabelos.
“Você vai ficar bem.”
Então, Duncan se levantou e virou-se um pouco. “Lucy, você tem algum doce aí?”
Lucretia ficou surpresa por um momento, depois balançou a cabeça com um ar de desculpa. “…Não, eu só carrego algumas poções de uso diário… Ah, tenho biscoitos. Biscoitos que a Luni fez.”
Enquanto falava, ela rapidamente tirou alguns biscoitos de suas vestes, olhou para o pai e se adiantou, colocando os biscoitos na mão da criança.
A garotinha finalmente mostrou alguma reação. Ela olhou para a comida em suas mãos e começou a enfiá-la instintivamente na boca, comendo em silêncio e rapidamente.
“Alimentar-se”. Este era um dos poucos instintos que lhe restavam depois de “viver” neste navio por um ano.
Pouco depois, duas outras figuras, secas e magras, rastejaram do canto da parede. Elas se arrastaram quase como vermes até a frente de Duncan e beijaram o chão onde ele tinha pisado.
Duncan ergueu o olhar, observando os olhares amedrontados, vagos ou apáticos nos cantos escuros. Depois de um longo tempo, ele perguntou de repente em voz baixa: “Ainda há cultistas vivos no navio?”
“Já matei todos”, respondeu Lucretia. “De acordo com o seu ‘padrão’, com exceção daquele ‘Santo’, nenhum outro Aniquilador precisava ser deixado vivo.”
“Hmm, muito bem”, Duncan assentiu lentamente e então ordenou: “Mande seus servos arranjarem um pouco de comida e água. Deixe essas pessoas recuperarem um pouco de força primeiro.”
Lucretia abaixou a cabeça. “Certo.”
Depois disso, Duncan e Lucretia deixaram aquele compartimento extremamente desagradável e, momentos depois, chegaram ao convés.
O navio “revivido” ainda navegava em linha reta em direção ao “Santuário” — navegando pelo oceano em um estado terrivelmente despedaçado.
Toda a sua metade traseira tinha sido praticamente rasgada em pedaços. Fendas enormes se espalhavam pelo convés e pelo casco. A grande explosão deixou os destroços em uma cena pavorosa, como se tivessem desabrochado. Inúmeros fragmentos espalhados ainda pairavam no local exato do momento da explosão, mantendo uma estranha imobilidade em relação ao navio. Chamas esverdeadas queimavam silenciosamente entre todos os fragmentos e fendas, como se tivessem “solidificado” o navio no instante de sua desintegração, marcando a destruição permanentemente nele.
O Fenômeno 001 subia gradualmente para o ponto mais alto do céu, mas camadas e mais camadas de névoa surgiam na superfície do mar ao redor. A névoa se espalhava e subia ao redor do navio, entrelaçando-se no alto. A luz do sol, filtrada por essas camadas de névoa, assumia uma textura fraca e difusa.
“… A aura do Plano Espiritual está subindo. A ‘transformação’ que ocorreu neste navio parece ter atraído as sombras que vagueiam na fronteira da realidade”, Lucretia olhou para a estranha névoa que apareceu nas águas circundantes, franzindo levemente a testa. “Esta é uma ‘região selvagem’ do oceano, longe das principais rotas de navegação. O espaço aqui não é tão estável quanto perto das cidades-estado.”
“Elas vão causar problemas?”
“Não”, Lucretia pensou por um momento e balançou a cabeça. “O seu poder comanda este navio, então essas sombras não se atreverão a se aproximar de verdade. Mas as pessoas comuns a bordo realmente precisam ser transferidas o mais rápido possível. O estado mental delas já está muito ruim e elas podem sofrer uma metamorfose sob a influência do ambiente do Plano Espiritual.”
“Mais tarde, pedirei a Ai para abrir um portal e ajudar você a transportar essas pessoas para Porto Brisa”, Duncan assentiu e, de repente, perguntou: “Além disso, você consegue determinar para onde este navio está indo?”
“A sala de observação de estrelas foi destruída na explosão, então não consigo determinar a posição exata. Mas, de acordo com a percepção geral de Rabi no Plano Espiritual, ele deve estar navegando para a ‘fronteira’ sudeste.”
Duncan virou a cabeça instantaneamente. “Fronteira?”
“Sim”, Lucretia assentiu. “Estou tão surpresa quanto você, mas não há outras cidades-estado ou ilhas nesta direção. E como o navio está agora ‘retornando’ em linha reta sob sua ordem, seu único destino possível… é a ‘Cortina’ na fronteira.”
O “porto-mãe” deste navio… ficava na direção da fronteira?
Será que havia alguma ilha desconhecida perto daquela névoa chamada de “Cortina Eterna”? Ou… o objetivo do navio era simplesmente a própria névoa?!
Como se percebesse a surpresa e a dúvida na mente de Duncan, Lucretia tomou a iniciativa de falar: “Desde sempre, a Igreja dos Quatro Deuses mantém várias frotas permanentes patrulhando as fronteiras de todo o mundo civilizado. Perto da ‘Cortina’, todas as ilhas foram exploradas e todos os pontos de apoio estão sob o controle da Igreja. Portanto, a única explicação é que o destino deste navio fica dentro da névoa, um ponto cego para a visão da Igreja.”
Duncan franziu a testa, ainda achando inacreditável. “… Eles abriram uma rota secreta bem debaixo do nariz da Igreja?”
“Não é difícil atravessar o bloqueio da Igreja na fronteira ou contornar as rotas de patrulha da frota de arcas. Afinal, a fronteira é muito longa, e a Igreja não pode manter cada centímetro da Cortina sob sua vigilância. O principal propósito da existência das frotas de patrulha nunca foi interceptar navios ilegais, mas sim monitorar as mudanças na névoa da fronteira”, explicou Lucretia. “Entre as frotas de patrulha, há tempo e espaço suficientes para abrir várias ‘rotas secretas’. Se eu quisesse, também poderia chegar à Cortina Eterna sem que ninguém percebesse.”
Ela fez uma pausa, e seu tom tornou-se estranhamente sério.
“Portanto, mais do que a existência de uma ‘rota secreta’, o que é verdadeiramente inconcebível é a possibilidade de o ‘porto-mãe’ deste navio estar localizado dentro daquela névoa.”
Duncan entendeu o que Lucretia queria dizer.
Na vasta região da “fronteira”, não era difícil evitar os olhos da Igreja. O que era verdadeiramente difícil era sobreviver naquela névoa depois de evitá-los.
A imensa muralha de névoa da “Cortina Eterna” era o fim do mundo civilizado. Desde que há registros na Era do Mar Profundo, “manter distância daquela névoa densa” sempre foi uma regra de ouro no coração de todos os aventureiros.
E o fato de Lucretia estar discutindo isso com ele agora carregava uma camada adicional de emoções complexas — cem anos atrás, o “acidente” com o Banido aconteceu depois que Duncan Abnomar, obstinadamente, cruzou aquela névoa densa.
O que exatamente havia naquela névoa? Aquela névoa tinha um fim? Havia um mundo mais vasto além dela? O que o Banido descobriu nas profundezas daquela névoa cem anos atrás?
Essas perguntas pairavam há muito tempo nos corações dos dois filhos de Duncan Abnomar. E mesmo agora, mesmo com o “retorno” de “Duncan” e do Banido a este mundo, essas questões continuavam a pairar sobre a cabeça de Lucretia como uma nuvem sombria.
De certa forma, essa nuvem pairava sobre o mundo inteiro.
Uma expressão solene e complexa gradualmente surgiu em seus olhos. Duncan se virou e caminhou lentamente até a ponta do convés da proa. Apoiando as mãos na amurada, ele contemplou o mar distante, coberto por uma névoa fina.
Agora, este navio estava navegando a toda velocidade em direção àquela nuvem sombria.