Brasas do Mar Profundo

Volume 2 - Capítulo 146

Brasas do Mar Profundo

Heidi não percebeu nada incomum no tom de voz do pai.

“Sim”, ela assentiu naturalmente. “Fui com Vanna até a loja de antiguidades do Sr. Duncan, conversei um pouco com ele, depois fiz a sessão de hipnose com Nina e, em seguida, voltei com Vanna.”

Ao terminar a frase, ela hesitou por um breve momento, ponderando se deveria contar ao pai sobre a lembrança do incêndio que Nina mencionou e sobre a reação estranha de Vanna ao ouvir aquilo. Mas, no fim, decidiu não tocar no assunto.

A expressão excepcionalmente séria de Vanna no carro ainda estava vívida em sua mente. Havia uma grande possibilidade de que essa história envolvesse forças ocultas perigosas, talvez até a um ponto em que simplesmente mencionar poderia atrair atenção indesejada. Seu pai, embora também fosse um devoto da Verdade, adorador de Lahm, o Deus da Sabedoria, e tecnicamente um meio-Transcendente, ainda era, no fundo, um acadêmico como a maioria dos seguidores da Verdade. Ele não era alguém preparado para lidar diretamente com forças obscuras e perigosas.

Morris manteve sua expressão calma e gentil. Ele assentiu levemente e, como se fosse apenas um comentário casual, disse:

“Você passou um bom tempo por lá… Acabou se distraindo conversando com o Sr. Duncan? Ele realmente tem uma curiosidade insaciável.”

“Ah… não exatamente”, Heidi ficou visivelmente envergonhada. “Na verdade… só me atrasei um pouco durante a hipnose com Nina.”

“O processo de hipnose com Nina?” Morris ergueu uma sobrancelha ao ouvir o nome de sua aluna. “Não correu bem? O estado mental dela está muito instável? Foi por causa do incêndio no museu?”

Heidi revirou os olhos ao ouvir a enxurrada de perguntas do pai.

“Você realmente se preocupa com essa sua aluna, hein? Relaxe, ela está bem. Só estava um pouco ansiosa, mas depois do meu tratamento, já está totalmente recuperada. Isso não vai afetar os exames finais. O atraso foi por outro motivo.”

Morris fez um som de curiosidade.

“Oh?”

“Ah… acho que estou exausta ultimamente”, Heidi riu sem graça. “Depois de hipnotizar a Nina… eu acabei dormindo também. E só acordei ao entardecer…”

“Você dormiu no meio da hipnose?” Pela primeira vez, a expressão de Morris se alterou levemente. Mas, num piscar de olhos, ele recuperou a compostura. “Isso não parece com você.”

“Todo mundo comete erros, e faz tanto tempo que não tiro um descanso decente”, Heidi disse, frustrada, acenando a mão para dispensar o assunto. “Ah, chega dessas perguntas! Já sou adulta, e só porque cheguei um pouco mais tarde, você e a mamãe começam a fazer esse interrogatório interminável…”

Morris observou a filha em silêncio por alguns segundos. Então, seu rosto voltou à expressão gentil de sempre. Ele sorriu e balançou levemente a cabeça.

“Está bem, não vou perguntar mais nada. Tem comida na cozinha, basta aquecer. Vou ver como sua mãe está.”

“Certo.” Heidi assentiu e se despediu, seguindo em direção à cozinha. No entanto, depois de dar alguns passos, parou e se virou.

“Ah, pai, você ainda pretende visitar a loja de antiguidades, certo?”

“Sim”, respondeu Morris, que já estava parado diante da porta do quarto. A luz amarelada da luminária no corredor lançava sombras irregulares sobre seu rosto envelhecido. “Por quê?”

“Saí meio apressada hoje e não tive tempo de conversar direito com o Sr. Duncan sobre a situação da Nina. Vou escrever uma carta e, quando você for até lá, pode entregá-la por mim?”

“Sem problemas.” Morris assentiu, mas então murmurou para si mesmo, em um tom quase inaudível:

“Sim… preciso mesmo voltar lá…”

Heidi seguiu seu caminho, enquanto o velho historiador permaneceu parado à porta do quarto, em silêncio. Ele parecia perdido em pensamentos. Só depois de longos dez segundos soltou um suspiro leve e, finalmente, empurrou a porta escura de madeira.

O quarto estava tão escuro quanto antes. A decoração era refinada, mas apenas uma pequena lâmpada de parede estava acesa, lançando uma luz fraca que mal iluminava os contornos sobre a cama.

Morris virou-se e trancou cuidadosamente a porta atrás de si. Em seguida, caminhou devagar até a cabeceira.

“Querida, como você está?”

Sua voz era suave, dirigida àquela silhueta indistinta de um corpo humano feito de cinzas flutuantes e pulsantes sobre a cama.

Um sussurro baixo emergiu daquele amontoado de cinzas em constante movimento, parecendo uma resposta terna. No meio daquela substância amorfa, a faixa de cordões trançados, que estava quase finalizada, emitiu um leve som de atrito. Os fios coloridos eram puxados delicadamente pelos fragmentos cinzentos, entrelaçando-se com firmeza e precisão, formando novos nós.

“Sim, está linda. Seu talento para isso sempre foi excepcional.” Morris sorriu ao ouvir a resposta nos murmúrios sutis. Ele elogiou a arte de sua esposa e acrescentou, com ternura:

“Ainda guardo a que você fez para mim no escritório.”

O quarto mergulhou em um silêncio absoluto. Sob a luz fraca, o tempo parecia ter parado, enganado pela quietude do momento.

Mas, após meio minuto, Morris quebrou o silêncio.

“Heidi saiu hoje e, quando voltou, uma das contas de ágata vermelha do seu bracelete havia desaparecido.”

A massa de cinzas sobre a cama subitamente ficou imóvel, emitindo um murmúrio baixo e indistinto.

“Ainda não sabemos exatamente o que aconteceu”, Morris continuou em tom calmo. “Se isso foi um ato de proteção do nosso senhor, Lahm, significa que Heidi enfrentou um perigo capaz de atravessar suas barreiras mentais. No entanto, ela não percebeu nada e, até agora, não encontrei nenhum vestígio de intenções malignas nela.”

Ele fez uma pausa, pensativo.

“Parece mais provável que ela tenha passado por algo sem sequer perceber. Como se tivesse roçado contra ‘algo’ e, involuntariamente, ativado a proteção do bracelete.”

Morris interrompeu-se, escutando atentamente os sussurros suaves que vinham das cinzas.

“Sim. Depois que a alertei, Heidi percebeu que havia algo faltando no bracelete.” Ele assentiu levemente. “Mas o problema é este: para ela, aquela conta de ágata nunca existiu.”

Ele respirou fundo antes de continuar.

“Isso pode ser um mecanismo de autopreservação. Talvez seja um instinto dela… ou uma ‘iluminação’ concedida pelo Deus da Sabedoria. Mas, de qualquer forma, essa proteção está impedindo-a de enxergar algo.”

Ele parou por um instante, refletindo.

“Eu? Quero investigar. Irei sozinho.”

As cinzas sobre a cama tremularam ligeiramente.

Morris balançou a cabeça.

“Pode haver algum risco, então farei minhas preces e uma leitura antes de partir. Mas preciso ir.”

Seus olhos brilharam levemente na penumbra.

“Já estive naquele lugar antes. Aos meus olhos, era apenas uma loja de antiguidades comum, administrada por um comerciante trabalhador e uma jovem estudiosa. Naquela ocasião, não senti nenhuma presença maligna ou força sombria habitando o local.”

Ele apertou os lábios.

“Se o perigo apareceu justamente hoje, quando Heidi fez sua visita, então o dono da loja também pode estar em risco. E minha aluna mora lá… Preciso ver isso de perto.”

Seu olhar se firmou, e sua voz soou como uma declaração.

“Porque sou o professor dela. E um servo do Deus da Sabedoria.”

Após suas palavras, a pilha de cinzas emitiu um sussurro quase inaudível.

Morris inclinou a cabeça ligeiramente, ouvindo atentamente, e só depois de um longo tempo balançou a cabeça devagar.

“Não, não posso alarmar a Catedral…”

Morris murmurou para si mesmo, com um tom de decisão.

“Embora a intervenção deles pudesse ser mais eficaz, a forma impiedosa e direta com que agem pode acabar prejudicando minha aluna. Para os guardiões da Igreja, reprimir hereges e erradicar o mal sempre terá prioridade absoluta. Além disso…”

Ele pausou por um instante e suspirou suavemente antes de continuar:

“Além disso, eu realmente não quero chamar a atenção da Catedral. Afinal de contas… sou um herege oculto que já começou a vacilar.”

Sua voz tornou-se baixa e sombria. Seus olhos pousaram com ternura sobre aquela massa de cinzas sobre a cama.

Ele olhava para a sombra de sua esposa, aquela que morreu no incêndio onze anos atrás.

O que restava dela neste mundo.

As cinzas pairaram no ar, movendo-se de maneira sutil. Uma porção delas se condensou na forma indistinta de um braço, que se estendeu e tocou de leve o rosto de Morris.

“Eu sei… Eu sei…”

Ele abaixou a cabeça, suas palavras parecendo uma confissão, ou talvez um desabafo para alguma entidade invisível.

“Minha fé já vacilou… e sou covarde demais para abraçar completamente a queda. No dia em que o Deus da Sabedoria me concedeu olhos capazes de enxergar através da ilusão, eu os fechei por fraqueza e fiz um desejo impossível. Eu quis que você permanecesse neste mundo, mas nunca consegui enganar a mim mesmo por completo… E acabei me prendendo nesse dilema insustentável…”

Ele ergueu a cabeça e estendeu a mão para segurar aquela sombra espectral… Mas seus dedos apenas atravessaram o vazio das cinzas dispersas.

“Como eu queria ser como Heidi, completamente ignorante disso tudo… Assim, eu poderia ver seu verdadeiro rosto novamente. Já faz onze anos que não vejo você.”

As cinzas murmuraram suavemente. O som era como o farfalhar da poeira ao se mover, ou talvez como o estalar de uma pequena chama bruxuleante.

Morris escutou, e aos poucos, seu coração começou a se acalmar.

“Eu entendo… Eu entendo…”

Ele respirou fundo e fechou os olhos por um breve momento antes de continuar:

“Isso tudo vai acabar um dia. O palco eventualmente chegará ao seu desfecho. Não importa qual força tenha atendido ao meu desejo naquela época, um dia ela virá cobrar seu preço. Eu já estou preparado para isso. Quando esse dia chegar, aceitarei meu destino completamente, desaparecendo deste mundo sem deixar rastros. Nem mesmo a sombra do Subespaço poderá usar este ‘desejo’ para corromper a realidade. Mas…”

Ele abriu os olhos e voltou seu olhar para a figura indistinta nas cinzas oscilantes.

“Mas até que esse dia chegue… Fique comigo mais um pouco.”