
Volume 2 - Capítulo 133
Brasas do Mar Profundo
Para ser sincero, Duncan não era um especialista em fenômenos sobrenaturais.
Ele também não possuía um entendimento aprofundado sobre sonhos ou sobre o domínio da mente.
Mas, mesmo com esse conhecimento limitado, ele podia sentir que o que estava diante dele ia além do que Shirley simplesmente ‘sonhou’.
Aquelas cinzas que sussurravam pedidos de socorro lhe davam uma estranha sensação de familiaridade—
Ele se lembrou da fábrica.
Daquela fábrica coberta pelo Véu, onde os corpos carbonizados das vítimas do incêndio haviam se transformado em cinzas.
Claro, os restos na fábrica não imploraram por socorro como essas cinzas faziam.
Naquele caso, a mensagem foi muito mais direta e intensa: ele conseguiu enxergar as ‘ressonâncias’ do incêndio de onze anos atrás.
Instintivamente, Duncan sentiu que os restos encontrados no sonho de Shirley e aqueles da fábrica estavam conectados de alguma forma.
Ele ergueu a cabeça, observando os arredores.
Sob a oscilante luz vermelha que envolvia tudo, a rua inteira exibia as cicatrizes do incêndio devastador.
Cinzas e fagulhas caíam incessantemente do céu, e havia pilhas incontáveis de resíduos queimados espalhadas pelo chão.
Além disso, ele notou algo peculiar:
Sombras…
Silhuetas escuras, impressas nas paredes dos prédios ao redor.
“Você tinha apenas seis anos na época. Por mais que seu subconsciente tenha registrado detalhes, não seria o suficiente para sustentar um sonho dessa escala—muito menos para gerar essas cinzas murmurantes e as sombras distantes que parecem se espalhar pela cidade inteira.”
Duncan falou em um tom baixo.
E, estranhamente, suas palavras trouxeram uma sensação de calma para Shirley, que até então estava nervosa.
Ela levantou a cabeça e olhou para Duncan.
O ‘Sr. Duncan’ que ela conhecia no dia a dia era completamente diferente deste que estava diante dela agora.
A presença dele ali, naquele mundo onírico, era a de um capitão sombrio e imponente.
Para ser sincera, era um tanto assustador.
Mesmo sem ter a ‘visão verdadeira’ do Cão, ela podia sentir a pressão avassaladora emanando de Duncan.
Mas, naquele pesadelo cada vez mais estranho e desconhecido, ter alguém tão poderoso ao seu lado trazia um certo alívio.
Pelo menos por enquanto, ele estava do lado dela.
“Vamos continuar andando”, disse Duncan de repente. “Quero ver até onde esse sonho se estende.”
Shirley hesitou por um momento antes de puxar Cão para segui-lo.
Aos poucos, os três avançaram pela rua coberta de cinzas e fagulhas.
As vozes sussurrantes das cinzas continuavam ecoando ao redor deles, pedindo ajuda, choramingando, murmurando palavras ininteligíveis.
Eles seguiram em direção àquele estranho grupo de prédios distorcidos no horizonte, suas silhuetas tremulando de maneira anormal sob a névoa vermelha.
Eles caminharam por um tempo indefinido.
Duncan permaneceu atento, observando qualquer mudança no cenário ao redor.
Mas, para sua surpresa, a paisagem da rua continuava inalterada.
Nenhuma nova ilusão distorcida apareceu.
O ambiente não ficou mais enevoado, nem mais grotesco ou surreal.
E, até agora, não haviam surgido as tais ‘criaturas perigosas do sonho’ que Cão mencionou.
Duncan parou abruptamente, franzindo levemente as sobrancelhas.
“Sr. Duncan?” Shirley olhou para ele, curiosa. “O senhor percebeu algo?”
“… Até que distância nós viemos do ‘ponto de origem’?”
Ele ergueu a cabeça e olhou para trás, na direção de onde tinham vindo.
A casa onde começaram já havia desaparecido na névoa avermelhada.
“‘Ponto de origem’?” Shirley hesitou por um momento antes de compreender.
“Ah… o senhor quer dizer o meu quarto? Acho que… já estamos bem longe. Pelo menos meio quarteirão, talvez mais.”
“Shirley, tem algo errado.”
Foi Cão quem interrompeu, sua voz baixa e tensa.
Ele olhava em volta, atento à névoa que os cercava.
“Vamos parar um instante.”
Shirley ainda não havia entendido.
“O que foi?”
“Os sonhos são construídos com base no subconsciente do sonhador”, explicou Cão rapidamente. “No seu caso, o centro deste sonho—o ponto de referência—é aquele quarto. É onde estão armazenadas suas memórias e emoções mais fortes. Tudo fora daquela sala é uma ‘expansão simulada’ do sonho, preenchida pelo seu inconsciente. Em teoria, quanto mais nos afastarmos da sala, mais o sonho deveria se desviar da lógica e da realidade. Deveria ficar cada vez mais caótico, absurdo e perigoso. No final, o sonho deveria se dissolver em um vazio completo. Mas nós já viemos tão longe… E o sonho ainda continua.”
Duncan escutou a explicação enquanto acenava levemente com a cabeça.
Ele não tinha um conhecimento técnico tão estruturado quanto Cão, mas sua intuição já o levava a uma conclusão semelhante.
Shirley finalmente entendeu.
Ela inspirou profundamente.
“Então… eu já deveria ter saído dos limites do meu próprio sonho. Ou tudo deveria estar completamente distorcido e irreconhecível… Ou não deveria haver mais nada além do vazio. Então… onde exatamente estamos agora? Isso ainda é mesmo o meu sonho?!”
Ninguém soube responder.
Duncan permaneceu em silêncio, analisando o cenário ao redor.
O que ele via era apenas uma cidade em ruínas.
Ruas queimadas e escuras, marcadas como uma cicatriz horrenda cravada no coração da Cidade-Estado.
A trilha da destruição seguia em frente, estendendo-se até o horizonte.
E ele não fazia ideia de quantos quarteirões aquela estrada carbonizada ainda percorria.
Duncan olhou para outra direção.
Entre os edifícios altos da vizinhança, uma torre de destilação industrial erguia-se acima da névoa de fumaça e cinzas.
A estrutura metálica era imponente, coberta de tubulações sinuosas que se entrelaçavam por sua superfície esquelética, tornando-a parecida com uma montanha grotesca.
Duncan não conseguiu evitar.
Seu olhar ficou preso naquela torre.
Se ele estivesse no topo dela, talvez pudesse ver toda a extensão do incêndio.
Então, algo congelou sua expressão.
Uma lembrança surgiu em sua mente—
As palavras de Nina.
Ela já havia descrito aquela cena para ele:
Um lugar muito alto.
Olhando para baixo, para uma cidade queimada pelo fogo.
Uma rua escura, como uma cicatriz, atravessando a Cidade-Estado inteira…
Era o que Nina havia visto em seu sonho.
Mas agora, a única coisa que havia mudado era o ângulo de visão.
Uma suspeita chocante surgiu na mente de Duncan.
Ele se virou para Shirley, seus olhos firmes.
“Eu acho… que entramos no sonho de outra pessoa.”
Shirley piscou, confusa.
“De outra pessoa? De quem?”
“Nina.”
Duncan não hesitou.
“Venha comigo.”
Com essa resposta curta, ele começou a caminhar rapidamente em direção à torre de destilação.
Ele não tentou convocar Ai para ajudá-lo a viajar pelo sonho.
Primeiro, porque ele não tinha certeza se a pomba poderia transitar entre sonhos como ele.
Segundo, porque ele precisava que Ai permanecesse no mundo exterior, monitorando possíveis interferências sobrenaturais.
Felizmente, a torre de destilação não estava longe.
Ela pertencia a uma fábrica no bairro vizinho, e havia um beco estreito e reto conectando as duas áreas.
Shirley o seguiu sem entender completamente.
Ela ainda não conseguia processar como Duncan sabia que haviam saído de seu sonho e entrado no de Nina.
Enquanto caminhava rapidamente, Duncan olhava para cima de tempos em tempos.
Ele tentava encontrar Nina.
Se este era realmente o sonho dela…
Então ela deveria estar lá.
No topo da torre de destilação.
Era o ponto mais alto dali.
O único lugar de onde se poderia ver toda a cidade em chamas.
Mas mesmo quando os dois—e o Cão de Caça Abissal—se aproximaram da fábrica, Duncan ainda não viu nenhuma figura no topo da torre de destilação.
Isso o deixou intrigado.
No entanto, antes que pudesse pensar mais sobre o assunto, uma estranha sensação de estar sendo observado veio de um ponto não muito distante.
Duncan parou abruptamente.
Ele ergueu a cabeça e olhou na direção de onde a sensação vinha.
E então, em sua visão, um vulto apareceu na esquina de um beco.
Era uma figura alta e esguia, vestindo um longo casaco negro antiquado e segurando um grande guarda-chuva preto.
Em meio ao mundo onírico coberto pelas cinzas do incêndio, onde o ar ainda parecia fumegar com brasas incandescentes…
A presença daquele estranho, segurando um guarda-chuva como se fosse um dia de chuva qualquer, era absurdamente bizarra.
E, desta vez, não foi apenas Duncan quem o viu.
Shirley parou subitamente ao seu lado, arregalando os olhos.
“Tem alguém ali!” Ela exclamou.
“Você também viu?” Duncan perguntou instintivamente.
No exato instante em que suas palavras caíram, um murmúrio estranho e indecifrável ecoou pelo ar.
O som veio da direção do estranho.
Duncan não reconheceu a língua.
Na verdade, ele não tinha certeza se aquilo poderia ser chamado de ‘linguagem’.
O som era distorcido, oscilante, como se várias vozes falassem ao mesmo tempo, ecoando umas sobre as outras em um turbilhão caótico.
Mas, por alguma razão, Duncan percebeu uma coisa naquele murmúrio:
Surpresa.
Aquele estranho parecia… genuinamente chocado.
Era como se ele jamais tivesse esperado encontrar ‘intrusos’ vagando por ali.
E no momento seguinte, ele se moveu.
Duncan não conseguiu ver exatamente o que o estranho fez.
Mas, pelo canto do olho, percebeu um movimento súbito—
Várias sombras saltaram debaixo do longo casaco negro do estranho.
Elas eram feitas de pura escuridão.
Deslizaram pelas paredes e pelo chão como serpentes e, num instante, avançaram na direção deles.
Então, a figura segurando o guarda-chuva desapareceu.
E na fração de segundo seguinte—
Ele reapareceu diante de Shirley, emergindo de uma das sombras que se lançavam na direção do grupo.
Foi como se tivesse se teletransportado.
Mas Shirley já estava pronta.
O vínculo entre ela e Cão garantia que ambos reagissem com reflexos igualmente rápidos.
No instante em que o estranho se materializou diante dela, antes mesmo que pudesse atacá-la—
Shirley já estava se movendo.
“Seja o que for, meter a porrada primeiro nunca é uma decisão errada!”
Ela gritou, e uma expressão incompreensível entre tensão e entusiasmo surgiu em seu rosto.
A corrente negra em sua mão se esticou e, com um som alto de metal rangendo, Cão foi girado no ar…
E lançado diretamente contra o oponente.