Brasas do Mar Profundo

Volume 1 - Capítulo 81

Brasas do Mar Profundo

Um estudioso que, por razões desconhecidas, estava ensinando história em uma ‘escola para plebeus’. Um professor versado em história antiga e, aparentemente, bem relacionado com Nina. Para Duncan, a chegada do Sr. Morris era uma surpresa — mas também uma oportunidade.

A vasta erudição daquele senhor em sua área certamente poderia ajudar Duncan a resolver muitos dos mistérios que o cercavam. Além disso, criar um bom relacionamento com alguém assim poderia trazer benefícios inesperados no futuro — um acadêmico respeitado como ele, inevitavelmente, teria conexões úteis dentro da cidade-estado.

Nina, por sua vez, não sabia por que seu tio Duncan havia, de repente, concordado com a ideia da visita. Ela não se preocupou em pensar muito sobre isso; estava simplesmente feliz.

Por um momento, ela foi tomada por uma ilusão — como se sua vida realmente estivesse mudando para melhor, como se tudo estivesse, aos poucos… voltando a ser como antes.

Do lado de fora, o céu da noite escurecia ainda mais. O brilho frio e pálido da Criação do Mundo iluminava o peitoril da janela no segundo andar da loja de antiguidades. Sob a tranquilidade noturna, a cidade inteira parecia mergulhar em silêncio.

Neste mundo, repleto de coisas estranhas e bizarras, a maioria das pessoas não tinha o luxo de desfrutar de uma vida noturna.

“Venha jantar”, Duncan chamou a ‘sobrinha’, que estava distraída olhando pela janela. Ele colocou a sopa de peixe recém-cozida sobre a mesa de jantar, acompanhada do pão que Nina havia comprado à tarde e alguns anéis de cebola que ele fritou rapidamente. Para ele, essa refeição não parecia nada elaborada. Contudo, considerando a singularidade do ‘peixe’, talvez aquele jantar pudesse ser considerado um verdadeiro banquete, pelo menos no distrito inferior.

“Ah, já vou, Tio Duncan.”

Nina respondeu com um sorriso e se sentou à mesa obedientemente. O aroma da sopa de peixe já havia tomado conta do ambiente, e ela ergueu o nariz curiosa, cheirando o ar com admiração. Surpresa, olhou para Duncan:
“Está tão cheiroso… Quando você aprendeu a cozinhar tão bem, tio?”

“Você chama isso de cozinhar bem?” Duncan riu involuntariamente. Pensando bem, sua habilidade culinária mal superava a da desajeitada Alice, e ainda assim estava sendo elogiado como um bom cozinheiro. “Eu era tão ruim assim antes?”

“Ruim é pouco para descrever. Você sempre cozinhava no limite do ‘não vai nos matar’, e ainda tinha a audácia de tentar criar pratos novos! Cada vez que isso acontecia, você me fazia provar suas ‘invenções’…” Nina começou a falar animadamente, relembrando momentos do passado com um brilho nos olhos. “Teve uma vez que você fez algo tão intragável que nem você conseguiu comer. Acabou jogando tudo no lixo e me levou para almoçar num restaurante familiar na rua ao lado. Quando voltamos, vimos o cachorro do vizinho vomitando perto da lixeira. Depois daquele dia, sempre que o cachorro te via, ele fazia questão de desviar de você…”

Enquanto falava, sua voz gradualmente foi ficando mais baixa.

“Enfim, isso já faz tantos anos… E você nunca gostou que eu falasse sobre essas coisas…”

Duncan permaneceu em silêncio.

Nas memórias restantes daquele corpo, não havia vestígio algum das recordações de Nina. Aqueles momentos, que para ela eram praticamente as únicas lembranças felizes com o tio, haviam se desfeito por completo com o último suspiro daquele homem perdido.

Nina, em silêncio, partiu o pão endurecido e começou a mergulhá-lo lentamente no caldo saboroso da sopa, amolecendo-o.

De repente, Duncan estendeu a mão e bagunçou os cabelos da garota.

Nina levantou a cabeça, surpresa:
“Tio?”

“Acho que meu experimento com novas receitas foi um sucesso”, Duncan respondeu com a maior seriedade.

Nina piscou, confusa, enquanto processava a resposta. Seu rosto passou por uma série de expressões antes de se transformar em um sorriso que ela não conseguiu conter:
“Tio, você sério assim é muito engraçado!”

“Não zombe dos mais velhos”. Duncan lançou-lhe um olhar de soslaio. Então, como se tivesse lembrado de algo, acrescentou casualmente:
“Aliás, estou planejando reorganizar algumas coisas na loja. Se você vir algo estranho ou que não reconheça no térreo, não toque, ok?”

Ele estava se preparando para as operações de transporte e troca de itens entre o Banido e a loja de antiguidades. Com as habilidades de Ai revelando-se tão úteis, Duncan sabia que esses movimentos seriam difíceis de esconder completamente de Nina. Era melhor prevenir do que remediar.

Nina não desconfiou de nada e rapidamente assentiu. Em seguida, Duncan continuou:
“Além disso, estou pensando em contratar alguém para trabalhar na loja. Assim, se eu precisar sair durante o dia, alguém pode ficar de olho por aqui. Ainda é um plano inicial, nada certo, mas quis avisar antes para você não estranhar se um dia aparecer alguém novo por aqui.”

Dessa vez, ele estava preparando o terreno para a chegada de Alice — mesmo que isso ainda fosse algo distante e cheio de desafios a serem resolvidos.

Trazer a jovem boneca para a cidade-estado seria uma tarefa complexa. O transporte era apenas o menor dos problemas. Duncan também precisava garantir que o segredo de Alice, o fato de ser uma ‘boneca’, permanecesse oculto. Apesar de sua aparência ser quase indistinguível da de um humano, algumas precauções seriam necessárias. Luvas longas cobririam as articulações das mãos, e um véu poderia ocultar seu rosto impecavelmente perfeito, que era mais refinado do que o de qualquer pessoa real. Mas o verdadeiro obstáculo não estava na aparência… era o comportamento.

Duncan precisava que Alice ajudasse nos negócios, mas sua tendência de reagir de forma teatral e desajeitada poderia arruinar tudo.

Nina, por outro lado, olhou surpresa para o tio:
“Tio, você vai contratar um funcionário para a loja? Isso é uma grande novidade… Já tem alguém em mente? Que tipo de pessoa é?”

Duncan pensou por um momento, eliminando cuidadosamente uma longa lista de adjetivos pouco lisonjeiros que vieram à mente. Então, mantendo uma expressão séria, respondeu:
“Tenho uma ideia inicial. É uma… jovem senhorita trabalhadora.”

Depois de refletir, percebeu que ‘trabalhadora’ era provavelmente o único elogio que realmente se aplicava a Alice.

Ao ouvir isso, a expressão de Nina mudou imediatamente, tornando-se carregada de nuances. Ela olhou para o tio de cima a baixo algumas vezes antes de finalmente se render ao que estava pensando:
“Uma jovem senhorita? Tio, será que você está…”

Duncan, experiente e conhecendo bem a sobrinha, entendeu de imediato o que ela estava insinuando. Ele bateu com os dedos na mesa, como quem encerra o assunto:
“Coma sua comida direito! Pare de pensar besteira!”

Nina imediatamente segurou o riso, fazendo barulhos abafados, e voltou a comer. Após provar um pedaço do peixe, seus olhos se arregalaram de surpresa:
“Está delicioso!”

Duncan riu, pegando um pedaço de pão e jogando casualmente para a pomba, que passeava pelo chão ao lado:
“Então coma mais, tem mais na cozinha.”

No pequeno segundo andar da loja de antiguidades, Nina e seu tio Duncan terminaram uma refeição simples, mas há muito tempo esquecida.

Depois de organizar tudo e preparar-se para dormir, Duncan chamou Nina, que estava prestes a ir para o quarto. Ele tinha algo para confirmar.

“Nina”, ele começou, enquanto observava a garota que havia acabado de guardar os pratos. “Quero perguntar uma coisa.”

“Ah?” Nina parecia curiosa. “O que foi?”

“Você ainda se lembra… de quando era pequena?” Duncan hesitou, tentando encontrar o melhor jeito de abordar o assunto enquanto recordava as informações que ouvira naquela reunião dos cultistas. “Quero dizer, quando você tinha seis anos.”

Nina franziu o cenho, surpresa com a pergunta sobre algo tão distante. Apesar disso, ela tentou se lembrar.

Onze anos haviam se passado, e ela era apenas uma criança na época. Não havia muitas lembranças claras em sua mente, mas, ao revisitar o passado, não sentiu muita tristeza.

“Eu era muito pequena naquela época, então não lembro de muita coisa”, Nina começou, pensativa. “Só lembro que foi um dia caótico… Os adultos estavam todos correndo de um lado para o outro. Uns diziam que houve um vazamento em uma fábrica perto do Distrito da Encruzilhada. Outros falavam sobre pessoas enlouquecendo na Terceira Rua. E tinha quem dissesse que até o Distrito Superior tinha problemas… Não me lembro de muitas coisas na hora, só comecei a entender depois, quando ouvia os adultos conversando.”

Duncan ponderou por um momento e, olhando nos olhos de Nina, perguntou:
“Você lembra de um incêndio? Lembro de ter te tirado de um prédio em chamas. Seus pais… eles morreram nesse incêndio.”

Ele fez a pergunta como uma tentativa, mas a reação de Nina foi imediata. Seus olhos se arregalaram:
“Incêndio? Tio, você também lembra de um incêndio naquele dia?!”

“Claro que lembro”, Duncan respondeu, sentindo que algo realmente estava errado. “Por que está tão surpresa? Há algo de errado em lembrar do incêndio?”

“Eu também me lembro de um grande incêndio”, Nina disse, visivelmente animada. “Era muito, muito grande. Mas, depois, quando contei aos adultos, ninguém parecia se lembrar disso. Todos diziam que eu estava em choque, que não houve nenhum incêndio. Quando cresci um pouco, até procurei nos jornais da época…”

Ela fez uma pausa, sua expressão mudando para algo mais sombrio. Então, balançou a cabeça devagar:
“Mas nem os jornais mencionavam nada sobre um incêndio. Todos os registros só falavam de um vazamento químico numa fábrica, que causou alucinações em larga escala…”