
Volume 1 - Capítulo 87
Brasas do Mar Profundo
No local da reunião, apenas os cadáveres dos cultistas estavam espalhados pelo chão. Não havia qualquer evidência que pudesse revelar a identidade do atacante, o que tornava a investigação extremamente difícil.
Mas uma coisa era certa: o responsável por esse massacre definitivamente não era uma pessoa comum.
No ar, ainda pairava um cheiro forte e peculiar—um vestígio da contaminação das chamas.
Vanna examinava atentamente os lampiões deixados no local. Ao seu lado, um dos Sacerdotes do Mar Profundo retirava um conjunto de pós e reagentes de sua bolsa de ferramentas, preparando-se para analisar se os lampiões continham substâncias que não deveriam existir no mundo real.
O fogo era um dos elementos mais peculiares deste mundo.
Era a ordem visível, a caligrafia dos deuses quando estabeleceram seu pacto com o mundo, a prova de que a civilização ainda existia—e tudo que acontecia ao seu redor deixava marcas em suas chamas.
Se uma batalha de nível sobrenatural tivesse ocorrido ali, a chama teria registrado seus rastros.
Enquanto o sacerdote iniciava suas análises, Vanna voltou ao centro do porão, onde um dos cadáveres dos hereges do Sol jazia no chão.
“Fraturas em dezenas de pontos do esqueleto, como se tivesse sido atingido por um touro em disparada. É difícil imaginar que tipo de arma poderia causar esse tipo de dano.” Um legista que estava ao seu lado comentou. “Foi uma contusão por força bruta. Não há vestígios de magia.”
“Força bruta…? Você está me dizendo que alguém simplesmente colidiu com ele e quebrou dezenas de ossos de uma vez?” Vanna franziu levemente a testa. “O quê, uma maça de um metro de diâmetro?”
O legista balançou a cabeça.
“Mais do que isso. O que é ainda mais suspeito é a pilha de cinzas no fim do porão.”
Vanna seguiu até o fundo do porão e viu a tal pilha de cinzas mencionada.
No chão, havia um conjunto completo de roupas espalhado, cercado por uma fina camada de cinzas escuras e delicadas. Era fácil imaginar a cena anterior—alguém havia caído ali.
“Sem dúvida, isso foi causado por algum tipo de poder sobrenatural. Pelo padrão das marcas, pode ter sido uma variação de chama anômala.” Vanna analisou rapidamente e se dirigiu ao legista ao seu lado. “O fogo comum dificilmente queimaria alguém até virar cinzas dessa forma, e ainda assim deixaria as roupas intactas.”
“As paredes têm marcas de impacto. Parece que esse cultista foi arremessado contra a parede com uma força imensa antes de ser consumido pelo fogo”, comentou um dos Sacerdotes do Mar Profundo presentes na cena. “Entre todos os corpos aqui, ele é o único que foi morto por um poder sobrenatural—e um que nunca vimos antes.”
“Além disso, encontramos uma área no canto do porão onde o chão foi severamente corroído por uma força desconhecida, mas não há qualquer resquício físico do que pode ter causado isso. Também pode ser resultado de uma habilidade sobrenatural.”
“Pode ter sido um feitiço conjurado por alguém… ou um objeto anômalo”, Vanna disse casualmente. “Esse lugar foi descoberto mediante uma denúncia, certo?”
“Sim”, confirmou um dos sacerdotes. “Um cidadão atento ouviu sons estranhos vindos da fábrica abandonada e notificou um grupo de guardas da cidade e patrulheiros no posto da esquina durante a troca de turno.”
“E esses cultistas eram muito cuidadosos. Eles apagaram todos os rastros de suas atividades ao entrarem na cidade-estado e conseguiram se esconder no Distrito Inferior sem serem notados. Se esse ataque não tivesse acontecido, eles provavelmente continuariam ocultos por mais tempo.”
“Se um covil foi exposto, isso significa que pode haver mais grupos escondidos”, Vanna disse com um tom sério. “O Distrito Inferior e suas vielas imundas devem se tornar prioridade na próxima ronda de inspeções. Precisamos…”
Antes que pudesse terminar a frase, um dos guardas se aproximou apressado, segurando um pequeno objeto nas mãos.
“Inquisidora, veja isto!”
Vanna ergueu os olhos e viu que o guarda trazia uma pequena bandeja, sobre a qual repousavam algumas balas de cobre deformadas e manchadas de sangue.
“Encontramos duas pistolas de tambor que foram disparadas durante o incidente. Essas balas parecem ter sido disparadas dessas armas”, relatou o guarda. “O sangue nelas pode ser do atacante!”
Vanna fixou o olhar nas balas e, de imediato, notou o estado de deformação dos projéteis—eles estavam amassados e retorcidos de forma incomum.
As balas estavam manchadas de sangue, indicando que haviam atingido um corpo vivo. No entanto, o nível de deformação dos projéteis… não era algo que tecidos moles e frágeis poderiam causar.
A menos que cada disparo tivesse acertado um osso, ou… que o alvo possuísse uma resistência física extremamente anormal.
Além disso, como essas balas, que já haviam penetrado um corpo humano, foram parar no chão da cena do crime?
Vanna refletiu cuidadosamente e concluiu que havia apenas duas possibilidades:
Ou o atacante realizou um procedimento cirúrgico em si, removendo as balas antes de deixar o local…
Ou ele possuía uma capacidade física especial que lhe permitia expulsar os projéteis do próprio corpo por conta própria.
Independentemente de qual fosse a resposta, um fato era evidente:
Esse atacante extremamente poderoso foi baleado várias vezes, mas, ainda assim, exterminou todos os cultistas sem hesitação. E depois, com toda calma, retirou as balas do próprio corpo antes de partir.
Vanna olhou para suas próprias mãos.
Ela era capaz de fazer algo assim.
E justamente por isso sabia o quão difícil isso seria para um humano comum de carne e osso.
“O responsável por matar esses cultistas provavelmente é um transcendente com um corpo extremamente reforçado”, ela ponderou, voltando-se para um de seus subordinados. “A arma utilizada era algum tipo de grande arma de impacto. O atacante possui ampla experiência de combate, uma força de vontade implacável e é incrivelmente forte. Considerando o tipo de arma usada, deve ser alguém de grande porte. Além disso, há indícios de que domina algum tipo de poder flamejante.
“Por ora, parece estar em conflito com os hereges do Sol, mas ainda não podemos determinar se é um aliado ou inimigo.”
Ela respirou fundo e concluiu:
“Notifique todos os guardas e oficiais de segurança. Qualquer indivíduo que se encaixe nessas características deve ser relatado imediatamente. Nenhuma abordagem direta deve ser feita sem ordens.”
O guarda responsável pela transmissão das ordens inclinou a cabeça em sinal de concordância.
“Sim, Inquisidora.”
Vanna soltou um leve suspiro e, mentalmente, começou a desenhar o perfil do atacante misterioso que havia devastado o local.
Um homem de quase dois metros de altura, empunhando uma maça colossal ou um mangual, extremamente habilidoso em combate, de temperamento frio e implacável—e, claro, capaz de invocar chamas.
Isso parecia um perfil bastante aproximado.
Duncan, com um sorriso no rosto, viu sua segunda cliente do dia se despedir e se afastar lentamente pela rua. Seu humor estava excelente.
A mulher era uma cliente antiga da loja e, naquela manhã, havia escolhido um par de vasos para presentear seus novos vizinhos.
Os vasos foram adquiridos de um mercado atacadista—fabricados na semana passada, mas com uma história de oitocentos anos.
O preço original era mais de duzentas mil soras, mas, com desconto, saíram por apenas vinte e seis—e ainda levaram de brinde duas esculturas de pedra do suposto Período Solandês, feitas na última quarta-feira.
A cliente antiga sabia que os produtos eram falsos, mas, do começo ao fim, acreditava que o dono da loja era genuíno.
Após jogar algumas cédulas amassadas na gaveta, Duncan voltou a se sentar atrás do balcão, sentindo seu humor inquieto se acalmar um pouco.
Até o momento, administrar a loja de antiguidades ainda era uma experiência nova e interessante para ele.
Claro, ganhar dinheiro apenas com esse pequeno comércio era algo limitado—os dois vasos, junto com os enfeites, renderam pouco mais de seis soras de lucro. E, até aquele momento, ele havia recebido apenas dois clientes o dia todo. Não sabia se esse movimento era normal para a loja, mas era claramente menos lucrativo do que denunciar cultistas hereges.
Duncan desviou parte de sua atenção para monitorar a situação de Ai.
A pomba voava em baixa altitude sobre o Quarto Distrito, mas, infelizmente, o amuleto do sol preso em suas costas ainda não havia reagido.
O que, no fim, era algo esperado—apesar da recente infiltração de cultistas em Pland, eles ainda não eram numerosos o suficiente para estarem por toda parte. Além disso, costumavam se espalhar e se esconder nos recantos mais esquecidos da cidade, tornando sua detecção ainda mais difícil.
Caçar exige paciência.
Duncan relaxou, aproveitando o momento de tranquilidade. Enquanto monitorava a pomba, de vez em quando também desviava sua atenção para o Banido, controlando seu corpo a bordo e caminhando pelo convés.
Chegou a observar Alice lutando com algumas coisas estranhas no navio—e, em seguida, sendo perseguida por elas, correndo em desespero pelo convés.
A vida, de fato, estava ficando bem interessante.
No entanto, seus devaneios foram interrompidos por um som nítido e agradável—o tilintar de um sino na entrada da loja.
“Seja bem-vindo.”
Duncan murmurou automaticamente, levantando os olhos para a entrada.
Lá, viu um senhor idoso abrindo a porta.
Era um homem de aparência refinada, vestindo um sobretudo marrom-escuro, impecavelmente limpo e bem passado. Seus sapatos de couro brilhavam, e ele segurava uma bengala negra de material desconhecido. Seu cabelo grisalho estava perfeitamente alinhado, assim como seu terno e gravata.
Aquele tipo de vestimenta era incomum no Distrito Inferior—ele parecia mais alguém vindo do Distrito da Encruzilhada, ou até mesmo do Distrito Superior.
Duncan não tinha uma noção muito clara do que significava ser um ‘cidadão respeitável’ neste mundo.
Mas bastava um olhar para saber que esse senhor não era um cliente comum.
“Viu algo de seu interesse?” Duncan sorriu, assumindo a postura de um verdadeiro dono de antiquário.
“Se tiver sorte, leve-o com você.”