Brasas do Mar Profundo

Volume 1 - Capítulo 12

Brasas do Mar Profundo

Sentados em lados opostos da ampla mesa de navegação, o capitão do Banido, Duncan, e a boneca amaldiçoada, Alice, se encaravam.

A atmosfera entre os dois (considerando que talvez nenhum deles pudesse ser chamado de ‘pessoa’) estava longe de ser amigável.

A boneca, que havia se apresentado como ‘Alice’, ainda parecia um tanto nervosa. Apesar do capitão fantasma ter garantido sua segurança temporária, a presença intimidadora de Duncan, com sua expressão naturalmente imponente, claramente a deixava inquieta.

Alice mantinha uma postura elegante, sentada sobre a tampa de seu caixão. Contudo, seus dedos, que discretamente seguravam a barra de sua saia, traíam o nervosismo que tentava disfarçar.

Duncan, por outro lado, permanecia em silêncio, observando e analisando a ‘dama’ à sua frente.

Ela era uma boneca movida por alguma força desconhecida – um ser evidentemente não feito de carne e osso, mas capaz de falar, andar e até emitir calor corporal. Se algo assim existisse no mundo de onde ele veio, seria digno de um programa investigativo… e provavelmente ocuparia pelo menos três episódios e meio.

Duncan não sabia ao certo qual era a natureza de algo como Alice neste mundo, mas as conversas indiretas que tivera com o Cabeça de Bode nos últimos dias lhe forneceram algumas pistas. Apesar de existirem fenômenos extraordinários por aqui, eles ainda eram considerados raridades. E, no caso de Alice, ele suspeitava que ela fosse algo excepcional até mesmo neste mundo estranho.

Sua dedução não era infundada – a embarcação mecânica que colidira com o Banido era moderna e tripulada por uma equipe bem treinada. Ele havia testemunhado pessoalmente como, mesmo sob extremo medo, os marinheiros daquela embarcação permaneceram em seus postos. Além disso, o interior daquele navio continha compartimentos e objetos repletos de runas e símbolos complexos – marcas que lembravam muito as que estavam gravadas na superfície do ‘caixão’ de Alice.

Em outras palavras, parecia provável que o propósito daquela embarcação avançada fosse escoltar – ou talvez transportar – a boneca amaldiçoada, Alice.

Ajustando sua postura na cadeira, Duncan lançou a Alice um olhar que era, ao mesmo tempo, descontraído e autoritário. Estava claro para ele que sua tripulação fantasmagórica havia recebido uma visitante nada ordinária.

Por outro lado, Alice não parecia ser particularmente perigosa. Na verdade, ela parecia ter um certo medo dele.

Afinal, na primeira vez que se encontraram, ele mal havia dito uma palavra e ela já havia… perdido a cabeça. Literalmente.

“Com licença…” Aparentemente, o silêncio prolongado e o olhar fixo de Duncan haviam se tornado insuportáveis. Alice, por fim, quebrou o silêncio:
“E então…?”

“De onde você veio?” Duncan finalmente desviou o olhar intimidador e fez a pergunta em um tom mais calmo.

Alice piscou, claramente surpresa com a pergunta, como se precisasse de alguns segundos para processar. Então, ela deu duas leves batidinhas no luxuoso caixão sobre o qual estava sentada:
“De aqui.”

Duncan ficou com a expressão ligeiramente rígida: “…”

“Eu já sei que você estava dentro desse caixão”, ele respondeu com uma leve tosse. “O que estou perguntando é de onde você veio – um lugar. Entendeu? Você tem uma terra natal? Ou algum tipo de ponto de partida?”

Alice ponderou um pouco antes de responder com tranquilidade:
“Não me lembro.”

“Não se lembra?”

“Bonecas não têm terras natais”, respondeu Alice, cruzando as mãos sobre o colo com elegância e seriedade. “A maioria das minhas memórias é de estar deitada dentro deste caixão. Eu estava aqui dentro, sendo transportada de um lugar para outro. Às vezes, vagamente, podia sentir pessoas caminhando ou vigiando do lado de fora do caixão… Ah, eu também me lembro de algumas conversas sussurradas. Aqueles que vigiavam meu caixão frequentemente falavam, com vozes cheias de medo e nervosismo, sobre algumas coisas…”

Duncan ergueu uma sobrancelha:
“Eles falavam sobre o quê?”

“Coisas triviais e entediantes.”

“Mas agora fiquei curioso”, respondeu Duncan seriamente – ele acreditava que realmente podiam ser apenas trivialidades, mas no momento qualquer informação sobre este mundo era valiosa para ele. Mesmo as conversas mais mundanas das pessoas comuns poderiam ser úteis.

“… Certo, o que eu mais ouvia era um nome, Anomalia 099 – parecia que eles usavam esse termo para se referir a mim e ao meu caixão. Mas eu não gosto disso. Eu tenho um nome”, disse Alice, recordando com cuidado. “Além disso, às vezes eles mencionavam selos e maldições, mas minhas memórias sobre isso estão muito confusas. Quando estava no caixão, eu dormia a maior parte do tempo e não prestava muita atenção ao que acontecia lá fora.”

Ela falava calmamente, mas então pareceu se lembrar de algo e acrescentou:
“Ah, mas me lembro de algo recente – provavelmente antes de eu vir para o seu navio. Aqueles que conversavam do lado de fora mencionaram com frequência um lugar chamado Cidade-Estado de Pland. Esse parecia ser o destino deles… e, presumivelmente, o meu também.”

“Cidade-Estado de Pland?” Duncan repetiu, seu olhar ficando mais concentrado enquanto registrava mentalmente o nome.

Finalmente, ele tinha algo útil – ainda que não soubesse quando essa informação seria de fato relevante.

Ele levantou os olhos novamente, encarando Alice:
“E além disso?”

“Além disso, eu passei a maior parte do tempo apenas dormindo, Capitão”, respondeu Alice com seriedade. “Se você estivesse preso dentro de um caixão como eu, ouvindo constantemente murmúrios abafados que fazem você se sentir sonolento, o que mais poderia fazer além de dormir? Abdominais no caixão?”

O canto da boca de Duncan tremeu.

Apesar de sua postura elegante e aparência impecável (quando a cabeça estava no lugar), Alice parecia ter um talento especial para soltar comentários completamente inesperados e, às vezes, afiados. Era difícil conciliar isso com a imagem de alguém que, momentos antes, remava furiosamente um caixão sobre as ondas.

Mentalmente, Duncan já começava a construir uma nova visão de Alice.

Mas, por fora, ele manteve a calma e o ar autoritário de sempre, apenas assentindo levemente antes de continuar:
“Então, além de passar a maior parte do tempo adormecida dentro do caixão, você não sabe praticamente nada sobre o mundo exterior. Não pode me dizer nada sobre as mudanças no mundo ou a localização de qualquer porto ou cidade-estado.”

“Receio que seja assim, capitão”, respondeu Alice, assentindo solenemente. Então, como se algo a tivesse ocorrido de repente, ela arregalou os olhos com um leve nervosismo, olhando para Duncan:
“Então… você vai me jogar do navio novamente? Por que eu não sou útil?”

Duncan ainda nem tinha respondido quando Alice continuou:
“Ok, eu entendo. Afinal, este é o seu navio. Mas desta vez, pode pelo menos não colocar balas de canhão no caixão? Falando sério… oito balas foi um pouco demais…”

Estava claro que o humor da boneca não era dos melhores – mas ela parecia não ter coragem de expressar completamente sua insatisfação.

Duncan também estava um pouco desconcertado. O principal motivo de sua situação embaraçosa era que, ao encher o caixão com balas de canhão, ele nunca imaginou que, em algum momento, teria uma conversa tranquila sobre isso com a pessoa diretamente afetada. Na época, ele simplesmente viu Alice como uma típica boneca amaldiçoada de filmes de terror – a imagem que vinha à sua mente era completamente compatível com esse gênero.

Ele nunca havia pensado que a ‘boneca amaldiçoada’ não saíra de um filme de terror, mas, sim, de uma comédia situacional.

Então, todos os preparativos exagerados que fez para enfrentar uma maldição agora apenas tornavam a situação mais constrangedora.

A sorte de Duncan era que ele tinha a pele bastante grossa e um rosto naturalmente severo e intimidador, como se tivesse sido esculpido por machados e martelos. Desde que seus nervos periféricos não falhassem, ele podia manter a compostura. Assim, ignorando completamente o constrangimento causado pelas balas de canhão, ele balançou a cabeça levemente com indiferença:
“Ainda não decidi se vou jogá-la para fora do navio novamente. Afinal, parece que você sempre encontra uma maneira de voltar. Estou apenas curioso – por que insiste em retornar ao Banido? Está claro que você teme tanto a mim quanto ao navio. Se é assim, por que não se mantém longe do perigo?”

“Então este navio se chama Banido?” Alice perguntou, em tom calmo. “Sim, eu realmente tenho… medo de você e do seu navio. Mas, comparado a isso, o mar profundo não é ainda mais perigoso?”

Ela olhou diretamente para o capitão fantasma, seu olhar sereno, mas intenso. Em sua visão, o homem alto diante dela parecia ter uma sombra imensa e opressiva atrás de si – uma escuridão interminável e nebulosa, que se sobrepunha à realidade da cabine como se dois mundos diferentes estivessem colidindo.

Mas, apesar da imensidão sufocante dessa sombra, o que mais a aterrorizava eram as coisas que vinham das profundezas ainda mais escuras do Mar Infinito.

“Neste mundo”, Alice continuou, com um tom quase solene, “existe algo mais aterrorizante do que o mar profundo?”