No Game No Life

Volume 5 - Capítulo 2

No Game No Life

—Fahhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh!!

—O Reino de Elkia: a capital, Elkia. O último bastião da Immanity, a raça mais fraca entre as Ixseeds. Elkia era um país que, até poucos meses atrás, estava à beira da destruição, encurralado dentro dos limites de sua única cidade remanescente. Agora, expandira seu território a uma velocidade sem precedentes, engolindo a grande nação marítima da União Oriental. No castelo dessa nação, onde a transformação de reino para confederação avançava a um ritmo frenético, um grito ecoou.

—Por um instante, o pessoal do castelo congelou, como se o próprio tempo tivesse parado. Mas isso foi passageiro—rapidamente, a engrenagem voltou a girar como se nada tivesse acontecido. Sim, era só mais um dia normal. Todos já estavam acostumados. Ela devia estar gritando de novo—e, muito provavelmente, por um motivo extremamente válido. Com um senso tácito de empatia varrendo o castelo, cada um voltou ao seu trabalho.

—Fahhhhhhh!! Isso é idiotice! Não é idiotice?! Isso é idiotice, não é?!

A ruiva mais uma vez exibia sua maestria com palavras.

—Stephanie Dola, ou simplesmente Steph. Chefe da casa Dola, com título de duquesa e neta do rei anterior. Uma princesa no sentido mais verdadeiro da palavra. Essa jovem, outrora cheia de graça, agora—sem sombra de dúvida—completamente desprovida dela. Sentada numa cadeira, puxava os cabelos, olhava para o céu e uivava.

—…Quem é burro, por favor?

Sentada de pernas cruzadas no chão ao lado de Steph, lendo um livro, estava a Werebeast—Izuna Hatsuse. Idade estimada: um dígito. Uma garotinha vestida com um traje tradicional japonês, com grandes orelhas semelhantes às de uma raposa fennec e um rabo fofo. O livro em suas mãos estava de cabeça para baixo, mas Steph não tinha tempo para apontar isso.

—Sora é, Shiro é—não, eu sou!! “Mas é claro, senhor. Não precisa se preocupar.”—o que foi isso?! Foi imbecil! Eu sou imbecil!!

Com os braços abertos, ela desabafou.

—“Vá para a biblioteca do seu avô e descubra o verdadeiro motivo pelo qual a rainha das Sereias está dormindo”!! Mas é claro, senhor!! Quem além de uma imbecil diria isso?! Quantos livros eu achava que tinha?! Para começar…!

Ela lançou um olhar às estantes que forravam as paredes. Sua diatribe vacilou.

—Achar um livro que pode nem existir? O que eu achava que estava fazendo?!

As duas jovens estavam na sala secreta deixada pelo rei anterior—seu estudo particular. O antigo governante sempre havia feito o papel de tolo para revelar a verdade por trás dos jogos dos outros países—das outras raças com magia e poderes sobrenaturais—e as estratégias que permitiriam a um mero humano superá-los. Os registros pelos quais ele apostou sua vida—o legado de um grande homem—estavam espalhados por aquelas paredes. Seus feitos estavam registrados em tomos que facilmente ultrapassavam mil volumes, todos preenchendo o estudo. Embora os livros estivessem organizados em ordem cronológica, sem nenhuma pista de quando o velho rei havia interagido com as Sereias, a única opção das garotas era vasculhar tudo à força. A realização tardia desse fato foi o que levou Steph a gritar momentos antes. Mas, mais do que isso—

Quase chorando, ela apontou um dedo para Izuna, a pequena Werebeast que segurava seu livro de cabeça para baixo.

—Como que o Sora achou que você poderia ajudar?! Você nem consegue ler a escrita da Immanity!

—Stuch… para de gritar, por favor. Que diabos você acha que eu tô fazendo agora, por favor?

—…Com licença?

—E-espera, vamos voltar um pouco. Como você me chamou?

—…? O maldito Vovô disse que “Steph é uma duquesa”, por favor?

—Por que você tem que encurtar ainda mais?! Parece um apelido horrível!

—…Como assim, por favor, Stuch?

Izuna inclinou a cabeça e olhou para Steph.

—A-aahhh, poderia por favor não me insultar com esses olhos tão inocentes?! Como você pretende compensar se minha privação de sono me amaldiçoar a abrir outra porta secreta?!

Steph se contorcia, batendo a cabeça no canto da mesa, mas Izuna respondeu calmamente.

—Stuch, cala a boca e trabalha, por favor. Vovô tá esperando, por favor.

—…Mg-ghh…… S-sim, acho que sim. Ficar lamentando não vai ajudar.

De fato. As Sereias haviam feito um refém—o avô de Izuna, Ino Hatsuse. Izuna também devia estar cansada. Steph não podia se dar ao luxo de perder tempo choramingando enquanto Izuna lutava para aprender um sistema de escrita desconhecido. Sim, respire fundo. Recuperando a compostura, Steph finalmente deu a notícia.

—A propósito, senhorita Izuna… seu livro está de cabeça para baixo.

—……! E-eu sei disso, por favor. Acha que eu cometeria um erro desses, por favor?!

Izuna se apressou para virar o livro corretamente enquanto Steph começava a dar uma bronca.

—E, talvez você já tenha notado, mas a escrita da Immanity, ao contrário da dos Werebeasts, é escrita na horizontal.

—? Tem línguas que se escrevem na horizontal, por favor?

O rosto de Izuna, um genuíno “Como assim?”, consistia em um olhar arregalado e perplexo.

—…Senhorita Izuna, agora que penso nisso, nunca perguntei: quantos anos você tem?

Ao ouvir isso, Izuna começou a contar nos dedos antes de perguntar, hesitante:

—E-eu conto a partir do zero, por favor?

—Steph entendeu. De fato, não era surpresa que Izuna gostasse tanto de Sora e Shiro. Eram completamente da mesma espécie. Gênios dos jogos, completamente ignorantes em todo o resto. Suspirando, Steph apontou para outro livro.

—Senhorita Izuna, sugiro que comece por aqui.

—O que é isso, por favor?

—Esse é o livro didático que usei na escola para aprender a língua dos Werebeasts. É um jogo bilíngue—

—Mmph. Entendido, por favor.

Assim que ouviu a palavra “jogo”, Izuna agarrou o livro e começou a folhear as páginas. Steph teve que reconhecer seu esforço. Era evidente que estava dando o seu melhor. Mas o que ela conseguiria ler naquela velocidade…? Steph suspirou para o teto.

—Eu… de qualquer forma, acho que não temos escolha a não ser ler todos os livros—

******

Justo quando Steph chegava a essa trágica conclusão—grmmmmmmglgrgl—um som (e as palavras que o seguiram) fizeram sua determinação ruir.

—Stuch, tô morrendo de fome, por favor. Me dá comida, por favor.

Como se um interruptor tivesse sido acionado, Izuna fechou o livro com um baque. Ela tinha disposição e motivação de sobra—e, claro, faria o possível para salvar seu avô. Mas, deixando isso de lado, seus enormes olhos brilhantes exigiam, sem um pingo de malícia: Me alimente. A garotinha coçava suas grandes orelhas com o pé, enquanto seu rabo fofo balançava de um lado para o outro. A visão adorável pressionou Steph a tomar uma decisão:

1. Esquecer tudo e simplesmente desmaiar.

2. Preparar uma refeição para essa criatura irresistivelmente fofa.

No fim, sua necessidade de dormir cedeu ao poder do fofurômetro.

—T-tudo bem… Quando se está com fome, está com fome… Vou preparar algo com o que tenho à mão.

—Mm, queria peixe, mas vou engolir essa e te dar um desconto, por favor.

E assim, Steph saiu arrastando os pés, enquanto Izuna a seguia, abanando o rabo alegremente.

…Aliás, lembra que elas ainda estavam no Castelo de Elkia?

Steph estava espetacularmente esquecendo que tinha a opção de simplesmente desmaiar e deixar os cozinheiros prepararem a refeição para Izuna. Mas enquanto Steph caminhava como um fantasma, com Izuna a tiracolo, ninguém estava lá para lembrá-la disso.

******

Enquanto isso—a vinte mil metros acima do nível do mar. Enfrentando ventos típicos de uma altitude três vezes maior que a do Himalaia, Sora tentava encontrar palavras para descrever a paisagem diante dele.

—Primeiro, tente imaginar um cubo mágico. Pegue esse quebra-cabeça intelectual e entregue para alguém com uma capacidade cognitiva extremamente limitada. Logo—desmontado com um alicate, incontáveis peças do que um dia fora um cubo mágico estariam espalhadas pelo chão. Agora, por favor, sufoque o impulso de comentar e repita esse processo cerca de mil vezes. E então? Consegue imaginar? A paisagem resultante desse exercício—era basicamente o que Sora via.

—Bem-vindo à minha terra natal, construída sobre as costas de um Phantasma. A cidade dos céus—Avant Heim!

Diante deles, erguia-se a montanha de cubos mágicos desmontados. Sora revirou os olhos e resmungou ao ver Jibril, sorrindo feliz, chamando aquilo de “cidade”.

—Ei, as cidades que a gente conhece, se me lembro bem, pelo menos têm ruas.

Uma vista composta por incontáveis cubos gigantes empilhados de forma aleatória. Talvez, para um artista vanguardista, algum tema sublime emergisse dali. Infelizmente, para Sora—um jovem leigo e virgem de dezoito anos—se pedissem para descrever aquilo, ele só poderia usar uma palavra. A saber—caos.

—Beleza, Jibril—por enquanto, temos apenas uma sugestão para os Flügel.

—…Estruturas deveriam ser… acessíveis…

—Depois de se separarem de Steph e Izuna, Sora e os outros partiram para descobrir as condições necessárias para despertar a rainha das Sereias. Para estudar registros de jogos passados, recorreram ao maior repositório de conhecimento do mundo—a cidade dos Flügel, Avant Heim.

—Oh, Mestre. Fique perto de mim, por favor. O ar aqui é um pouco rarefeito.

Sora e Shiro assentiram ao aviso de Jibril. Sora, na verdade, nem fazia ideia de como poderiam se mover de qualquer maneira.

—Bom, acho que se só tem Flügel morando aqui, realmente não precisam de infraestrutura…

A cidade espalhada abaixo deles não tinha ruas, portas ou janelas. Fazia sentido que uma raça capaz de se locomover praticamente sem limites não precisasse dessas coisas, mas um cenário urbano composto apenas de cubos intermináveis desafiava qualquer perspectiva. Sem um ponto de referência, tudo carecia de escala.

—…Não parece uma cidade… parece um quebra-cabeça…

Shiro, após essa avaliação direta, olhou para cima e sussurrou:

—…O céu… é azul?

A vinte mil metros de altitude, já deviam estar quase na fronteira do espaço. O céu não deveria ser azul…

—Avant Heim faz parte da Ixseed de Rank Dois, Phantasma. Está acima do Rank Três, Elemental, os espíritos que alimentam os corredores que tecem este mundo. É um ser vivo independente dos ecossistemas comuns. Resumindo… vocês podem pensar em Avant Heim como um mundo à parte.

Embora a pressão atmosférica aqui possa ser insuficiente para vocês, meus mestres, Jibril continuou explicando.

—Hmm… Entendi—não.

Sora e Shiro assentiram juntos, com expressões vazias.

—É meio revigorante, de certa forma, o quão determinados os Flügel e os Phantasma são em desafiar a compreensão.

Sora lançou uma observação sarcástica. Mudando o olhar para a distância, ao pé de uma árvore excepcionalmente alta—era… era, não era? Algo que parecia exatamente um crânio de dragão, enfeitado com fitas e decorações elaboradas—

—…Jibril. Eu realmente não entendo o conceito de design desta cidade.

—O quê?! Que aflição, que a terra destinada a entronizar meus mestres não esteja à altura de seus gostos…

Sora segurou a cabeça e gemeu diante da resposta de Jibril, que parecia um pouco desanimada.

—Aliás, não acha que já está na hora de salvar esse encrenqueiro?

Sora apontou para—

—Eeyauuuuugh, o sol, o soooool! Eu estou derretendooo! Estou fritando e evaporando e derreteeeeeendo!

—Plum, que estava encolhida dentro de sua capa, gritando desesperadamente.

—Oh, que lamentável… Eu havia esquecido completamente de você. Ainda está viva?

—Vou estar mortaaa em alguns seguundooos! Minha energia está se esvaindooo!

Plum era uma Dhampir, para quem a luz do sol era letal. Aparentemente, ela conseguia se virar com magia, mas parecia que sua energia estava se esgotando muito mais rápido do que esperava.

—Então, Jibril. Não queremos fazer a Izuna esperar para sempre, então nos leve logo para onde tiver mais informação. E, considerando a situação da Plum, seria ideal se fosse um lugar fechado—

—Seu desejo é uma ordem. Coloquem as mãos sobre mim mais uma vez. E também…

Com uma expressão curiosamente tímida e hesitante, ela segurou as mãos de Sora e Shiro.

—…Mestres. Sei que não cabe a mim pedir isso—mas posso lhes fazer apenas dois pedidos?

—…O que foi agora? Não precisa agir toda humilde assim…

—Por favor, não percam a fé em mim. E, por favor, confiem em mim.

…Isso foi bem enigmático. Mas Jibril deixou por isso mesmo e prosseguiu.

—Você aí.

—S-sim?!

Em resposta, Plum—agora referida como “Você aí”—espiou debaixo da capa com os olhos vermelhos e injetados.

—Eu não me importaria de te deixar para trás… mas poderia, por favor, se apressar e segurar minha mão?

—Uhhh, sim, estou indo. Não me deixem para tra—

Plum se levantou apressada e, no instante em que tocou Jibril—a paisagem mudou.

******

Provavelmente estavam dentro de um dos cubos que haviam visto de longe. Uma biblioteca—ainda maior e mais majestosa que a Grande Biblioteca Nacional de Elkia, que Jibril havia privatizado. O teto era altíssimo, e a estrutura lembrava um poço profundo, como se tivessem escavado o interior de um prédio de dez andares. O ambiente tinha a aparência de ruínas de uma cidade antiga: escadas e colunas de pedra empilhadas sem falhas, passagens intrincadas e pontes arqueadas cobertas de trepadeiras.

Mas—o que pareciam ser pilares de pedra, na verdade, eram estantes de livros. Além disso, diversos artefatos de origem desconhecida estavam espalhados pelo local. Escadas e pontes suspensas traçavam padrões inimagináveis, como ilusões saídas de uma ilustração de Escher—tudo iluminado por enormes claraboias, provavelmente invisíveis do lado de fora, e inúmeras lanternas flutuantes sem qualquer suporte.

Era um espetáculo fantástico e belo, ainda que desafiasse a compreensão humana—uma biblioteca profana (ou algo assim). Mas, no momento, havia algo mais na mente de Sora, que ele indicou com um gesto do dedo.

—…Jibril, posso presumir que isso foi culpa sua?

Provavelmente porque Jibril os havia teletransportado junto com o ar necessário para respirarem. A biblioteca (ou o que quer que fosse) estava tomada por ventos furiosos, fazendo pilhas de livros girarem pelo enorme espaço. No entanto, Jibril apenas observava o caos que causara com um sorriso impecável.

—Não se preocupe, Mestre. A dona deste local foi quem aprovou a Lei de Compartilhamento de Livros.

Enquanto assistia aos livros rodopiando descontroladamente, Sora se lembrou do motivo pelo qual Jibril havia confiscado a Grande Biblioteca Nacional de Elkia—ou melhor, fugido de Avant Heim. Os livros da cidade haviam se acumulado até quase transbordar, e, para resolver isso, a tal lei fora instaurada sob a justificativa de eliminar redundâncias.

—Os livros dela são os livros dos Flügel. Eu sou um Flügel. Logo, os livros dela são meus livros.

Com um silogismo tão sólido que justificaria o bullying em Dora*mon, Jibril sorriu.

—Alguém que sabia que eu poderia cometer esse pequeno deslize—talvez até de propósito—ao aprovar uma lei tão generosa certamente deve ter um coração magnânimo o suficiente para ignorar esse detalhe. Mesmo que essas páginas incluam grimórios e livros proibidos que não podem ser copiados ou duplicados—ou originais sem igual em qualquer outro lugar do mundo. Sim, tenho certeza disso. ♥

Ah. Então, se os livros eram dela, ela podia destruí-los à vontade.

—O verdadeiro problema parecia ser que Jibril ainda não tinha superado aquela Lei de Compartilhamento de Livros contra a qual havia se rebelado no passado. Então—

—Nyaaaahhhh! Meus livros! Livros que eu ainda não tinha terminadoo de leeeer!!

Os olhares se voltaram para a origem do lamento. E lá—

—…Uau…

—encontraram uma garota que até mesmo Shiro murmurou em espanto, uma beleza literalmente sobre-humana. O halo girando sobre sua cabeça e as asas saindo de seus quadris deixavam claro que era uma Flügel, assim como Jibril. No entanto, o movimento de seu halo desenhava padrões bem mais complexos que o de Jibril. O detalhe mais notável, porém, era o único chifre que se projetava de seu cabelo esmeralda. Enquanto flutuava pelo ar movendo suas asas feitas de luz, sua figura parecia incomparavelmente divina.

Mas sua expressão, enquanto voava desesperada tentando salvar seus livros, quase chorando, não tinha nada da frieza inorgânica que haviam sentido em Jibril quando a conheceram—se é que dava para chamar essa garota de fofa.

—Hff, hff. Ofegante de maneira exagerada, ela flutuou até Jibril.

—Ngghh, Jibs, você é tão malvada!

Ela fez uma careta emburrada, mas logo sua expressão se iluminou com um sorriso angelical.

—Ou, espera! Será que é como dizem—quando se gosta de alguém, a gente implica com essa pessoa? Ngmm, Jibs! Bem-vindaaa de volta, ehehe!

Jogando-se para abraçá-la, a garota foi espetacularmente evitada quando Jibril simplesmente saiu do caminho. Atrás de Sora e Shiro, observando sua admiradora se chocar contra uma montanha de livros, Jibril apresentou-a com uma voz neutra.

—…Mestre, permita-me apresentá-la. Esta Flügel é a chefe do governo de Avant Heim, a mesma que aprovou a mais desprezível lei sob os céus, a Lei de Compartilhamento de Livros. Ela é a Alipotente, a última tomadora de decisões—

E Jibril suspirou.

——minha irmã mais velha, Azril.

Assim foi introduzida a garota que permanecia imóvel, metade do corpo soterrado em uma pilha de livros.

—……Como eu posso dizer isso…?

—…Vocês, Flügel… são interessantes…

Essa era a Raça de Rank Seis. Um povo que fora criado como armas para matar deuses, semeando a morte por onde passavam—e essa era a sua representante máxima?

Sora e Shiro murmularam reações um tanto forçadas diante da revelação.

Como se tivesse se movido sem que Sora e os outros percebessem, a garota que antes estava soterrada nos livros agora estava pendurada em Jibril, esfregando a bochecha contra a dela.

—Eee, Jibs, sua danadinha! Eu estava tão empolgada por você finalmente ter aparecido de novo, e aí você me trata assiiiim—Ah, mas! Esse é o seu charme!!

—E vejo que a senhora não mudou, Irmã Azril. Continua tão nojenta como sempre.

Enquanto sua bochecha era lustrada, Jibril fez seu comentário sem alterar um músculo da expressão.

—Não era uma de suas habituais provocações sarcásticas, mas um insulto direto. No entanto—

>

—Nyah, eu não sou sua “irmã mais velha”, sou sua “onee-chan”! Quantas vezes preciso repetir, nya-haaa?!

Azril voava pelo ar em um oito infinito antes de rapidamente retomar seu abraço esmagador em Jibril.

—Jibril já era um caso à parte, mas esses Flügel… Eles realmente estão de boa com essa garota sendo sua representante plenipotenciária?

—…Você… é a última pessoa… que pode falar isso… — Shiro soltou uma provocação sarcástica, mas ninguém lhe deu ouvidos.

Enquanto isso, Jibril, com o rosto sendo esmagado pelo aperto de Azril, insistiu friamente:

—Irmã Azril, vim hoje com um pedido, para que permita que meus mestres tenham acesso a este—

—Recusado. Recuso até você me chamar de “onee-chan”!

Como se estivesse profundamente irritada, Jibril cedeu um pouco.

—…Se você explicar por que continua acariciando minha bochecha e permitir que meus mestres consultem seus arquivos, considerarei.

—Porque você é tão fofa, Jibs! Explicação concluída, permissão concedida!! Agora diga: onee-chan! ♥

Assim que Azril estendeu os braços para outro abraço, Jibril deslizou habilmente para fora de seu alcance.

—Muito bem, Mestres, agora temos permissão, então sintam-se em casa. Esta é a coleção da Alipotente. Contém incontáveis livros adquiridos por meio do abuso dessa detestável lei. Presumo que não haja reunião de conhecimento maior do que esta.

—C-como pôde?! Jibs, quebrou a promessa que fez à sua onee-chan?!

Com uma expressão de desespero exagerado, Azril exclamou, mas Jibril apenas sorriu docemente.

—Eu disse que consideraria. Considerei e decidi contra. ♥

—Nggh, eu não sabia que você era tão traiçoeira, Jibs. Quem será que está te enchendo de ideias?

—Staaaaaare. Olhares afiados lançados entre lágrimas perfuraram Sora e companhia. Sob a pressão de um olhar que parecia capaz de esmagar a vida de um corpo—

—Yo, eu sou Sora. Essa é minha irmã, Shiro. Prazer em conhecê-la.

—…Oi…

—os irmãos responderam desinteressadamente, já acostumados a esse tipo de coisa com Jibril.

Apontando para Azril, que soltou um curioso “Hmm?”, Sora prosseguiu.

—Mas enfim. “Onee-chan”? Quer dizer que a Jibril é a irmã mais nova da representante plenipotenciária dos Flügel?

—Bingo! ♥

—Muito pelo contrário!

Instantaneamente, e com expressões de verdadeiras irmãs, as duas responderam ao mesmo tempo—mas em oposição completa. Suspirando, Jibril explicou com frieza:

—Os Flügel não se reproduzem. Não temos irmãs nem pais. É apenas uma questão de ordem de criação.

—…Ah, então é por isso que você a chama de “irmã mais velha”.

Ou seja, Azril havia sido criada antes de Jibril.

—Aliás, a irmã Azril é Alipotente, não representante plenipotenciária.

—…Qual a diferença?

—Ela é apenas a presidente do Conselho das Dezoito Asas, formado por nove Flügel, incluindo ela.

Agora que mencionava, Sora se lembrou—Jibril também havia sido membro desse conselho antes de se tornar propriedade sua e de Shiro, não?

—Ela tem, para todos os efeitos, o direito de tomar a decisão final em circunstâncias extraordinárias que exigirem, assim como certos outros privilégios, mas—

Resumindo—hff. Jibril balançou a cabeça e sorriu com desdém.

—Ela não é nem superior nem grandiosa, então não há necessidade de reverenciá-la.

—…Você não pega leve nem com os seus. Realmente leva essa atitude a sério…

Mas, como se estivesse insatisfeita com a explicação, Azril inflou as bochechas e retrucou.

—Nããão!! Fomos todos criados por Lorde Artosh, então nosso pai é Lorde Artosh, e eu sou sua onee-chan porque fui criada primeiro! Você foi a última a ser criada, Jibs, então é minha irmãzinha! Não é óbvio?!

Com um sorriso que transbordava escárnio, Jibril contestou:

—…Ao levantar esse argumento no Conselho, esta pessoa de intelecto infeliz teve sua proposta rejeitada por unanimidade.

—Maaas! Não havia outra forma de fazer você me chamar de onee-chan!

—E o Conselho rejeitou sua proposta, chocado ao reconhecer esse motivo. Você certamente ouviu, não?

Enquanto Jibril falava com um tom ainda mais frio, Azril voltou a se agarrar a ela, iniciando uma nova sessão de bajulação.

—Sabe, muitos Flügel foram criados no final da Guerra, mas Jibs é a definitiva, a Última Nota.

—Nya-ha-ha-ha! — Ela riu, enquanto Jibril suspirava, claramente incomodada.

—E os Flügel criados no final… acredita em mim, Lorde Artosh estava no auge do seu poder naquela época, então compará-los conosco, que fomos criados antes—é uma piada!! Mas aí, adivinha? Todos aqueles Flügel superpoderosos foram jogados na linha de frente—e morreram na Batalha Final…

Azril, agora abatida, abraçou sua única irmã sobrevivente com uma força que provavelmente estouraria um Immanity como um balão.

—Então Jibs é a única Flügel tardia que sobreviveu à Batalha Final, e além disso, ela é a Última Nota! A caçulinha mais fofa de todas! Isso devia estar escrito na lei! Por que ninguém entende?!

Azril voltou a voar em círculos animados. Enquanto isso, Jibril exibia uma expressão raramente vista—um olhar verdadeiramente desconcertado.

—…Essa cara de… perdida… da Jibril… Isso é um registro raro…

Shiro gravava a cena das anjas com seu celular. Enquanto isso, Sora seguia outra linha de pensamento.

Observando atentamente o sorriso inocente e brilhante de Azril, ele murmurou com um ar desapontado:

—…Droga. Talvez tenhamos que mudar nossos planos…

—Glare. Azril se virou ao ouvir essas palavras suaves com um sorriso—mas olhos carregados de uma força violenta.

—…Então é você quem anda brincando com a nossa querida Jibs?

—Heh, perguntar a um virgem sobre brincadeiras desse tipo? Você lançou uma questão bem complicada aí.

Sora estufou o peito com convicção trágica. Azril deu um passo à frente.

—Whoa—…

—Ng?

Não houve tempo para reagir. Seu passo ignorava a distância. Sora e Shiro, que levaram alguns segundos para perceber que ela havia se aproximado, soltaram murmúrios baixos.

—Nesse instante, um impacto silencioso se espalhou a partir de Jibril, abalando toda a biblioteca.

Suspeitando do uso de magia, Sora teve uma súbita realização ao ouvir a troca seguinte entre as duas Flügel.

—…Irmã, se pretende sequer tocar em meus mestres—peço que reconsidere com cuidado.

—Ah, qual é, Jibs, não precisa me alertar assim. Temos os Dez Pactos, sabia?

Foi uma exibição sutil de hostilidade. Mas o mero vislumbre do quão contida Jibril estava no dia a dia—o simples indício do verdadeiro potencial de Jibril—fez o suor frio escorrer pelas faces de Sora e Shiro.

Ignorando a “sutileza” do aviso, Azril voltou seu olhar para Sora. Seus olhos de jade—estranhamente diferentes dos de Jibril—o perfuraram.

—Só quero esclarecer uma coisa.

—…Hm, o que é?

O peso daquele olhar era suficiente para condensar o ar da biblioteca, fazendo o próprio espaço ranger. Uma resposta errada—e estaria morto.

Os Dez Pactos ainda existiam. Jibril estava ali ao seu lado. Mas nada disso adiantava. Era essa a ilusão que seus olhos transmitiam. Então, Azril falou.

—…Se você ordenar, Jibs vai me chamar de “onee-chan ♥”?

…………?

Um anticlímax—não, uma decepção tão colossal que parecia que sua alma poderia se desprender do corpo se não segurasse firme. Sora só conseguiu se manter de pé graças à sensação da mão trêmula de Shiro segurando a sua.

Mas Azril parecia alheia ao impacto causado e continuava aumentando a voltagem.

—E você ainda fez ela lamber os pés de um E-E-Elfo! Será que conseguiria fazer ela lamber m-minha… O-ou tomar banho comigo? N-não, não estou pedindo tanto assiiim! Se pelo menos pudesse me mostrar—

—Como ela sabia disso tudo? Sora se perguntava, mas, por ora, sacou o celular e mostrou a ela.

—…Cena de banho da Jibril? Eu tenho uma gravação ou—

—Eu aposto a Peça dos Flügel! Me dê isssooo!

A vinte mil metros de altitude, um trovão inesperado rugiu.

******

—Senhorita Azril, por favor, esfrie a cabeça. Senhora, você não tem essa autoridade. Se deseja apostar a Peça da Raça, não deveria o primeiro passo ser levar isso a votação no Conselho? Ainda que tal proposta certamente fosse rejeitada por unanimidade. ♥

Jibril exibiu um sorriso de escárnio como Sora e Shiro nunca haviam visto antes.

—Ngh, nghhhh…! —Nyah?

Diante da voz de Jibril carregando um silencioso "lol", Azril exclamou:

—Espera…! Meu cérebro tá girando tão rápido que está rugindo! Tá sendo ativado a níveis nunca antes vistos nos vinte e seis mil anos de história de Azril! Tá girando na velocidade da luz!

—Deixando escapar uma idade inacreditável, Azril aparentemente mergulhou em pensamentos.

Finalmente, como se tivesse uma epifania, ela ergueu a cabeça freneticamente.

—É isso! Você… é o Sora, certo?!

—Uh, sim.

—Então eu também vou ser sua propriedade! Aí aposto que consigo tomar banho com a Jibs!!

—Parabéns por girar a uma velocidade inédita em vinte e seis mil anos sem sair do lugar, Senhorita Azril.

Jibril zombou com um sorriso mais frio que o gelo, contendo até mesmo um toque de desapontamento. Mas—Shiro lançou um olhar discreto ao irmão. Azril havia se oferecido assim, do nada—mas, como Jibril dissera, ela não era a representante plenipotenciária. Ter Azril não significava ter os Flügel. E desafiá-los em um jogo não seria tarefa fácil. Pegar Azril enquanto ela insinuava que poderia perder de propósito não era um mau negócio. Ainda mais considerando que um dos objetivos de Sora era engolir os Flügel. Com esses pensamentos, Shiro procurou a confirmação no rosto do irmão—

—…?

Mas, diante da expressão dele, desinteressada e distante, ela inclinou a cabeça e voltou a analisar Azril. Aquele sorriso, tão encantador quanto sempre—simplesmente perfeito demais—

—Ahh…

Shiro assentiu sutilmente, reconhecendo o que a postura de Sora transmitia. E, como esperado, Sora então deu de ombros e desviou o olhar.

—…Desculpa cortar o papo, mas vamos deixar isso pra depois…

—O quêêêê…? Mas eu queria ver a Jibs pelada—

Ignorando Azril, que resmungava insatisfeita, Sora pegou a mão de Shiro e soltou um longo suspiro.

—…Cara, fiquei jogando na cara da Steph que íamos conseguir três raças, mas acho que vou ter que pedir desculpas.

Ele lançou um olhar para Azril, repleto de um desapontamento profundo.

—Essa aí é um peso morto. A Jibril já é o suficiente.

Ignorando o olhar de Azril, que se estreitava na direção deles, Sora e Shiro seguiram para as montanhas de livros.

—Então, Jibril. Podemos olhar todos esses livros, certo?

—…Sim. Afinal, acabamos de receber permissão da irmã Azril.

Assentindo, Sora analisou o local. Livros, livros, livros… Era como uma cidade feita inteiramente de livros. Em seu campo de visão, várias lombadas exibiam idiomas que ele não conseguia ler.

—Já que não conseguimos o que queríamos, parece que vai ser difícil… Bom, vamos fazer o que der, né, Shiro?

—…Mm.

Enquanto os irmãos desapareciam entre as estantes, as duas Flügel os observavam em silêncio.

******

Sentada de pernas cruzadas no topo de uma das montanhas de livros, com o queixo apoiado na mão:

—Mmm, achei que poderia trazer você de volta usando a mim mesma como isca, Jibs. Mas acho que o anzol era grande demais?

Com um sorriso gélido, Azril murmurou a razão pela qual Sora não conseguiu o que queria. De fato, ao contrário da atitude que demonstrava, ela não confiava nem respeitava Sora e Shiro nem um pouco. Só estava pensando em como prendê-los para recuperar Jibril.

—Sem demonstrar qualquer interesse em entender por que Jibril os reverenciava como mestres.

—…Você nunca muda, não é, Azril?

Azril estremeceu ao ser chamada apenas pelo nome, mas sua resposta foi composta.

—Não faz sentido que você, que sempre foi tão insolente comigo e até com Lorde Artosh, agora se humilhe diante de meros Immanities. Basta usar os Pactos, e seria fácil negar suas vontades ou até transformá-los em marionetes. Digo, sei que você deve ter perdido para eles por um mero acaso e sido forçada a servi-los. Dá pra ver—

Ela mergulhou o olhar nos olhos de Jibril—

—…que você mudou, Jibs.

Ao ouvir isso, Jibril sorriu friamente.

—De fato. Eu fui capaz de mudar… ao contrário de você, que nunca poderá.

—……

—Você nem sequer considera a possibilidade de que eu fui desafiada e perdi—acho que não deveria ter esperado mais de você.

Gélida, com um sorriso distante e traído, Jibril continuou.

—Virei o rosto para você e para nosso senhor já falecido porque não conseguia suportar assistir. Você é teimosa demais. E é por isso que…

Um momento de hesitação. Deveria dizer ou não—? Mas Jibril tomou sua decisão e abriu a boca, ciente de que Azril sabia disso melhor do que ninguém. Mesmo assim, julgando que precisava ser dito, ela lançou as palavras.

—Foi por isso que fracassamos, e é por isso que—você ainda não consegue mudar.

Essa simples afirmação foi o suficiente para arrancar o sorriso afetado de Azril.

Com um rosto sem vida, sem calor—como um fantoche—Azril, ou melhor, algo que parecia Azril, perguntou:

—…Jibril, queres dizer que encontraste a Resposta?

Repugnada pela coisa diante dela, Jibril cuspiu sua resposta.

—Sim. Para ser mais exata, eu a encontrei há muito tempo. Só me faltava a prova.

—……

—Agora, preciso ajudar meus mestres em sua busca—então, com sua licença.

Deixando aquilo entregue ao seu próprio silêncio, Jibril virou nos calcanhares.

……

—O que você acha?

—Isso é uma pergunta?

—…Hmmm, e se ela estiver errada?

—Isso não é uma pergunta.

—…Bom, é…

—Azril, primeira entre nós, deixo a decisão com você. Não apenas eu, mas todos nós.

—…Eu sei, tá?

Ela sabia. Relembrou-se disso mais uma vez. Azril respondeu à vontade de Avant Heim dentro dela. Observou as figuras revirando os livros—e então, precisaria esperar. Quando atacassem novamente—perguntaria.

******

—Droga, não temos tempo pra isso.

Após meros trinta minutos nas sombras das montanhas de livros, Sora percebeu que era um esforço inútil.

—Shiro, quantos idiomas deste mundo você aprendeu?

—…Immanity, Élfico, Werebeast… só esses.

Shiro murmurou quase em desculpas, mas Sora apenas acariciou sua cabeça com ternura. Para ele, que mal conseguia lidar com o idioma da Immanity, um “só esses” era algo que jamais diria. A capacidade de absorção de conhecimento de Shiro era absurda.

Mas, ainda assim—

—Jibril, que idiomas são esses?

—São línguas dos Anões e dos Demônios. Eu posso lê-las, mas—

…Sim, apenas Jibril conseguia ler todos aqueles livros. Shiro poderia aprender novos idiomas em uma velocidade absurda, mas era impossível sequer imaginar quantos milhões de livros estavam diante deles. Não havia como cavar a informação de que precisavam com uma equipe desse tamanho, e eles sabiam disso desde o começo.

—…Jibril.

—Sim?

—Não temos tempo. Se ficarmos perdendo tempo aqui, Ino vai estar em perigo. Conseguimos um seguro, mas se aquelas vadias começarem a achar que fugimos de verdade, estamos ferrados—Consegue reunir um pouco de mão de obra?

Não podiam ficar ali pra sempre coletando informações. Mais cedo ou mais tarde, teriam que enfrentar a rainha de novo. O plano original era usar Azril para conseguir o que precisavam—mas ao perceberem que ela não tinha a menor intenção de ajudar, ficou claro que não iam conseguir o que queriam. Sora viu no rosto de Azril. Ela não representava os Flügel que ele havia imaginado com base no que sabia—não tinha nada da curiosidade intelectual ou do espírito de luta de Jibril. Era apenas—

—…Eu consigo, mas prevejo que o resultado será exatamente o que imagina.

Sim, exatamente o que Azril queria—mas.

—Que se dane, temos que fazer. Não temos tempo pra ficar pensando demais—Shiro.

—…Mm.

Roendo as unhas—um hábito incomum para ele, mesmo quando estava nervoso—Sora deixou de lado suas divagações e, agora com a atenção de Shiro, seguiu em frente.

—…Já que erramos o alvo, vamos ter que improvisar. Conto com você pra pegar o ritmo.

—…Okay…

******

—Ei, Az…ril?

Sora já tinha se preparado mentalmente antes de falar, mas mesmo assim, gaguejou por um momento.

—Ela devia ter materializado alguma cena da União Oriental, algo que havia lido. Como os hikikomoris japoneses que Sora conhecia (ou seja, ele e Shiro), Azril estava sentada no fundo de uma mesa kotatsu aquecida, coberta por um cobertor e assistindo a uma tela cheia de estática—

—…O que você quer…? Precisa de uma inútil como eu?

Que desperdício de esforço… Azril havia envolvido o ambiente ao seu redor em escuridão e estava colocando tudo na sua atuação melodramática. Sora achava impressionante o quão exagerada sua encenação era, mas mesmo assim, sua expressão parecia cansada.

—Uhh… bem… você sabe que as Sereias têm essa rainha que está tipo… apagada?

Ainda enrolada em seu cobertor, Azril respondeu.

—Nya-ha… Aquela garota idiota que se inspirou numa historinha besta e quase levou duas raças, incluindo a dela, à extinção em uma única geração. Tão burra que até os mariscos se calam. Todo mundo conhece ela…

…Sora não sabia como descrever a cena de ver o halo de Azril girando acima do cobertor, então continuou.

—I-isso… essa aí mesmo. Estamos procurando registros do pacto que ela estabeleceu para o jogo dela.

—…Até a Jibs sabe disso. “Vou dormir até alguém me fazer me apaixonar”, ou algo assim.

—Sim, mas—isso é pura balela.

Com as palavras de Sora, Azril esqueceu momentaneamente sua dramatização e arregalou os olhos.

—Huhh! Então foi por isso que todo mundo falhou? O que era de verdade?

—Por mais que fosse… bem, Azril ainda era um Flügel, afinal.

—É isso que queremos descobrir. Por isso queremos juntar registros das partidas da rainha, tudo o que foi dito aos jogadores no passado. O máximo possível. E então comparar.

—Hmmm…

Depois de encarar o vazio por um tempo, Azril respondeu de forma casual:

—Bom, se só precisa de registros, eles devem estar por aí em algum lugar. Fique à vontade. Me avise quando descobrir.

Flügel talvez, mas definitivamente bem diferente de Jibril.

—Sim, mas são muitos. Não temos tempo pra procurar um por um. Você sabe onde—?

—Nem ideia! Ah-ha-ha-ha-ha!

……

—É a Lei de Compartilhamento, sabe! Depois de tantos empréstimos e trocas, eu nem posso imaginar onde estão agora.

—Está vendo agora, Mestre? É por isso que fugi da minha terra natal.

Jogando fora sua encenação emocional, Azril sorria enquanto Jibril franzia o cenho.

—…Vocês, se a vida de vocês é colecionar livros, pelo menos organizem eles…

—Mm? Não, você entendeu errado. A gente coleciona conhecimento. Livros? Quem liga? Depois que eu memorizei um, posso jogar fora sem problema nenhum, mas aí as crianças que ainda não leram ficam todas irritadas.

Sorrindo de forma que parecia prestes a cometer um crime, Jibril reiterou:

—Está vendo agora, Mestre? É por isso que fugi da minha terra natal.

—Hmm, Sora pensou, começando a entender. Tudo o que importava era o conhecimento—o resto não interessava… Era uma piada total, mas ele deixou passar.

—Então o que devemos fazer?

—Bom, acho que deveriam procurar as crianças que sabem onde os livros estão? Existem algumas sérias, como a Jibs. Se estiverem motivados, provavelmente conseguem encontrar tudo, sabe.

—Hmm, então nos arran—

—Não estou afim.

Voltando ao seu teatro calculado, Azril puxou o cobertor sobre a cabeça.

—Se forem só os brinquedinhos favoritos da Jibs fuçando, eu posso fingir que não vi, mas quem disse que eu tenho que ajudar vocês? Não ganho nada sendo amiga de vocês, e a Jibs ainda está me chamando de burra. Estou tão deprimida agora. Estou tão magoada que não tenho vontade de fazer nada.

Sora retirou lentamente o celular do bolso.

—Mesmo se eu disser que vou te mostrar um vídeo da Jibril no banho?

—Esqueça.

—Se agir agora, te dou o direito de ser chamada de “onee-chan.”

—E-e-esqueça…

Azril suava frio, como se tivesse acabado de sair de uma batalha feroz. Com os ombros trêmulos, como se estivesse sendo testada impiedosamente, ela respondeu com a voz embargada:

—O-olha, eu estou reaaaalmente magoada agora—E-e você acha que algo assim—Espera, não estou chamando o vídeo da Jibs de “algo assim.” Quero dizer que minhas feridas são ainda mais profundas do que—Digo, você sabe… você sabe o que quero dizer, né?

*Tsk*—Sora estalou a língua em silêncio.

Ele tinha presumido que, entre todas as mentiras e atuações, pelo menos a obsessão dela por Jibril era real, mas seu trunfo não funcionou. Agora o jogo estava completamente nas mãos da adversária. Jogar contra os Flügel? Em um jogo desconhecido, onde eles tinham a vantagem—? Só podia estar brincando.

—Sendo bem sincera, se um bando de fracotes, cães sarnentos e macacos pelados como vocês acabar se arruinando, pra mim não passa de mais alguns livros sobre isso. Na verdade, seria até melhor.

Ela encarou Sora intensamente.

—Para nós, que vivemos para sempre… criaturas como vocês, que morrem num piscar de olhos, não passam de mais um conto de fadas tolo. Ajudá-los? O que me faria querer perder tempo com isso?

—Mas Sora não deixaria Azril e os Flügel tomarem a dianteira. Se o fizessem, ele e Shiro estariam acabados. Se Azril queria um jogo mental—ótimo.

—É, acho que é assim mesmo. Por isso eu disse que você é inútil, mas acho que você não entende sarcasmo, né, sua marionete sem mestre?

Com o insulto descarado de Sora, a expressão de Azril mudou.

—Uma ferramenta sem dono. Um fantoche sem mestre. Deve ser uma eternidade bem divertida.

—…

—Tanto faz. Idiotas como você só ficam esperando a gente dominar o mundo pra depois vir choramingar “deixa eu entrar no time,” né? Só sabem pegar carona. Vamos resolver isso com a Jibril. Vamos procurar cada um dos seus subordinados, um por um—

Sora virou-se para sair.

—…Acha que pode me provocar e depois fugir?

*Pegamos ela*, Sora riu para si mesmo.

—Provocar? Ha, não é uma provocação se você nem está no mesmo nível.

—Huh… pelo menos sabe disso.

—Digo, quem está sendo superestimada aqui é você. Tira a cabeça da areia, sua anta alada.

—…Excelente. Vamos resolver isso.

Levantando as mãos, Azril bradou para Sora e Shiro:

—“Deseje, e será teu—se matares o dono!”

—…Os olhos de Shiro e Sora se estreitaram diante dessa baboseira épica.

—…De onde saiu isso…?

—Ah, Mestre, esse é um provérbio dos Flügel. É compreensível que não conheça.

—Ei, esse nem é o problema aqui!

—Não vamos lutar—vamos jogar. Mas—

Ignorando Sora e Jibril, Azril estalou os dedos.

—Se querem a ajuda de todos que a Jibs conhece, terão que enfrentar todos eles.

—Naquele instante, todos ali foram transportados por uma força coercitiva que nem Jibril pôde resistir.

E acima do novo local onde se encontravam…

…pendia uma faixa com os dizeres: **“Sessão de Autógrafos e Aperto de Mão.”**

Incontáveis Flügel trabalhavam ali, ocupados organizando o evento—

—DROGA—!!

Ao ver centenas de olhares recaírem sobre ele de uma vez, Sora entendeu tudo instantaneamente.

*Ela só fingiu cair na provocação—ou seja, ela os manipulou completamente.*

Mas esse choque era nada comparado a todos aqueles olhares sobre ele e Shiro, o que fez suas consciências vacilarem momentaneamente. No entanto—uma questão pairava na mente de Sora, permitindo que ele se agarrasse ao que restava de sua sanidade. Ele não tinha previsto essa jogada.

Sora não podia ouvir mais nada. Já havia fechado os ouvidos, mas, sem dúvida, gritos estridentes ecoavam ao seu redor. Sentindo os olhares incontáveis sobre si, ele perguntou, com a voz trêmula:

—Ei, Jibril. O que é… isso? O que diabos é isso?

Protegendo Shiro, que já revirava os olhos, Sora gritou, mas Jibril apenas bateu palmas.

—Ah, eu havia esquecido completamente. Para pressionar a União Oriental, tenho pregado as boas novas que observei e registrei. Pois é o método mais eficiente de evangelização—

—e sorriu.

—Espalhei ingressos para autógrafos, ingressos para encontros, ingressos para deitar ao lado do Mestre. Todos os tipos e com as mais fantásticas recompensas—

—Corta essa palhaçada suja!! Isso só vai fazer os malucos comprarem tudo e mais ninguém!

—…Entendo. Me perguntava por que a adesão foi tão baixa, dado o número de ingressos distribuídos. Mas isso explica tudo. Na próxima vez, então, elaborarei um método mais eficiente de divulgação—perdão, evangelização.

Enquanto Jibril, com a maior seriedade, anotava algo num livro, Sora rugiu:

—Olha, Jibril! Se for fazer esse tipo de coisa, pelo menos me avisa!!

—E isso explicava como Azril sabia tanto sobre eles.

Mas como se supunha vencer uma aposta quando nem se via a jogada vindo?!

De qualquer forma, parecia que os quase cem Flügel reunidos ali eram fãs deles. Enquanto Sora sentia a consciência falhar mais uma vez diante de tanta atenção, Jibril prosseguiu com um sorriso.

—Não tema, Mestre. Esta jogada é sua.

—O-o quê?

—E, com essas palavras, voltou seu olhar afiado para Azril.

>

—A língua dos Flügel, talvez?

Jibril e Azril trocaram palavras incompreensíveis para Sora e Shiro. Mas, por algum motivo, o salão—que há pouco estava tomado por gritos excitados—se transformou em um espaço de silêncio tenso.

—…Com licença, Senhorita Jibril? Estou com um pressentimento ruim, mas… o que foi que você disse?

—Oh, minhas desculpas, Mestre. Agora que a questão está resolvida, vou explicar.

Jibril voltou-se para eles e continuou:

—Aceitaremos a sugestão da irmã Azril e pediremos que essas empregadas nos auxiliem na busca.

Ela sorriu para Sora e Shiro, que já tremiam.

—Tudo o que devemos fazer é derrotá-las todas em um jogo!

—Jibril, você tem noção do quão difícil foi vencer só você? Acha mesmo que podemos ganhar de todas elas?

—…Tremor tremor… pavor pavor…

Sora e Shiro já eram petrificados pelo medo de multidões e de serem o centro das atenções. Se, além disso, tivessem que jogar Shiritori de Materialização contra praticamente cem Flügel, estariam condenados. Ao imaginar essa cena, os dois empalideceram completamente.

—Não, vejam bem, basta derrotá-las todas de uma só vez. É um pedido misericordioso.

—Isso mesmo. Vocês vão jogar contra todas.

—Como foi decidido, se vencerem, todas elas coletarão os livros que contêm as informações que vocês buscam. Mas, se perderem, elas receberão autógrafos, apertos de mão e… bem, tudo o que quiserem.

**Squeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeeee!**

Com os gritos histéricos que tomaram o local, Sora e Shiro desabaram sem forças.

—Jibril… você está pedindo para morrermos…?

—…Jibril… eu… acreditava em você…

—Por favor, fiquem tranquilos. Afinal, é inconcebível que percam, meus mestres.

Então, Jibril voltou-se para Azril, que bateu palmas.

—Muita gente para jogar shiritori—vamos brincar de pega-pega.

—…Jibril, vou perguntar de novo—você quer nos matar?

—…Tremor tremor tremor tremor…

—Jogar pega-pega contra os Flügel?

Como se houvesse algum lugar para fugir dessas malucas, que podiam voar e se teletransportar livremente. Só podia ser uma forma indireta de dizer: “Podem seguir para o outro mundo.” Mas Azril interrompeu seus pensamentos.

—Mas seria chato jogar pega-pega do jeito tradicional—se vamos jogar…

—Devemos incorporar um pouco de jogo de palavras, como verdadeiros Flügel.

Assim declarando, Jibril estendeu a mão. E sobre ela, rodopiavam quarenta e seis sílabas envoltas em luz. Sílabas familiares—quarenta e seis do alfabeto deles.

Jibril as lançou para Azril.

—Hmmm? Essas são do seu mundo? Foram tiradas do seu alfabeto nativo?

Azril estudou os caracteres, movendo a mão de forma complexa.

—Sora e Shiro não conseguiram sentir nada, mas, pelo tremor do chão sob seus pés, perceberam que um ritual gigantesco havia sido ativado com um estrondo.

—Mm, tudo pronto. Vamos lá, okay?

Com isso, as sílabas desapareceram das mãos de Azril.

—De uma vez só, elas se espalharam, fixando-se aleatoriamente nos corpos das quase cem Flügel presentes.

Confirmando isso, Azril anunciou:

—As regras são simples. Cada sílaba foi transcrita em alguma parte do corpo de uma garota diferente.

—Quarenta e seis sílabas. Quase cem participantes. Nenhuma pista de quem tinha qual.

—O jogo é pega-pega. Vou ser boazinha e dizer que elas não podem se teletransportar, como um handicap.

—E.

—Se vocês dois forem pegos, perdem. Se conseguirem evitar serem capturados por uma hora, vencem.

—Se tocarem uma das sílabas transcritas—sem serem pegos—ela será de vocês, Mestres.

Jibril sorriu, dando continuidade à explicação de Azril.

Com isso, lançou duas sílabas para Azril.

—Vocês podem unir sílabas para formar uma Palavra.

Como exemplo, Azril ergueu as duas sílabas que havia recebido—cher e kree.

Enquanto elas giravam ao redor de seu pulso, ela explicou:

—O significado da Palavra formada se materializa no local onde você tocar—seja um conceito, um objeto ou qualquer outra coisa.

—“Ah!”

No instante em que ouviram isso, Sora e Shiro—enxergaram o futuro.

As duas sílabas na demonstração de Azril se juntaram acima de sua palma—e então—

—Nyaaaaaaaah, o que é isso?? É nojento—nyaaaaaaah!! Nyaaah!

—Uma criatura surgiu, um polvo gigante, envolvendo-a em seus tentáculos…

Materializando exatamente o futuro que Sora e Shiro haviam previsto. Azril se debatia e gritava.

—Ora, ora. Você realmente sabe como divertir os outros, irmã—even materializando palavras que não sabe ler, como se soubesse exatamente o que estava fazendo.

O sorriso gélido de Jibril parecia ser o menor dos problemas de Azril. Num instante—com um *whoom* de ar pulsante—o Flügel dissipou o polvo com um golpe.

—A-assim, viram? — disse Azril, completamente ignorando os olhares semicerrados de Sora e Shiro. — O significado da Palavra completa se materializa. Seja um objeto, um fenômeno ou um conceito, exatamente como você imagina.

—Notem que, como minha irmã não sabia ler as sílabas que juntou, foi minha imagem que se materializou, já que fui eu quem as entregou a ela. No jogo real, apenas vocês, Mestres, poderão utilizar as Palavras.

—……

Jibril confessou casualmente, sem um pingo de culpa, que havia molestado Azril.

Mas Azril nem pareceu notar, apenas pigarreou e continuou.

—Entretanto—cada sílaba desaparecerá após um único uso. Usem-nas com sabedoria, okay?

—…

—Isso conclui a explicação. Alguma pergunta, Mestres?

—ÓBVIO que temos—como diabos vamos correr?! Caso não saiba, humanos não voam!

—Tremor tremor pavor pavor…

—…Peço desculpas, Mestre. Em condições normais, eu deveria estar ao seu lado—porém, não tenho permissão para participar deste jogo.

Diante dos dois mestres céticos, Azril riu.

—Não seria um jogo se a Jibs estivesse do lado de vocês. Ninguém conseguiria pegá-los. Mas pelo menos senti pena o suficiente para dar suas Palavras. Então, vamos lá—

Iluminando-se de satisfação.

—Você, Dhampir que está se escondendo ali—dê a eles suas asas.

Azril virou-se.

—E isso foi o suficiente para estilhaçar o feitiço furtivo como vidro, revelando Plum, que estava escondida o tempo todo.

—…Hnh? O que…huhhhhhhhh?! C-como você sabiaaaa?!

—…Devo dizer, sua falta de presença é notável.

—Jibril sussurrou admirada para a companheira que até mesmo Sora e Shiro estavam prestes a esquecer.

Perto dali, Azril sorriu e perguntou:

—Ei, você. Pode ser uma forma de vida inferior a um mosquito, mas certamente consegue tecer um feitiço para criar asas se se esforçar o suficiente para se matar, né?

Azril largou a questão de um patamar mais alto que o dos deuses. Enquanto tremia de medo da morte, Plum reuniu coragem para responder.

—Uhh, uhhhh? N-não tem como fazer elas voarem na velocidade de um Flügel… O choque me despedaçaria, sem falar neles… E de qualquer forma, estou quase sem ener—

Mas Azril a interrompeu, sem perder o sorriso.

—Quando ficar cansada, pode se alimentar dos fluidos corporais deles.

—Pela minha honra! Farei o possível para tecer asas com toda minha alma!

Traindo seus princípios na velocidade do som, Plum se postou firme como uma flecha e saudou. Mas—

—Ei, peraí! Quem disse que temos que aceitar—?

Mas o olhar de Jibril o silenciou.

—…Por favor, não percam a fé em mim. E, por favor, confiem em mim—

Ele observou a garota, cujos olhos transmitiam uma sinceridade misturada com esperança e incerteza, e então sua contraparte, cujo sorriso era como o de um cadáver—vazio e oco.

—…Deseje, e será teu—se matares o dono. Esse é o jogo, ‘tá? — disse Azril.

—……

O olhar nervoso de uma alma e o sorriso vazio de uma marionete. Sora via nesse desafio algo que já havia visto antes, mas…

—**Jogo.**

Ao ouvir essa única palavra, os olhos de Sora e Shiro brilharam, suas mentes esfriando instantaneamente. Regras, condições de vitória e até mesmo as intenções de Azril se organizaram ferozmente em seus cérebros.

—…Irmão.

Shiro, que fazia o mesmo raciocínio, estava nervosa, mas Sora assentiu—**Eu sei.**

Isso era claramente diferente dos jogos que haviam jogado antes. Um jogo terminava antes mesmo de começar—esse era o credo de “ ”, mas agora—esse era um jogo que haviam sido forçados a aceitar. Um jogo que não haviam antecipado. Um jogo em que o outro lado tinha a vantagem. Um jogo em que informações estavam escondidas, trocadas na língua dos Flügel. Um jogo cujas regras haviam sido artificialmente estabelecidas para favorecer os Flügel. Era perigoso. Era suspeito demais. Havia muitas incertezas. Não havia como esperar que aceitassem esse jogo.

—…Mestres… eu imploro. Por favor, confiem em mim.

Mas aqueles olhos, oscilando entre a expectativa de uma punição e uma convicção sincera na vitória de Sora e Shiro, pertenciam a Jibril—**aquela que havia armado esse jogo.**

—…Vamos perguntar sobre certas condições.

Com um olhar para sua cúmplice Flügel, Sora murmurou, sua mente fria como gelo. Shiro, que até então olhava para cima, nervosa, agora, se Sora havia decidido—limpou toda a preocupação de sua expressão e se concentrou inteiramente em aguçar seu pensamento. Os irmãos, cientes de que Jibril fechara os olhos em gratidão, mas sem se importar com isso, começaram a processar todos os possíveis problemas—para desvendar um jogo que não haviam antecipado, prever fatores impossíveis de serem conhecidos—e aceleraram seus cérebros.

—…Shiro e eu ficaremos de mãos dadas o tempo todo. Isso não é negociável.

—…Essas asas… que a Plum vai fazer.

—Sim. Exigimos que cada um de nós tenha uma asa e possa movê-la como quiser.

—…Plum… faz isso.

Ao ver Shiro abandonando completamente a cortesia de fazer uma pergunta, Plum respondeu quase chorando.

—U-uh, uuuuuhmm…? I-isso exigiria um feitiço muito complexo, então seria bom se vocês pegassem leve, se—

—Não nos importamos com a aparência. Enquanto isso, permitimos que você lamba nosso suor o quanto quiser.

—Deixa comigooooo!! Eu vou mostrar do que um Dhampir é feitoooo—nghh, rraghh!!

Com um grito desnecessariamente feroz, Plum, cujas asas instantaneamente se tingiram de vermelho-sangue, ativou um padrão complexo em seus olhos. Tecendo um ritual intricado, Plum se transformou—

—em um cachecol. Ela flutuou suavemente pelo ar, enrolando-se ao redor dos pescoços de Sora e Shiro com um *fwip*, conectando os dois em um longo echarpe.

—Hff, hff… Ocultei minha presença no plano físico…! A-agora… a-as pontas do cachecol… d-devem funcionar como asas. Acho—!

Assim como havia se disfarçado de bagagem quando conheceu Sora, Plum agora assumira a forma de um cachecol voador. Até mesmo os Flügel observavam, intrigados, enquanto Plum, o Cachecol, parecia inflar o peito, orgulhosa.

—Sem fôlego, o cachecol que ligava Sora e Shiro pelo pescoço estufou suas pontas. Ao ver o tecido traçar um padrão semelhante a artérias e se moldar em asas, Sora assentiu. Então, levantou os últimos pontos.

—…Além disso… vocês têm que modificar o ambiente de Avant Heim para que seja totalmente viável para Shiro, Plum e eu nos locomovermos aqui. Além do mais, dizem que vamos usar as asas dela, mas não sabemos como. Precisamos de uma vantagem de—cinco minutos a partir do início do jogo… Certo pra você, Shiro?

—…Mm, está bom.

—Todos prenderam a respiração em silêncio. Não pelo fato de os dois, que há pouco tremiam de medo, terem se transformado. Não, mas porque haviam declarado que cinco minutos era tudo o que precisavam de vantagem—**isso** era o motivo.

—Isso está… aceitável, não está?

Jibril virou-se, dirigindo a pergunta a Azril e às quase cem Flügel reunidas ali. Os Immanity iriam fugir de cem Flügel, usando um poder que nunca haviam experimentado, com apenas quarenta e seis sílabas como arma. Se realmente pudessem fazer isso—**todos engoliram seco.**

—…Mm. Certo. Acho que estamos pegando leve com eles, maaas…

Azril, aparentemente a única que não havia entendido a situação, resmungou, mas moveu ligeiramente o dedo—e então um estrondo e um tremor preencheram o ambiente.

—**Av’n atendeu ao seu desejo—então, vamos começar?**

Com a maior naturalidade, Azril reformou o ambiente de um mundo e estalou os dedos novamente. Sem som, a parede se deformou—abrindo um enorme buraco.

…Além da imensa abertura na parede, podiam ver Avant Heim em sua totalidade. Lá fora, fosse porque Azril havia movido todos ou simplesmente pelo avanço do tempo, a noite havia caído. Sem a luz do sol, o ambiente era perfeito para Plum. Ao se inclinarem para fora do buraco e checarem a atmosfera, Sora e Shiro apertaram as mãos.

Puderam sentir que o cachecol em seus pescoços—Plum—se esforçava para permanecer em silêncio enquanto tremulava. Não conseguiam ver o que havia abaixo deles. Apenas a sensação do vento impetuoso os puxando para baixo indicava a altura em que estavam.

Por trás de Sora e Shiro, Jibril anunciou reverentemente:

—Agora—o jogo entre meus dois mestres e todas as Flügel aqui presentes terá início.

Às suas costas, cem olhares os observavam. Mas—uma vez que Sora e Shiro se concentravam em um jogo, seus pensamentos se tornavam impenetráveis.

—Isso é um mapa de Avant Heim.

Segurando o papel enquanto ele flutuava ao vento, Shiro o analisou rapidamente e assentiu. Jibril deu um passo para trás e fez uma profunda reverência.

—…Mestres, obrigada.

—Tenho que dizer que estou preocupado, mas… eu acredito em vocês. Não me decepcionem.

—…Família tem que… ser protegida… todo mundo sabe disso.

Jibril, Sora e Shiro trocaram palavras que apenas eles compreendiam, e então—

—**—Aschente—!!**

Todos, exceto Jibril, ergueram as mãos e gritaram isso. Sora e Shiro se lançaram pelo buraco na parede, caindo no ar aberto. Imediatamente, a gravidade tomou conta. Uma força além da capacidade humana de resistir. O vento batia em seus rostos, e, lentamente—gradualmente—aceleraram na descida. Não conseguiam ver o que se aproximava abaixo deles. Mas, fosse o que fosse, significava apenas uma coisa—**morte.**

Estranhamente livres de qualquer medo ou preocupação—**Huh.**

Sora riu para si mesmo.

—…Irmão…

Quando Sora virou-se para olhar sua irmã, a ponta do cachecol emitiu um leve som de batida—e se abriu em uma asa. Confirmando pela expressão de Shiro que havia uma igual nas costas dele—

—…Vamos…?

Sim—por que ele deveria estar preocupado ou com medo?

Sora riu. De mãos dadas com força, batendo suas asas, dois em um.

Os pássaros de uma asa só desafiaram a gravidade com toda sua força.

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