Volume 5 - Capítulo 1
No Game No Life
Bem-vindo a uma fronteira onde infinitas possibilidades aguardam—agora com mais de sete bilhões de usuários ativos! Vá em frente e conte uma história que só você pode contar!
...Realidade. Nossas preciosas vidas, quando vistas de longe, são um tipo de jogo. Experimente imaginar o jogo descrito por essa propaganda empolgante. Uma aventura única na vida—o grande jogo da existência.
Você começa a jogar. Primeiro, há um processo de criação de personagem aleatório, feito automaticamente em colaboração entre seus pais. Vem então a abertura emocionante, com sua mãe e seu pai, mil bênçãos e tudo mais, e finalmente, você mergulha na experiência. Aos poucos, entende os controles e, então, é jogado na "escola", um tutorial em miniatura para os mares turbulentos da sociedade—
O cenário do jogo—Terra. Quando somos lançados em um canto desse imenso mapa, nos deparamos com um gigantesco jogo estilo sandbox. Há uma vasta gama de escolhas, um nível espetacular de liberdade e incontáveis minijogos. Movidos pelo entusiasmo da premissa, seguimos em frente como prometido, mas não demora muito para percebermos algo.
—Fomos enganados.
Infinitas possibilidades—sim, tecnicamente isso pode ser verdade. Mas ninguém nunca disse que você poderia fazer o que quisesse nesse jogo. Seu nível não é alto o suficiente; seus atributos são muito baixos; você não tem dinheiro suficiente; seu ponto de partida te limita. Inúmeras amarras restringem a liberdade prometida pelo jogo, zombando dela.
Mas—ainda assim, seguimos lutando. Acreditamos na propaganda, caímos e nos levantamos repetidamente, convencidos de que infinitas possibilidades e uma esperança brilhante nos esperam adiante. Assim, nos esforçamos para subir de nível, melhorar nossas estatísticas, ganhar dinheiro. Habilidades passivas como "Talento" e "Capacidade" foram atribuídas aleatoriamente na criação do personagem, e reclamamos que não é nada justo algumas pessoas as terem e outras não. Sem desistir, sem se render, acumulamos experiência e nos esforçamos com tudo o que temos—é esse o tipo de jogo em que estamos.
A história inflama nossos corações. É realmente inspirador, não é?
—Mas é tudo inútil.
Não importa quão alto seja seu placar, você nunca pode vencer esse jogo. Mesmo depois de conseguir os níveis, os atributos, o dinheiro, tudo—agora começam a te criticar. Por quê?
—Porque você "se esforçou demais". Dizem que não é justo. Mesmo que sua vitória tenha sido fruto do seu próprio empenho. Assim que você possui algo que os outros não têm, dizem que é trapaça. E então, você é penalizado. É sobrecarregado com todo tipo de restrição abstrata e concreta, impostas por outros sete bilhões de jogadores. E então, finalmente, uma certa suspeita começa a surgir em sua mente.
—Você realmente tem liberdade nesse jogo?
Não importa quais escolhas você faça, a sociedade, outros jogadores—alguém—sempre intervém e as altera. Você tenta se adaptar e buscar a vitória novamente, mas o mesmo acontece de novo e de novo. Então, de repente, você olha para trás, para o caminho que percorreu, e não pode evitar enxergar a verdade: suas ações nunca foram realmente suas. Foram decididas por outra pessoa, direcionadas, conduzidas sob um entendimento tácito. Tudo o que resta atrás de você é um longo caminho que foi imposto. Um caminho que *eles* forçaram você a trilhar. Num instante, sua suspeita se transforma em dúvida, agora acompanhada de uma pitada de certeza. Eles estavam certos: esse jogo de merda chamado vida é, de fato, um vasto e grandioso sandbox. Mas—você não é o jogador.
Então, você olha para suas mãos.
—Ao ver os incontáveis fios que as envolvem, sua dúvida se transforma em certeza. E então, de repente, você olha ao redor.
—Ao ver esses mesmos fios inumeráveis prendendo todas as outras pessoas, sua certeza se transforma em compreensão. Em cabeças que balançam enquanto seus donos negam a verdade, os jogadores percebem que não passam de marionetes. Que tudo o que são, nesse jogo da vida em que seguiram seus papéis e encenaram suas falas, são apenas fantoches em um teatro de marionetes—NPCs.
Agora, com tudo isso em mente, gostaria de fazer uma pergunta. Qual é o propósito da sua vida?
—Você conseguiu dar uma resposta da qual tem certeza?
—......
—Este é o mundo que o boneco vazio enxergava. Nos dez anos desde que o boneco começou o jogo, ele nunca questionou esse fato. A marionete sem alma nunca se lamentou, nunca se revoltou. Apenas buscava esperança nos rostos das pessoas, rezando. Rezando para que, em algum lugar, alguém estivesse realmente jogando. Desejando que, pelo menos, o espetáculo de marionetes significasse algo para alguém, ele continuou sorrindo.
—Até aquele dia.
******
Elven Gard—no estado de Tírnóg, na cidade de Loamigel. No maior país do mundo—cujo vasto território se estendia por três continentes—entre seus cinquenta e dois estados, essa era a capital de um deles. Situada ao sudeste, a metrópole fazia fronteira com Hardenfell, o país dos Anões.
—Uma cidade dos Elfos, nascida da floresta e amada pela floresta. A aparência de Loamigel era completamente diferente das ruas de Immanity—de Elkia. No centro da cidade erguia-se o Bál Bél—uma árvore indescritivelmente gigantesca, cuja folhagem se espalhava acima das nuvens e cujas raízes serpenteavam pelo solo como veias, formando a rede de ruas da cidade. Os espaços entre essas vias eram preenchidos por casas e postes de luz, todos criados pela intrincada fusão de árvores e trepadeiras que brotavam da terra. A cidade tinha apenas uma semelhança superficial com o conceito de "arquitetura"—o ato de desmatar florestas, nivelar o solo e empilhar madeira e pedra. Era uma cidade viva, tornada possível por meio da engenharia mágica avançada.
Nessa paisagem onde o urbano e o natural se fundiam, destacava-se uma residência particularmente grande. Era a mansão do governador do estado—lorde Ron Barthel. Pelos portões entrelaçados de rosas passava agora uma jovem sozinha.
Cabelos loiros com cachos suaves. Orelhas longas e pontudas, a marca dos Elfos. Na testa, uma joia vermelha refletia a luz do sol e cintilava suavemente. Para recebê-la, estava um homem idoso de vestes finas, com as mesmas orelhas alongadas.
—Bem-vinda, senhorita Fiel. Ou seria melhor chamá-la de lady Nirvalen?
A jovem chamada Fiel respondeu com um sorriso delicado e polido.
—Ora, lorde Barthel, certamente pode me chamar como desejar. Afinal, ainda não herdei oficialmente o título.
O homem—Barthel—curvou os lábios em um sorriso enviesado diante da resposta. Deu um passo para trás e estendeu a mão, convidando Fiel a entrar na mansão, onde tudo era moldado em madeira.
—Que vergonha a minha, forçar uma dama a atravessar longas distâncias até este humilde feudo.
—Hee-hee, como é hábil em pronunciar palavras completamente desprovidas de sinceridade!
—Isso me fere. Embora eu seja velho, ainda preservo um coração capaz de apreciar belas flores... ainda que tais flores sejam meras ervas daninhas em meu jardim, entende?
—Bem, flores valiosas escolhem para quem desejam desabrochar. E quando, devo acrescentar.
Sem perder os sorrisos, mas também sem trocarem olhares diretos, os dois caminharam juntos. Barthel guiou Fiel até o pátio. No centro do jardim, adornado com flores de todas as cores, havia uma mesa branca com duas cadeiras. Assim que Fiel se acomodou em uma delas, Barthel tomou assento à sua frente.
—Parece que temos apenas uma trivialidade a tratar. Vamos direto ao ponto?
Podiam ir direto ao assunto.
—Sobre a próxima eleição para a Câmara Alta—Nirvalen, poderia se retirar da disputa?
O tom de Barthel era de ordem, referindo-se a ela apenas pelo sobrenome. Fiel, que havia lhe concedido liberdade para chamá-la como quisesse, compreendia o significado por trás desse gesto. Entre os nobres, dirigir-se a alguém apenas pelo sobrenome era uma afronta. No entanto, sem sequer pestanejar, ela respondeu com um brilho tranquilo.
—Ora, só isso?
—Claro que não. Também precisarei que o nome dos Nirvalen seja oficialmente emprestado para apoiar minha candidatura.
—Ahh, que interessante.
—Ah, e também apreciaria se pudesse cobrir meu depósito eleitoral e os fundos da campanha. Além disso, meu estimado lorde Kastlet demonstrou interesse nessa ‘Harpa do Osso de Dragão Dourado’ que está em sua posse. Ele indicou que poderia me apoiar na eleição caso eu a obtivesse.
—Oh, meu... Ora, esse é um precioso tesouro de minha família. Dizem que uma cidade inteira foi cedida em troca dessa relíquia—
—Sim, ouvi dizer. Tenho certeza de que lorde Kastlet ficará encantado.
Barthel sorriu torcendo os lábios, enquanto seu olhar descia, de forma nada discreta, para os volumosos seios da jovem sentada diante dele.
—Ah, mas não peço que faça isso imediatamente. Por hoje, pode descansar na casa de hóspedes antes de partir. Parece-me que seria proveitoso termos uma conversa detalhada sobre o futuro... talvez até pela noite adentro. Hmm?
—Ora, por mais que se esforce para exibir uma postura refinada, sua verdadeira natureza jamais muda.—Fiel falou com um tom que beirava a risada.
—Basicamente, o que está dizendo é: ‘Dê-me o status, dê-me o dinheiro, dê-me a dama’, não é isso? Diria até que, hoje em dia, os próprios bandidos de Immanity fazem exigências com mais humildade.
—Os vermes conhecem seu lugar, afinal. Você não acha que esta postura é apropriada para um homem de minha posição?
—Ora, nem um pouco, senhor, mas é livre para pensar assim, se desejar.
Sem alterar seu sorriso gentil, Fiel prosseguiu.
—E posso supor que esteja fazendo tais exigências sob efeito de uma ressaca?
—Ha-ha-ha, prefiro a embriaguez das flores à do álcool. Mas, certamente, ao vir até aqui, já deveria ter antecipado que eu faria esses pedidos. Afinal...
Barthel estalou os dedos. A presença espiritual ao redor se intensificou, e sobre a mesa surgiu um jogo de chá fumegante. Em seguida, uma folha de papel deslizou pelo ar até repousar diante de Fiel.
—...Deve estar ciente da situação em que um membro em exercício da Câmara Alta está tramando libertar os escravos. Se não considera um problema que essa informação se torne pública, não me oponho a sua recusa. Hm?
Apesar da provocação de Barthel, Fiel manteve a compostura. Simplesmente baixou os olhos para a folha que caíra sobre a mesa. O conteúdo era simples: uma lista de registros e provas das manobras orquestradas por Fiel. Considerando que a sociedade élfica não poderia funcionar sem o sistema de escravidão, tais ações eram essencialmente criminais. Se essa lista fosse divulgada, não seria surpreendente que Fiel e qualquer cúmplice fossem acusados de alta traição—
—Dado o alcance de seu conhecimento, senhor, devo me perguntar por que ainda não reportou essa questão imediatamente.
—Sou tanto um libertário quanto um oportunista. Que lucro eu teria em expor sua jogada?
—Então pretende me chantagear, é isso? Ora, só posso aplaudir a destreza de seu raciocínio.
—"Chantagem"? Que palavra horrível... Eu apenas imploro a você, jovem tola. Não deseja vir e aceitar minha disciplina rigorosa, rastejando de quatro e abanando o traseiro? Hm?
—Se me permite a ousadia, senhor—podemos prosseguir com o assunto em questão?
—Ah, está ansiosa de excitação, não é? Muito bem.
Dizendo isso, Barthel estalou os dedos mais uma vez. No mesmo instante, um complexo padrão mágico brilhou no ar, materializando um baralho de cartas.
—Vamos jogar *oracle card*—certamente não há necessidade de explicação das regras?
*Oracle card.* Um jogo comum e simples entre os Elfos, no qual os jogadores competiam utilizando um baralho de vinte e duas cartas e a extensão de sua magia.
—Era um jogo perigoso, geralmente usado no lugar de duelos, e desvantajoso para Fiel, que era a maga mais fraca. Segundo os Dez Pactos, como parte desafiada, Fiel tinha o direito de escolher o jogo—
—Mas certamente, e vamos esclarecer o que será apostado.
No entanto, Fiel nem piscou, respondendo cuidadosamente sem desviar o olhar. Os dois confirmariam suas exigências um do outro—exigências que seriam absolutamente vinculativas sob os Dez Pactos.
—Então, eu exijo sua pessoa—e sua submissão total e vitalícia.
—Quanto a nós, exigimos que esqueça de nossa existência e que nos auxilie de forma incondicional e irrestrita.
—As apostas eram óbvias. Se Barthel conquistasse Fiel, toda a casa dos Nirvalen, junto com sua castidade, cairia em suas mãos.
—Por outro lado, se Fiel vencesse, ela eliminaria a base para sua chantagem e, ainda por cima, teria a chance de explorá-lo ao máximo.
—Ora, tudo isso parece muito bem, exceto por um detalhe—um vilão tão mesquinho quanto você, meu lorde, não deveria esperar ganhar tudo... Por acaso não sabe que, quando a destreza de pensamento ultrapassa um certo ponto, chamamos isso de delírio?
—Quanta audácia em seu blefe transparente, hmm? Sugere que a vergonha dos Nirvalen tem alguma chance contra mim?
Seus olhares se cruzaram em desafio, e, simultaneamente, declararam:
—*Aschente.*
Como se já antecipasse essas palavras, o ritual sobre a mesa se ativou e o jogo começou. Barthel e Fiel receberam, cada um, uma mão uniforme de vinte e duas cartas. As cartas flutuaram no ar, embaralhando-se de modo que nenhum dos dois pudesse ver a ordem do outro. Então, de frente um para o outro, estavam prontos com mãos idênticas em número e tipo.
—Esse era o *oracle card*. O simples jogo que utilizava as vinte e duas cartas do baralho dos Arcanos Maiores do tarô havia começado.
—Dentre os jogos jogados entre os Elfos, esse era um dos poucos em que trapacear magicamente era praticamente impossível. Afinal, dado que os jogadores podiam ver o ritual e o fluxo de magia, qualquer feitiço empregado seria detectado imediatamente, resultando em derrota. Por essa razão, era comum entre os Elfos o uso de itens mágicos autônomos, como esse baralho. Entre esses jogos, o *oracle card* era especialmente popular, tanto por sua jogabilidade quanto pela clareza de sua condição de vitória—para ser mais exato:
—*Dois conjuntos de cartas.*
Ao sussurro breve de Fiel, duas das cartas flutuantes à sua frente desapareceram, reaparecendo instantaneamente e viradas para baixo sobre a mesa. Barthel sorriu e então anunciou:
—*Dois conjuntos de cartas.*
Dessa vez, duas cartas sumiram da mão de Barthel e, como antes, surgiram sobre a mesa. Agora que ambos haviam colocado duas cartas de suas respectivas mãos, o duelo estava prestes a começar. Barthel perguntou:
—Então, está pronta?
—Ora, sim. Sendo assim—
Ambos declararam:
—*Open deal.*
Ao som de suas palavras, todas as cartas que haviam colocado sobre a mesa viraram ao mesmo tempo. Subitamente—como se o próprio espaço estivesse se rompendo—uma imensa presença espiritual se inflamou.
As cartas escolhidas por Barthel eram *A Força* e *O Carro*. Seu pergaminho: *Cavaleiro da Honra*. Já as cartas de Fiel eram *O Louco* e *Os Amantes*. Seu pergaminho: *Queda*.
De cada uma das combinações, uma luz se irradiou, e diante de ambos surgiram espectros tênues e translúcidos. Barthel invocara um cavaleiro em armadura completa. O cavaleiro sacou sua espada, esporeou seu cavalo e investiu. Diante dele, chamada pelas cartas de Fiel, uma jovem seminua cambaleava. Como se estivesse dançando, a moça agarrou-se ao pescoço do cavaleiro e lhe sussurrou algo ao ouvido. O cavaleiro, como se atormentado, ergueu a cabeça—e virou sua espada. Retornando com a donzela nos braços, ele cavalgou de volta até seu invocador, Barthel—para golpeá-lo.
—Raça de Rank Sete, os Elfos, detentores da maior aptidão mágica entre os Ixseeds. Os *oracle cards* que desenvolveram estavam na vanguarda da engenharia mágica. O ritual fragmentário ativado pela combinação de selos das cartas atacou Barthel impiedosamente.
Barthel, por sua vez, apenas estalou a língua. Ergueu a mão e conjurou uma defesa mágica em um instante. Dois círculos mágicos surgiram no ar, interceptando a espada do cavaleiro que se aproximava. A luz explodiu com um estrondo. A imensa quantidade de espíritos dispersos varreu o jardim como uma onda antes de se dissipar.
Barthel, apesar do forte impacto sofrido, manteve a calma e disse placidamente:
—Usar um pergaminho de reversão de ataque logo na primeira rodada... Dá a impressão de um incompetente tremendo de medo da dor. Hm?
A isso, Fiel respondeu sem interromper seu sorriso:
—Ora, é uma medida natural para minimizar riscos no primeiro movimento. E não seria nada divertido se a partida terminasse tão rápido.
—Hmph. É exatamente isso que torna tão exasperante observá-la... Tentar recorrer a truques nesse jogo apenas demonstra uma falta de senso sem limites. Parece que terei de lhe ensinar a conduta apropriada à minha nobre linhagem, hmm?
Resumindo, este era *oracle card*.
—Um jogo de duelos entre Elfos, de Rank Sete. Ambos os jogadores possuíam as mesmas vinte e duas cartas e selecionavam duas por vez para formar *pergaminhos*. Cada pergaminho, além de possuir força bruta, tinha certas afinidades, e o jogador derrotado deveria receber o ataque correspondente ao pergaminho. A defesa contra o ataque dependia da habilidade mágica do jogador. Cartas usadas eram descartadas na mesa e, após onze rodadas—ou seja, depois que todas as cartas fossem utilizadas—o jogador deveria decidir se desistiria ou continuaria. Se o jogo prosseguisse, ambos começariam novamente com vinte e duas cartas—e assim sucessivamente, até que um dos dois não pudesse mais resistir.
Havia 231 pergaminhos no total—era impossível prever e se preparar para todos. Portanto, a vitória dependia da capacidade de continuar se defendendo dos ataques.
—Em suma, era um teste de habilidade mágica entre Elfos. Os chamados "Quadrimestres" eram considerados os melhores dos melhores. Barthel não chegava a esse nível, mas ainda assim era um "Trimestre" notável. Já Fiel—
—Você depende de tatuagens de ligação e amplificadores para iniciantes só para conseguir conjurar dois feitiços simultaneamente, e ainda assim acredita que pode me derrotar—vergonha dos Nirvalen, hmm?
—De fato. O fator decisivo para a vitória neste jogo era a proficiência mágica. O número de rituais que podiam ser executados simultaneamente determinava o poder e a frequência com que a magia poderia ser aplicada. Contra um Trimestre como Barthel, Fiel, que mal conseguia conjurar dois feitiços ao mesmo tempo, não tinha a menor chance.
Mas Fiel apenas riu.
—Ora, mas é claro que acredito. Está fazendo um grande alarde por ter bloqueado apenas meu primeiro movimento, mas por que não espera até conseguir acertar um ataque antes de se vangloriar?
Então, seus olhos se ergueram. Do jardim, onde as flores dançavam e se espalhavam na presença ainda pulsante dos espíritos, ela avistou o segundo andar. Através da janela, viu caminhando uma garota de cabelos negros, vestida de preto—sua parceira—e seu semblante suavizou.
Sim, este jogo não deveria permitir que uma Immanity, sem nenhuma magia, se envolvesse. Um único golpe bastaria para decidir a questão. Mal poderia ser chamado de "jogo".
Mas—dois rostos passaram pela mente de Fiel. Um homem e uma garota, autoconfiantes, sarcásticos, mas de alguma forma melancólicos, sussurravam:
—Quem disse que você precisa enfrentá-los de frente?
Então—
—Ora, este jogo já havia acabado antes mesmo de começar!
******
—Tsk, maldito seja, Barthel.
No segundo andar, Fritz, mordomo da casa Barthel, estalou a língua, cheio de amargura, enquanto observava a partida no jardim.
—A intenção de seu mestre era clara desde o início. Ele exploraria a fraqueza dela, a provocaria para entrar em um jogo impossível de vencer e, no fim, tomaria posse de seu corpo. Assim que derrotasse a garota, automaticamente teria em suas mãos os votos, interesses, propriedades da família Nirvalen e—mais importante do que qualquer ouro—aqueles peitos. Seu sorriso presunçoso de vilão já deixava evidente que sua mente havia deixado o jogo para trás e avançado para a noite que o aguardava—um banquete de seios. Fritz sabia disso porque, enquanto bloqueava os ataques das cartas por Barthel em um ponto onde a garota não podia ver—ou seja, ajudando Barthel a trapacear—sua própria mente também estava completamente tomada por peitos.
*Vergonha dos Nirvalen? Incompetente? O que importava? Aqueles seios eram o suficiente para apagar qualquer outro defeito.*
Uma mulher, afinal, se resumia a seus atributos. Se esses atributos fossem acompanhados por um rosto bonito, nádegas bem torneadas, quadris curvilíneos e pernas longas, ótimo. Mas tudo além dos seios era opcional, sem mais valor do que um guardanapo descartável vindo com o almoço.
*Inteligência? Magia?* Que coisas triviais, sem interesse algum.
—Resumindo, Fiel o irritava profundamente.
—Oh, que surpresa encontrá-lo aqui. Você é o mordomo do Lorde Barthel… Fritz, certo?
—...?! Você é a escrava dos Nirvalen—
O servo girou bruscamente, tomado pelo pânico. Diante dele estava uma garota de cabelos negros e roupas escuras—uma Immanity. A escrava dos Nirvalen… Chlammy, era esse o nome?
Fritz estalou a língua mais uma vez.
—Tsk, sua anã despeitada. Saiba se comportar antes de dirigir a palavra a mim.
Para começo de conversa, ser abordado por uma Immanity tão ridiculamente mal-dotada já era uma afronta. E justo agora, de todos os momentos possíveis. Ele tinha a tarefa de auxiliar Barthel enquanto apreciava cada detalhe dos atributos abundantes de Fiel. Mas, como se não tivesse a menor noção do que passava pela cabeça de Fritz, a garota desprovida de seios prosseguiu amigavelmente:
—O destino nos reuniu aqui. Que tal me desafiar para um jogo?
—...Cuidado com as palavras, sua cadelinha mantida. Pelo menos triplique o tamanho dos seus peitos antes de ousar falar comigo, sua inferior.
O tom era impregnado de desprezo, zombaria e toda sorte de más intenções. Mas a garota apenas inclinou levemente a cabeça e sorriu.
—Cuidado com as palavras… diz você? Por exemplo—
Sem desfazer o sorriso, seus olhos se estreitaram.
—Se eu usasse minha língua para expor as más condutas do Lorde Barthel e as suas… O que pensaria disso?
—…O que disse?
—Está pensando que uma Immanity é incapaz de detectar magia, suponho?
—……
Ao ver Fritz em silêncio, a garota apenas balançou a cabeça de maneira exagerada.
—E você estaria certo. Hipoteticamente. Apenas hipoteticamente, claro. Para uma duocaster vencer contra um tricaster, seria difícil, mas não impossível. No entanto, se você estivesse conspirando com Lorde Barthel para bloquear os ataques das cartas dela aqui do alto, a vitória dele seria praticamente certa. Ao mesmo tempo, eu, incapaz de detectar magia, não poderia provar a trapaça. Minha mestre—Fi—ficaria em uma situação bem complicada, não acha?
—……
Mas— A garota de peito plano riu baixinho antes de continuar.
—Não há necessidade de que eu detecte nada, sabia? Afinal, você mesmo irá confessar.
—…O quê?
—Vou repetir mais uma vez: que tal me desafiar para um jogo? Se recusar—
O sorriso da garota escureceu quando ela tirou uma pequena joia do bolso do peito.
—Farei uma denúncia à Segurança Pública sobre o uso dos fundos do Lorde Barthel para produzir e vender essas "sementes" para os Anões—um país vizinho—e assim você poderá desfrutar de sua própria ruína. Esse não seria um uso melhor para minha língua?
—O quê—?!
Fritz deixou escapar um grunhido de surpresa. A pequena pedra que Chlammy girava entre os dedos não era nada menos do que uma das “sementes” ilegais que ele traficava.
—Ao concentrar espíritos em forma líquida e ingeri-los, é possível aumentar os próprios espíritos internos. Funciona como um estimulante mágico. No entanto, há efeitos colaterais—tão severos que seu uso foi proibido devido ao abuso desenfreado.
—Em outras palavras…
—Uma sensação de prazer e onipotência induzida por overdose. O que, basicamente, chamamos de droga.
—…!
—Agora entende? Desafie-me. Não há outra forma de se salvar.
Ao ver o sorriso gélido de Chlammy, Fritz mordeu os lábios. Acabou. Este era o fim da linha.
—…Ngk!
Não—aguente. Ainda não era hora de rir…! Seria vergonhoso explodir em gargalhadas diante dessa idiota despeitada que pensava tê-lo encurralado com essa informação! Virando o rosto para longe dela, Fritz tremia levemente. Parecia o medo de um homem sem saída? —Que tolice. Que patética tolice.
Foi Barthel quem colocou Nirvalen nessa situação. Em troca de ignorar as informações sobre seu plano de libertação dos escravos, ele a forçou a aceitar um jogo sob condições desvantajosas. Para garantir sua vitória, encarregou Fritz de auxiliá-lo. Mas então, Fritz se lembrou das palavras daquela mulher de atributos generosos.
—E não seria nada divertido se a partida terminasse tão rápido…
—Essas duas… Nunca estiveram mirando Barthel desde o começo. Estavam mirando *a mim*.
Ele conteve a vontade de rir. A aceitação fácil de Fiel ao jogo de Barthel fazia parte do plano. Se Fritz estivesse ocupado ajudando Barthel, até mesmo uma única garota Immanity poderia encurralá-lo. Esse tipo de cálculo era óbvio demais.
Desde o início, ele sabia que isso aconteceria. Sabia que seu esquema de tráfico já havia sido descoberto. O próprio Barthel o informara com antecedência que haveria uma interrupção durante o jogo. O motivo? Porque aquelas duas haviam levado a questão até ele primeiro.
—*Seu mordomo está envolvido nesse crime. Gostaríamos de forçá-lo a confessar em segredo para não manchar sua reputação. Pedimos sua colaboração para obter informações.*
E assim, elas arquitetaram sua armadilha. A partida no pátio havia sido predefinida com Barthel exatamente para esse propósito—
(*…Ou assim pensam—Que piada ridícula!*)
Elas nem ao menos perceberam que o verdadeiro líder da operação era o próprio Barthel—o mesmo que havia pedido para ajudá-las. Barthel não podia eliminar Fritz. Se Fritz confessasse, não apenas as rotas de contrabando, mas também uma montanha de provas apontando o verdadeiro mandante viriam à tona.
Portanto, Barthel fingiu colaborar com elas apenas para trazer Fiel para sua teia.
Ele mesmo sugerira o plano e escolhera sua própria mansão como palco. E sob a suposição de que tudo fosse secreto, a única aliada dela seria sua escrava despeitada.
—Que comédia. Uma Immanity sem atributos e uma idiota de atributos fartos. Pensavam que estavam me prendendo—mas, na verdade, apenas saltaram direto para a teia da aranha.
—Você é mais estúpido do que eu imaginava. Vou explicar isso de um jeito que até um idiota possa entender.
Enquanto Fritz tentava conter a vontade de rir, a despeitada jogou um balde de água fria em sua empolgação.
—Você não tem escolha. Ou joga, ou é esmagado. Entendeu?
Gaguejando diante da provocação debochada, Fritz ergueu a cabeça. Tirou os olhos do pátio e os fixou na garota diante dele. Esforçando-se ao máximo para manter a compostura, sentou-se a uma mesa próxima.
—...Muito bem. Mas sou um homem ocupado. Vamos ser rápidos.
—Que conveniente. Também não posso me dar ao luxo de perder tempo, dadas as circunstâncias da minha parceira. Vamos fazer algo simples.
A despeitada sentou-se à mesa e começou.
—Aqui tenho um baralho de cartas comum.
Ela puxou três cartas do baralho e as colocou sobre a mesa. Eram o Ás, a Rainha e o Rei de Espadas.
—O Rei vence a Rainha, o Ás vence o Rei e a Rainha vence o Ás.
Com isso, virou as três cartas para baixo e as embaralhou.
—Cada um de nós pegará uma carta virada para baixo e a revelará para decidir o vencedor. Simples o suficiente para um idiota?
—Heh! E qual é o seu pedido?
—Não seria você quem deveria fazer um pedido? Ou, melhor dizendo, implorar por sua vida? —a despeitada zombou.
Levemente irritado, Fritz respondeu:
—...Então exijo a destruição e o esquecimento de todas as informações que vocês obtiveram sobre o contrabando.
—Sim, e eu exijo sua confissão e testemunho sobre tudo. Tudo, entendeu?
Diante dessas palavras vagas, a sobrancelha de Fritz se contraiu levemente. O objetivo dela era claro—obter todas as informações sobre o tráfico e uma confissão sobre a trapaça no jogo que acontecia no pátio. Que interessante: essas tolas, estúpidas do jeito que eram, tentavam agir em benefício próprio. Mas mal sabiam que já haviam chegado tarde demais...
—Muito bem. *Aschente.*
—Sim, *Aschente...*
—Ambos sacaram suas cartas.
Ainda com sua carta virada para baixo, Fritz teceu um feitiço sutilmente.
*Achou que, por estar auxiliando Barthel, eu não poderia usar magia aqui?* Ainda assim, sua adversária era a vergonha dos Nirvalen. Fiel Nirvalen—a primeira incompetente da história da família. Foi expulsa da escola—o Jardim—e mal conseguia lançar um único feitiço sem as tatuagens de ligação e os amplificadores em sua mão e testa. Aquela lixo estava enfrentando Barthel, um tricaster. Além disso, aquela garota tola e seus seios abundantes provavelmente esperavam que ele facilitasse o jogo. O que poderia dar errado em Fritz desviar sua atenção por um instante?
Ele olhou para sua carta virada para baixo. Era o Ás. Infelizmente, não havia como saber disso desde o início, mas este era um jogo proposto por sua adversária. Não havia dúvida de que ela estava trapaceando.
Não havia magia envolvida—isso era certo. Então, como uma Immanity poderia trapacear? Ela poderia ter embaralhado deliberadamente e controlado as cartas que seriam puxadas. De qualquer forma, era certo que a carta da despeitada era aquela que derrotaria a dele—a Rainha. Apenas três cartas foram apresentadas desde o começo. Mesmo se ele alterasse sua carta virada para baixo de Ás para Rei, sua trapaça seria exposta assim que a terceira carta fosse revelada.
Mas então, tudo o que precisava fazer era trocar magicamente as faces das cartas—trocar a sua pela dela. Mesmo que ela tivesse puxado deliberadamente para pegar a carta vencedora, isso também era trapaça. E sem a habilidade de detectar magia, não havia como uma Immanity provar que ele havia feito a troca.
*Acha mesmo que me pegou? Eu aconselharia você a não me subestimar, sua reles Immanity.*
Silenciosamente, ele tocou a mesa com o dedo. Instantaneamente, os espíritos que percorriam a superfície da mesa lhe revelaram a carta da despeitada: era o Rei.
Ou seja, ela presumiu que ele trocaria as cartas e puxou intencionalmente a carta perdedora. *Que armadilha barata.* Ela achava que usar um dos truques mais velhos do mundo a tornava uma estrategista?
—O que mais se pode esperar da vergonha dos Nirvalen e sua escrava...? Tolas.
A essa altura, Fritz nem tentava mais conter o riso. Ele gargalhou alto.
—Seios tolos ainda são preferíveis a uma despeitada esperta. O maior valor de uma mulher está em onde seus nutrientes vão—se para o peito, em vez do cérebro. Mas quando se trata de uma despeitada tola, o que se pode dizer?
—...Parece que estavam certos ao dizer que caráter nobre não é algo com que se nasce.
A despeitada torceu a expressão, irritada. Fritz engoliu em seco. Não havia nada que ele precisasse fazer. Ela só tinha que cair na própria armadilha.
—Muito bem, *open deal*, sim?
—Sim, e aí está sua ruína.
Revelaram suas cartas simultaneamente. Como ele já havia visto, sua carta era o Ás. E a da despeitada—
—Era a Rainha.
—...O-o quê?! Isso é impossível!!
Levantando-se bruscamente, chutando a cadeira para trás, Fritz gritou. Absurdo, impossível, isso não podia ser— Ele arfava, mas Chlammy apenas sorriu.
—Hee-hee, ficou surpreso que não era o que viu quando espiou?
A expressão e a voz da garota de cabelos negros oscilaram.
—Quando se usa magia, deveria prestar mais atenção ao adversário primeiro.
A imagem da garota de cabelos negros se dissipou como uma miragem de verão, revelando uma jovem de cabelos loiros esvoaçantes—ou seja—
—Maldita… você é Nirvalen?!
Retornando à sua verdadeira aparência, Fiel sorriu docemente.
—Ora, sim, sou Fiel Nirvalen.
Seus lábios se curvaram em um sorriso fofo.
—Recordo-me de você mencionar algo sobre nutrientes indo para os seios em vez do cérebro…? Ora, isso me levanta uma questão interessante. Para onde exatamente seus nutrientes estão indo—visto que até mesmo sua ‘querida’ parte inferior parece subdesenvolvida?
Ao fazer os espíritos deslizaram sobre o corpo de Fritz, Fiel obteve os detalhes exatos de sua estrutura—e estreitou os olhos.
—Ora, só posso lamentar pelos nutrientes que você ingeriu, apenas para não fazer uso deles nem acima nem abaixo.
Mas Fritz não tinha atenção a desperdiçar com tais provocações—Ele havia perdido?! Para Nirvalen?!
—Ora, não há necessidade de tanta aflição. Pode ser curto e pequeno, mas tenho certeza de que há quem prefira assim… Embora, quando cérebro e rosto também são insuficientes, fica difícil fazer promessas!
—E então—Então o que, então o que, então o que?!
—…Impossível! Então quem está duelando contra Lorde Barthel—?! Quem é ela?!
******
—Chlammy—ora, já terminei por aqui.
Fiel Nirvalen inclinou-se sobre o parapeito do terraço e acenou para o pátio.
Nesse instante—A Fiel Nirvalen que jogava diante de Barthel—Não.
A garota que assumia essa aparência retornou à sua forma original, como se desfazesse um véu. Chlammy Zell—a garota de cabelos negros e vestes escuras que surgiu ali—fez uma reverência graciosa.
—Agradecemos sua cooperação, Lorde Barthel.
—...O-oho. Naturalmente, devo assumir a responsabilidade por não ter identificado as indiscrições dentro da minha própria casa, hmm.
Com a Immanity abaixando a cabeça profundamente diante dele, Barthel escondeu seu desconforto e franziu a testa.
—M-mas... Isso não está diferente do que havíamos combinado? Hmm? Entendi que vocês prometeram conduzir essa questão em sigilo... Não foi mencionada a presença de outra participante.
Às palavras dele, a garota inclinou a cabeça, confusa.
—Me perdoe a impertinência, mas, se houvesse um convidado indesejado em sua mansão, não seria o senhor o primeiro a notar isso?
—...Mm-mmg...
De fato. Barthel fechou a boca. As únicas pessoas na mansão eram ele próprio, Fritz, Fiel, Chlammy e alguns poucos criados. Aquela era sua própria casa. Se houvesse um intruso, ele deveria ser capaz de detectá-lo imediatamente. Para esse fim, ele havia lançado um feitiço de vigilância.
Sim, ele havia escolhido esse local para o jogo justamente pensando nisso—e ainda assim.
Se esse era o caso, como aquela garota Immanity conseguiu duelar com ele?
A garota de cabelos negros sorriu.
—Exatamente como prometido, estamos a sós, meu lorde.
—E-eu entendo. Peço desculpas... E-então, podemos considerar este jogo nulo e encerrado, hmm?
—Algo estava estranho. Muito estranho.
Movido por uma inquietação que ameaçava esmagá-lo, Barthel se levantou. Por ora, sua prioridade máxima era encerrar esse jogo e decidir o que fazer a seguir—
—Ora, o que foi isso? Parece confuso, Lorde Barthel.
—Diante do tom gélido dessas palavras, Barthel se virou de volta.
Chlammy ainda estava sentada, mas agora exibia um sorriso escancarado e provocador.
—*Dois conjuntos de cartas.*
Duas cartas desapareceram da mão dela e surgiram na mesa.
—Gostaria de lembrá-lo de que nosso jogo certamente não está encerrado.
—O quê...?!
Era impossível concluir o jogo sem o consentimento de ambas as partes.
—M-maldita, o que está tramando?!
—Continuar o jogo, é claro. Por favor, sente-se. Mas, se desistir, ficarei com todas as suas fichas.
Às palavras de Chlammy, os olhos de Barthel se arregalaram. Ele sequer havia prestado atenção à exigência de sua oponente, assumindo que sua vitória já estava garantida.
—*Que nos esqueça e nos auxilie incondicionalmente e sem reservas.*
Ainda que a formulação fosse diferente, essa condição era a mesma que Barthel havia imposto a Fiel—não, era ainda maior. Ele sequer lembraria que perdeu o jogo, sendo reduzido à posição de servo delas. Enquanto isso, a exigência de Barthel havia sido:
—*Sua pessoa—e submissão total e vitalícia.*
Na realidade, quem aceitou o jogo não foi Fiel, mas Chlammy.
Se Barthel vencesse, ganharia apenas uma escrava Nirvalen—um prêmio insignificante. Ele havia planejado impor condições que o favorecessem, mas, no final, engoliu as condições que favoreciam a Immanity—?!
—S-suas malditas—!
—Lorde Barthel? Seu tempo está acabando. Pretende desistir?
Sua fúria foi respondida pelo tom frio de Chlammy.
—Um jogador que não apresentasse uma carta dentro do tempo estipulado perderia automaticamente a partida.
Recordando-se dessa regra, Barthel gritou em desespero para suas cartas.
——! *Dois conjuntos de cartas!*
Obedecendo ao seu comando desesperado, duas cartas desapareceram de sua mão e surgiram sobre a mesa.
Chlammy ergueu os cantos dos lábios em um sorriso e declarou:
—*Open deal.*
Com essa declaração, as quatro cartas na mesa se viraram.
As cartas de Barthel eram *A Lua* e *A Sacerdotisa*. Seu pergaminho: *Sombra Dupla.*
As cartas de Chlammy eram *A Justiça* e *O Imperador*. Seu pergaminho: *Eu Sou o Livro de Regras.*
O pergaminho de Barthel: um que esquivava dos ataques do oponente e os voltava contra ele.
O pergaminho de Chlammy: um que impunha sua própria vontade, ignorando quaisquer efeitos de status.
Os pergaminhos se ativaram.
A espada empunhada pelo Imperador revelou a verdade da Sacerdotisa e a arrancou de seu pedestal.
Despindo sua oponente de seu poder e autoridade, a força do Imperador avançou sobre o indefeso Barthel.
—*Ngk?!*
Apavorado, ele ergueu três barreiras mágicas no último instante, pouco antes da lâmina o alcançar.
Mas sua defesa, erguida às pressas, rangeu sob a pressão, e uma carga abrasadora atravessou os nervos de seu circuito espiritual.
Houve um estrondo e um clarão—e então, uma voz se fez ouvir às costas do ofegante Barthel.
—Ora, ora. Parece que isso foi o suficiente para lhe tirar metade das forças!
Virando-se, viu Fiel se aproximando calmamente, trazendo consigo seu mordomo derrotado.
—Fritz—seu inútil. Como pôde perder para Nirvalen?!
Fritz estremeceu diante da repreensão de Barthel, abaixando os olhos sem dizer nada.
Ao lado dele, Fiel falou com seu sorriso fofo.
—Ora, o que esperava? No fim, ele me tomou por uma Immanity e abaixou completamente a guarda.
—Cale-se, Nirvalen! Sua víbora traiçoeira, me enganou?!
—Ooh? Que palavra feia... Enganar? Ora, no fim das contas...
Fiel olhou para Chlammy, que ainda estava sentada à mesa. Chlammy assentiu e sorriu friamente.
—...Não era você quem sempre tentava nos enganar?
Barthel prendeu a respiração, mas Chlammy continuou.
—Foi você quem ordenou que seu mordomo administrasse o contrabando para que pudesse lucrar. Achou que não perceberíamos?
—Ora, você fingiu ajudar, nos armou uma armadilha, planejou eliminar as provas e tomar tudo para si—
—E se algo desse errado, simplesmente anularia o jogo e nos daria as costas... Que coisa deplorável, meu caro lorde.
Diante das acusações de Fiel e Chlammy, o rosto de Barthel se contorceu violentamente. Elas sabiam de tudo. Elas conheciam seu plano—e, no fim, ele quem foi manipulado... Não.
—Heh, heh-heh... Você perdeu sua chance, Nirvalen!
—Ooh? Chamou por mim?
Enquanto Fiel o encarava com uma expressão vazia, Barthel gritou, triunfante.
—Agora que sei que quem jogava comigo era essa vadia, está claro que vocês trapacearam! Uma Immanity jamais poderia se defender de um ataque de cartas! Você a ajudou, não ajudou?!
Mas então, Chlammy o fulminou com uma única frase:
—Em primeiro lugar, isso não é trapaça—seu idiota.
O insulto direto deixou Barthel sem palavras.
—Ouça com atenção as palavras do pacto que fez—quando você e eu confirmamos as condições, eu disse explicitamente *nós.*
—Agora Barthel realmente não tinha mais palavras. Apenas arregalou os olhos.
Como ela havia dito *nós*, o jogo era considerado uma disputa entre Barthel e a dupla Chlammy e Fiel. Não havia regra alguma contra se levantar da mesa durante a partida; Fiel poderia lançar uma barreira à distância sem que isso fosse trapaça—Não, espere… ela estava disfarçando as duas, escondendo a verdade de todos, jogando um jogo no segundo andar enquanto lançava uma barreira ao mesmo tempo—?
Com um suspiro, Chlammy torceu os lábios.
—Fi, parece que este imbecil finalmente entendeu.
—Ora, considere que ele sofre de uma deficiência: todo o fluxo sanguíneo que deveria ir para o cérebro está preso entre suas pernas. Não deveríamos dar-lhe algum crédito por ter conseguido raciocinar até aqui?—Fiel falou de maneira jovial, mas seu tom transbordava frieza.
—Ainda assim, ele cai tão facilmente em truques banais de palavras. Que decepcionante. Depois de preparar tantas armadilhas complexas e planos de contingência… Veja só, tudo foi desperdiçado.
Diante dele, uma garota de uma raça inferior suspirava, enojada.
—Enfim… Seu estilo de jogo é tão óbvio. Você sempre começa com um ataque bruto. Ele é bloqueado, e então você tenta uma maldição. Não usa contra-ataques porque não gosta deles e, agora há pouco, cedeu ao medo e ficou enrolando com pergaminhos que anulam ataques. Qualquer idiota poderia prever seu padrão—Ah, me desculpe. Diante desse cenário, não é surpresa que você não compreenda.
Os ombros de Barthel estremeceram. De raiva, de humilhação e—o mais inominável—de medo.
Ao longo de quarenta rodadas, Chlammy havia sofrido danos em pouquíssimas. E essas foram logo no início, quando a sorte ainda tinha influência. No restante—ela havia lido cada movimento dele. E não era um Elfo, mas uma mera humana, uma Immanity—
—Não subestime os humanos desse jeito, seu velho asqueroso.
A misteriosa garota de cabelos negros—
—…Vamos continuar o jogo!
—sorriu para ele como a própria Morte.
Um surto de espíritos percorreu o corpo de Barthel, rasgando os nervos de seu circuito espiritual.
Diante da dor indescritível, o velho de centenas de anos gritou como uma criança. Quando o impacto finalmente se dissipou, espalhando as flores do jardim ao redor, a garota Immanity sussurrou docemente ao ancião caído, que se contorcia de agonia no chão.
—Isso marca o fim do quarto ciclo. Algum problema, Lorde Barthel?
—Eeegh—ee...
—A propósito, me pergunto se já percebeu. Fi—ou melhor, Fiel Nirvalen—é uma hexacaster.
Aos sussurros derramados em seu ouvido, o rosto do velho ficou mais branco do que papel.
Ele sabia que não era uma mentira. Era a única explicação para os feitos que Fiel havia realizado naquele dia.
Como se quisesse consolar o velho tremendo, Chlammy se ajoelhou e continuou:
—Não tema, meu lorde. Vejo que não tem mais forças para erguer barreiras—mas ainda tem chances de vitória. Tudo que precisa fazer é prever cada um dos meus movimentos sem tomar um único ataque e desgastar nossa hexacaster.
—Com um sorriso, Chlammy descreveu chances que precisariam de notação científica para serem expressas matematicamente.
—E se falhar, não tem problema. Só vai doer um pouco—embora possa acabar morrendo por acidente.
—De fato, o que ela descrevera—era exatamente o que ela própria havia feito.
*Não me diga que um mero humano consegue, mas você não—?*
—E-eu—E-eu… Eu desisto! Admito minha derrota! Por favor—por favor, me poupem!!
—Muito bem. Então vencemos, não é? Agradeço pela partida, Lorde Barthel.
Enquanto Chlammy se levantava, lançando um olhar de desdém para o velho patético, Fiel saltou sobre ela com um gritinho animado.
—Ora, que maravilha! Deve ser a primeira vez que uma Immanity derrota um Elfo no *oracle card*!
—...Não é algo digno de orgulho, considerando que foi contra esse velho senil. Ele é o lixo mais insignificante entre todos os adversários com quem jogamos.
Acariciando a cabeça inchada de Chlammy de maneira reconfortante, Fiel se virou com um "Bem, então". Ela lançou um olhar zombeteiro para Barthel e Fritz, este ainda em pé ao lado do lorde caído.
—Vamos, Lorde Barthel? Pelos Pactos, por favor, esqueça tudo sobre nós.
E então—Chlammy acrescentou com um sorriso.
—E continue com seu comércio ilegal como se nada tivesse acontecido.
—O quê...?
—E também, Senhor Fritz? Dentro de quinze dias—você confessará tudo.
—O que...?
Enquanto Barthel e Fritz pareciam totalmente incapazes de compreender o que estava acontecendo, Chlammy aproximou-se da mesa mais uma vez.
—Com isso, tomaremos nossa deixa—mas antes.
Ela sorriu enquanto embaralhava as cartas de tarô usadas no jogo.
—Como um último gesto de cortesia, lerei sua sorte.
—Ora, Chlammy, não sabia que tinha esse dom!
—Na verdade, esta será minha primeira vez. Mas—essa previsão não falhará.
Suas palavras eram ao mesmo tempo brincalhonas e perturbadoramente sombrias enquanto ela sacava quatro cartas.
—Ora, que cartas interessantes. Vamos ver, pela minha leitura...
No momento certo, ela revelou cada carta para seu público.
—*A Temperança, na posição normal.*
—Parece que seu comércio de sementes com os Anões continuará indo muito bem.
—*A Torre, na posição normal.*
—Mas então, em quinze dias... oh céus, por algum motivo, um de seus clientes anões confessará e será preso.
—*A Roda da Fortuna, invertida.*
—E então, infelizmente, Lorde Barthel, seu mordomo mencionará seu nome, e toda a operação será rastreada até você... e então.
—*O Julgamento, invertido.*
—Você mesmo, Lorde Barthel, será julgado em um tribunal. Fim. Minhas condolências.
Ignorando os dois, agora pálidos como cadáveres, Chlammy lançou uma pergunta teatral para Fiel.
—Hee-hee, que interessante, não acha, Fi? Quando Lorde Barthel for preso, quem será o novo dono da companhia de comércio dele, *Will Andmorrow*, a maior de Elven Gard?
—Oh, meu. Que coincidência—é justamente aquele jovem da casa Enrich, com quem nos divertimos há três dias.
*—Tudo. Tudo havia estado nas palmas de suas mãos.*
As duas garotas riram sombriamente ao chamarem aquilo de destino.
—Nirvalen. Sua desgraçada—não, suas desgraçadas, o que estão tramando?!
A Barthel, que rugia enquanto seus dentes batiam, as duas responderam com sorrisos frios.
—O quê? Bem, poderíamos te contar.
—Mas você esquecerá de qualquer jeito. Assim como esquecerá que sequer teve contato conosco.
Vendo as duas bruxas rindo inocentemente uma para a outra, Barthel estremeceu.
—O que foi que eu me meti...?
—Pois bem, pelos Pactos—adeus, Lorde Barthel.
—Ora, desejamos-lhe sucesso contínuo nos negócios.
—E então. Com um estalar dos dedos das damas, aquele dia deixou de existir.
******
Chlammy e Fiel puxaram os capuzes sobre os rostos.
Elas não estavam ali. Nunca estiveram. Assim foi determinado.
Escondendo-se da vista de todos, saltaram do andar mais alto da mansão de Lorde Barthel. Mais rápido que a gravidade, o feitiço tecido por Fiel envolveu seus corpos e as ergueu para o céu.
—Através do vento, na noite. Apenas a lua vermelha, a luz das estrelas e as lâmpadas da cidade iluminavam a paisagem abaixo delas, brilhante e magnífica. Uma cidade na floresta. Uma cidade de verde, tecida por uma magia incrivelmente refinada. Para Chlammy, já era uma visão familiar—mas, mesmo que fosse sua primeira vez vendo aquilo, bastaria para deixar claro que a civilização de Elven Gard estava em um nível completamente diferente.
As duas cruzaram os céus, seus capuzes ondulando ao vento.
—Chlammy, ora, você foi incrível.—De árvore—não, de prédio em prédio, saltando de telhado em telhado, Fiel elogiou.
—Você realmente derrotou aquele velho patife sem a minha ajuda. Céus, eu estava tão preocupada.
—…Deixe isso de lado, Fi. Você está bem?
—Eh-heh-heh, não é uma sensação ruim saber que você se preocupa comigo. Você certamente está crescendo, Chlammy.
Fiel respondeu com um sorriso tolo enquanto mantinha o feitiço que as permitia deslizar pelo ar.
Mas a joia em sua testa havia perdido o brilho e agora parecia turva devido ao uso excessivo de magia. Mesmo na luz fraca, Chlammy podia ver isso com clareza.
Lorde Ron Barthel e seu mordomo, Fritz. Um tricaster e um duocaster. Talvez não fossem os melhores entre os melhores, mas estavam no topo.
…Mas, ponderou Chlammy, lançando um olhar para a garota que dançava pelo ar ao seu lado.
—Fiel Nirvalen. A líder de uma das poucas famílias verdadeiramente nobres de Elven Gard—e sua dona.
Fiel havia estudado sob a imensa árvore branca da maior escola de magia do país, o Jardim—e havia falhado e desistido. Aqueles que não a conheciam zombavam de suas tatuagens de ligação brancas e de seus amplificadores de iniciantes. Diziam que era a primeira incompetente na história da casa Nirvalen—um fracasso.
Mas Chlammy, que sabia que Fiel apenas fingia ser incompetente, zombava daqueles que zombavam dela.
Fiel era o maior talento desde a fundação da casa Nirvalen—ouro puro—isso ela sabia.
Fiel nunca havia demonstrado abertamente sua verdadeira habilidade para Chlammy. Mas, mesmo assim—
Ela havia lançado um feitiço de disfarce sobre si mesma e sobre Chlammy. Havia conjurado um feitiço de bloqueio de percepção tanto sobre Barthel quanto sobre Fritz para impedir que percebessem o que estava acontecendo. Além disso, havia defendido Chlammy no *oracle card* à distância, e, além disso tudo, havia enfrentado Fritz em um jogo próprio…
Ela havia orquestrado seis feitiços ao mesmo tempo.
Uma hexacaster—sem dúvida, era melhor que os melhores.
Não, espere.
Naquele jogo contra Sora e Shiro algum tempo atrás—a partida de Othello usando o núcleo de Jibril—Fiel havia tecido um feitiço capaz de controlar o poder astronômico de uma Rank Seis, uma Flügel.
Levando isso em consideração, era suficiente imaginar que ela era uma maga para quem "melhor que os melhores" sequer era uma descrição adequada.
Uma maga que até mesmo o Jardim, que a havia expulso, deveria acolher como instrutora honorária.
…Era o mínimo que podiam fazer.
—Mmrr…? Ora, o que houve, Chlammy?
Com seus cachos dourados esvoaçando ao vento e sua pele alva brilhando na escuridão, a forma sorridente de Fiel era mais radiante do que a luz do sol.
Ela era a flor dos Nirvalen, nascida em uma casa nobre e portadora de um talento intelectual e mágico extraordinário. Onde quer que caminhasse, um futuro brilhante deveria estar garantido para ela—se não fosse pelo fato de que ela mesma o rejeitou.
Sim, ela recusou esse futuro promissor. Ocultando sua verdadeira natureza, fingindo ser incompetente, ela escolheu, entre todas as coisas, voltar-se contra sua terra natal, seu país, sua própria raça.
Por uma única pessoa. Apenas uma.
—…Não é nada.
—Por sua amiga.
Chlammy abaixou os olhos suavemente e soltou um suspiro.
Libertar os escravos—Certamente, era algo que soava bem.
Mas isso equivalia a libertar os segredos nacionais de Elven Gard.
Libertar, por exemplo, as Fadas, que eram exploradas para a realização de magia de alto nível, era o mesmo que vender sua tecnologia bélica a outro país.
Se isso acontecesse, os Anões de Hardenfell não perderiam essa oportunidade.
Os Elfos provavelmente perderiam o continente pelo qual estavam em disputa com os Anões há quase um milênio.
Na pior das hipóteses, poderiam ver seu país dividido, e o que viria depois disso… não valia a pena discutir.
—Mas, se fosse por Chlammy, Fiel não se importava se sua terra natal ruísse.
Assim ela afirmava, e assim verdadeiramente acreditava. E, na verdade, já havia tomado várias medidas arriscadas para esse fim.
Por Fiel, Chlammy sentia uma profunda gratidão, assim como um sentimento parecido com admiração—algo que transcendia raça e idade.
—Mas e quanto a ela mesma?
Chlammy se questionou.
Ainda que não fosse visível em seu rosto, o cansaço de Fiel era evidente na cor de sua joia.
Como alguém que não conseguia vencer um único jogo sem colocar um peso tão grande sobre alguém do nível de Fiel poderia se chamar de amiga—?
—Grk.
Sua cabeça latejou.
Era um flashback, percebeu Chlammy, parando e segurando a testa.
—Uma garota e um boneco que queria ser humano, unindo os dedos mindinhos e trocando uma promessa.
Ele—o boneco—Sora.
Ele realmente acreditava que poderia amarrá-la? Prender ao chão alguém que deveria ser livre para ascender aos céus sem precisar de correntes—
—Ora, Chlammy, o que houve?
Chlammy desviou o olhar de sua amiga, que havia parado ao notar sua hesitação.
—…Fi, me desculpe. Se eu tivesse sido mais habilidosa...
—Chlammy…?
Elven Gard. Um país imenso que exercia sua supremacia mágica avassaladora sobre quase 30% da terra do planeta.
O maior país do mundo, com mais do que o dobro da força de seu rival mais próximo, Hardenfell.
Seus alicerces eram como uma fortaleza, impenetráveis—
…Não.
Isso era apenas mais uma desculpa.
Chlammy cerrou os punhos, ainda pensando naqueles dois.
—Se fossem eles jogando—teriam conseguido sem magia.
—Chlammy…
Aos poucos, Chlammy e Fiel minavam aqueles que detinham o controle sobre distribuição, comércio e direitos. Enfraquecendo o poder sob um véu de sigilo, abriram uma trilha, como um túnel de formigas, uma fissura mais fina que o olho de uma agulha. Mas, nesse ritmo, jamais—
—E além disso, eles teriam vencido de maneira muito mais grandiosa!
Quanto mais pequenas vitórias acumulavam, maior era o risco de desastre. Se aqueles no poder percebessem suas maquinações, seriam esmagadas num piscar de olhos. Em algum lugar, tinha que existir uma solução ao estilo de Sora—para acabar com tudo em um único e inesperado golpe.
—E, no fim... só dou trabalho para você, e não fazemos progresso algum que valha—
—Chlammy!
Quando suas unhas começaram a perfurar suas próprias palmas, um tom calmo, mas firme, a interrompeu.
—Chlammy, ora… você não pode ser eles.
—...Eu sei.
Ela abaixou o olhar. Sabia. Era inútil, mesmo que tentasse imitar Sora. Era Sora e Shiro, juntos, que formavam *“ ”* (Blank)—os maiores jogadores da Immanity. Ela teria que encontrar seu próprio caminho—
—Ora, não. Você não entende nada, receio.
Seus pensamentos foram interrompidos. Chlammy ergueu o rosto.
—Não sei que tipo de memórias o senhor Sora lhe deu. Mas creio saber um pouco—sobre quem o senhor Sora é.
Naquela cidade-floresta, em meio às luzes fantásticas, a expressão de Fiel tornou-se séria.
—Ora, o senhor Sora usou você porque ele próprio não podia fazer isso.
—...Justo, mas veja—
—E ele me usou porque você não podia fazer isso sozinha.
—...!
—Eles não são os únicos que são dois. Para começo de conversa, tentar vencer esse jogo sem contar comigo seria como o senhor Sora ou a senhorita Shiro jogando sozinhos.
—...Fi...
—Chlammy, ora, você pode contar comigo. E deveria.
Assim como *“ ”* era um time, Chlammy e Fiel também eram.
Se conseguiam alcançar os mesmos resultados juntas, para quem precisavam se desculpar?
Mas—
—Mas eu só te atrapalho. Eu não—
—Ora, é por sua causa que eu tenho a determinação... e também...
Segurando a mão de sua amiga desanimada, Fiel sorriu.
—Estou plenamente ciente, sabe, de como todos os dias você revive as memórias do senhor Sora e tenta desvendar todas as estratégias do senhor Sora e da senhorita Shiro para torná-las suas próprias—
Seus olhos subitamente se anuviaram com uma sombra de preocupação.
—E, por causa disso, você não dorme há muito tempo.
—......
—Se você não dormir, eu não dormirei. Se você tentar, eu tentarei. Ora, se acha que estou cansada—não percebe que você também está?
A essas palavras, Fiel fitou Chlammy nos olhos.
—Acariciando as olheiras que nem a noite podia esconder, ela sussurrou como uma mãe repreendendo a filha:
—Chlammy, se vai se preocupar com meu cansaço, então esta é a noite em que deve me prometer que dormirá direito… Ora, se continuarmos assim, vamos desabar juntas...
—...Desculpe. Eu não deveria—
—Mmng, ora, não é isso.
Fiel fez um biquinho cômico, suas bochechas infladas.
—Não acha que há algo mais que deveria dizer?
—...—Você tem razão. Obrigada, Fi.
Sorrindo e assentindo, Fiel pegou a mão de Chlammy e teceu um feitiço mais uma vez.
Enquanto isso...
—De todo modo, duvido que o motivo pelo qual o senhor Sora nos confiou a queda de Elven Gard tenha sido algo tão grandioso e nobre... Ora, não concorda?
As duas então recordaram o rosto do homem—aquele semblante desleixado e desmazelado—e citaram juntas:
—"Cara… política, direitos... derrubar um país grande dá um trabalho do cão. Vou deixar isso pra vocês."
Sorrindo, a dupla saltou de volta ao céu.
******
Uma estalagem nos arredores da cidade.
As companheiras haviam conseguido um pequeno quarto com duas camas paralelas.
Fiel, já sem o capuz e vestida para dormir, repetiu sua advertência.
—Agora, Chlammy, esta noite você precisa dormir.
—...B-bem, então, posso... perguntar uma coisa?
—Sim? Ora, pergunte o que quiser.
Abraçando um travesseiro, Chlammy desviou o olhar, desconfortável.
—E-er... V-você poderia... dormir comigo?
Quando o rosto de Fiel se iluminou, entendendo o que aquilo significava, Chlammy corou violentamente e gritou:
—N-não! Não é isso! É só que as memórias do Sora não me deixam dormir! E-eu estava pensando em como Sora segura a Shiro—Se você segurasse minha mão, talvez...
Ela murmurou, desviando o olhar.
—É tudo culpa do Sora, sabe?!
—Sim, sim, é tudo culpa do senhor Sora. Ora, então não há motivo para sentir vergonha. Assim como antes, se tiver um pesadelo, pode simplesmente se enfiar debaixo do meu cobertor.
—Eu já disse... Não, não é isso! Ngh, tudo—é tudo culpa do Sora. Por que eu...?
Resmungando baixinho, Chlammy foi em frente e se enfiou na cama de Fiel. Virada de costas, ainda emburrada, ouviu a voz sorridente de Fiel.
—Chlammy, há mais alguma coisa que deseja? Ora, posso cantar uma canção de ninar.
—Acho que quero que pare de me provocar e me deixe dormir.
—Sério? Ora, não quer um carinho ou um cafuné?
—………………B-bem, se quiser.
—Ótimo! Ora, quero muito, então irei em frente!
Ao sentir os dedos de Fiel penteando suavemente seus cabelos, Chlammy sentiu seu corpo relaxar. A sensação familiar—de todas as vezes em que chorara—trouxe de volta lembranças do passado.
Todos aqueles dias em que foi mantida pelos Nirvalen como escrava. Mesmo com Fiel ao seu lado, acumulou incontáveis memórias desagradáveis, que a faziam querer chorar. Que a faziam querer morrer. Mas decidiu que nunca se sentiria mal por si mesma. Prendeu as lágrimas com todas as suas forças, liberando-as apenas naquela cama, naqueles tempos distantes. Agora, depois de tocar nas memórias de Sora, aquela época já deveria ter passado há muito tempo—
—…Chlammy, está dormindo?
A voz de Fiel era suave, para não acordá-la caso estivesse. E, com isso, interrompeu as memórias de Sora antes que transbordassem.
—…Ainda não. O que foi?
—Mmm, se não consegue dormir, pensei em conversar um pouco até que consiga. Não se importa?
—…Bem, não… mas sobre o quê?
O tom sério nas palavras de Fiel fez Chlammy franzir a testa, confusa.
—Chlammy, ora, parece que confia no senhor Sora incondicionalmente.
Fiel sussurrou, preocupada.
—Para ser sincera, isso me preocupa...
—As memórias que o senhor Sora lhe deu… são mesmo reais?
Sora e Shiro tinham uma Flügel. Com os Pactos, era possível falsificar memórias. Talvez tivessem forjado memórias e as dado a Chlammy para manipulá-la.
Essa era a insinuação de Fiel.
Mas...
—Está sugerindo que posso estar sendo enganada. Isso, de fato, soa como algo que o Sora faria—
Chlammy sorriu de canto.
—Ou melhor, *soaria*, não fosse a verdade.
Chlammy riu ao ver a expressão desconfiada de Fiel.
—Não precisa se preocupar. Quem está superestimando o Sora—não sou eu, mas você, Fi.
—Uma memória brilhou na mente de Chlammy.
A memória de Sora estava encharcada de recordações horríveis, mas agora—
—…Ei, Fi, sabe por que existe a palavra ‘gênio’?
—…O quê?
—Para manter a ilusão de que um boneco não pode ser uma pessoa. Quando alguém desafia a compreensão, chamam-no de gênio. Se o aprovam, gênio. Se não, monstro. Na boca da maioria, é na verdade um insulto.
Querendo dizer que, por ser diferente deles, não há mais nada a se discutir, a maioria se conforta dessa forma e desiste. Mas aquele boneco era diferente.
—Sim, ele era apenas um boneco.
—Um idiota.
—Mas se recusou a ser apenas um boneco.
—Ele admirava o verdadeiro talento que via diante de si.
—E então—suportou dores tão profundas que era difícil acreditar que alguém pudesse se recuperar.
Chlammy, em seu torpor sonolento, mergulhou mais fundo nas memórias de Sora.
Uma maneira de voar sem saber voar—como saber se era possível?
Tentando voar—e vendo se caía. Essa era a única forma.
Depois de cair tantas vezes, seu corpo, seu coração, despedaçados—
—Mesmo assim, ele se levantou. Com aquele sorriso tolo no rosto, como se nada tivesse acontecido.
Seu coração sangrando, seus dentes cerrados, olhando para sua irmã, ele se levantou.
Naquilo, a suposta facilidade dos gênios... simplesmente não existia.
—Deve ser difícil ter uma irmãzinha tão esperta, não? “Irmãozinho”.
—Sora… é terrivelmente desajeitado. E é por isso que conseguiu alcançá-los—não, até superá-los.
—Ele se encontra em um lugar onde qualquer um pode chegar, se for humano, enquanto ainda é um tolo, exatamente como diz.
—Como um tolo, correu atrás do verdadeiro talento que admirava, suportando, repetidamente—apenas… um tolo.
Enquanto Chlammy falava, a mão de Fiel continuava acariciando seus cabelos. Guiando-a para um sono cada vez mais profundo.
—O que se precisa é apenas um pouco. Mas para ir até o fim—é necessário ter determinação suficiente para fazer qualquer um desmaiar, e...
Em sua consciência submersa, Chlammy recordou o torneio pela monarquia, as palavras de Sora:
—Quando se trata de conflito e matança, somos especialistas experientes em comparação a vocês—
A memória visceral sobrepôs-se à recordação.
—A lembrança do sangue em uma mão,
à qual ele olhava com olhos vazios—
A lembrança de um boneco que queria apenas ser humano—
—...Ele é mesmo… tão desajeitado… não consegue… mentir sequer uma vez… sabia…
—Chlammy?
...Apenas a respiração do sono respondeu.
Profundamente pensativa, Fiel acariciou a garota, que adormecera com palavras ainda escapando de seus lábios.
Ela tentou dizer mais alguma coisa, mas a frase ficou incompleta.
Fiel refletiu, olhando para o teto.
Recordou o homem que Chlammy chamara de desajeitado, incapaz de contar uma única mentira.
—O rosto do homem que parecia envolver-se em roupas tecidas de mentiras.
Atrevido, frívolo, inspirando cautela em todos que o viam—
—Oh...
Por fim, Fiel entendeu.
—Entendo… Um ‘mentiroso que não sabe mentir’… Era isso que ela quis dizer...
Um homem cuja vida até mesmo Chlammy considerava digna de reverência—alguém que suportara experiências tão devastadoras.
Por que… ele despertaria cautela?
Fiel sentiu uma inquietação antiga se dissipar. Agora que tinha sua resposta, imaginando um futuro no qual Chlammy acreditava, um futuro que Sora e sua irmã sonhavam, um pequeno sorriso se formou em seus lábios.
E, finalmente, os fantasmas do sono que a assombravam partiram, fechando seus olhos.
*Mal posso esperar*, pensou.
Pela primeira vez em muito tempo—um tempo realmente longo, anos incontáveis demais para lembrar—ela mergulhou em um sono profundo.