
Capítulo 22
Nv. 99 Princesa da Chama Negra
No caminho de volta para as forças principais, um caçador se aproximou de Moebius. — Chefe, vai deixar aquela mulher sozinha?
— Ela foi avisada o suficiente, mas saiu do grupo principal por conta própria. Se isso virar um problema, a responsabilidade será toda dela. Não se preocupe.
Tranquilizado pelo sorriso do líder, ele coçou a nuca e se afastou. Por outro lado, notou o rosto enfeitiçado de um colega no canto do olhar. — Ei, o que foi?
— N… Nada. — O outro caçador hesitou, fechou a boca e virou a cabeça rapidamente para olhar o caminho por onde tinham vindo. A mulher de vestido preto, a Princesa da Chama Negra, já havia desaparecido na direção oposta. Ela realmente parecia ter ido procurar sozinha a mãe da criança, uma caçadora de Rank F em um portão de Rank B. — …Ela disse que é da primeira classe.
— O quê?
— Disse que se formou com a primeira classe.
— Quem?
— Aquela mulher.
— Ha!
Outro caçador que caminhava ao lado deles segurou o estômago. Riu por um bom tempo e olhou para o homem como se achasse curioso que ele tivesse acreditado tão facilmente.
— Você acha mesmo que isso faz sentido? — Falou com um tom de leve deboche, mas com confiança inabalável.
Um formando da primeira classe significava abril de 1998. Fazia mais de trinta anos, antes mesmo de os institutos governamentais estabelecerem medidas concretas contra os portões. Era uma época de caos. O número de caçadores recrutados indiscriminadamente era muito maior que o de caçadores modernos, mas o número de formandos da primeira classe que sobreviveram podia ser contado nos dedos de uma mão.
E era óbvio o motivo. O tratamento dos caçadores não era nem de longe tão bom quanto hoje, e nem sequer existia um sistema educacional profissional. Eles eram jogados nos portões praticamente nus depois de um curto período de treinamento de três meses, então seria estranho se não morressem. Por isso, os poucos formandos da primeira classe que sobreviveram tinham suas fotos expostas na entrada do Centro de Treinamento, ou apareciam nos livros didáticos da Academia de Educação dos Caçadores, sendo assunto até hoje. Era claro que ela não era uma deles.
— Provavelmente você ouviu errado. Ou ela é realmente maluca.
— Pode ser, mas…
Ele sabia muito bem que aquilo não fazia sentido, mas a sensação estranha que teve ao encarar os olhos dela ainda ardia viva em sua pele. O homem olhou para trás mais uma vez. A passagem parecia ter engolido a própria escuridão. Ele não conseguiu desviar o olhar por um bom tempo.
— Hah… hah… — A mulher corria cada vez mais, sem conseguir recuperar o fôlego. — Yeri, onde você está? Yeri! — Chamava desesperadamente o nome da filha.
Quem imaginaria que o aquário que visitavam no aniversário de Yeri seria engolido por um portão? Ela planejava esperar quieta até que os caçadores chegassem, mas a onda repentina que os atingiu a fez se separar da filha. Era como se o céu tivesse desabado. Agora, até os sapatos haviam sido levados pela água, e a mulher corria descalça pelo portão. Sabia que seus passos apressados poderiam despertar monstros adormecidos, mas não conseguia ficar parada. Ainda agora sentia um calafrio só de imaginar que sua filha pudesse ter sido devorada.
— Yeri! — Sua voz rouca ecoou pelo interior vazio do portão.
Até onde ela tinha ido? A luz desaparecera, a bateria do celular havia acabado, e ela já não podia contar nem com a lanterna. A escuridão à sua frente era tão espessa quanto o próprio desespero.
Thud.
— Ah, não… — Todo o corpo perdeu as forças, e ela deixou a câmera cair. O cartão de memória da câmera estava cheio não só de dados importantes do trabalho, mas também de memórias com sua filha. Quando se agachou e segurou a câmera com cuidado, com medo de que tivesse quebrado, um grito de arrepiar a espinha ecoou.
— Eeeeeeeeeeeeek!
A mulher não conseguiu levantar o tronco e ficou paralisada.
“Yeri…”
Sua vida passou diante de seus olhos. Com as mãos trêmulas, agarrou a câmera.
Slosh. Slosh. Slosh.
Ela sentia o monstro se aproximar por trás. — Eeeeeeeeeeeeek!
A mulher fechou os olhos. No entanto, após um longo momento, nada aconteceu. Ela os abriu devagar, muito devagar. O coração ainda batia descompassado. Tapou a boca com a mão e virou lentamente a cabeça.
Havia olhos dourados ali. Brilhavam tanto na escuridão que chegava a ser assustador, e era impossível acreditar que aquela cor pertencesse a um ser humano.
“U-um monstro…?”
Ela se assustou tanto que deixou a câmera cair de novo e começou a recuar cambaleante. Chamas negras envolviam a figura como uma serpente, um fogo selvagem que tremeluzia como se quisesse devorar tudo à sua frente.
Eunha abaixou os olhos com indiferença em meio àquilo. Encarou a mulher, ou melhor, o vestido que ela usava. Não parecia que ia atacá-la.
A mulher então percebeu que havia um silêncio estranho no ar e virou a cabeça. Pôde ver uma enorme água-viva esmagada num canto. Seus tentáculos finos estavam todos cortados, espalhados pelo chão como fios embolados.
“Ela o matou? Essa mulher de preto fez isso?” A mãe de Yeri voltou a olhar para Eunha. Havia sangue pingando da ponta da sombrinha que ela segurava. Seu rosto pálido se refletia na poça de sangue no chão. Quantos segundos haviam se passado?
— H-hm…
Justo quando a mulher criou coragem para abrir a boca, Eunha de repente girou a sombrinha. Os olhos da mulher acompanharam o movimento.
Whoosh!
As chamas negras que dançavam pelo ar como um peixe pareciam estar ligadas à sua dona por um fio invisível.
— Eeek! — Monstros gritaram ao redor. Não havia como encontrá-los em um lugar tão escuro quanto aquele.
Whip! Shhhhh… Bam!
Por breves instantes, sons inacreditáveis ecoaram bem perto da mãe de Yeri. Ela sentiu cheiro de algo queimando. Só conseguia apertar os olhos com força e rezar desesperadamente para que aquele inferno terminasse. Só quando o silêncio absoluto se instalou é que ela os abriu devagar.
— Você está bem?
Olhos negros e calmos, não os dourados que brilhavam como os de uma fera, a observavam. Talvez por ver os ombros trêmulos da mulher, Eunha estendeu a mão sem esperar resposta. A mulher olhou para a mão estendida e perguntou, com voz tomada pelo medo:
— Q-quem é você?
— …Eu sou… — Como sempre, sua garganta travou. Seria por tentar dizer o próprio nome? Não era só isso.
Eunha fechou a boca e olhou para a sombrinha que segurava. Nada, nem as mangas longas, nem a fita que envolvia sua cintura, combinava com uma caçadora. Nada daquilo combinava com Eunha, que havia matado incontáveis monstros em incontáveis portões. O que ela era, afinal?
— Você precisa escolher um apelido antes de emitirmos a licença. Qual será?
— Princesa da Chama Negra. Esse é meu apelido.
O que ela estava fazendo ali?
— Se cumprir o contrato por um ano, terá dinheiro suficiente para comprar tudo o que quiser.
Eunha ergueu o olhar. — Eu só…
A mulher a encarava. Eunha conhecia bem a ansiedade que havia naqueles olhos. Não era a primeira vez que os via. Na verdade, já os vira incontáveis vezes: aquele olhar de quem finalmente encara uma morte que parecia distante, como uma chama prestes a se apagar lutando para resistir sobre a cera derretida. Olhos tomados pelo medo e pelo terror se agarravam a ela como se implorassem. Eunha sabia exatamente o que aqueles olhos queriam, o que esperavam.
— Com licença? — A mulher inclinou a cabeça diante de Eunha, que permanecia imóvel.
Um dia, ela havia usado um velho uniforme militar em vez de um vestido luxuoso, com mãos cobertas de lama em vez de uma sombrinha, e botas com solas gastas em vez de saltos de espinhos. — Eu sou… — Os lábios congelados se moveram como se mentissem. Naquele momento, ela não era a Princesa da Chama Negra. Não era Yura Lee, nem Cha Eunha. Era apenas — …uma caçadora.
— Mamãe!
— Y-Yeri! Minha filha!
A mulher abraçou a filha e chorou alto. O alívio deve ter vindo como ondas quando ela se juntou às forças principais e viu o rosto da filha.
Eunha se virou em silêncio, observando-as de costas. Ouviu os caçadores ao redor murmurando ao notar sua presença. Enquanto fingia não perceber os olhares e seguia em frente, seus olhos de repente cruzaram com os de Moebius, bem no meio do grupo.
Ele pareceu surpreso, mas levantou mecanicamente os cantos dos lábios, como se estivesse ciente dos olhares ao redor. Qualquer um perceberia que aquele sorriso não era de boas-vindas, a menos que fosse burro. Eunha achou que ele viria até ela e diria algo, mas Moebius virou o rosto bruscamente, sem dizer palavra alguma. Eunha nem sequer se deu ao trabalho de se aproximar.
Enquanto isso, Rei das Lives avistou Eunha e correu até ela. — Yu-Yura! Onde você estava? Fiquei tão assustado quando você sumiu de repente!
【A Criatura Mítica Viajante Felino das Trevas zomba: — Por que ele está fingindo tanta intimidade? Qualquer um pensaria que é seu melhor amigo.】
O gato parecia um tanto incomodado. Rei das Lives, sem saber de nada, parou à frente de Eunha. — Os reforços acabaram de entrar no portão. Parece que vamos conseguir terminar a varredura com segurança. — Seus olhos deslizaram até a sombrinha de Eunha. Ele cobriu a boca no instante em que viu os vestígios da batalha nela. — Ei, sangue! — Rei das Lives começou a se agitar depois de gritar. Graças a ele, os olhares que Eunha havia acabado de evitar voltaram a se concentrar nela, um a um. — V-você se machucou? Agora há pouco? O que…?
— Está tudo bem. — Eunha abriu a sombrinha com indiferença para limpar o sangue da superfície e voltou a fechá-la.
Logo, os reforços chegaram, incluindo um número considerável de curandeiros. Graças aos caçadores de Rank B que reforçaram o grupo, conseguiram varrer o portão com segurança e proteger os civis. Felizmente, não houve acidentes graves.
No instante em que saiu do portão, Jehwi correu até Eunha. — Senhorita! — Tinha uma garrafa de água numa mão e um kit de primeiros socorros na outra, como o assessor que era. — Você se machucou… Ai meu Deus! Você se banhou em sangue? O que é isso?!
A atmosfera já era tensa, mas estar coberta de sangue a fazia parecer saída de um filme de terror. Jehwi via seu rosto quase todos os dias, mas fazia tempo que não ficava tão assustado.
— Não é nada. — Tanto Rei das Lives quanto Jehwi estavam em completo alvoroço. Eunha já estava mentalmente exausta. Caminhou com uma expressão afundada em cansaço. Pelo jeito com que seguia até o carro, não parecia estar ferida.
Jehwi a seguiu às pressas. — Tem certeza de que não está machucada?
— Sim.
— Mas acho que devo verificar só por precaução. Primeiro vamos até o carro…
Jehwi tirou o kit de primeiros socorros do porta-malas. Os ferimentos de Eunha eram apenas arranhões, mas ele fez o curativo com seriedade e cuidado, como se estivesse costurando uma incisão cirúrgica. Eunha riu baixinho ao ver as mãos trêmulas e o olhar preocupado dele. Lembrou-se da mãe fazendo um escândalo quando ela deixou uma faca de fruta cair por acidente. Eunha disse várias vezes que estava bem, mas a mãe ainda assim fez questão de colocar um curativo.
— É um alívio ver que você não parece muito ferida, já que está sorrindo, mas…
— Sim, estou mesmo bem — respondeu Eunha, entrando no carro e afivelando o cinto de segurança. Jehwi a observou em silêncio, então esticou o braço até o assento da frente para pegar o celular.
— Só um instante, senhorita.
Whump.
Jehwi fechou a porta e ficou paralisado ali mesmo.
— Se algo acontecer com ela, me avise imediatamente.
Jehwi pensou por um momento, então começou a digitar na tela do celular com hesitação.
<CEO Si-u Shin>
010-XXXX-XXXX
— Ah, senhor. Aqui é o Park Jehwi. É que…