
Capítulo 19
Nv. 99 Princesa da Chama Negra
Primeira colocada nas buscas em tempo real: A Princesa da Chama Negra.
No dia seguinte, a Princesa da Chama Negra foi o assunto do momento. Eunha tomava o café que Jehwi trouxera e conferia as notícias.
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↪□□: Um monstro de Nv. 29 num portão de Rank C? lol Já faz tempo desde o último erro de portão.
↪□□: Uau, isso foi incrível. Aquilo era Chama? Achei que ela fosse do Grito!
↪□□: Ei, ela não é Rank S? Pelo menos parece Rank A.
↪□□: Eh, acho que não kkk.
↪□□: De novo, não se julga um livro pela capa 🙂 A Guilda Lobo é conhecida por ser exigente com novos membros. Tem que admirar o fato de ela ter entrado primeiro na Lobo.
↪□□: Uau, olha como ela muda de postura.
↪□□: Voa, encenação!
↪□□: Eu estava vendo o vídeo do Rei das Lives, mas ela foi extremamente grossa. Foi desrespeitosa com os caçadores veteranos, lol.
↪□□: Pode ser grossa se for forte. Gente como esse Rei das Lives que vocês bajulam deve ser bem babaca fora das câmeras.
↪□□: Sinceramente, quantos caçadores de verdade existem? De verdade mesmo kkk, todo mundo faz isso por dinheiro e fama.
↪□□: Só tem idiota aqui? Ela só deu o último golpe depois que os outros caçadores fizeram todo o trabalho. Como que uma caçadora Rank F mata um monstro de nível alto assim com um golpe só? Não faz sentido.
↪□□: Não foi erro do avaliador? Foi o que ouvi.
↪□□: Uau… É, ela definitivamente não parece uma Rank F.
— Incrível, senhorita. — Jehwi bateu palmas e olhou para Eunha. Ela tinha conseguido um resultado tão impressionante que era impossível acreditar que fosse uma Rank F. De fato, era a pessoa que Si-u havia pessoalmente designado a ele. — O senhor Shin vai ficar muito satisfeito.
— É mesmo?
— Sim. E como prova disso, ele me pediu para te entregar um presente.
Slurp.
Eunha piscou lentamente, o canudo na boca.
— …Um presente?
— Isso mesmo. — Jehwi sorriu com um ar misterioso. Ele sabia muito bem qual era o presente que Si-u havia preparado. Na verdade, Si-u apenas pagou por ele, quem fez tudo foi o próprio Jehwi. — Você com certeza vai gostar.
Faróis brilhantes cortavam a longa estrada. Era exatamente como Jehwi dissera.
— Tenho um presente pra você. Primeiro, arrume suas coisas — disse Si-u de repente, depois de aparecer de surpresa para encontrar Eunha. Ela praticamente não tinha bagagem. O velho uniforme militar, a mochila surrada e o notebook, isso era tudo que Eunha possuía.
As ruas noturnas de Seul estavam tão escuras que seria impossível diferenciá-las do interior sem os faróis. As placas luminosas dos prédios, que três décadas atrás piscavam noite adentro, agora apagavam às 22:00h. Os edifícios comerciais pelos quais passavam, melancólicos, baixavam suas pesadas portas de ferro em sincronia. Fazia 30 anos desde o surgimento dos portões. Agora que a oferta e demanda de caçadores havia se estabilizado e a média de poder de combate aumentado, a vida das pessoas modernas se tornara mais pacífica, mas não era possível voltar ao mundo de antes. Já estava comprovado que os portões abriam com mais frequência à noite do que de dia.
Enquanto observava o asfalto banhado pela luz da lua através da janela, o carro parou, aparentemente, haviam chegado ao destino.
— Chegamos. — Si-u abriu a porta do passageiro e Eunha saiu devagar. Não era longe da mansão de Si-u.
Eunha esticou o pescoço e ergueu os olhos. Caso contrário, não conseguiria ver o topo do prédio.
— Aqui. É onde você vai morar durante um ano, a partir de hoje.
Eunha virou o rosto na direção de Si-u. Parecia bastante surpresa. Só de olhar a fachada, já dava pra notar que era tão bom quanto um hotel. A alimentação e o vestuário estavam, sim, previstos em contrato, mas ela não esperava que ele preparasse um apartamento de tão alta qualidade.
— Certo, vá em frente. — Si-u fez um gesto, mas Eunha permaneceu parada, encarando-o. — O que foi?
Fwip.
Eunha abriu a palma branca de repente. Um aperto de mãos? Si-u estendeu o braço direito, confuso, e ela bateu levemente nas costas da mão dele. Em seguida, Eunha falou com indiferença: — Chave.
— Perdão?
— Preciso de uma chave pra entrar.
Paralisado, Si-u piscou lentamente. Ela era de 30 anos atrás. Alguém precisava explicar o óbvio: que já era possível entrar numa casa sem chave.
— …Eu vou na frente.
Os dois subiram de elevador até o 17º andar.
Beep, beep, beep.
Quando ele digitou no teclado numérico, a porta se abriu automaticamente. Eunha ficou surpresa que uma casa normal, que não era loja nem shopping, funcionasse assim. Após confirmar o número do apartamento, 1702, os dois entraram devagar. Eunha olhou ao redor do interior arrumado com perfeição. Desde os móveis até os itens do dia a dia e os pijamas confortáveis, tudo estava cuidadosamente organizado. Ela viu um post-it rosa ao fim do seu campo de visão. Eunha o pegou, pisando cuidadosamente em cada ladrilho frio do chão.
· Botão redondo no topo → Acende todas as luzes
· Botão nº 1 → Sala de Estar
· Botão nº 2 → Quarto
· Botão nº 3 → Banheiro
· Botão nº 4 → Varanda e Lavanderia
· Botão triangular na parte inferior → Apaga todas as luzes
· Se o controle remoto não funcionar, carregue-o com o carregador ao lado da porta por 10 minutos ou mais.
☆Nunca quebre☆
Eunha prestou atenção à estrela torta no canto inferior do post-it. A estrela amassada era idêntica à caligrafia de Si-u no contrato. Ao imaginar ele segurando o pequeno papel e mexendo a caneta com indiferença, achou aquilo até engraçado.
— Caso você fique confusa. — Si-u, que havia se aproximado por trás dela, coçou a bochecha. Quando foi que ele viera até aqui escrever essas coisas?
— …Você é atencioso.
— É o mínimo.
Whip.
Ao abrir as cortinas brancas, ela viu uma varanda razoavelmente ampla. A vista noturna de Seul adormecida sob a lua cheia surgiu diante de seus olhos.
— Dá pra ver onde sua mãe está, daqui. Ali, tá vendo a colina atrás da placa azul?
A luz da lua refletia o rosto de Eunha no vidro frio da porta. Como Si-u dissera, ela conseguia ver facilmente o túmulo da mãe. Mas, em vez de se emocionar com a consideração dele, Eunha ergueu a cabeça e olhou ao redor.
“É estranho.”
A vista era para o Rio Han a partir do andar real da cobertura. O apartamento tinha uma sala espaçosa, um banheiro amplo com banheira e quatro quartos vazios. O sofá, a mesa e até os tapetes no chão pareciam caros. Os olhos negros que analisavam lentamente o interior voltaram a se fixar em Si-u.
— Parece que você tem bastante dinheiro?
Si-u pareceu congelar por um momento com o comentário repentino, mas logo curvou os cantos da boca com malícia.
— Você não sabia?
— Não sabia. — “… sobre nada.”
Era isso mesmo, ela não sabia muito sobre ele, do mesmo jeito que ele não sabia nada sobre Eunha.
— Eu não sei como exatamente a posição dos caçadores melhorou, nem quanto capital a tal Guilda Lobo tem. — Eunha começou com seu tom sempre distante.
Tap, tap.
Seus dedos magros tamborilaram sobre a mesa de vidro.
— Mas sei que contratos como este não são normais.
Uma buzina fraca soou não muito longe. As cortinas brancas que acolhiam o silêncio da noite inflaram.
— Eu disse. Porque você é…
— Não diga que é porque sou uma caçadora de primeira geração — cortou Eunha. Onde as cortinas brancas roçavam suavemente seu reflexo, os olhos negros e firmes apareceram. — Achei que talvez eu tivesse o direito de saber o verdadeiro motivo. — Eunha olhou para Si-u. O cabelo negro que não derretia nem mesmo na escuridão caía discretamente sob a luz da lua.
Si-u havia aceitado a condição de Eunha de não revelar que era uma caçadora de primeira geração. Criou uma identidade falsa para ela como Yura Lee e não contou a ninguém da guilda, nem mesmo aos faxineiros da mansão. Mas ele fazia isso apenas por ela ser de primeira geração? Os benefícios eram tão desproporcionais que até Eunha, ignorante aos preços modernos, percebia que havia algo de estranho.
Si-u disse com a voz baixa:
— Está pensando em quebrar o contrato se for por uma razão insignificante?
— Não me importo com os motivos. Só quero entender.
Seguiu-se um longo silêncio, tão longo que até os segundos do relógio pareciam mais lentos. Apenas a luz da lua iluminava o interior escuro. Os olhos dos dois se entrelaçaram em meio à penumbra.
— Achei que fosse um sucesso, mas foi um fracasso. Jovem Mestre, não decepcione o Mestre.
— Você é o único. Só você pode fazer isso, se fizer direito. Só você, e mais ninguém. Se fizer direito. Você consegue, só você, só você.
Si-u piscou lentamente ao fim do silêncio. Eunha ainda estava com o queixo apoiado no braço, olhando para ele. Ainda bem que estava escuro, assim, ele não precisava se preocupar que ela visse sua expressão. Si-u sorriu levemente, com a lua às costas. A luz da lua ocultava, por sorte, os pequenos tremores que o tomavam.
— Porque eu tenho medo.
Medo? Os olhos negros de Eunha fixaram-se nele. Encostado na porta de vidro, ele cruzou os braços. O rosto meio coberto pelas sombras apontava para outro lugar.
— Tenho medo dos monstros, e o sangue deles fede tanto que não suporto. Por isso vou deixar de caçar. — Ele sorriu. — Estou fugindo.
A Lobo era a maior guilda da Coreia. E era ele quem as pessoas apontavam como o prodígio e próximo Mestre. Sempre pareceu que havia um grilhão preso ao seu pé direito. Dois anos atrás, ele se tornara o sexto caçador Rank S da Coreia após ser avaliado pela Associação. Esse fato prendeu também o outro pé. Responsabilidade, dever, isso não importava. Si-u queria se livrar dessas correntes, mesmo que fosse escondendo-se na sombra de um caçador mais forte. Preferia ser zombado a viver uma vida que não queria.
Os olhos negros de Eunha se arregalaram levemente ao observá-lo. Ela moveu os lábios após uma longa pausa.
— Tá bom.
A resposta curta e direta foi o bastante para enfraquecer Si-u. As palavras que ele havia preparado para rebater qualquer reação dela se desintegraram como poeira num instante.
Eunha não disse mais nada. As cortinas continuaram a inflar e desinflar. Ela fechou a porta de vidro entreaberta e lançou um olhar para Si-u novamente.
— O quê?
Si-u abriu os lábios ao encará-la, como se tivesse mais a dizer.
— …É só isso?
— Isso mesmo. Pode ir.
No silêncio que abafava todos os sons externos, o farfalhar das mangas dela soou mais alto que o normal. Si-u ficou encarando seu perfil em silêncio. A noite pintava seu contorno a partir da varanda.
— Você não vai?
— Ah. — Si-u voltou à realidade e caminhou devagar até a porta, como se ela o empurrasse para fora. — …Tenha uma boa noite, então.
Si-u lançou um último olhar para Eunha. Ela ainda não olhava para ele. “Por que ela não diz nada?”
‘Por que o prodígio da Lobo quer fugir? Você é Rank S, por que seria tão fraco?’ Ele achou que ela, como caçadora da primeira geração, diria isso. Mas ela encerrou a conversa de forma tão direta que ele se sentiu esvaziando. Será que achou que era piada? Não, a expressão de Eunha não dava a entender isso.
— Por quê?
Click.
Mesmo depois da porta fechada, ele nunca teve a resposta que queria.
Nova York, EUA. 23:46h.
Num quarto onde cortinas espessas e mofadas bloqueavam os ruídos do trânsito e os letreiros de neon, gotas d’água escorriam do cabelo loiro ainda molhado sobre os lençóis brancos e se espalhavam em círculos suaves.
Drop.
Outra gota se espalhou sobre uma pétala no lençol.
Guilda Rugido Enfrenta Monstros de Alto Nível em Portão de Rank C
Monstros de Nv. 30 Aparecem em Portão C. A ‘Caçadora Conceito’ Encerrando Acidente com Estilo?
Polêmica Conectada com a Guilda Lobo novamente, Encerrado com Chamas Negras
Princesa da Chama Negra Aparece em Vídeo Famoso do Rei das Lives! Uma caçadora Rank F derrota um chefe com um golpe só? Difícil de acreditar!
Dedos elegantes e alongados tocaram lentamente a tela do celular e deslizaram até o topo. Havia a foto de uma mulher usando um vestido preto sob a manchete. Ele acariciou a imagem da garota na tela — cabelos negros como ébano, longos até as costas, como uma boneca de vidro.
— Ela é a caçadora que anda em alta na Coreia — disse a assessora que arrumava as malas. Ajustando os óculos, fixou os olhos na tela dele. — Fez contrato oficial com uma guilda famosa coreana. Na avaliação, parecia que teria uma boa classificação pela aparência, mas acabou sendo Rank F.
— …Rank F?
— Sim. Esse é o problema com os caçadores coreanos hoje em dia. Bonitos por fora, mas ocos por dentro. — A assessora calou-se de imediato ao notar os olhos acinzentados que a fitavam.
— Cuidado com o que diz.
O corpo dela congelou de repente, como se amarrado por fios invisíveis. Não conseguia se mover, como um inseto preso na teia de uma aranha. Foi uma reação inesperada.
Já fazia dez anos que trabalhava com ele. Era estranho que aquele homem, que odiava qualquer menção à Coreia, tivesse reagido diferente. Mas Catherine abaixou a cabeça com docilidade.
— …Foi um deslize. Peço desculpas.
Ele era coreano. Para ser exato, tinha sido coreano. Fazia 30 anos que vivia na América e não sentia nenhum apego por sua terra natal, mas ouvir isso de outra pessoa o incomodava.
Thud.
A sensação de restrição desapareceu do corpo dela, que caiu no chão e se sentiu livre novamente, ainda que confusa. Por sorte, ele não a repreendeu mais. Apenas voltou o olhar ao celular, como atraído por ele. Às vezes pesquisava notícias ou vídeos relacionados à Coreia, mas vê-lo lendo com tamanha concentração era raro.
— Descanse bem, então. Amanhã venho às 11:00h. — Ela falou ao terminar seus afazeres e se preparar para sair do quarto.
— Reserve um voo. Para a Coreia — disse ele.
Com os olhos ainda fixos na tela, ela abriu a boca, atônita.
— …Perdão?
— O quanto antes.
Os óculos escorregaram pelo nariz com a declaração repentina. Seria saudade da terra natal? Não, ele costumava sair do cômodo sempre que alguém mencionava a Coreia. Ela nem ousou perguntar o porquê, e respondeu como mandava o manual:
— Uhm, primeiro, que tal entrarmos em contato com a guilda? E temos que considerar o sentimento público na Coreia…
Os olhos acinzentados se voltaram brevemente para ela. Com a sensação de ter os braços e pernas amarrados novamente, os lábios dele se curvaram levemente.
— Ainda estou em posição de pedir permissão? — era um sorriso gentil como sempre, mas ela, que o via todos os dias, sabia que aqueles olhos não continham sorriso algum.