O Retorno do Professor das Runas

Capítulo 606

O Retorno do Professor das Runas

Noah não se lembrava de muita coisa do minuto seguinte. A alma de Yoru estava turva e dançava nas bordas de sua visão enquanto o Grimório corria pelo jardim, pisoteando flores a cada passo.

Fragmentos de luar cortavam o ar como brilhantes gotas de chuva prateadas. Alguns erravam, outros atingiam o grimório em cheio e rasgavam o corpo do monstro. Nenhum sequer chegou perto de Noah.

Sua atenção estava completamente focada em desenhar runas. O resto do mundo era apenas uma distração. Não havia outra opção. Noah não podia se dar ao luxo de se distrair com coisas sem importância, como não ser morto.

Isso teria que ser deixado para o Grimório. O monstro havia prometido que seria capaz de mantê-lo seguro enquanto ele trabalhava — Noah tinha que aceitar isso como verdade. E assim, mesmo com o cheiro de flores esmagadas e sangue se misturando no ar para estragar a doçura outrora gentil do jardim, ele continuou a trabalhar.

Noah desenhava enquanto o céu desabava ao seu redor. Ele trabalhou enquanto os arbustos que cobriam o chão começavam a murchar, e ele trabalhou enquanto rachaduras brancas surgiam de debaixo da terra e deixavam uma nova luz se espalhar na alma de Yoru.

Não havia tempo para fazer mais nada.

Cada runa que terminava, ele jogava para Yoru. Ela estava ajoelhada no chão, lágrimas de sangue escorrendo pelo rosto e se juntando aos rios que saíam de seu nariz. Suas feições estavam contraídas em dor e concentração.

Ele não conseguia dizer se ela estava combinando runas ou não, e não tinha tempo para verificar. Noah notou que não havia mais Fragmentos de Pegajoso. Yoru os havia estilhaçado. Ela estava tentando formar sua própria runa de Si. Ele não podia se dar ao luxo de ver se estava funcionando.

Tudo o que ele podia fazer era continuar criando componentes.

Pelo menos — isso foi até a pressão em sua alma começar a aumentar. Era uma sensação estranha, como uma camada invisível de água subindo ao redor de sua alma. O peito de Noah se comprimiu e a respiração se tornou mais difícil.

“O demônio é muito lento,” o Grimório rugiu enquanto corria, o uivo do vento nos ouvidos de Noah quase abafando a voz do monstro. “A alma dela não consegue conter tantas runas, mesmo que sejam apenas de rank 1! Ela vai se romper.”

“Me coloque no chão perto dela,” Noah ordenou, agarrando-se a uma runa de Luz que acabara de terminar de criar. “E cubra nós dois.”

“Proteger vocês dois? O que você acha que eu sou?” o Grimório exigiu. Mas, apesar de suas reclamações, a terra a seus pés voou para o ar quando ele derrapou até parar e mudou de direção, voltando para Yoru.

O mundo girou ao seu redor quando o monstro se ergueu. Os olhos de Noah tiveram apenas um instante para se arregalarem antes de ser arremessado pelo ar como uma bola de beisebol, uma série de maldições morrendo quando o vento atingiu sua garganta e quase o sufocou no local.

Ele atingiu o chão com um grunhido de dor, rolando para manter seu ímpeto e se levantando rapidamente. O Grimório tinha sido surpreendentemente preciso com seu arremesso. Ele tinha aterrissado a apenas trinta centímetros de Yoru — e longe de uma nuvem de Runas de Rank 1 que a envolviam.

Noah empurrou as runas e a agarrou pelos ombros. O baque de uma lâmina atingindo a carne ecoou atrás dele, mas ele nem sequer se virou para olhar. Ou o Grimório o protegeria ou não. Se preocupar não mudaria absolutamente nada.

“Yoru,” Noah disse.

Ela piscou sonolenta para ele. Os olhos azuis e opacos de Yoru estavam vidrados, sua expressão quase relaxada. Ela não estava aguentando bem.

Noah a sacudiu. Ela enrijeceu e respirou fundo.

“O quê? O que está acontecendo?”

“As runas,” Noah respondeu bruscamente. Um estalo de dano à alma serpenteou por eles. Terra desabou para dentro, desaparecendo no vazio branco, mas Noah ignorou. “Você precisa combinar as runas que eu fiz para você. Há um monte de rank 1 aqui. Runas que eu fiz para você. Apenas concentre sua intenção e junte-as.”

“Eu nunca combinei uma runa sozinha,” Yoru gaguejou. Sua voz começou a se distanciar novamente. “Eu não sei como.”

Noah a esbofeteou. Não foi seu momento de maior orgulho. Bater em uma criança era praticamente a última coisa que um professor deveria fazer — mas Yoru não era uma criança. Ela era um demônio antigo sem experiência em tomar decisões por conta própria. Mesmo com sua alma se desfazendo, ela ainda era tão resistente que atingi-la era como dar um tapinha no ombro de alguém.

“Chega disso,” Noah rosnou. “Você tomou uma decisão, Yoru. Eu queria ir devagar. Você não quis. Você veio até mim e quebrou suas runas. Tudo bem. Essa foi sua escolha. Mas você não vai tomar uma decisão e deixar que as consequências sejam tratadas por outra pessoa. Você vai combinar essas malditas runas, e vai gostar.”

Yoru o encarou, a clareza ganhando vida por trás de seus olhos.

“Como?”

“Visualize o que você quer,” Noah disse. “Concentre sua intenção. Não muito ampla. Não muito estreita. Runas de Rank 2 devem ser algo como Luar. Rank 3s podem ficar um pouco mais específicos. Pense em elementos da lua que você quer personificar. Reflexão, esse tipo de coisa. Não se esqueça de levar em conta cada parte da runa quando você a cria. Se você tem luz e água, para fazer Reflexo Iluminado pela Lua, então lembre-se de ter intenção para ambos os elementos e não apenas para o seu resultado final.”

“E se eu cometer um erro?”

“Então eu vou consertar. É isso que eu faço. Eu conserto os erros das pessoas — mas você não pode cometer um erro a menos que faça algo, e não há nada neste mundo que seja pior do que ficar sentado e deixar uma chance de tentar passar por você. Você quer liberdade, Yoru? Então aja. Falhar não tem problema. É para isso que eu estou aqui. Mas se você não agir, então você morre.”

Yoru engoliu em seco. Ela piscou — e quando seus olhos se abriram novamente, algo por trás deles havia mudado. Havia determinação neles. Havia *emoção.*

“Eu vou fazer isso,” Yoru disse. Ela estendeu a mão para uma das runas — e um tremor percorreu seu corpo. Os rios de sangue que escorriam pelo seu rosto se alargaram e ela soltou um chiado abafado de dor. As ondas de pressão que enchiam sua alma se intensificaram. Uma presença opressiva atingiu as costas de Noah e quase o derrubou de joelhos.

“Que merda é essa?”

“Profecia Iluminada pela Lua,” Yoru sussurrou. “Ela não vai me deixar.”

“Essa runa de merda.” Noah rangeu os dentes e girou em direção à enorme Runa Mestra pairando no céu acima. “Eu vou lidar com a runa, Yoru. Você se concentre no seu trabalho.”

“Mas—”

“Grimório!” Noah gritou. A raiva girava dentro de seu peito e irradiava por todo o seu ser. Ele estava de saco cheio dessa Runa Mestra. “Troque comigo! Eu sei que você já pode duplicar runas. Dê a ela o que ela precisa. Colha qualquer energia que você tiver, mas não a deixe falhar.”

Houve um borrão de preto. O chão ao lado de Noah explodiu quando o Grimório caiu ao lado dele, de costas para a runa. Uma lâmina brilhou para baixo em direção ao monstro, mas ele estendeu a mão e esmagou a espada antes que a arma pudesse se conectar com seu corpo.

“Eu estava me perguntando quando você assumiria o controle, Arauto,” o Grimório disse. “Esta é uma tarefa para a qual sou muito mais adequado. Se você rasgar a runa em pedaços, deixe-me as sobras.”

Noah mal ouviu o Grimório. Seu sangue latejava em seus ouvidos e suas mãos estavam cerradas com tanta força que seus nós dos dedos ficaram brancos. Havia linhas que não podiam ser cruzadas. A Grande Runa não seria morta. Eles não a estavam retalhando. Tudo o que Yoru queria era autonomia sobre seu próprio corpo.

E esse simples pedido foi o suficiente para fazer Profecia Iluminada pela Lua decidir que queimaria a alma do demônio ao redor dela. Ela só queria ser sua parceira, mas preferiria matá-la a deixá-la ser algo além de uma escrava.

A pressão atingiu os ombros de Noah. Profecia Iluminada pela Lua estava completamente focada nele.

“Nós vamos ter um problema,” Noah disse com os dentes cerrados. Ele estendeu a mão para Destruidor.

Sua Runa Mestra respondeu — e Noah abriu as comportas.

Pela primeira vez, em vez de tentar racionar o poder da runa, ele extraiu cada fragmento de poder que pôde dela. Havia tanta pressão na alma de Yoru que ele não precisava de suas próprias runas para resistir à sua presença. Profecia Iluminada pela Lua estava fazendo esse trabalho por ele.

O ar ao seu redor estalou. Lascas de luz negra brilharam ao redor da mão de Noah como arcos de raio. Instintivamente, ele estendeu o braço e desencerrilhou o punho.

Houve um estalo agudo. Um flash de escuridão cortou o ar, e uma lança se materializou contra a palma de Noah.

Era tão negra quanto a noite. Desenhos quase invisíveis cobriam sua superfície, indo da lâmina na ponta até a base da haste. Mesmo sem ser capaz de lê-los, Noah sabia com certeza que eram os mesmos padrões que cobriam Destruidor.

A arma tremeu contra sua mão. Não em rebelião, mas em excitação. Havia tanto poder armazenado nela que Noah se sentia como se tivesse bebido uma dúzia de xícaras de expresso de uma vez. Adrenalina e energia nervosa queimavam em suas veias como um incêndio.

Luar se reuniu acima da cabeça de Noah. A terra solta no chão ao redor dele tremeu e saltou. Noah não se intimidou. O poder de Destruidor rolou para fora dele em ondas, lutando contra Profecia Iluminada pela Lua e impedindo-a de esmagá-lo.

A luz prateada se formou em uma espada enorme, e uma mão branca pura se materializou ao redor de seu punho. A luz continuou a se reunir e a mão se transformou em um braço, conectando-se ao corpo totalmente branco-prateado de um demônio familiar.

Era Yoru — mas ao mesmo tempo, não poderia estar mais longe dela. Havia apenas um único aspecto do demônio que ele tinha conhecido. A fria e calculista indiferença com que ela via o futuro.

Esta era Profecia Iluminada pela Lua, e tudo o que ela tinha feito era roubar sua forma.

Silenciosamente, Profecia Iluminada pela Lua levantou sua lâmina. Uma delicada luz branca nadava dentro dela, uma galáxia de estrelas presa dentro de uma espada.

Então houve um instante de quietude. Tudo ficou em silêncio. O mundo pareceu prender a respiração em admiração ao poder se manifestando diante de Noah.

Então Noah ouviu o gotejar de sangue contra a terra. Ele sentiu as flutuações suaves no poder enquanto Yoru trabalhava para combinar suas runas. Ela estava seguindo as ordens de Noah e não prestando atenção à luta. Todo o seu foco estava em combinar uma runa.

“Eu conheço o futuro,” Profecia Iluminada pela Lua disse, sua voz sem emoção banhando a alma de Yoru como uma praga congelada. “Eu verei o sol se pôr na eternidade. Você não pode ficar no caminho do destino. Este é meu receptáculo. Você não pode tê-la.”

Então Profecia Iluminada pela Lua balançou a espada. O próprio céu pareceu mudar. A enorme arma cortou o céu como um meteoro caindo e despencou em direção à cabeça de Noah.

“Você não controla o destino. Ninguém controla. Tudo o que você pode fazer é medir probabilidades.” Noah apertou o punho ao redor do cabo da lança. “E aqui, você não pode ver nada. Eu rejeito seu futuro.”

Noah enfiou a lança na espada enquanto ela caía.

As duas Runas Mestras se chocaram, não com um estrondo retumbante, mas com um toque suave e ecoante como um pedaço de vidro sendo tocado.

Uma onda de poder explodiu de ambos sem nem mesmo um estalo. Ela rasgou a alma de Yoru, uma torrente de vento silencioso.

E, por um instante mais, houve apenas silêncio.

Então uma linha preta se dividiu ao longo do comprimento da lâmina.

Ela se estilhaçou.

Névoa prateada gritou livre da arma — e fitas dela se enrolaram pelo ar, voando para se reunir na palma do Grimório. A mão do monstro apertou a magia e ela desapareceu, atraída para dentro de si.

A pressão pressionando Noah evaporou. Sem ela, não havia nada para impedir Destruidor de esmagar Noah. Ele ia dispensar a lança, mas ela se estilhaçou e desapareceu antes mesmo que o pensamento pudesse terminar de cruzar sua cabeça. A Runa Mestra tinha puxado seu próprio poder de volta.

A versão prateada de Yoru caiu do céu, pousando no chão diante de Noah e cambaleando.

“Impossível,” Profecia Iluminada pela Lua disse. O comportamento estóico em suas feições prateadas vacilou enquanto o medo tremeluzia por trás de seus olhos. “Você não pode resistir ao destino.”

“Talvez não, mas você não é o destino,” Noah respondeu. Ele estalou o pescoço. “Pare de interferir com Yoru.”

“Ela é minha. Eu a criei desde o nascimento. Eu a treinei. Eu a protegi. Você não é nada além de um usurpador que busca roubar o poder que eu mereço por direito de nascimento. Quem é você para ficar no meu caminho?”

“Ele é o Arauto,” o Grimório disse, o deleite escorrendo de suas palavras. “Estilhace a runa, Noah. Evicere-a. O poder será seu; o cadáver meu. Podemos usar este poder para nós mesmos. Com a visão do que está por vir, não haverá ninguém que possa ficar no nosso caminho.”

“Não,” Noah disse. “Este não é o nosso poder para tomar. É de Yoru... e, francamente, eu não quero ter nada a ver com esta runa.”

“Eu não sou de ninguém para ser tomada,” Profecia Iluminada pela Lua gritou. “Eu sou—”

Noah deu um passo à frente, girando todo o seu corpo para colocar seu peso atrás de seu punho enquanto ele o enfiava na cara de Profecia Iluminada pela Lua.

Houve um estalo satisfatório. Seus olhos brilhantes tiveram apenas um instante para se arregalarem antes que seu nariz se estilhaçasse e ela fosse mandada cambaleando para trás. Seu corpo quicou duas vezes contra o chão antes de derrapar e cair em uma rachadura enorme na alma de Yoru.

Uma mão prateada agarrou a terra esfarelando na borda da rachadura. Noah caminhou até a runa, olhando para ela enquanto ela lutava para manter sua posição no chão, tentando evitar despencar no vazio abaixo.

Noah se agachou e segurou o olhar da runa.

“Fique aí,” Noah disse. “Seu poder pertence a Yoru — mas se você tentar revidar de novo, eu vou simplesmente te matar.”

“Você jogaria minha magia fora?” a runa exigiu. “O poder de controlar o futuro, tudo por uma criança inútil?”

Noah estendeu a mão e agarrou Profecia Iluminada pela Lua pelo cabelo. Ele a levantou no ar diante dele e se inclinou para que ela pudesse dar uma boa olhada em suas feições.

“Sem pensar duas vezes.”

Ele jogou a runa no chão.

Profecia Iluminada pela Lua não iria ficar no caminho dele de novo. Ou a runa cedia ou morria. Ele não ia arriscar a vida de Yoru por causa disso depois de todo o dano que já tinha causado — mas ele nem sabia se isso seria o suficiente.

As rachaduras que percorriam sua alma racharam e se alargaram. Era alguns dos piores danos que ele já tinha visto. Se ele começasse a consertá-los agora, havia uma chance de que sua alma desabasse sobre si mesma. Ela precisava da pressão de suas runas retornada antes que ele pudesse remendar as rachaduras.

“Vamos lá, Yoru,” Noah murmurou em voz baixa, virando-se para observar o demônio enquanto suas mãos se apertavam ao lado de seu corpo. “Não há mais nada no seu caminho. É só você e as runas.”

Era uma corrida contra o tempo, e Yoru era quem estava correndo.

Noah tinha feito tudo o que podia.

Agora era a vez dela.

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