Capítulo 804

Diria que eles aguentaram por cerca de dois minutos, mais ou menos. Dito isso, eu não planejava repreendê-los nem dizer que não ajudaram. Aqueles dois minutos realmente me foram muito úteis.

— Behel–LAAAH!

Porque, ao ver Kaislan caído no chão inconsciente e Ainar firme em pé, segurando o braço que estava virado do lado errado, tomei minha decisão.

“Certo, chega.”

Não dava mais para aguentar. Mais precisamente, embora tecnicamente ainda pudéssemos resistir, eu teria que arriscar a vida de alguém.

Com esse cálculo feito, finalmente disse as palavras que estava segurando até então.

— Erwen, dispare.

Talvez fosse o chamado que ela estava esperando. Erwen nem pediu confirmação. Simplesmente saiu do estado de concentração e lançou sua habilidade.

Não fazia ideia de quanto tempo ela tinha carregado o disparo, mas, sinceramente, o efeito que ocorreu quando a flecha foi lançada não foi nada espetacular. Embora, para ser justo, não dava para dizer isso. Afinal, tudo o que conseguimos ver foi a luz ofuscante que preencheu o ambiente. Até mesmo o som do impacto estava além de nossos sentidos. Ainda assim, o tremor que percorreu o ar e passou pela minha pele me disse o quão poderosa aquela flecha realmente era.

Não consegui evitar o arrepio que percorreu minha espinha. Se não fosse pelo efeito do No. 12: Confiança, esse meu corpo em frangalhos provavelmente não teria resistido.

Vwoong!

No entanto, ficar ali parado, impressionado com a destrutividade do disparo, não era uma opção. Havia apenas uma coisa que eu precisava saber: se aquela flecha tinha infligido dano suficiente para matar Sniktura em um único golpe.

Não demorou muito para que eu descobrisse o resultado.

O zumbido ensurdecedor nos meus ouvidos finalmente cessou, e minha visão retornou, permitindo-me enxergar o ambiente ao redor.

As máquinas zumbiam com faíscas e a água no ar evaporava. E além de toda a destruição ambiental, estava… Sniktura, caído no chão, com um buraco enorme no pescoço.

Agora armado com todas as informações que meus olhos podiam perceber, tive um pensamento. Não, para ser preciso, me lembrei de uma conversa que tive há pouco tempo.

— Bill Ironlad. Se não me falha a memória, ele chegou a mudar de nome. Tenho certeza de que era algum nome comum.

Meus pressentimentos nunca jogavam a meu favor.

— Droga.

E assim, assisti enquanto o Sniktura caído com um buraco gigante no pescoço não se transformava em feixes de luz, mas começava a agitar a cauda violentamente.

Falhamos em nossa aposta.

A segunda passiva de Sniktura, após Corpo dos Dez Mil Venenos, o Vislumbre Antes da Morte, era ativada automaticamente quando sua vida caía abaixo de dez por cento, e seus efeitos eram bem simples.

Tornava-se absurdamente forte, embora houvesse algumas desvantagens.

Ele não podia fazer nada durante um minuto após a ativação da habilidade. Mas falando sério, comparado aos bônus absurdos, nem dava para chamar isso de desvantagem. A outra era mais favorável.

Mesmo que o deixássemos naquele estado, ele perderia HP. Em outras palavras, não precisávamos nos preocupar em contornar sua invulnerabilidade para causar dano. Ele morreria com o tempo. Além disso, o Vislumbre Antes da Morte era impossível de cancelar antes do fim da batalha.

Simplificando: ou ele morria, ou todos nós morríamos.

“Acho que levou uns cinco minutos para ele perder 10% da vida?”

Cinco minutos, um tempo que era, de algum modo, curto e ao mesmo tempo excruciantemente longo.

No entanto, reunindo toda a experiência que eu tinha enfrentando Sniktura no jogo, cheguei rapidamente à conclusão: talvez conseguíssemos vencer na porrada se todas as habilidades dele estivessem seladas. Mas em seu estado atual de MP infinito…

“Um minuto.”

Era o suficiente para nos despedaçar.

Ba-dump!

Por mais que eu tentasse encontrar uma esperança, tudo o que conseguia ver era um futuro sem saída.

Restava apenas uma alternativa.

Virei-me para longe de Sniktura e bati com o punho contra a entrada fechada.  

— A-Arta! Já chega! Abra a porta agora! Se morrermos, você sabe que aquela coisa também não vai morrer!

Mas ninguém respondeu.

— Arta! Arta!

Não importava o quanto eu gritasse, não recebíamos nenhuma resposta de volta.

Eu sabia que o comunicador havia sido destruído no caos, mas… será que eles também não conseguiam ver o que estava acontecendo aqui?

Droga.

— S-Senhor?

— O que você está fazendo, Yandel?

— Ela não está se movendo agora. Precisamos agir rápido…

Meus aliados falavam comigo, sem entender o que eu estava fazendo, mas eu não ouvia nada do que diziam.

Pela primeira vez em muito tempo, senti o desespero. Sempre tentei manter a cabeça fria e agarrar qualquer possibilidade de sobreviver, por menor que fosse, mas agora… não havia mais nada que pudéssemos fazer.

Finalmente me virando para encará-los, admiti:

— Acabou.

— Eh…?

— Me desculpem, pessoal. Meu erro colocou todos vocês na morte.

— Espera, o que você tá dizendo…?

— Aquela coisa vai se mover em breve, e aí vai ser o fim pra gente — expliquei. — Me desculpem. Sinto muito mesmo.

Todos puderam ver em minha expressão. Eu não estava brincando. A realização começou a surgir neles.

— Se alguém tiver algo a dizer, diga agora. Logo, nem terão mais tempo pra isso.

Embora eu estivesse falando com meus aliados, também estava dizendo isso a mim mesmo. Já tinha visto inúmeras mortes na minha jornada até aqui. A criatura chamada ‘humano’ tornava-se surpreendentemente forte em seus momentos finais, mas também se tornava assustadoramente frágil. A carapaça que haviam construído para si mesmos se desfazia aos poucos, e verdades que estavam presas fundo em seus corações vinham à tona.

Assim como estava acontecendo comigo naquele momento.

Mesmo que Amelia não estivesse aqui conosco, eu não podia levar isso para o túmulo.

— Erwen, Missha. Escutem bem. Na verdade, eu…

Aconteceu justo quando eu ia continuar.

— A-Agente…!

— Hã? — perguntei, surpreso.

— Agente das Estrelas!

Um brilho intenso de luz sagrada surgiu de algum lugar.

Shwooosh!

A luz prateada era ao mesmo tempo quente e majestosa, me paralisando de tanto choque enquanto minha mandíbula caía.