Capítulo 25
Regas
Abel está morto.
Melmond, que saiu da prisão apenas alguns dias depois, recebeu a notícia e foi direto para a biblioteca, com uma expressão apática.
Na noite em que tudo aconteceu, Abel havia usado roupas emprestadas e amarrado Melmond com uma corda, como se Melmond estivessendo sendo ameaçado por Abel, e não sendo seu cumplice. Contudo, ainda sim, Melmond não escapou do castigo.
Provavelmente seria expulso da biblioteca em breve por causa disso. Mas agora, isso já não importava.
Era como se seu coração tivesse sido esmagado. Ele não conseguia sentir o impacto nem da morte de Abel nem da iminente perda de seu trabalho na biblioteca.
Pouco depois de retornar à biblioteca, Melmond recebeu a notificação que esperava. Seria removido de seu cargo. A pessoa que veio pessoalmente para informar foi, para seu azar, um sacerdote.
“Esta biblioteca será fechada em breve. Assim, no futuro, não precisaremos ceder um posto a alguém inútil como você. Eu gostaria de expulsá-lo imediatamente, mas darei três dias para que organize suas coisas uma última vez. Faça as malas e saia. Entendido?”
Melmond não reagiu à ordem do sacerdote, exceto por um breve olhar. Limitou-se a organizar silenciosamente o espaço onde trabalhava.
O sacerdote ficou furioso com a indiferença e levantou a voz.
“Por que você não responde?! Não está me ouvindo? Para começo de conversa, este nunca foi um lugar para alguém tão incompetente como você. Você deveria ao menos ser grato por ter permanecido no palácio por tanto tempo. Mas o que é essa expressão no seu rosto?!”
Dessa vez, Melmond nem sequer olhou para o sacerdote. Era como se estivesse ignorando o som de um cachorro latindo.
O rosto do sacerdote ficou imediatamente vermelho de raiva.
Bang, bang, bang.
Ele caminhou até Melmond com passos pesados e, com um movimento brusco, varreu a mesa onde ele estava organizando os livros.
Thud, thud, thud.
Vários livros e dezenas de folhas de papel voaram e caíram no chão.
Melmond olhou para os itens caídos, inclinou-se calmamente e começou a recolhê-los.
O sacerdote, com os olhos semicerrados, cuspiu palavras ásperas:
“Felizmente, aquele tal de Abel chamou a atenção do príncipe. Mas, de qualquer forma, todos sabem o quão medíocre é a sua posição. O mestre da sua seita via o futuro através de sonhos, não é? Que absurdo! Onde ouviu essas baboseiras? Sobre o dragão de olhos cinzas queimando o palácio…”
Clack.
Melmond parou abruptamente de se mover e, lentamente, endireitou as costas.
O sacerdote imediatamente interrompeu o que estava dizendo.
Melmond se levantou e o encarou com um olhar que parecia capaz de matá-lo.
“O-o que foi?”
“Como você sabe disso?”
“O que você quer dizer?”
“Olhos cinzentos. Eu nunca disse que o dragão que queimou o palácio tinha olhos cinzas.”
Uma expressão de confusão passou pelo rosto do sacerdote, mas ele logo pigarreou e respondeu:
“Ah, sim… Se não foi você, deve ter sido alguém chamado Abel.”
“Ele também nunca mencionou isso.”
“… … .”
“Bem… Entendi. De onde você ouviu isso?”
O olhar de Melmond tornou-se sombrio, fazendo o sacerdote recuar um passo, assustado. Mesmo assim, ele gritou em voz alta:
“O que você sabe?!”
Mas Melmond permaneceu em silêncio, apenas encarando-o.
Afinal, além dele e de Abel, só havia mais uma pessoa que poderia ter revelado os detalhes do sonho sobre os olhos cinzas: O próprio dono do sonho.
De repente, imagens dos rastros deixados na casa de Melmond, no dia da morte de Weedle, passaram por sua mente.
E se as mortes dos superiores tivessem sido obra deles?
A respiração de Melmond ficou ofegante.
Eu deveria ter suspeitado mais. Deveria ter sido mais cuidadoso com o Coração do Rei.
Se tivesse sido, talvez Abel pudesse ter sido salvo.
Mesmo assim, Melmond apenas cerrou os dentes, inclinou-se novamente e continuou a recolher os papéis do chão.
Ficar com raiva não mudaria nada. Ele tinha outras coisas mais importantes a fazer.
O sacerdote o observou por um momento, gritando palavras de pânico, mas, ao não receber qualquer resposta, saiu furioso.
Bang!
Quando a porta foi fechada com força, Melmond interrompeu a organização de sua mesa e pegou papel e uma caneta.
Depois, dirigiu-se à estante e retirou um livro. Era o registro que havia deixado de transcrever.
Melmond começou a trabalhar em silêncio, copiando o restante dos registros.
Por três dias, não voltou para casa, completamente absorto no trabalho. Enquanto escrevia os últimos fragmentos, um visitante inesperado chegou à biblioteca.
Melmond levantou a cabeça ao ouvir o som de passos e viu a pessoa se ajoelhar no chão, chorando.
Era Seirin, a criada que ele costumava encontrar de vez em quando quando ia visitar Abel.
“Eu… eu sinto muito. Por minha causa… Ele morreu por minha culpa. Fui eu que o envenenei.”
Seirin estava com o rosto encharcado de lágrimas e começou a contar a Melmond sua história, como em uma vã tentativa de expiar seus pecados.
Embora suas palavras fossem confusas e intercaladas por soluços, ficou claro quem havia matado Abel.
Melmond ouviu tudo com uma expressão sombria até que, em certo ponto, interrompeu suas palavras:
“Você disse… poção negra?”
**
“Apaguem tudo.”
Todos na sala inclinaram a cabeça e saíram rapidamente. Afinal, quem havia dado a ordem era o rei, e ninguém ousaria desobedecê-lo.
Quando todos desapareceram, ele deu uma risada baixa enquanto olhava para a comida espalhada pelo chão em meio ao caos. Parecia achar algo engraçado na situação.
“Parece que você pensa demais, mas estando no palácio, não tem escolha a não ser fazer o que eles desejam.”
As palavras do rei eram dirigidas ao príncipe, que estava com os olhos vendados. No entanto, o menino permaneceu imóvel, como uma boneca, sem reagir.
O rei observou o príncipe em silêncio por um momento antes de caminhar até o chão coberto de pratos quebrados.
“Se você gostar de alguém, essa pessoa morrerá. Se você gostar de um lugar, ele queimará. E se você não quiser comer…”
O rei se abaixou e pegou um dos pedaços de prato quebrado.
“… eles vão forçar a comida na sua boca.”
Depois de dizer isso, ele caminhou lentamente em direção ao príncipe.
O menino estava sentado atrás de uma mesa coberta de restos de comida espalhada.
O rei inclinou a cabeça para o lado, riu baixo e, de repente, levantou a mesa, virando-a com força.
Bang!
A mesa rolou pelo chão com um estrondo.
No entanto, assim que o som ecoou, a porta se abriu com um estrondo e alguém entrou correndo.
Sem permissão e sem hesitar, a pessoa ficou entre o príncipe, sentado na cadeira, e o rei.
Interferir com o rei era um crime grave, muito mais sério do que interferir com a rainha.
Ainda assim, Ashler cerrou os dentes, inclinou a cabeça em respeito e ajoelhou-se diante do rei.
“Você está no meu caminho. Não sabe que isso significa a sua morte?”
O rei perguntou friamente, enquanto Ashler, já ajoelhado, baixava ainda mais a cabeça.
“Majestade, peço misericórdia. O príncipe já sofreu ferimentos graves nos olhos. Não faz muito tempo que ele se levantou do leito. Tenha compaixão…”
“Então, quer dizer que eu não posso bater nele?”
“…”
“Hahaha, isso é engraçado. Muito engraçado. Hahaha!”
O rei começou a rir, sacudindo os ombros como se realmente achasse aquilo divertido.
Ashler olhou para ele com olhos temerosos, mas logo desviou o olhar para o chão.
Provavelmente morreria por aquela ousadia. O capitão da guarda o acusaria de traição antes de ser levado à execução.
Mas, no momento em que ouviu o som na sala do príncipe, não conseguiu se conter.
A morte de Abel havia mudado algo em Ashler.
Pensar no rosto sorridente de Abel, carregando o príncipe enquanto fugia para o bosque, fazia parecer que nada mais importava.
Naquele instante, ele só queria proteger o príncipe.
Ashler aguardou em silêncio a ordem do rei que o condenaria.
Mas o que ouviu foi algo inesperado.
“Feche a porta.”
“… O quê?”
Ashler ergueu a cabeça, surpreso, enquanto o rei apontava para trás dele.
“Feche a porta.”
Só então ele percebeu que a porta pela qual havia entrado ainda estava entreaberta.
Mas por que essa ordem?
Atordoado, não conseguiu se mover de imediato, mas, ao encontrar o olhar impaciente do rei, apressou-se em fechar a porta e voltou para onde estava.
Enquanto isso, o rei permanecia em silêncio, observando o príncipe.
Ashler não ousou perturbar sua contemplação, então permaneceu em pé ao lado dele.
Após alguns momentos, o rei desviou o olhar para Ashler e perguntou:
“Você gosta do campo?”
Ashler ficou confuso com a pergunta inesperada e respondeu, de maneira hesitante:
“Sim. Eu cresci no campo.”
“Então você pode ir embora.”
O que isso significa?
Em vez de matá-lo, o rei estava sugerindo exílio no campo?
Enquanto Ashler tentava processar tudo, o rei voltou seu olhar para o príncipe.
O menino, vendado, deveria estar ouvindo toda a conversa, mas não reagiu. Mesmo quando o rei começou a falar coisas estranhas:
“Cinco anos. Não, no máximo seis anos. Esse é o tempo que posso garantir para você. O resto é por sua conta. Viver ou morrer dependerá de você.”
Dizendo isso, o rei deu um passo para trás e, de repente, levou o pedaço de prato quebrado ao rosto.
Antes que Ashler pudesse reagir, o rei cortou sua própria face com o objeto.
Sangue escorreu pela bochecha, acompanhando o traço irregular da borda do prato.
Mas, para o choque de Ashler, uma risada escapou dos lábios do rei.
“Se quer um conselho, é melhor manter a venda nos olhos.”
Clack.
O prato caiu das mãos do rei.
Ele deu um passo para trás e, de repente, gritou em direção à porta:
“Guardas! Há alguém aí?!”
Logo, um soldado entrou apressado, e o rei apontou para o príncipe antes de dar sua ordem:
“O príncipe me ameaçou e teve a audácia de me ferir! Tranque esta sala imediatamente, impeça o príncipe de escapar e convoque os ministros agora mesmo!”
Na reunião convocada às pressas pelo rei, os ministros não conseguiam esconder sua perplexidade.
Afinal, era a primeira vez que ele chamava uma assembleia desde que subira ao trono.
E a pauta parecia mesquinha: ele afirmava que, tendo sido ferido, o responsável precisava ser punido.
“Este é um complô cruel para me desacreditar, a mim, o rei, e prejudicar este reino!”
Os ministros trocaram olhares incrédulos, mas em silêncio.
As feridas no rosto do rei não haviam sido tratadas, deixando evidente o “crime”.
Finalmente, um deles perguntou, hesitante:
“Majestade…, mas a pessoa que o feriu…, não foi o príncipe?”
“Então, isso não é um problema ainda maior? Significa que ele está mirando no meu trono.”
O que poderia almejar um menino cego de apenas oito anos?
Ainda assim, a expressão do rei estava cheia de irritação, como se enfrentasse uma ameaça real.
Embora não fosse conhecido por cuidar dos assuntos reais — considerando que este frequentemente se encontrava vagando sem rumo, com um regas pendurado nos braços —, os ministros sabiam muito bem como ele podia ser obstinado.
E, geralmente, essa teimosia era sobre coisas triviais, sem motivo para preocupações maiores.
Mas quando se tratava do príncipe, a história era outra.
“Majestade, o príncipe ainda é jovem. Com um coração generoso, poderíamos…”
“Quer que eu seja generoso e veja meu trono ser arrancado? Não diga bobagens.”
O rei interrompeu bruscamente, como se cortasse as palavras com uma lâmina afiada.
Então, lançou um olhar gelado aos ministros e declarou:
“Exilem o príncipe.”
“Isso é inaceitável, Majestade.”
Trud deu um passo à frente, encarando o rei.
“O príncipe é uma figura de linhagem nobre. Ele é o único herdeiro do trono. Qualquer lugar fora do palácio seria perigoso para ele. Não podemos arriscar enviá-lo para um local onde sua segurança não esteja garantida.”
“O palácio é seguro?”
Diante do sarcasmo do rei, Trud respondeu hesitante:
“Perdão?”
Imediatamente, ouviu algo que parecia misturar-se com risadas amargas.
“O palácio real é realmente um lugar seguro? Um lugar onde a floresta sagrada, que esteve fechada ao público por centenas de anos, queima em um instante?”
“…”
Trud, pela primeira vez, mordeu o lábio inferior, incapaz de responder.
Os outros membros do Corações do Rei trocaram olhares perplexos.
O rei, que nunca antes havia contestado seus trabalhos, agora estava questionando diretamente.
E contestar aqueles que detinham o controle do palácio e da substância, poderia significar na perda do medicamento que tanto desejavam.
Mas, desta vez, ele parecia diferente.
“Não importa o quanto eu seja chamado de Rei Espantalho, é extremamente desagradável que o Bosque do Dragão e parte do palácio tenham sido destruídos sem a minha permissão.”
Seus olhos voltaram a encarar os ministros em silêncio, que ainda estavam mudos diante de suas palavras.
Então, ele falou novamente, agora em um tom baixo e ameaçador:
“Envie o príncipe para um lugar remoto onde não haja pessoas.
Coloque apenas um cavaleiro e uma criada para acompanhá-lo e proíba qualquer ajuda externa.
Certifique-se de que o cavaleiro escolhido seja alguém que tenha testemunhado a suposta traição do príncipe, mas que não conseguiu detê-lo, para que ambos possam expiar suas falhas no exílio. E lembre-se: o príncipe nunca deve ser convidado de volta ao palácio sem o meu perdão.”
O rei deu sua ordem, mas os membros do Corações do Rei, responsáveis por decidir os próximos passos, discutiram o assunto por horas.
Se quisessem, poderiam simplesmente suspender o fornecimento do remédio ao rei até que ele cedesse.
Contudo, o fato de o rei ter mencionado abertamente o Bosque do Dragão complicava a situação.
Era evidente que o rei tinha razões justificáveis para estar irritado: o bosque, queimado sem sua permissão, era um assunto delicado.
Se a justificativa para o exílio do príncipe estivesse atrelada ao incêndio, seria difícil até mesmo para o Corações do Rei recusar.
O que o rei parecia propor era um tipo de troca: se aceitassem exilar o príncipe, ele perdoaria a destruição do bosque.
Era algo que não se via frequentemente da parte dele.
“Agora que o príncipe está mais fácil de controlar, penso que seria apropriado enviá-lo ao exílio.
De qualquer forma, ele é cego; mesmo que cresça, não poderá fazer muito.”
Todos, exceto Trud, assentiram em concordância com essa opinião.
Logo, Nohox se apressou em apoiar a ideia:
“Você está certo. No momento, o mais importante é agradar ao rei. Podemos enviar o príncipe para o exílio agora para apaziguá-lo e trazê-lo de volta quando as coisas se acalmarem. Além disso, mesmo que o local seja remoto, não haverá perigo desde que haja soldados para cuidar dele, certo?”
Então, como se tivesse se lembrado de algo, acrescentou:
“Felizmente, a criada que enviaremos com o príncipe tem um filho adequado para a tarefa. Esse garoto já foi envenenado pela comida do Abel e acredita que o príncipe é um demônio. Portanto, não será preciso se preocupar com o uso de poções negras contra ele.”
Nohox até mesmo sugeriu pessoas específicas para acompanhar o príncipe, mas Trud, mesmo assim, continuava de cenho franzido e não expressava sua opinião.
“Mas parece que o Duque Trud é contra…?”
Nohox o encarou, esperando que ele falasse.
Trud, então, olhou ao redor para os outros e disse:
“Não é bom que o príncipe fique fora do nosso alcance. Acredito que ele deve permanecer no palácio.”
“Mas Sua Majestade está claramente descontente. O que podemos fazer sobre isso?”
“Com o tempo, Sua Majestade acabará cedendo.”
“Mas com o tempo, seremos conhecidos como aqueles que queimaram o Bosque do Dragão.
Não importa o quanto de poder tenhamos, o estigma de destruir algo sagrado nunca nos beneficiará.”
Nohox acrescentou em tom de forte protesto.
“O que precisamos agora é de um rei que nos apoie. Precisamos de uma justificativa adequada. Não sabíamos disso quando o Duque Trud decidiu queimar o bosque.”
Embora todos tivessem concordado em queimar o bosque, ao surgir uma complicação, os outros passaram a olhar para Trud como Nohox e a culpá-lo.
Trud franziu o cenho, percebendo que a situação não lhe era favorável. Dessa vez, teve de observar enquanto os demais decidiam seguir os desejos do rei.
Mas o desconforto que sentia não vinha disso.
Ele simplesmente sentia que algo estava errado.
Embora tudo parecesse estar caminhando normalmente, havia algo estranho, como se estivesse caindo em um abismo.
Seria porque, de repente, o rei havia reunido os ministros e dado a ordem de exilar o príncipe?
Como castigo, o Coração do Rei, não concedeu poção alguma à refeição do rei naquele dia.
No entanto, o rei riu baixinho, mesmo que suas mãos e pés tremessem devido aos sintomas de abstinência.
“Ah, Sua Majestade…”
Regas, que era tão magro quanto a mulher ao lado dele, o chamou em surpresa. Mas o rei não conseguia parar de rir, feliz como estava.
O príncipe havia sido enviado para um lugar remoto, conforme sua vontade.
Devido a isso, ele sabia que ficaria sem sua poção por alguns dias, o que certamente seria doloroso.
Mas o rei não podia evitar o riso.
Ele se lembrava claramente das expressões de surpresa e constrangimento quando ordenou o exílio do príncipe e mencionou o Bosque do Dragão.
Enquanto seu riso diminuía, ele recordou-se de quem o havia levado a esse ponto.
Ou, mais precisamente, das palavras ditas por aquela pessoa.
Realmente, não foi nada especial. Apenas uma frase.
“Majestade.”
O que ele disse sobre a Fonte da Oração tinha sido apenas para incomodá-los.
Ele estava irritado com aquele Regas, que se agarrava ao príncipe e o observava em silêncio. A Fonte da Oração, que para ele não era nada, foi descrita como se guardasse um grande segredo. Então, ele esperava que Regas apenas desesperasse em vão. Porque o príncipe Regas parecia tão sereno, mesmo sabendo que sua morte era inevitável. Porque o príncipe dizia absurdos sobre o quanto ele era forte.
Mas, quando o Rei terminou de falar o que queria, virou-se para ir embora, mas o Regas o chamou.
O rei parou e se virou novamente, e esperou ansioso que ele perguntasse: Que segredo poderia estar escondido na Fonte da Oração? Ele poderia dar mais detalhes? O rei imaginava que ouviria súplicas ou pedidos desesperados. Contudo, quando seus olhares se encontraram, o Regas o encarou calidamente com seus olhos verdes e disse apenas:
“A vida de Sua Majestade ainda não acabou.”
O rei ficou paralisado, sem conseguir afastar seus olhos daquele rosto feio e sorridente. No entanto, sem conseguir entender os motivos que o levar a se surpreender tanto ao escutar aquele Regas. Talvez fosse porque essas palavras era exatamente o contrário da verdade. Era como se sua vida houvesse terminado há muito tempo.
Tudo o que ele fez foi viver como um espantalho e passar o tempo se afogando em mentiras e bebidas. Mas isso não havia acabado. No início, o rei estava extremamente irritado pelas palavras de uma criança que não sabia de nada, mas isso logo mudaria.
“Disseram que o Regas do príncipe está morto”
O Regas do rei, que contou a notícia entre risos, como se achasse divertido aquele Regas correr até o bosque, e morrer abraçado com o príncipe. Em frente a fonte de orações. O bastardo idiota realmente morreu em vão, como o rei havia previsto.
Mas não houve risos. Já não era divertido. Por mais estranho que pareça, embora tenha tomado remédio naquela noite, o rei sentia que sua mente estava clara. Era como se tudo tivesse voltado ao normal, tudo parecia claro. Enquanto passava a noite sozinho, depois de morder Regas, o rei pensou de repente: “Vamos viver a vida, nem que seja um pouquinho.”
**
Ashler sentiu que aquele lugar se parecia com uma floresta de dragões. A floresta era formada por árvores, então a maior parte era similar, mas era essa a sensação. O pequeno castelo onde o príncipe estava exilado não passava de um castelo e uma casa encantada em ruínas.
O príncipe não podia ter ninguém ao seu lado, a não ser ele mesmo, um cavaleiro e uma donzela para cuidar dele. Então, os soldados de Ashler instalaram postos de guarda ao redor do castelo, a uma certa distância. A segurança era bastante rigorosa, então não havia com o que se preocupar em relação a uma invasão externa, mas o problema era próprio o príncipe.
O príncipe nem sequer permitia que trocassem o curativo para aplicar o remédio. Com os curativos amarelos ainda ao redor de seu rosto, o príncipe estava sentado como uma boneca em seu novo lugar. Ashler se ajoelhou diante dele naquela primeira noite e suplicou:
“Por favor, permita que eu trate suas feridas.”
Dessa vez também não houve reação. Enquanto pensava nisso, o príncipe reagiu inesperadamente. Lentamente, ele levantou a mão, procurou tateando o lugar onde a venda estava amarrada e começou a desfazê-la. Ashler se assustou e rapidamente se levantou para ajudar.
“Príncipe, deixe-me ajudá-lo…”
“A partir de agora…”
Quanto tempo se passou desde a última vez que ouviu essa voz? Ashler se sobressaltou ao ouvir a voz do príncipe e ficou paralisado. O príncipe desatou o curativo e começou a removê-lo lentamente. Lentamente, mas com uma voz clara.
“O que eu vi.”
Uma volta, duas voltas. O curativo bem enrolado caiu como uma serpente branca.
“Se você disser isso em voz alta…”
Ashler olhou fixamente nos olhos do príncipe, todo enfaixado, como se estivesse sob um feitiço. Não havia danos visíveis nos olhos fechados. Apenas pálpebras suavemente fechadas.
“Você…”
Os olhos fechados se abriram lentamente, revelando as pupilas. Eram os olhos de uma pessoa comum. Nem sequer eram amarelos. Olhos cinzas, muito comuns. Meu Deus! Quando Ashler respirou fundo, ouviu uma voz arrepiante, difícil de acreditar que fosse a de uma criança.
“Eu vou te destruir.”
Os olhos cinzas se transformaram instantaneamente em lâminas, como se seguissem a vontade do príncipe. Como os olhos de serpente de antes.