Capítulo 24
Regas
ra meia-noite, e as únicas pessoas capazes de detê-la eram alguns poucos soldados de guarda. Mas, ao verem que se tratava da rainha, é claro, hesitaram em impedi-la. O mesmo aconteceu com Naburaeng, o cavaleiro presunçoso que ousara segurar seu pulso não muito tempo atrás.
Seus olhos estavam contorcidos enquanto olhava para ela, mas ele inclinou a cabeça e a deixou entrar no quarto do príncipe. Se a rainha ainda tivesse um pouco de senso comum, teria o repreendido duramente, mas naquele momento, ela estava desesperada.
Sozinha e sem servas, a rainha entrou no quarto do príncipe segurando um castiçal em uma das mãos.
Onde está?
Ajoelhou-se e começou a vasculhar o chão à luz das velas. Seu coração estava acelerado, e sua garganta ardia devido aos sintomas de abstinência das drogas. Onde está?
O nervosismo a consumia. Precisava encontrar o frasco rapidamente. Engatinhava pelo chão como um animal, quando de repente levantou a cabeça.
A distância, dois olhos amarelos brilhavam na escuridão, fixos nela. Um calafrio percorreu todo o seu corpo.
O diabo estava olhando para ela.
A rainha apertou as mãos trêmulas e encarou aqueles olhos amarelos. A fonte de toda a minha infelicidade.
Se ao menos esses olhos amarelos não estivessem ali…
Enquanto amaldiçoava internamente, sua mente confusa chegou a uma conclusão equivocada.
Ah, sim. Isso resolve o problema.
A rainha levantou-se lentamente, caminhando passo a passo em direção aos olhos amarelos.
“Hehehe.”
Ela soltou uma risada curta e, com a outra mão, agarrou uma caneta de ponta afiada que havia encontrado em uma mesa próxima.
Com os olhos amarelos se aproximando, a rainha levantou a mão, determinada.
Vamos nos livrar desses olhos.
*
Após receberem a notícia, a maioria dos líderes do Coração do Rei, que haviam se reunido ao amanhecer, franziu o cenho ao ouvir o relatório do sacerdote.
“Ela o esfaqueou nos olhos?”
“Sim.”
“Maldição! Como vocês gerenciaram a rainha? Vocês deveriam tê-la monitorado adequadamente!”
Enquanto Nohogs era o primeiro a elevar a voz, alguém rapidamente perguntou sobre o estado do príncipe.
“E qual é a condição do príncipe?”
O sacerdote hesitou, engoliu em seco, e finalmente respondeu:
“Bem… ambos os olhos foram perfurados com a caneta… Felizmente, ele está fora de perigo, mas… temo que esteja permanentemente cego.”
Estalo.
O som de alguém batendo com força na mesa ecoou pela sala. Nunca antes algo assim havia acontecido. Por mais insana que a rainha fosse, nunca tinha chegado ao ponto de incapacitar o príncipe. Dessa vez, havia sido demais.
Será que não erraram ao ajustar a medicação para a rainha?
Todos os olhares estavam voltados para Trud, responsável por administrar o medicamento e decidir sua dosagem. Contudo, ele parecia extremamente calmo. As palavras que saíram de sua boca foram ainda mais chocantes:
“Qual é o problema?”
“Duque Trud! Como pode dizer isso ao ver a situação? Não percebe que isso representa um problema para o futuro rei do país? O rei deste reino não é apenas um governante; para o povo, ele é uma figura divina. Mas, se um rei assim não consegue enxergar…”
“É melhor do que ter um ‘mau-olhado’.”
As palavras de Trud fizeram a sala mergulhar em silêncio absoluto. Ele observou os que agora estavam calados e torceu os lábios em um sorriso.
“Agora, não há necessidade de rumores sobre o príncipe ser um demônio, ou de vê-lo indo ao bosque desnecessariamente para causar problemas. Mesmo aqueles que tinham medo dele e hesitavam em se aproximar agora poderão ajudá-lo sem hesitação. Então, onde está o problema? Tudo saiu a nosso favor.
“Não é algo pelo qual deveríamos estar felizes?”
*
Dois dias após o incidente, Abel finalmente recebeu notícias sobre o príncipe. Foi apenas quando recuperou a consciência que conseguiu entender o que havia acontecido.
Ao abrir os olhos, Abel sentiu instintivamente que aquela poderia ser sua última oportunidade de ver o mundo. Precisava, de alguma forma, se levantar e fazer algo.
Mas o que o aguardava eram notícias terríveis.
“Desculpe. Eu não deveria ser o primeiro a te contar essa notícia logo que acordasse.”
Melmond, que veio correndo ao ouvir que Abel havia recobrado a consciência, olhava para ele com olhos tristes. Abel parecia chocado e confuso. Melmond hesitou em decidir se deveria contar ou não.
Quem olhasse para Abel pensaria que ele estava à beira da morte. Por isso, Melmond queria que, ao menos em seus últimos momentos, ele se sentisse confortável. Mas as primeiras palavras de Abel ao vê-lo foram estas:
“Me sinto estranho. O príncipe… ele está sofrendo em algum lugar?”
Como você soube?
Era como se Abel tivesse adivinhado como um fantasma. Seria bom se pudessem rir e brincar sobre isso. Mas Melmond não conseguia fazer uma piada dessas, porque temia começar a chorar. Nem conseguia mentir.
“Felizmente, parece que a rainha será completamente isolada por causa desse incidente. O príncipe nunca mais será ferido por ela.”
“Por quê?”
“O quê?”
Abel perguntou em voz baixa, a voz tremendo.
“Obviamente, no sonho, o futuro estava melhorando. Então por que isso aconteceu com o príncipe? Será que… eu estava errado em acreditar nos sonhos?”
A voz de Abel soava como um choro silencioso, sem lágrimas. Melmond percebeu isso, e não conseguiu encontrar palavras para responder ao garoto que sempre sorria. Como posso dizer que acreditar no sonho pode ter sido um erro desde o começo?
“Abel. Isso não é culpa sua. Isso é…”
“Eu não posso aceitar isso. Se está errado, precisamos corrigir agora. Precisamos mudar isso agora.”
Abel forçou-se a levantar, mesmo que suas pernas não conseguissem sustentá-lo direito. Melmond segurou seu braço rapidamente, tentando impedi-lo.
“Para onde você vai nesse estado? Você não pode fazer nada de qualquer jeito!”
Apesar da realidade dita em voz alta, os olhos de Abel estavam endurecidos com determinação. Ele segurou firmemente o braço de Melmond e sussurrou baixinho:
“Roupas. Por favor, me empreste.”
*
Abel já sabia onde ficavam os guardas do palácio do príncipe.
Era um lugar naturalmente mais silencioso do que outras partes do castelo, então ninguém notou que Abel se movia silenciosamente na escuridão. Era fácil atrair os sentinelas que estavam em seu caminho.
Bastou um pequeno ruído com uma pedra do lado de fora, e o guarda que patrulhava saiu bocejando.
Talvez essa seja uma oportunidade enviada pelos céus.
Diziam que, amanhã, o príncipe seria transferido para outro lugar por causa de seus ferimentos. Então, essa era a única oportunidade de vê-lo.
Abel correu apressadamente, de forma instável, pelo longo corredor. Sentia como se o ferimento em suas costas tivesse se aberto novamente, e o sangue estivesse escorrendo. Mas não tinha tempo para se preocupar com isso.
Como se o céu realmente estivesse ao seu lado, o guarda que estava diante da porta do quarto do príncipe dormia, encostado contra a parede. Apesar das mudanças desde que Ashler chegou, aquilo mostrava o quão frouxa era a segurança geral ali.
Aquilo era sorte para Abel. Não, era um milagre para alguém como ele, que mal conseguia se manter de pé devido à febre.
Com passos trêmulos, Abel se aproximou do príncipe, que tinha uma bandagem branca cobrindo os olhos.
“Príncipe. Príncipe.”
Chamou suavemente várias vezes. Após alguns instantes, uma pequena mão se levantou. Ela tateava o ar, buscando o dono daquela voz. Abel segurou a mãozinha com firmeza e abaixou a cabeça. Um sussurro fraco saiu de seus lábios:
“Quer ir brincar na floresta comigo?”
O corpo de Abel estava tão debilitado que carregar o príncipe era quase impossível. Contudo, o menino também tinha febre por causa do ferimento no olho e não conseguia dar um único passo.
Com braços tremendo, Abel reuniu toda a força que restava e continuou a avançar, mesmo com as pernas prestes a ceder.
Vamos para a floresta.
Não tinha um plano, mas o bosque surgiu naturalmente em sua mente. Era o lugar mais seguro para ambos.
Chegou ofegante até a entrada da floresta, percorrendo o caminho familiar que usava todos os dias. Estranhamente, ninguém vinha atrás dele.
Porém, meio inconsciente devido ao veneno e ao ferimento, Abel não percebeu isso. Só quando precisou atravessar o jardim e passar o muro que levava à floresta foi que percebeu.
Alguém estava ajudando.
De repente, seu caminho foi bloqueado.
“Ah…”
Abel deu um passo atrás, segurando o príncipe firmemente nos braços para não deixá-lo cair. Então, a pessoa que bloqueava o caminho emergiu da sombra das árvores, entrando na tênue luz do luar.
“Aqui não.”
“Oh… senhor Ashler?”
Abel reconheceu a voz e tentou enxergar à frente, mas sua visão estava turva. Felizmente, a outra pessoa se aproximou, e ele conseguiu identificá-la.
“Os soldados já foram enviados para procurar o príncipe e você, Abel. Se for entrar na floresta, não use este caminho.”
Ashler segurou levemente o cotovelo de Abel, conduzindo-o para se esconder na escuridão. Assim como ele havia dito, não demorou muito para que soldados com tochas passassem correndo exatamente pelo lugar onde eles estavam parados.
Ashler abaixou o corpo de Abel e o guiou por um caminho pouco usado. A jornada levou algum tempo, pois precisaram parar repetidamente para se esconder, mas, no fim, conseguiram alcançar outra entrada da floresta sem serem detectados.
Era noite, mas Ashler conseguia ver a densa névoa que pairava adiante.
“Vá rápido.”
Ele apontou na direção da névoa, e Abel começou a se mover. Mas logo parou e olhou para Ashler novamente. Ele estava de costas para ele, examinando atentamente os arredores para garantir que ninguém os seguisse.
“Obrigado.”
Abel agradeceu à figura de costas, mas Ashler, sem sequer virar a cabeça, respondeu diretamente enquanto continuava vigilante:
“Quer que eu seja pego? Por favor, vá logo.”
Abel assentiu e inclinou a cabeça em sinal de gratidão. Antes de partir, adicionou algo, envergonhado pela ousadia de pedir mais, mesmo após ter recebido ajuda:
“Mesmo que as coisas dêem errado, fique ao lado do príncipe, por favor.”
*
Quando foi chamado ao amanhecer pela segunda vez, até mesmo Trud demonstrava sinais de irritação. Contudo, Nohoxs, que havia sido contactado primeiro, gritou assim que o viu:
“Por que só aparece agora?! O príncipe…”
“Dizem que ele foi sequestrado.”
Trud sentou-se em uma cadeira, passou a mão pela franja e pediu que seu assistente lhe trouxesse chá. Sua postura relaxada irritou Nohoxs, que se aproximou com o rosto distorcido de raiva.
“Chá? Não é hora de beber chá tranquilamente! O Regas do príncipe levou o menino. Para a floresta dos Dragões, ainda por cima!”
Trud finalmente reagiu ao ouvir o nome Floresta dos Dragões.
“Entraram no Bosque dos Dragões?”
“Revistamos todo o palácio e não encontramos nada. O único lugar para onde eles podem ter ido é o Bosque dos Dragões. Ou será que existe outro lugar que ele consideraria seguro? Além disso…”
Nohox entregou a Trud o pedaço de papel que segurava.
“Encontrei isso no quarto dele. Está escrito algo sobre uma ‘Fonte de Oração’ e há um desenho do interior do bosque. Tenho certeza de que eles estão tentando chegar lá.”
Trud observou o papel, pensativo, antes de perguntar como se algo tivesse lhe ocorrido:
“Mas esse Regas não deveria estar morto?”
O tom parecia casual, mas o olhar de Trud era afiado. Afinal, Nohoxs, responsável pela administração do palácio do príncipe, estava usando o arquivista para envenenar Abel.
“Tenho certeza de que ele foi envenenado. Mas aquele maldito…”
Nohox apertou os dentes e soltou um suspiro frustrado.
“Eu achei que a vida de alguém que já estava tão destruído não duraria tanto.”
Trud encarou Nohox com indiferença e deu de ombros, como se não importasse mais.
“Ele tem um histórico de resistir ao veneno e permanecer acordado mesmo após doses altas. Isso foi um erro do Marquês Nohox por não levar isso em consideração. Mas, se você conseguir capturá-lo, o problema estará resolvido.”
“E o problema é que você não consegue capturá-lo.”
Trud perguntou calmamente: “Então, por que simplesmente não entramos no bosque e o encontramos?”
Nohox ficou tão chocado que nem conseguiu responder imediatamente, limitando-se a encarar Trud. Será que ele perdeu a cabeça de vez?
“Você tem ideia do que acabou de dizer? É o Bosque dos Dragões! O Bosque dos Dragões! Você acha que é só entrar e encontrá-lo? Se eu pudesse entrar lá, já teria resolvido tudo!”
Nohox gritou e deu meia-volta, exasperado. Se Trud continuasse com aquelas ideias absurdas, precisaria reunir outras pessoas e buscar outra saída. Ele estava prestes a sair pela porta quando ouviu uma resposta tranquila vinda de trás:
“E se eu puder entrar?”
Quando Nohox se virou, surpreso, viu Trud sorrindo para o céu ainda escuro.
“Há uma maneira de passar. Algo pode entrar.”
*
Não era fácil atravessar o bosque confiando apenas na tênue luz da lua. Mesmo para quem conhecia bem o caminho, obstáculos inesperados poderiam surgir a qualquer momento, atrasando o avanço.
Ainda assim, Abel não parou. Com determinação, conseguiu encontrar o campo. Além dele, havia um lago. Segundo a descrição, bastava encontrar a grande faia no extremo esquerdo do lago para chegar ao destino.
“Ha… Príncipe, este é o campo onde sempre almoçávamos. Hoje… Ha, estamos indo para um novo lugar. Só precisamos ir mais um pouco.”
Seus braços já não respondiam. Suas pernas tremiam mesmo quando estava parado, e seu coração batia tão forte que parecia prestes a explodir.
De onde veio essa energia para carregar o príncipe até aqui?
Abel seguia se incentivando: Só mais um pouco, só mais um pouco.
O príncipe respirava de forma irregular, emanando um calor quase insuportável, como se fosse uma bola de fogo. Isso tornava o coração de Abel ainda mais ansioso.
*
Foi dada a ordem para se reunir na entrada do bosque.
Ashler, que planejava vasculhar o palácio, chegou ao local com uma sensação sinistra. Muitos soldados já cercavam a entrada, bloqueando o acesso à floresta. Pareciam estar esperando alguém.
Logo ficou claro quem estavam aguardando.
Os líderes do Coração do Rei, incluindo Trud e Nohox, estavam lá, comandando os soldados como reis. A noite, iluminada por inúmeras tochas, fazia parecer que o amanhecer ainda estava longe.
Todos os olhos estavam voltados para o Coração do Rei, que parecia discutir algo importante.
Ashler estava inquieto, incapaz de desviar o olhar.
Todos sabem que nem qualquer um pode entrar no Bosque dos Dragões. Por que se reuniram assim?
Foi então que percebeu algo estranho: soldados carregando grandes jarros de cerâmica, com ambas as mãos ocupadas.
O que é isso?
Sua curiosidade aumentou quando Trud deu a ordem de avançar. Apontando para a névoa branca, ele instruiu um dos soldados que segurava os jarros:
“Derrame isso.”
Um soldado deu um passo à frente e despejou o conteúdo do jarro na névoa.
Shhhh
Embora a substância fosse invisível, o som de algo encharcando o chão ecoou. O soldado recuou rapidamente após cumprir a ordem.
Ashler, intrigado, começou a se mover deliberadamente para se aproximar do Coração do Rei.
*
“Príncipe, está difícil para você, não é? Me desculpe. Você vai se sentir mais fresco agora. Quer beber um pouco disso?”
Abel encheu a palma da mão com água e umedeceu os lábios secos do príncipe. Talvez pela sede, o menino teve dificuldades para engolir a água que lhe era oferecida.
Ele repetiu o processo algumas vezes, trabalhando arduamente com seus braços trêmulos para aliviar o calor febril do corpo do príncipe.
Durante todo o tempo, Abel continuou conversando com ele:
“O príncipe é forte. Talvez você se sinta impotente agora, e isso é normal. Mas, quando crescer, quando for tão alto quanto eu, ninguém será capaz de vencê-lo. É verdade. Você ainda é jovem… Ainda não sabe como usar sua força corretamente. Então, não poder enxergar não será um problema. Vai ficar tudo bem, príncipe.”
Como se estivesse lutando contra o cansaço, Abel interrompeu a fala e fechou os olhos por um momento. Mas, ao fazer isso, sentiu-se ainda mais fraco, como se sua energia estivesse se esgotando.
No meio do silêncio, uma voz fraca escapou dos lábios febris do príncipe:
“… Epple.”
Um brilho.
Abel abriu os olhos como se tivesse cochilado por um instante.
“Hã? Príncipe, você me chamou?”
Mesmo inconsciente e cego, parecia que o príncipe havia percebido que Abel reagira à sua voz. Ele sabia que Abel sempre abria os olhos ao ser chamado. Às vezes, temia que isso não fosse acontecer, mas, naquele momento, teve certeza.
Como prova, ele ouviu Abel rir:
“Haha, cochilei por um momento. Príncipe, você entende tudo o que eu digo?”
O príncipe assentiu levemente.
Abel sorriu enquanto passava a mão pelos cabelos do menino.
Algo parecia diferente. O corpo de Abel, antes exausto, ficou tão firme quanto uma chama que se reacendeu.
“Príncipe, no futuro, pode ser que você enfrente tempos difíceis. Há pessoas que vão querer usá-lo, e outras que vão querer machucá-lo… Há pessoas assim também. Mas nunca…”
Abel hesitou. Não conseguia dizer o que precisava.
Como poderia pedir ao príncipe que não confiasse nas pessoas?
Ele havia ensinado ao menino sobre a floresta, sobre como os animais, as árvores e tudo naquele lugar viviam em harmonia. Mas agora precisava dizer que o mesmo não era verdade para os humanos.
Embora fosse como se tivesse um punhal cravado na boca, Abel se forçou a continuar.
“Nunca confie facilmente nas pessoas.”
Abel olhou para o príncipe com calma por um momento antes de retirar de seu peito o frasco contendo a poção negra. Com grande esforço, abriu a tampa e deixou que o príncipe sentisse o cheiro.
Mesmo sem aproximar o frasco diretamente, o odor forte e pútrido se espalhou pelo ar.
“Lembre-se bem deste cheiro. Isso é veneno. Um veneno que não apenas destrói o corpo, mas também a mente. A razão pela qual a mãe do príncipe se tornou o que é agora foi por causa deste veneno. Não é porque a rainha não ama o príncipe. Não era a vontade dela. Alguém deu este medicamento a ela. Então, o príncipe nunca deve consumir isto. Mas aqueles que querem machucar o príncipe podem misturar esse veneno na comida. O cheiro é muito forte, então…”
Abel aproximou o frasco do príncipe para que ele pudesse cheirar novamente.
“Só é possível misturá-lo em alimentos de cheiro muito forte, para mascarar o odor. Príncipe, você entendeu? A partir de agora, nunca coma alimentos com aromas intensos. Nunca esqueça este cheiro.”
Abel repetiu a instrução várias vezes, reforçando-a com um abraço apertado no príncipe.
“Você vai se sair bem sem mim. Não, o príncipe é diferente de mim. Você vai além. Você se lembra da placa com o dragão que eu te dei?”
O príncipe, com as pequenas mãos trêmulas, começou a tatear a própria roupa até encontrar a placa. Era como se esperasse um elogio por tê-la guardado.
Abel abriu um grande sorriso ao tocá-la.
“Hahaha, você está carregando-a com você. Eu até fico envergonhado, como se o príncipe estivesse me carregando junto. Mas, ainda assim, continue mantendo-a perto…”
Enquanto falava, Abel notou algo que nunca havia visto antes. Uma palavra estava entalhada de forma irregular na placa com uma faca.
‘Epple.’
Abel ficou paralisado, olhando para a palavra, com a boca entreaberta.
“Ah… Príncipe. Esse texto gravado aqui… foi o príncipe que escreveu?”
Sua voz tremia, mas o príncipe, alheio à emoção de Abel, assentiu levemente.
“Entendo. Então você… você gravou os tesouros da nossa ordem, que têm sido transmitidos por centenas de anos… Haha, mas você fez muito bem.”
Mesmo sorrindo, lágrimas começaram a escorrer dos olhos de Abel.
Naquele instante, ele imaginou seu mestre do outro lado da vida, furioso, castigando-o pela heresia de permitir aquilo. Ele realmente temia a morte.
Ainda assim, Abel parou de chorar, secou os olhos e devolveu a placa ao príncipe, colocando-a de volta em seus braços.
“Enquanto você tiver esta placa, eu sempre estarei com você, príncipe. E esta fonte… é uma Fonte de Oração. Dizem que, se você orar com fervor, pode alcançar a pessoa que deseja. Eu orei com todo o meu coração. Pedi para permanecer ao lado do príncipe. Essa fonte é mágica e irá realizar seu desejo. Na verdade, dizem que, se você orar com tanta intensidade que seria capaz de morrer, o desejo se torna realidade… Eu realmente quero isso agora, a ponto de morrer. Haha. E sabe o que mais? Há outra pessoa que já orou aqui além de mim. Um rei…”
A voz de Abel ficou mais calma, mas ele continuou falando.
Ele contou a história do rei que morreu na Fonte de Oração, como se fosse um conto antigo.
Logo, o príncipe começou a respirar de forma suave e ritmada, caindo em um sono profundo. A voz de Abel cessou quando uma luz vermelha e fumaça começaram a subir à distância.
*
O fogo que consumiu a maior parte da floresta deixou para trás um caminho de cinzas negras.
Quando os soldados encontraram Abel e o príncipe nesse caminho, já era amanhecer.
Abel estava morto, segurando o príncipe em seus braços. O menino, porém, dormia profundamente, sem febre.
De acordo com o soldado que os encontrou pela primeira vez, as expressões dos dois eram surpreendentemente tranquilas.
Continua no Volume 2.
N/T: Finalmente conseguimos concluir o primeiro volume!!! Eu estou lendo a história junto com vocês enquanto traduzo, então mesmo já tendo lido esta parte no Manhwa, ainda é muito impactante ler tudo do ponto de vista dos personagens. Me emocionei muito em vários trechos, e espero que vocês tenham gostado. Nos vemos em breve, no volume dois de Regas!