Meus 14 Anos Como Um Gato

Capítulo 8

Meus 14 Anos Como Um Gato

Desde então, estações vieram e se foram mais uma vez.

Depois que a filha começou a frequentar a universidade, ela começou a namorar um homem e o apresentou à família em seu segundo ano de universidade.

Assim como o homem, como pai, ficou tão surpreso que estava sem palavras, o outro jovem também mostrava um olhar indisfarçável de surpresa, mas por outro motivo.

— Espere, você não é o escritor daquele filme…?  É igualzinho à foto… — murmurou o jovem, sem entender, enquanto olhava a expressão serena da filha.

Parece que o namorado da filha não sabia que seu pai era um escritor famoso. Quando ela entrou na universidade, a filha foi cautelosa e não contou sobre seu pai para os outros. Fiquei pensando comigo mesma o quão preparada para vida ela estava ao ouvi-la explicar a situação com facilidade. 

O jovem não era um estudante, mas um trabalhador chamado Noguchi Makoto e era seis anos mais velho que a filha. Ele tinha uma aura semelhante à do homem da família Itou, e seus olhos eram calorosos e gentis ao nos observar, mesmo sendo a primeira vez que nos víamos. Vendo seu comportamento gentil e bons modos de uma pessoa madura, senti intuitivamente que essa pessoa era adequada para a filha. Ao meu lado, a mulher também o aprovou. Apenas o homem, o pai, que parecia bastante perturbado.

Se eu tivesse que descrever, parecia que ele estava confuso, sem saber se deveria ficar feliz ou chorar. No entanto, depois de um tempo, o homem começou a se aproximar de Noguchi. Ao conviver com o namorado da filha, pensando que eles poderiam se casar no futuro, mais uma vez, pude perceber que ele era mesmo uma boa pessoa. Além disso, sabendo que ele era um ávido leitor, o homem, sempre que possível, convidava Noguchi para a casa para discutir livros, florescendo ainda mais seu relacionamento.

Deitada no colo da filha, que olhava para aquela cena alegremente, me senti aliviada e fechei os olhos em satisfação. Não perguntei se ela ia casar quando se formasse, eu já tinha um bom pressentimento sobre isso.

A filha tinha crescido e se tornado uma mulher muito bonita. Seu longo cabelo preto caía pelas costas, e ela estava olhando para mim com um olhar sereno e cheio de carinho. Ela acariciou minha cabeça com seus lindos dedos finos e chamou meu nome com uma voz madura e feminina: 

— Kuro-chan.

Era uma voz que soava muito parecida com a de sua mãe.

Nessa época, eu já não podia mais correr. A voz gentil que ouvi com o meu velho corpo me fez perceber que estava quase na hora da filha deixar o ninho. Me aconcheguei a ela enquanto pensava em como ela tinha se tornado uma mulher adulta. 




Após se formar na universidade, a filha se casou com Noguchi e foi morar com ele.

A pedido da filha, Noguchi também me convidou para o casamento. O motivo foi: “Por algum motivo, quando olho para você, sinto algo parecido com o que sinto pelo Itou-san.” Ele queria dizer que ela me via como um pai, mas, na verdade, deveria ser como uma mãe. Às vezes, ele se esquece de que sou uma fêmea.

Mesmo assim, isso não importa muito. Porque, assim como o Itou-san, eu também a amo como uma filha. Talvez esse sujeito Noguchi fosse mesmo muito esperto.

A cerimônia de casamento foi um grande evento, com a presença de parentes, amigos e colegas. 

Sentada no assento de honra, no colo do homem, inclinei-me e olhei para a filha com seu vestido de noiva. Quando vi os dois sendo o centro das atenções, como os personagens principais de uma história de amor, quase fiquei sem fôlego.

‘Ela é a noiva mais linda do mundo’, pensei.

Ela veio até nós, sorrindo feliz e com os olhos cheios de lágrimas. Dei a minha benção de todo o coração. Um sentimento quente subiu do meu peito, me dominando e fazendo meus olhos negros lacrimejar ao ver os dois trocando votos. Pela primeira vez, percebi o quão gratificante era criar um filho.

Assim, a filha saiu de casa e começou sua própria vida.

A sala de estar foi decorada com as fotos da formatura do ensino médio da filha, sua cerimônia de maioridade e, finalmente, sua festa de casamento. Eu já estava velha demais para subir no armário, então o homem teve a gentileza de colocá-las em lugares onde eu pudesse vê-las. Mesmo que eu estivesse sentada no sofá, eu podia continuar apreciando as fotos.

Minha dieta se tornou mais macia e enlatada, o que eu amei. Todas as minhas refeições eram deliciosas e suaves para os meus dentes. Quando perguntei à mulher se estava tudo bem ter refeições tão luxuosas, a mulher respondeu: 

— Coma muito e fique saudável por um longo tempo.

Meu corpo, que envelheceu várias vezes mais que o da filha, já estava muito velho, então não hesitei em aceitar essa gentileza.

Mesmo depois que a filha deixou o ninho, nosso cotidiano continuou o mesmo.

O homem passava as manhãs em seu escritório e às tardes comigo, relaxando. A mulher fazia o almoço para o homem ao meio-dia, eles almoçavam juntos. E às 15 horas, ela levava chá e lanches para a sala de estar e me dava um petisco macio.

Com o passar do outono e a chegada do décimo inverno, recebi uma notícia maravilhosa da filha: para a minha surpresa, a filha engravidou e teria um bebê.

A notícia foi transmitida pelo telefone, e ao ouvir que eles terão um neto em julho do ano que vem, tanto o homem quanto a mulher ficaram encantados. Eu também fiquei impressionada com o sentimento de querer ver a criança da filha o mais rápido possível.

— Será que a filha vai se sair bem?

Em um certo dia, o homem saiu para resolver uns negócios e, enquanto esperava seu retorno, a mulher, assistindo televisão, de repente suspirou. Eu me enrolei em uma bola em seu colo, virando-me para olhar para a mulher. Algumas rugas finas foram esculpidas na pele branca da mulher.

‘Tanto tempo já passou, hein’, pensei baixinho, olhando para a mulher, muito mais jovem que eu.

— Estou em casa~

Embora não fosse nem meio-dia, o homem já havia retornado. Lendo a situação, me afastei do colo da mulher e olhei para a varanda. A mulher se levantou do sofá e pegou o casaco e o cachecol do homem que havia entrado na sala de estar.

— Querido, você voltou cedo hoje.

— Não vou mais sair este ano.

O homem diz e se senta ao meu lado, seu nariz ainda um pouco vermelho.

— Oi, Kuro.

‘Oh, bem-vindo de volta’, movo apenas minha cabeça, como se estivesse respondendo a ele.

Por alguma razão, as pontas do cabelo do homem e os punhos de suas mangas parecem frios e ásperos. E a ponta dos seus dedos finos havia perdido calor e estavam visivelmente brancas. Estava tão frio assim lá fora?

Quando continuei a chamá-lo, o homem soltou um grito patético de “que frio!”, me pegou no colo e abraçando com força.

— Estava muito frio lá fora. Estou muito feliz por ter voltado antes que a neve começasse a cair.

O homem dizia isso enquanto esfregava a bochecha no meu pelo fofo. Suas duas mãos grandes estavam muito frias.

— Ahh, Kuro. Você é tão quente~.

Estremeci, sentindo o quão frias suas mãos festavam, mas não me movi por preocupação com o corpo do homem. 

— Só por hoje, viu? — digo.

Então, deixei acontecer. Isso me lembrou que, nos últimos anos, o homem vivia reclamando que suas articulações doíam quando o inverno chegava.

Nossa, nós dois estamos ficando velhos — eu disse ao homem.

Mesmo que ele não fosse tão velho quanto eu, não havia dúvida de que o homem envelheceu consideravelmente. Ultimamente, toda vez que ele ia ao barbeiro, ele tinha que pintar o cabelo. O homem foi ao barbeiro na semana passada e ainda tinha um leve cheiro vindo do seu cabelo.

— Aqui está.

A mulher trouxe uma xícara de chá fumegante. O homem agradeceu, tomando um gole, enquanto eu estava deitada em seu colo. No entanto, ele logo soltou um “Ach-”, e tirou o copo do lábio, provavelmente se queimando.

Vendo que o homem não havia aprendido com seus erros depois de todos esses anos, soltei um leve suspiro enquanto estava em seu colo. Comecei a ficar um pouco preocupada com ele, pensando: ‘Você tem uma língua bem sensível’, ele era mesmo mais sensível a bebidas quentes do que eu.




As estações continuaram mudando e, no verão seguinte, a filha deu à luz ao seu primeiro bebê.

O bebê era uma menina. Como eu não pude ir ao hospital onde ela estava descansando, pedi para a mulher e o homem irem de carro dar uma olhada. Os dois me contaram tudo sobre a linda garotinha que parecia com a filha. Eles também me disseram que trariam o bebê para cá por volta de outubro.

Talvez seja porque estou mais velha agora e estou dormindo mais, mas senti que os dias estavam passando cada vez mais rápido.

O calor do verão que entrava pela janela diminuiu sem que eu percebesse. Já não precisava mais do ar condicionado pela manhã, o que deixou meu sono mais confortável. 

Antes que eu me desse conta, as folhas começaram a cair e o tempo a esfriar quando a filha veio visitar com Noguchi e seu bebê.

A filha segurando seu bebê parecia exatamente como uma mãe.

Enquanto o homem e a mulher abraçavam alegremente seu neto, Noguchi parecia um pouco cansado e sentou-se ao meu lado no sofá.

— Oi, como está, Kuro-chan? — falou Noguchi com uma voz suave.

— Há quanto tempo, você parece que envelheceu e está com uma cara cansada — digo a ele. 

Noguchi sorri de repente, dando um tapinha na minha cabeça. Criar filhos pode ser bem difícil.

— Bom trabalho — respondi. E o deixei acariciar minha cabeça o quanto quisesse. 

— O bebê chorando à noite é uma verdadeira dor de cabeça, certo?

Ouvi a mulher perguntando à filha. O homem que observava a cena com um sorriso, disse a Noguchi:

— Deve estar cansado da viagem. — Entregando o copo que trouxe e sentando-se no sofá.

— Não, de jeito nenhum. Estou tão feliz de poder voltar aqui que fez todo o meu cansaço desaparecer. — respondeu Noguchi, e bebeu metade da água do copo.

Um pouco depois, a mulher trouxe chá quente. E a filha sentou-se, com o bebê no colo, entre Noguchi e eu. Eu podia sentir um cheiro muito nostálgico da filha.

A criança descansando em seus braços tinha o cheiro de leite, misturado ao cheiro da filha e de Noguchi. Olhando para o bebê de perto, eu podia ver como era pequenina. Ela era uma menina bonitinha, com o rosto branco e rechonchudo e mãos muito, muito pequenas.

— Kuro, esta é a Yuumi. É tirado do meu nome e do nome do Makoto-san. Escolhi esse nome na esperança que ela cresça doce e gentil.

— Ahh, esse é um ótimo nome — sussurro.

Minha filha estava deslumbrante, olhando para o bebê e falando calmamente comigo. Isso encheu meus olhos de amor. 

Como eu sabia que um bebê era muito frágil, não subi no colo da filha e apenas observei. Talvez eu consiga tocá-la quando ela crescer um pouco mais, talvez. Vou ter que ser paciente até lá.

Noguchi tinha uma expressão paternal, tocando levemente as mãos de sua filha. Mesmo dormindo, a criança parecia reconhecer quem era seu pai. A cena do bebê agarrando firmemente seu dedo foi vista alegremente pelo homem e pela mulher na frente deles.

— Falando nisso, Kuro não tem filhos… Nós tiramos dela a alegria de poder ter filhos.

Ouvindo as palavras da filha, o homem e a mulher abriram os olhos como se tivessem acabado de perceber isso, e fizeram uma expressão de desculpas.

Para falar a verdade, um pouco depois de eu ter sido acolhida por eles, eu tinha feito a cirurgia de castração. Isso basicamente significava que meu corpo não era mais capaz de dar à luz. Na época, não pensava em ser mãe. Mas, por alguma razão, senti uma sensação de vazio no estômago, como se tivesse perdido algo importante. A anestesia fez efeito, mas lembro de sentir uma leve dor nos dias seguintes. 

No entanto, eu passei a esquecer disso. A filha estava crescendo tão rápido que eu não tinha tempo para pensar nessas coisas. 

— Eu tenho uma filha, você. E é tudo o que eu preciso.

Esperando que minha mensagem fosse transmitida, eu me esfreguei no braço da minha querida filha. Tanto a filha quanto Noguchi gentilmente acariciaram minha cabeça, e a mulher que viu isso, disse com os olhos cheios de amor.

— Talvez Kuro-chan pense em você como se fosse filha dela.

— Ahh, é verdade. Ela sempre estava correndo atrás de você, como se tivesse cuidando de você. Lembra da cerimônia de abertura, quando ela carregou a sua gravata que você tinha esquecido? — disse o homem.

Até Noguchi concorda, cheio de confiança, dizendo:

— Com certeza, é esse o caso.

Eu olhei para o bebê aninhado nos braços da filha, era tão fofa dormindo. O bebê se parecia um pouco com a filha e digo gentilmente:

— Volte quando estiver um pouco maior. Até lá, vou esperar aqui.

E nessa hora, é quando poderei tocar em você. Você, filha da minha amada filha.

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