Volume 2 - Capítulo 116
O Príncipe Problemático
Enquanto os serviçais terminavam de arrumar a mesa do café da manhã, o jardim mergulhou em silêncio. O suave murmurar da fonte interna era o único sinal de que o tempo ainda seguia seu curso.
Erna ergueu os olhos do seu prato vazio e encontrou o olhar de Bjorn. O casal ficou naquele silêncio constrangedor por um longo momento, avaliando-se um ao outro e sem querer ser o primeiro a falar.
Erna ficou ansiosa sob o olhar frio dele; inconscientemente, começou a brincar com o garfo, grata por terem conseguido, até então, evitar a conversa que nenhum dos dois queria ter.
Em vez disso, ela pensou no cavalo que ele disse que ia comprar. Ela tinha contado a ele sobre a caminhada matinal, de forma mecânica, como se estivessem apenas cumprindo os movimentos, quando ele a interrompeu de repente e anunciou que compraria um cavalo. Era um meio de transporte mais eficiente do que caminhar todas aquelas grandes distâncias.
Pega de surpresa pela interrupção repentina dele, Erna não sabia o que dizer. Engoliu a comida e tomou um gole d'água antes de encontrar o olhar dele mais uma vez.
“Obrigada, mas estou bem”, disse Erna.
Sua tentativa de sorrir fez os cantos dos lábios tremerem, como se isso exigisse muito esforço. Até Bjorn percebeu que o sorriso dela era falso.
Em vez de forçar quaisquer palavras de fingimento, Erna simplesmente mordeu o lábio, reconhecendo que Bjorn tinha certa aversão a palavras sem sentido e risos constrangedores. Os serviçais haviam trazido mel e figos marinados em vinho, então ela se ocupou saboreando os doces.
O jantar deles juntos seguia praticamente o mesmo padrão todos os dias. Silêncios constrangedores e conversas superficiais enquanto consumiam a comida extravagante. Bjorn presenteava Erna com presentes cada vez mais caros; joias, ornamentos e bugigangas. Todos eram sem dúvida caros, mas Erna só os achava desnecessariamente excessivos.
À medida que o silêncio se prolongava, Erna tentou abordar um assunto de conversa seguro.
“Não se esqueça que vamos visitar a Duquesa Arsene esta quarta-feira.”
Enquanto ela falava, os olhos de Bjorn se estreitaram e ele pousou o copo com um movimento deliberado.
“Não seria melhor convidar minha avó para cá?”
“Não, ela teve que ir ao hospital algumas vezes, então seria melhor ir vê-la. O doutor Ericsson disse que, agora que estou totalmente recuperada, posso sair.”
Erna havia recebido um convite da Duquesa Arsene e percebeu que não havia saído dos terrenos do palácio desde o piquenique da família Heine, que foi no início do verão; ainda não era outono.
A constatação a sufocou e, apesar dos terrenos do Palácio Schuber serem maiores do que sua aldeia natal em Buford, Erna precisava sair do Palácio. O desejo intenso de sair surpreendeu até mesmo a ela.
“Bjorn?”
“Tudo bem, você pode ir”, disse Bjorn com um aceno de cabeça, para surpresa de Erna.
“Obrigada.”
Bjorn olhou para Erna e, ao fazê-lo, seus olhos normalmente plácidos pareciam se aprofundar, como se estivesse perdido em pensamentos, transmitindo alguma emoção ou pensamento oculto.
“Obrigada”, disse Bjorn, imitando Erna, “desculpe, estou bem”. Seu tom era tão suave e reconfortante quanto a luz do sol banhando o jardim. “Erna, essas respostas batidas estão começando a ficar um pouco chatas.”
Bjorn sorriu docemente para Erna.
Erna quis tentar dizer algo, para melhorar o clima, mas se viu sem palavras. Sua mente ficou em branco e ela lutou para ter um pensamento.
Bjorn estava se esforçando muito.
Ela havia se mostrado grata pelos cuidados atenciosos e pela atenção que estava recebendo dos médicos, e os serviçais do Palácio estavam fazendo o seu melhor para manter Erna confortável. Até mesmo o mundo agitado lá fora parecia ser um lugar distante em comparação com a tranquilidade dos terrenos do palácio. Erna sabia que tudo isso era graças aos esforços do marido. Ela se sentiu compelida a trabalhar duro e contribuir também.
Eu consigo fazer isso.
Apesar de tudo o que ele havia feito por ela, ele nunca pediu nada em troca. Seu dever como esposa era manter uma atitude calma e entreter o marido; ela temia ser vista como uma esposa inútil que não conseguia fazer nada direito. Isso a deixava ansiosa, pois seu coração raramente coincidia com o que ela queria.
“Uma cama nova deve chegar amanhã”, disse Bjorn. “Combinei com alguns decoradores para virem ajustar o palácio como você gostaria, a Sra. Fitz também estará lá, avise se precisar de alguma coisa.”
Erna rapidamente percebeu o significado condescendente nas palavras de Bjorn. Ela havia saído correndo do quarto na tentativa de evitar as lembranças dolorosas, mas não era um simples caso de redecorar o palácio, era uma questão de coração e não havia solução rápida para a turbulência emocional que estava experimentando.
“Bjorn, eu…”
“O quê? Você ainda precisa de mais tempo?” Bjorn perguntou, enchendo seu copo. “Até quando?”
Era difícil discernir qualquer gesto gracioso enquanto Bjorn colocava a jarra d'água e afastava um fio de algo perceptível. Erna sabia que, se pedisse mais tempo a Bjorn, ele a daria, mas não tinha certeza do que dizer: uma semana, um mês, na próxima estação? Nada parecia uma resposta adequada.
“Quando a cama nova chegar, você vai mudar seu quarto de volta”, disse Bjorn, enquanto bebia para umedecer os lábios. “Ficará pronto até o fim de semana, se você não conseguir fazer isso, eu farei.”
“Bjorn.”
“Os ensinamentos do Arcebispo instruíram que o casal casado compartilhará a mesma cama, não importa o quão desconfortável. Você se esqueceu do caminho espinhoso que vocês queriam trilhar juntos?”
Havia um toque de travessura no sorriso que flutuava nos lábios de Bjorn. Casal casado. Erna sentiu um rubor subir em suas bochechas quando ele repetiu suas próprias palavras para ela.
Erna ficou envergonhada e miserável diante daquelas palavras que eram as mesmas, mas pareciam diferentes. Ela não conseguia se livrar da sensação de ser menosprezada e ridicularizada, embora Bjorn não quisesse dizer isso.
As palavras “casal casado” eram um lembrete do amor que outrora dera a Erna tudo o que ela sempre quis, mas para Bjorn, “casal casado” pode ter sido simplesmente uma frase agradável ao ouvido, como o nome de uma flor bonita, desprovida de qualquer significado mais profundo e peso emocional.
“Erna.”
Quando Bjorn chamou seu nome, sua voz era doce e afetuosa, e a maneira como ele a olhava era terna, como um amante. Seu sorriso lentamente surgindo era encantador, e Erna só conseguiu acenar em resignação, sentindo desespero ao se lembrar das coisas que outrora a faziam sentir amor.
Bjorn pareceu satisfeito com o simples gesto.
Quando estava prestes a continuar a conversa, um criado se aproximou da mesa e o informou que era hora de ir.
Erna endireitou o vestido e seguiu Bjorn para a frente, onde o despediria, como fazia todos os dias, como de costume.
Bjorn entrou na carruagem com seu passo leve de sempre. Quando estava prestes a entrar na carruagem, parou e se virou para olhar para Erna. Ele a encarou por um longo momento, sem dizer nada.
Assim que a carruagem desapareceu de vista, Erna se retirou para o Palácio, o rastro de serviçais logo atrás dela. Ao passar pelo hall de entrada, o suave deslizar de seus passos chegou a um fim abrupto quando ela parou na frente do brasão real no chão.
“Vossa Alteza?” perguntou a Sra. Fitz.
Ela se aproximou da Grã-Duquesa cautelosamente. Erna apenas ficou parada olhando para o chão, depois para o resto do hall de entrada da mansão, como uma criança que de repente se encontra em algum lugar desconhecido.
“Está tudo bem, Vossa Alteza?”
“Ah…” Só então Erna pareceu perceber onde estava, virando-se surpresa.
Erna soltou um pequeno suspiro, sua tez visivelmente mais pálida. Seus olhos estavam vazios e inexpressivos, e traíam sua inquietação e preocupação.
“Vou chamar o médico”, disse a Sra. Fitz.
“Não”, Erna sacudiu a cabeça, “estou apenas um pouco cansada. Vou ficar bem.” Erna tentou sorrir para a Sra. Fitz, mas foi fraco. “Desculpe, Sra. Fitz.”
Erna continuou, subindo as escadas de carpete vermelho e, antes de chegar ao topo, olhou para o alto teto e apreciou o grande espetáculo. Tudo o que ela conseguia ver fazia parte de um mundo excessivamente grande e esplêndido. Erna sentiu falta de ar, como se a grandiosidade do palácio a sufocasse.
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“Sinto muito que Bjorn não pudesse estar aqui, ele tinha um compromisso anterior”, disse Erna.
Apesar de se sentir sobrecarregada, Erna manteve um sorriso digno enquanto falava. Ela parecia não ser diferente de todas as outras vezes que visitou a Duquesa Arsene na preparação para o aniversário de Bjorn.
“Tudo bem, eu não queria te ver, pensando que você poderia ter se transformado em algum espectro, mas você está positivamente bem”, respondeu a Duquesa, suas palavras uma mistura de brincadeira e sinceridade.
Erna olhou para ela de soslaio, sem saber como receber a observação, mas no final sorriu. Sua atitude certamente havia melhorado desde a última vez, mas a calma e o controle fizeram a Duquesa se sentir desconfortável.
A turbulência de Erna estava fermentando abaixo da superfície e, apesar de tentar manter algo tão simples como um sorriso, a Duquesa sentiu a inquietação de Erna. Ela não queria ignorar o óbvio sofrimento da Grã-Duquesa e correr o risco de quebrar seu coração.
“Os outros convidados já chegaram?” Erna perguntou enquanto examinava a sala de estar. “Sou a única convidada?”
“Ora, você não gosta mais da minha companhia?” a Duquesa brincou enquanto acariciava Charlotte.
“Não, não é isso, eu só achei que você havia convidado muitas pessoas para jantar conosco.” Erna olhou para a sala de estar novamente, depois de volta para a Duquesa.
“O que há de tão bom nos Dniesters?” disse a Duquesa, balançando a cabeça.
Charlotte pulou no colo de Erna, como se tentasse consolá-la, e miou alto pedindo atenção. Erna sorriu para as palavras leves da Duquesa Arsene, encontrando algum conforto em sua conversa.
Elas conversaram como haviam feito todas as quartas-feiras anteriores enquanto o jantar era preparado. A Duquesa não pôde deixar de notar que os olhos de Erna, que costumavam brilhar de admiração quando ela falava de seu marido, haviam perdido o brilho, o que tocou profundamente a Duquesa Arsene.
“Minha querida, você não precisa se esforçar tanto”, disse a Duquesa, estalando a língua em leve desaprovação.
“Está tudo bem, Vovó, de verdade”, disse Erna. A Duquesa Arsene apenas balançou a cabeça; a menina realmente não tinha talento para mentir.
Suas conversas foram interrompidas quando um criado entrou na sala.
“Senhora, outro convidado chegou.”
“Convidado?”
“Sim”, o criado não pareceu nada incomodado com a pergunta da Duquesa Arsene, “o Príncipe Bjorn chegou.”