Volume 2 - Capítulo 115
O Príncipe Problemático
A criança se foi.
Quando Bjorn entrou no quarto de Erna, ele já havia aceitado aquela dura realidade. Criadas desesperadas se apressavam em remover todos os lençóis ensanguentados. O ar era forte, com cheiro de sangue e remédios. Havia um médico e algumas enfermeiras, todos com expressões sérias, não deixando espaço para dúvidas ou negativas.
O médico se aproximou e fez um aceno de cabeça, preparando-se para uma série de desculpas ensaiadas. Bjorn o ignorou e foi até o lado da esposa. Erna estava inconsciente, com uma palidez mortal na pele seca.
Bjorn engoliu em seco e se inclinou para verificar sua respiração. Ela soltou um suspiro muito fraco e superficial, e ele pôde ver a nuca pulsando.
“Ela precisa de descanso, Alteza. Prescrevi um tranquilizante por enquanto”, disse o médico, mantendo uma distância respeitosa. “Não havia nada que eu pudesse fazer, Alteza, realmente…”
“Diga o principal”, disse Bjorn friamente.
“O corpo de Sua Alteza estava mais fraco do que o previsto e pode ter havido um problema com a saúde do bebê. Enquanto ela sangrava muito, sua condição se tornou crítica e era perder o bebê ou ambos. Assim que sua saúde estiver totalmente restabelecida, ela poderá engravidar novamente, Alteza.” O médico transmitiu compaixão e arrependimento genuínos.
Bjorn confirmou com um breve aceno de cabeça e o médico, junto com suas enfermeiras, partiu. As criadas o fizeram rapidamente assim que recolheram toda a roupa ensanguentada.
Assim que ficaram sozinhos no quarto, Bjorn desligou a lâmpada e mergulhou o quarto na escuridão. Um cheiro de peixe entrava pela janela que havia sido deixada aberta para ventilar o cômodo.
Bjorn sentou-se em uma cadeira e observou Erna dormir, quase em estado comatoso. Embora tivesse vontade de levá-la para um quarto novo, ele não queria perturbá-la.
A criança se foi.
Bjorn repetiu as palavras em sua cabeça, um fato que ele já havia aceitado. Ao segurar a mão de Erna, ele sentiu que o calor a havia deixado e agora ela estava fria.
Ele sentou-se ao lado da cama, segurando sua mão até sentir o calor retornar. Ele olhou atentamente para sua esposa, sua mente começando a clarear lentamente; embora a criança tivesse se ido, Bjorn encontrou consolo no fato de Erna estar a salvo.
Bjorn não se aprofundou demais em seus próprios sentimentos, seria um exercício fútil, ele já sabia que eram insignificantes. Ele se concentrou em confortar sua esposa enquanto ela se recuperava.
Ele respirou fundo aliviado ao notar que a respiração de Erna ficou mais forte e profunda. Bjorn saiu do quarto com o máximo cuidado e entrou na sala de estar da suíte. Sentiu-se perdido, sem saber o que fazer a seguir. Os olhos tristes dos presentes se concentraram nele.
“Bjorn, sinto muito”, disse Isabelle.
Bjorn manteve um silêncio respeitoso em resposta às palavras de consolo de sua mãe. Ele percebeu que todos estavam esperando que ele dissesse algo, mas ele não conseguia encontrar as palavras certas.
Erna está a salvo.
Ele usou esse fato para construir uma base em sua mente e desenvolver seus pensamentos a partir daí. A infelicidade deles não era única e Erna ficaria melhor, mais forte, permitindo que as coisas voltassem ao normal. Eles poderiam tentar novamente ter um filho. Ter um filho era uma parte importante do casamento deles? Bjorn não tinha certeza.
Bjorn sabia que um aborto espontâneo era trágico, mas não abalaria os fundamentos de suas vidas. Depois de superar a dor, ele poderia viver uma vida despreocupada com Erna novamente, que agora estava a salvo. Era assim que Bjorn via as coisas.
Passando uma mão sem sangue pelo cabelo despenteado, Bjorn viu a pilha de caixas empilhadas na área de recepção. Todas pareciam coisas insignificantes agora.
“Tire tudo isso”, ordenou Bjorn calmamente. “Tire da minha vista.” Ele viu, espalhados pela suíte, todas as pequenas coisas de bebê que Erna havia juntado, como uma ave mãe decorando um ninho, “livre-se de tudo”.
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Erna acordou cedo na manhã seguinte, com o verão tendo passado e os dias ficando mais curtos. Do lado de fora da janela, o mundo ainda estava envolto em uma escuridão azul profunda. Sem demora, ela saiu da cama e acendeu a lâmpada, banhando o quarto com uma luz quente.
Depois de arrumar a cama, Erna foi lavar o rosto e se vestir com roupas novas. A brisa fria foi suficiente para fazê-la tremer.
Ela colocou suas luvas e chapéu. Respirando fundo o ar frio, ela olhou pela janela para o rio além. A vista era diferente daquela do quarto da Grã-Duquesa e, após apenas um mês, ela já estava acostumada.
Erna se enrolou em um xale de lã e saiu para um passeio matinal. Ela passou pela Grande Fonte, que havia sido desligada mais cedo que o normal, e seguiu até o ponto onde o rio Abit encontrava o canal. O som rítmico de seus passos ecoava suavemente no ar frio e nítido da manhã.
Essa havia se tornado a nova rotina de Erna: acordar cedo, fazer uma caminhada matinal, descansar e comer quando chegasse a hora. Sua recuperação havia sido notavelmente rápida em comparação com sua saúde precária. Às vezes, ela sentia que seu corpo rejeitara a criança, um pensamento que a deixava fisicamente doente.
De pé à beira do rio, Erna contemplou a água azul escura e o brilho da manhã. Era sereno e de tirar o fôlego, mas ela precisava voltar agora.
Quando ela havia acordado naquela primeira vez, descobriu que tudo havia sido organizado. Talvez fosse a overdose de emoções, a dor, as lágrimas e inúmeras cólicas agonizantes, mas ela não se sentia tão triste ou tão atormentada quanto pensava que seria. Tudo foi simplesmente aceito com uma calma definitiva.
Seu único desejo era deixar o quarto, agora marcado por lembranças tão dolorosas, por um tempo, e Bjorn concordou prontamente. Ela o agradeceu com um sorriso, apesar de seu humor negro. Ela não sabia se era um sorriso bonito para ele, mas era genuíno.
Erna ficou na margem do rio, olhando para a mansão por um longo tempo. Então, começou a voltar com passos leves, sentia-se como um fantasma. Os empregados a encontraram no caminho e a cumprimentaram de forma mais familiar do que antes, reconhecendo sua presença com um respeito recém-descoberto.
Ela não vai durar um ano.
Suas vozes flutuavam pelas memórias de Erna. A maioria deles havia apostado que ela já teria morrido, não duraria o ano na mansão. Erna se perguntou quem ganharia o prêmio se ela não durasse.
Lisa participou da aposta? Seria divertido se ela pudesse se tornar o troféu de Lisa. Enquanto sua mente vagava por aqueles pensamentos malignos, ela se viu do lado de fora da porta de seu quarto sem perceber.
Resignada, ela entrou no quarto e continuou seu dia. Ela tomou café da manhã quando foi servido e leu o jornal da manhã. O nome da Princesa Gladys ainda dominava as manchetes, mas misturado a isso estavam os relatos pedindo o paradeiro do Príncipe Bjorn.
As opiniões sobre Bjorn retornar ao seu lugar de direito como Príncipe Herdeiro eram um tópico constantemente debatido. Outros argumentavam que o atual Príncipe Herdeiro, que estava fazendo um ótimo trabalho, deveria permanecer onde estava.
O que Bjorn fará?
Enquanto Erna verificava as saudações, percebeu que havia muito tempo desde que teve uma conversa decente com Bjorn. Eles se encontravam e sentavam juntos todos os dias, mas nenhuma de suas conversas ficou em sua mente.
Ao verificar as últimas cartas, seu pulso começou a doer com a escrita constante das respostas. Para sua surpresa, as damas que abertamente a ignoravam antes, agora estavam se disputando para enviar cartas e presentes à Grã-Duquesa. A maioria da correspondência eram apenas tentativas de difamar a Princesa Gladys e elogiar a Princesa Erna e sua capacidade de suportar.
Erna sempre ficou insegura sobre o que responder a essas cartas, então ela respondeu às polidas primeiro. Ela encontrou grande conforto em uma carta que compartilhava uma experiência de aborto espontâneo e estava cheia de empatia por sua dor, mesmo sendo uma cortesia formal. As declarações habituais de esperança de que o próximo bebê fosse entregue com segurança na próxima vez pareciam muito vagas.
“Da próxima vez…” sussurrou Erna.
O rosto de Erna se contorceu como se estivesse tentando entender uma língua estrangeira. Ela sabia muito bem o que se esperava dela e, enquanto seu casamento com Bjorn durasse, ela teria obrigações a cumprir. Era um dos poucos usos restantes para a Grã-Duquesa.
“Da próxima vez.”
Seu rosto ficou ainda mais pálido enquanto ela repetia as palavras. Ela estava sentada imóvel na cadeira, mas sentiu falta de ar e começou a suar frio. O quarto girou ao seu redor e ela perdeu o controle da caneta, o barulho ao cair na escrivaninha fez pingos de tinta mancharem seu material de papelaria.
Uma batida forte na porta trouxe Erna de volta à realidade e, percebendo seu erro, pegou o papel secante.
“Sua Alteza, é a Sra. Fitz, o Príncipe gostaria de almoçar juntos.”
Erna congelou com o pedido inesperado, a respiração presa na garganta.
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A mesa de almoço do Grão-Duque foi posta na sala de jardim, a pedido de Bjorn. Ele também havia organizado pessoalmente as luxuosas decorações de flores, a delicada toalha de renda e o prato de peixe branco com um sutil aroma de molho.
Bjorn havia chegado cedo para preparar tudo e esperava ansiosamente a chegada de Erna. Ele havia decidido acabar com esse impasse de uma vez por todas. Apesar de terem compartilhado uma cama, ele não conseguia deixar de se sentir sufocado pela grande distância que havia crescido entre eles. Ele achou isso absurdo e irritante, era hora de tudo voltar ao seu devido lugar.
Bjorn terminou de arrumar as plantas tropicais e olhou para o relógio que estava na lareira. O nervosismo percorreu seu corpo ao ver que Erna estava atrasada. Apenas cinco minutos, mas poderia muito bem ter sido horas, e Bjorn começou a se convencer de que Erna não viria.
Então ele ouviu passos suaves, delicados e sutis como neve caindo. Ele se virou expectante e encontrou sua esposa, Erna, parada na porta.