Volume 1 - Capítulo 86
O Príncipe Problemático
Depois de deixar para trás todo o frio do ferro, ela chegou a uma terra repleta de coisas raras e belas. Ali, Erna se tornou como uma personagem de conto de fadas.
Terras distantes no oriente e no deserto, miríades de reinos inexplorados, flora rara e encantadora, e fauna exótica e inusitada. Ela passeou por aquele mundo extraordinário ao lado de seu príncipe.
Ela se esqueceu completamente da lua de mel e da falta de momentos a sós com o marido. O tempo que agora passava com Bjorn havia substituído aquelas lembranças desagradáveis.
Ele riu enquanto apontava para um tapete maravilhosamente colorido que parecia ser encantado por magia e voava.
Quando avistou um elefante, Erna se encolheu nos braços de Bjorn e eles trocaram um rápido beijo sob a luz extasiada do vitral.
Para onde quer que ela voltasse os olhos, Bjorn estava lá. Ela gostava do fato de ver o marido com frequência. Naqueles momentos, queria tirar uma foto de Bjorn, capturá-lo da forma como o via. Se pudesse, sua mente explodiria, como os fogos de artifício que viram juntos naquela noite.
“Do que você está tão animada?”, perguntou Bjorn.
Erna não percebeu que estava sorrindo o tempo todo até Bjorn lhe fazer a pergunta.
“Ah, não, nada, esquece.”
Ela deixou seus sentimentos de lado porque os achava um tanto embaraçosos. Bjorn riu, e outro raio de desejo a percorreu o coração naquele instante. Aquelas más lembranças que se formaram por dias foram apagadas em um instante.
Firmando o coração para aceitar seu destino maravilhoso, Erna entrelaçou uma mão nos braços cruzados de Bjorn e se aconchegou perto dele. Ela decidiu se esforçar um pouco mais na esperança de que um dia pudesse alcançar o coração de Bjorn.
Mesmo que não pudesse apagar a sombra da Princesa Gladys, talvez pudesse encontrar seu próprio espaço em seu coração, mesmo que fosse um pequeno cantinho, uma fatia de sol dourado só para ela.
Talvez por causa daquela determinação renovada, o caminho de volta foi um pouco mais leve e alegre do que da primeira vez.
Ela não pôde deixar de olhar para trás com arrependimento, mas não deixou a feira com mágoa. O Grão-Duque Schuber e sua esposa foram os últimos a fazer turismo, e quando viram suas carruagens esperando, Erna ficou impaciente e acelerou o passo.
“Abram caminho, todo mundo para trás, eu disse para trás!”
Apesar das ordens da guarda real, os espectadores se aproximaram para ver melhor o casal grão-ducal. Era justo dizer que Erna Dniester, Grã-Duquesa de Schuber, era atualmente a membro da realeza mais popular de Lechen.
A pele pálida de Erna ficou ainda mais branca. O barulho da multidão zunia em seus ouvidos e ela parecia estar prendendo a respiração. Ela não queria nada mais do que se esconder na carruagem, mas se o fizesse, poderia garantir que seu rosto estaria na primeira página na manhã seguinte, estampado em letras grandes e em negrito, declarando-a a membro da realeza mais mal-educada de Schuber.
Ela tinha que ser forte.
A pausa momentânea deu a Erna a chance de reunir suas forças e continuar andando. A carruagem agora estava à sua frente, apenas mais alguns passos, só um pouco mais…
“ERNA!!!!”
O grito de Bjorn ecoou pelo céu no momento em que ela alargou o passo e deu mais um passo.
As lembranças dos momentos seguintes permanecem como uma sobrecarga sensorial fragmentada. Bjorn a envolveu em seus braços, pessoas gritando, Guardas Reais correndo perto dela.
“Aquela sedutora tomou o lugar da Princesa Gladys, ela está arruinando a família real!”, alguns gritaram furiosos.
Erna olhou para a pessoa que havia gritado, jogando algo em sua direção, a tempo de vê-lo ser envolvido por um grupo de guardas reais. Ele olhou para Erna com olhos enlouquecidos cheios de ódio, e não parou de proferir obscenidades.
“Vossa Alteza está bem!?”
A princípio, Erna pensou que a guarda estava falando com ela, até que olhou ao redor e viu que Bjorn havia sido atingido nas costas por um ovo. Então ela percebeu o que havia acontecido.
“Essa feiticeira é o diabo, ela é um demônio que vai arruinar a família real e destruir Lechen!!”
Ele continuou a amaldiçoá-la enquanto era levado embora. Bjorn tirou o paletó e enfrentou o homem, com assassinato nos olhos. Bjorn só parou porque Erna dissuadiu o marido de fazer qualquer coisa precipitada.
“Não, Bjorn! Não faça isso!”, suas mãos gélidas tremeram enquanto ela segurava firmemente o braço dele; ela não tinha forças para segurá-lo e os dois príncipes correram para ajudar.
“Calma, Bjorn”, disse Leonid, segurando Bjorn pelos ombros.
“Sai da minha frente”, rosnou Bjorn.
“Não, Bjorn, há muitos olhos sobre nós.”
Leonid olhou para o irmãozinho, Christian, que estava segurando o braço oposto ao de Erna. Ele parecia confuso, mas não soltou. Felizmente, o agressor havia sido levado embora e eles não conseguiam mais vê-lo. Bjorn finalmente se acalmou depois disso.
Bjorn fechou os olhos e xingou várias vezes em voz baixa. Ele riu ao abri-los novamente, ainda intensos e fixos na direção para onde o agressor havia sido levado.
“Vossa Alteza, Grã-Duquesa!!!”
Bjorn parou de lutar contra os irmãos, virando-se para encarar o ajudante que havia gritado com ele e então viu que Erna estava curvada no chão. Sua pele pálida estava muito mais pálida do que o normal, como a de um cadáver, e ela respirava ofegante como se algo estivesse preso em sua garganta.
Bjorn se esqueceu completamente do agressor e correu até ela. Ele foi até sua esposa sem ninguém bloqueando seu caminho.
Ele a pegou no colo e sussurrou palavras suaves para ela enquanto a levava para a carruagem.
“Irmão, isso é…”, Christian pegou os pertences da Grã-Duquesa que estavam espalhados no chão.
Leonid olhou para os panfletos e cartões postais comemorativos que Christian lhe entregou. Pareciam vestígios insignificantes de um dia perfeitamente bom, arruinado pelo próprio diabo.
Catherine Owen saiu do prédio antigo com uma expressão furiosa. Ela parecia extremamente exausta, mas sua principal emoção era a raiva. Todas as editoras em Lars que ela havia visitado a haviam recusado.
O poeta gênio de Lars, Gerald Owen, que havia morrido jovem, tinha apenas um manuscrito restante. Ele quase se tornou uma lenda, mas não havia uma única editora que quisesse publicá-lo. Houve um tempo em que as pessoas lutavam com unhas e dentes por uma única linha de um dos poemas de Gerald, agora, era triste ver esse manuscrito sendo tratado tão mal.
Catherine apertou o manuscrito — o testamento de seu irmão — contra o peito, lutando com todas as forças para controlar as lágrimas e a raiva.
Ela o descobriu na primavera. Desde seu suicídio, a casa ficou vazia por um bom tempo. A mãe deles não conseguia superar a morte do filho até que a Academia de Artes decidiu manter a casa e transformá-la em um memorial em seu nome. Preservá-la como seu local de nascimento. Catherine então descobriu a pilha de manuscritos escondida sob as tábuas do chão.
O nome que me fez viver e também me matou. Para Gladys, meu amor e meu abismo.
Assim que Catherine abriu o pacote, lacrado com cera, ela viu a página de rosto escrita com força. Todas as cartas e poemas contidos ali eram dedicados a uma pessoa, Gladys Hartford, a amante que Owen chamava de seu amor e abismo.
Naquele dia, Catherine aprendeu a verdade cruel, contada em uma linguagem bela. Era um dos melhores trabalhos de Owen, e ela estava determinada a publicá-lo como a obra póstuma mais importante de seu irmão. O mundo inteiro precisava saber a verdade, e Lars não era o único lugar do mundo com editoras. Ela atravessaria o mar, se necessário.
Catherine abaixou o chapéu e começou a andar pela rua. Ela era pavimentada pelos raios dourados do sol, abraçando a vontade de um homem que havia morrido por amor.
Quando o médico chegou ao palácio, a Grã-Duquesa já estava estável. Além de um sorriso muito fraco, não havia outros sintomas preocupantes. Sua respiração estava estável e as cólicas de estômago haviam passado.
Levemente neurótica.
Esse foi o único diagnóstico que o Dr. Erickson conseguiu elaborar. Ele estava preocupado com a jovem duquesa, que estava passando por algo que não podia ser ignorado com risos e sorrisos.
“Eu não vou poupar aquele lunático”, disse Lisa, rompendo em lágrimas, “Vou jogar tantos ovos nele até que a cabeça daquele desgraçado se rache como um.”
“Tudo bem, Lisa, estou bem. Foi só um ovo e eu não fui quem levou a pancada.”
“Estou tão aliviada que o Príncipe se saiu bem e você não teve que passar por isso.”
“É mesmo?”, disse Erna com um sorriso cansado, “Acho que teria sido melhor se o ovo tivesse me acertado.”
Ao lembrar da mancha do ovo podre que atingiu Bjorn, seus olhos ficaram vermelhos involuntariamente.
O agressor era um homem esquizofrênico. Ele acreditava que Erna havia afastado a Princesa Gladys e matado seu filho. Então ele fez aquilo para apaziguar o diabo, que viria para arruinar a família real. A polícia disse que ela não tinha nada com que se preocupar, mas ela tinha, especialmente quando pensava em Bjorn.
Erna apertou os olhos com força enquanto lutava contra as lágrimas e saiu da cama. Ela cambaleou com a dor nos pés. Lisa correu e a ajudou para que ela não caísse no chão.
“Você tem que ter cuidado, certo?”, Lisa olhou preocupada para o pé enfaixado de Erna.
Erna voltou com os pés cheios de bolhas e cicatrizes depois de passar o dia todo com sapatos novos. Ela até tinha sangue encharcando suas meias. Ela nem parecia perceber até Lisa ver e gritar pelo palácio inteiro.
Lisa quase começou a chorar quando percebeu que Erna havia passado o dia todo na exposição com os pés daquele jeito. Lisa não conseguia dizer nada, porque sabia como Erna se sentia, seu amor tolo e ingênuo por Bjorn era o que a fazia fazer aquilo, querendo ficar bonita para ele.
No final, um ataque repentino de um lunático arruinou o dia inteiro, que poderia ter sido tão perfeito. O estômago de Lisa se revirou ao pensar em como as pessoas iriam falar sobre isso amanhã.
Suprimindo sua raiva com respirações profundas, Lisa ajudou Erna a se sentar na cadeira perto da janela e a acomodou suavemente. Erna recuperou o sorriso ao olhar para Lisa.
“Você vai cumprir sua promessa, certo?”, disse Erna.
Lisa estava prestes a explodir de raiva, mas se conteve e em vez disso assentiu suavemente. Erna não mostrou o pé machucado para ninguém, nem mesmo para o médico. Ela não queria que ninguém soubesse disso. Lisa sabia que era um pouco de orgulho que Erna queria manter.
Erna sentou-se perto da janela e respirou o ar fresco como se nada tivesse acontecido. Quando se entediou, voltou para a cama e deitou-se como em qualquer outra noite.
Quando Lisa finalmente saiu, Erna fechou os olhos e se deleitou no profundo silêncio que se seguiu. Pouco depois, ouviu-se o barulho da porta do quarto se abrindo. Bjorn entrou e foi até a cama dela.