Volume 1 - Capítulo 41
O Príncipe Problemático
Erna se encostou à moldura da janela. Estava exausta, o corpo inteiro doía. Apertou os calcanhares das mãos sobre os olhos ardentes e úmidos, tentando afastar a tristeza que ali se aninhava.
O médico dissera que sua avó precisava de muito repouso e estabilidade. Erna não sabia como contaria isso a ela. Ainda era bem imatura para lidar com assuntos tão sérios. Decidiu não contar ainda, deixar que a avó continuasse a vê-la como sua neta ingênua.
Pensou em seu avô. Ele morrera de um ataque cardíaco, encontrado no chão do escritório. Quando Erna recebeu a notícia de que sua avó havia sido internada, depois de ser encontrada no chão do escritório, correu o mais rápido que pôde para o hospital. Ao chegar lá, mal conseguia respirar, o peito pesado e quente.
Entrou no quarto, onde sua avó parecia dormir pacificamente. Isso partiu o coração de Erna, e ela não pôde deixar de pensar no avô. A lembrança a sufocou, agravada pela notícia de que a avó desmaiara por causa de um coração fraco.
Se não estivessem no meio da cidade, ou se o coração da avó fosse um pouco mais fraco, ela não teria sobrevivido. Erna se sentiu subitamente tão sozinha que irrompeu em lágrimas.
Voltou a pressionar as palmas das mãos nos olhos, tentando conter as lágrimas. Não adiantava se entregar à autocomiseração agora, ela precisava ser forte.
Forçou-se a pensar na recuperação da avó, o suficiente para que ela pudesse viajar e então pudessem voltar juntas para Buford. Elas precisavam se afastar da cidade, e com o dinheiro que Pavel lhe dera, ela poderia alugar um lugar agradável, tranquilo. Um lugar onde pudesse recomeçar.
“Estabilidade absoluta.” O médico disse, certificando-se de que Erna entendesse.
A voz o trouxe de volta à realidade e ela olhou para seu reflexo na janela. Será que a estabilidade absoluta existe na vida, neste lugar? Será que ela pode vir de deixar uma mansão familiar, repleta de lembranças de uma vida inteira?
“Sim, eu entendi.” Erna gaguejou.
“Bom.” O médico disse e deixou Erna sozinha com sua avó.
Com certeza seria uma grande confusão mudar sua avó para Buford, mas o que mais poderia ser feito? Não havia como proteger a mansão mais. Teria ela aceitado a proposta de Thomas Baden?
Quando pensou que seria a maneira mais fácil, ficou ainda mais miserável. Seus melhores esforços estavam se tornando resolutos e aceitavam condições menos que ótimas.
Erna ficou parada na janela como uma estátua até bem entrada a noite. O corredor fora do quarto, que estivera movimentado com visitantes a tarde toda, ficou silencioso. Ela pôde ver seu reflexo claramente olhando para ela e a bagunça na maquiagem que as lágrimas haviam feito.
Tentou arrumá-la, mas nunca ficava tão bom quanto o que Lisa conseguia fazer, mas ao menos parecia apresentável. Parecia uma imitação de sua vida. Não importava o quanto ela se esforçasse, nunca saía como ela queria e era uma completa bagunça por baixo.
Erna soltou um suspiro lento e reprimiu a vontade de limpar a maquiagem. Ela sorriu, uma máscara que refletia a vida que ela queria. Ela ainda queria amá-la o máximo que pudesse, mesmo depois de todo o drama sufocante. Por mais envergonhada e chateada que estivesse, manteve o sorriso no rosto.
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Erna, Erna, Erna.
Durante todo o verão, pareceu ser o único nome que alguém mencionava. Aqui, ali e em todo lugar, todas as pessoas falavam sobre Erna. Dentro dos salões de baile modestos e nos mais humildes salões de charutos. Era uma loucura.
O nome era como um zumbido nos ouvidos de Bjorn. Ele fechou os olhos enquanto tentava apagar o incômodo da mente. O jogo de cartas estava chegando ao fim, esfriando, o que fazia sentido, já que o amanhecer se aproximava.
Bjorn apoiou o queixo no punho e olhou para a fina fatia de luz que entrava pelas cortinas no canto da sala.
Erna.
Assim que o nome da mulher foi mencionado, Bjorn sentiu uma dor de cabeça em suas têmporas. Quando abriu os olhos, o garçom silencioso havia colocado uma xícara de chá na mesa à sua frente. O caldo escuro era amargo e ajudou a clarear um pouco sua cabeça.
Erna.
Isso também limpou o nome da mulher de sua mente. Ele soube que ela havia corrido para o hospital, para ficar ao lado da avó doente. Também ouviu rumores de que era Pavel Lore quem estava pagando as contas do hospital. Aqueles dois estavam definitivamente se envolvendo à noite.
Bjorn riu ao considerar o que uma mulher lhe dissera.
“Somos amigos de longa data da família.” Ela dissera.
Improvável. Não há nenhum tolo no mundo que gastaria tanto dinheiro com amigos da família. Família, amigos, amantes, fossem o que fossem, Bjorn tentou não se importar mais. Ele daria à mulher o dinheiro de que ela precisava e acabaria com esse jogo. Ele teria feito isso antes, se não fossem as ordens de seu pai e o escândalo absurdo.
Chegou a vez de Bjorn e, com um bufado impaciente, ele jogou a carta para terminar o jogo. Os outros jogadores gemeram com a derrota esperada e se resignaram à perda.
Bjorn não se deleitou na vitória. Ele se recostou na cadeira, afundando profundamente em seu aconchego quente e fechou os olhos. A agitação dos perdedores deixando a sala durou apenas um momento e não havia muitos outros na sala de jogos tão cedo pela manhã.
“Ei, Bjorn”, disse Peter, assim que todos saíram. “Então, hum… a Srta. Hardy… Ela não é uma garota má.”
“E daí?” Bjorn retrucou.
Peter se assustou quando Bjorn abriu os olhos com uma expressão carrancuda e o olhou com intenção sombria. Peter fez uma pausa, não querendo correr o risco de ofender o príncipe, mas a dívida que devia a Erna Hardy era muito grande para não ser conhecida por praticamente todos.
Um firme apoiador de Bjorn e Gladys, a mãe, avó, irmã e até mesmo a sobrinha de Peter se envolveram na circulação de rumores cruéis sobre Erna Hardy e sua família. Quase da noite para o dia, as pessoas se levantaram para lutar contra esse novo mal crescente chamado Erna Hardy. Os rapazes eram da mesma forma. Aqueles que não tinham coragem de confrontar Bjorn, em vez disso, desabafavam sua animosidade reprimida sobre aquela pobre mulher.
Peter ficou encantado ao saber que Bjorn não a detestava nem falava mal dela; ele sentiu um grande alívio; caso contrário, ele estaria em uma situação muito difícil por estar do lado de Erna.
“Bem”, continuou Peter, encontrando sua coragem. “E se você não fizer isso? Era tudo o que eu ia dizer. Nesse ritmo, você vai ser forçado a uma situação da qual não poderá se recuperar. Eu e os outros rapazes sentimos muito por você.” Peter tentou disfarçar a conversa embaraçosa com um sorriso amigável.
Bjorn olhou para o teto, sem dizer uma palavra ou sequer reconhecendo o que Peter havia dito. Ele estava ficando cansado de todos os comentários e perguntas que as pessoas lhe faziam quando se tratava de Erna Hardy. Calma, seja calmo, ele sempre se dizia, mas Peter era diferente.
Todos pareciam ter as mesmas aspirações de Louise em relação a Erna Hardy. O que se resumia a parar de defender aquela mulher e ter o final feliz que todos queremos.
Era o que todos diziam como desculpa para se intrometerem em seus assuntos. A falsa demonstração de cuidado e afeição pelo príncipe, quando na verdade tudo o que eles queriam era pegar um boato suculento para compartilhar na próxima reunião e aumentar seu status. Bjorn estava ficando entediado disso.
Bjorn olhou para a mesa de cartas e sua parte das fichas que havia ganhado. As cartas viradas para cima mostravam rainhas, reis e cavaleiros. Elas pareciam representar Gladys, Louise e Erna. Ele piscou e elas desapareceram.
Mesmo que Erna desaparecesse, ele ainda ficaria com essa situação, mas o drama seria direcionado a outra mulher, mesmo que ele apenas lançasse um breve olhar para outra mulher. A única saída, ele percebeu, era se casar ou morrer.
Será que o coração de seu pai era tão frio e calculista quando ele ordenou que ele se casasse com Erna Hardy? Casamento sem amor, divórcio sem amor. Era tudo política e o amor não tinha lugar na política.
Bjorn não pensava exatamente assim. Ele acreditava em algo mais simples. Um claro senso de si mesmo e números. Gostasse ou não, era bom ou ruim. Ele não queria se enganar, envolvendo a vida em uma pequena e conveniente mentira. Não para Gladys, ou para qualquer mulher, e Erna Hardy não era exceção.
Então, assim como ele se casara sem amor e se divorciara sem amor antes. Se os benefícios forem bons e superarem os negativos, não haveria razão para ele não se casar com Erna.
E então, o que dizer sobre Erna Hardy?
Ela era bonita, isso mal dava para discutir e ele realmente gostava de sua companhia. Ela era como um livro velho e rasgado, cheio de defeitos que não tinham esperança de gerar nenhum benefício. Se a posição de Grã-Duquesa fosse preenchida, pelo menos ele não teria mais que ouvir falar de Gladys. E a importância do cargo era suficiente para deprimir Walter Hardy.
Bjorn balançou a cabeça ao perceber que girava em círculos e voltava ao ponto de partida. Suspirando, ele se aproximou da mesa de pôquer e pegou uma ficha. A mesa de cartas era um lugar apropriado para resolver essa confusão, dado que foi onde tudo começou. Sua tolerância estava ficando fina sob a crescente pressão dessa circunstância bizarra.
Cara ou coroa.
Ele ponderou todos os resultados possíveis antes de lançar a ficha no ar. Não demorou muito para que ele pegasse a ficha de volta na mão. Bjorn lentamente abriu os dedos e viu uma imagem aparecer.
Cara.
“O que o senhor está fazendo, Sua Alteza?” perguntou Peter, quebrando o silêncio sereno da sala de jogos. Bjorn percebeu que Peter não havia parado de olhá-lo o tempo todo em que ele estava pensando.
“Organizar e limpar.” Bjorn disse. Ele se levantou, pegou seu casaco.
“Posso ajudar em alguma coisa.” disse Peter, sentindo-se estimulado pelo novo vigor do príncipe.
“Sim, pegue minhas fichas, você poderia? Preciso ir para a cidade.”