Volume 1 - Capítulo 3
O Príncipe Problemático
Mesmo diante da multidão, Bjorn não demonstrava tensão em seu rosto ou ações. Banhado em atenção e interesse por todo o reino desde o nascimento, aquela cena lhe era familiar. Tão familiar que lidar com uma multidão tão grande era para ele tão natural quanto respirar. No entanto, isso também significava que o leve desconforto que sentia de vez em quando ao lidar com tanta atenção não era de forma alguma algo novo para ele.
“Abram caminho! Todo mundo, se afastem!”
Os gritos estrondosos de seus servos ecoaram pela plataforma lotada. Mesmo em meio ao caos e aos ruídos, os espectadores ouviram o chamado e recuaram lentamente, abrindo caminho para a procissão de Sua Alteza. Com postura ereta e digna, ele se fez passagem no meio da multidão; trocando cumprimentos com aqueles que o saudavam e interagindo com os cidadãos gentilmente. Tais ações haviam se tornado um hábito para ele após anos de repetição, estavam agora profundamente enraizadas em seu corpo.
Ela também não passava de uma espectadora no meio da multidão agitada; ali parada para conseguir um vislumbre insignificante dele.
No entanto, o temperamento único de uma determinada mocinha na multidão o fez fitá-la por um tempo maior do que o necessário. Ela vestia um vestido rústico, antigo, enfeitado com rendas e fitas, que a faziam parecer ter vivido sozinha o século passado. Como se um vestido floral fora de moda não bastasse, o chapéu que usava complementava harmoniosamente a estética do vestido. Com esses pensamentos rodopiando em sua cabeça, ele passou pela interessante moça.
Seu olhar, porém, voltou-se novamente, mas desta vez para um homem agitado que gritava alto. O homem de rosto vermelho, que vinha condenando o Príncipe por ser um filho pródigo da realeza, cambaleou para trás depois de receber inesperadamente o olhar do Príncipe. Contrariamente ao que esperava, o Príncipe sorriu gentilmente para ele com o mesmo sorriso que demonstrava aos outros. Mesmo em meio ao caos de admiração e críticas, Sua Alteza permaneceu relaxado e digno, como se estivesse apenas dando um passeio relaxante pelos jardins reais.
Bjorn seguiu tranquilamente em direção ao trem que acabara de entrar na plataforma, sem dar mais atenção aos rostos insignificantes de que nem se daria ao trabalho de lembrar.
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‘Coloque sua mente em qualquer coisa e você poderá fazer, não importa o quê.’ Erna já pensara nisso, mas depois de vagar por sei lá quanto tempo a ponto de exaustão, pôde confirmar que ter a mentalidade certa nem sempre era suficiente. Saber o endereço não a ajudou muito, e a escuridão já caía sobre a cidade enquanto a noite chegava. Ela estava sozinha em uma praça na Avenida Tara, e no centro havia uma fonte. Com o corpo cansado, cambaleou em direção à fonte para descansar; sem se esquecer de colocar um lenço primeiro. Se ao menos pudesse deitar um pouco para aliviar seu corpo cansado, mas sabia que tal ação não era digna de uma dama como ela.
Ela escolheu especificamente usar seu vestido favorito naquele dia, um vestido de musselina que sua avó lhe dera de presente no aniversário do ano anterior. Ela sabia que não conhecia bem seu pai, mas isso não justificaria nenhuma ação que faltasse com as maneiras e a dignidade que uma dama deveria ter. Foi por isso que ela teve que manter seu vestido limpo, mesmo que tivesse que suportar dificuldades para isso.
Calma e graciosa, a qualquer hora e em qualquer lugar. Como uma verdadeira dama nobre.
Era um lema de vida que sua avó guardara para o resto de sua vida e também um legado que ela queria deixar para sua amada neta. Embora tivesse herdado o sobrenome Hardy, ela, a inconfundível dama da Família Baden, tinha a obrigação de manter os ensinamentos de sua avó. Pensando em sua avó, ela meticulosamente ajustou sua roupa de volta ao seu estado impecável.
Os lampiões a sua volta começaram a ser acesos pelo acendedor de lampiões, um a um, e ele seguiu para a próxima área com sua bicicleta após terminar seu trabalho na praça. A visão desconhecida a hipnotizou sem motivo aparente, seus pensamentos vagaram por alguns minutos.
Depois de se envolver com algo que vira pela primeira vez na vida, Erna endireitou-se e pegou sua bagagem. Ignorando inconscientemente os pés e pernas inchados, ela continuou a fazer o que tinha que fazer; encontrar a casa de seu pai antes que a noite ficasse ainda mais escura. Com vigor renovado, ela seguiu pela rua tingida pela luz dos lampiões. A paisagem era tão bonita e onírica que a ajudou a se distrair do medo e do pavor que sentia por alguns momentos. As pétalas caídas flutuando junto com o vento esvoaçavam como neve caindo pela primeira vez, acalmando seus nervos tensos.
“Uau…” Erna exclamou com a cabeça erguida como uma criança inocente, olhando para a lua cheia e brilhante que aparecia entre os galhos das árvores cheias de flores. Era a mesma lua brilhante que a acompanhou na noite anterior, enquanto ela se virava e revirava na cama sem dormir. A lua familiar trouxe certo conforto à sua mente agitada.
Depois de respirar fundo, ela continuou a caminhar pela trilha com mais determinação. Surpreendentemente, como se a lua lhe tivesse dado sua bênção, ela finalmente encontrou a casa que havia procurado por quase toda a eternidade, a ponto de ter cantado o endereço em sua mente como uma oração fervorosa. A mansão antiga, localizada no final da Avenida Tara, estava diante dela; a mesma Mansão Hardy que outrora fora seu lar.
Erna examinou novamente seu vestido para garantir que apresentaria a melhor versão possível de si mesma. Manteve a postura ereta e um leve sorriso nos lábios, exatamente como uma dama nobre deveria agir. Ela não tinha certeza se sua aparência era boa o suficiente, no entanto, pelos seus padrões, já era adequada.
‘Vai ficar tudo bem.’ Mesmo sabendo que existia a possibilidade de as coisas não darem certo, ela não conseguiu deixar de se enganar com tal mentira.
Com mãos trêmulas, ela estendeu a mão em direção à campainha da mansão.
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“Eu realmente não entendo o que se passa na sua cabeça.”
A voz animada de certa dama cortou a música que tocava por todo o salão alegre. Sentado de olhos fechados, Bjorn abriu os olhos e olhou para a jovem. Sua irmã mais nova, Lady Louise, estava ali diante dele, não se sabe por quanto tempo. Sua aparência animada, no entanto, contrastava fortemente com sua reação seca em relação a ela.
“Dizem que Gladys está voltando! Você sabe o que isso significa?” Ela perguntou animada.
“Bem…” Com uma pausa, seu olhar, que vagava pelo salão repleto de lustres deslumbrantes, voltou-se para ela novamente. “Acho que vai ser um verão bem azarado, ou algo assim.” Ele continuou, sem se dar ao trabalho de ser cortês. A resposta direta, dita com um sorriso brilhante, soou lamentável devido ao seu tom lento e sonolento.
“Meu Deus! Como você, meu querido irmão, pode falar de Gladys assim? Gladys, a mulher que você magoou e abandonou??” Louise perguntou furiosa, como se fosse ela quem ele tivesse insultado. Ele, por outro lado, calmamente pegou um copo d'água enquanto a irmã fumegava ao seu lado, deixando as gotículas d'água que se condensaram na superfície do copo escorrerem por seus dedos longos e lisos.
Ao redor deles, a festa beneficente ainda estava acontecendo sem sinais de acabar em breve, mostrando claramente o sucesso do evento. Senhoras de vários círculos sociais se aglomeravam em Schwerin quando a presença da Rainha, amada e respeitada por todo o reino, foi divulgada ao público. A chefe do Hospital Real não parava de sorrir com a quantidade de misericórdia demonstrada nas doações.
Ótima música, iguarias saborosas e indivíduos conhecidos de vários círculos sociais como convidados. Era de fato uma festa que não envergonharia a dignidade da Rainha e fez com que sua presença não fosse em vão. O mesmo poderia ser dito do Duque, que abriu mão de seu descanso para escoltar a Rainha, pois seus esforços também foram recompensados. No geral, todos aproveitaram seu fim de semana na primavera. Exceto por certa Princesa, que zunia como uma abelha irritada.
“Irmão, por favor… Conserte seu erro agora. Tudo bem?” Ela disse com um tom que pretendia acalmar uma criança. A Princesa, amiga de Gladys, apoiava o casamento delas mais fervorosamente do que qualquer outra pessoa. Devido a isso, ela era mais crítica a quaisquer problemas entre as duas após o divórcio caótico.
“Claro, não é uma ofensa que possa ser perdoada facilmente. Mas se Gladys aceitar suas desculpas, tenho certeza de que vocês duas podem…”
“Duquesa de Heine.” Bjorn interrompeu as palavras de sua irmã ao colocar o copo d'água que segurava. Contrariamente a seus lábios sorridentes, seus olhos e tom eram tão calmos que pareciam fora de lugar.
“Parece que o Duque está procurando sua esposa, acho que é hora de você voltar para o lado do seu marido.” Ele disse e apontou para o Duque de Heine, que caminhava pela multidão de senhoras do outro lado do salão. Louise, que queria dizer mais, acabou engoliendo suas reclamações com um suspiro e o deixou relutantemente.
Após uma breve pausa, a banda real começou a tocar novamente. Enquanto a valsa tocava pelo salão, Bjorn levantou-se e caminhou para a frente. Ele passou tranquilamente entre as damas que secretamente lançavam olhares para ele, seus olhos entrelaçados com vigilância e expectativa. Sem lhes dar atenção, ele seguiu em direção a um terraço que levava ao jardim, que agora estava ocupado por homens fumando charutos.
“Bjorn, aqui!” Um rosto familiar o chamou e ele se virou para o homem cordial. O grupo de nobres, que normalmente estava envolvido em discussões sem sentido, estava estranhamente quieto naquela noite. Alguns deles até mesmo tomavam suas bebidas com rostos sérios, como crianças prestes a explodir em lágrimas a qualquer momento.
“Seus investimentos fracassaram.” Disse Peter, que segurava um copo cheio de conhaque âmbar. Bjorn recostou-se na grade do terraço, um copo de vinho nas mãos.
“Investimentos?”
“Eles investiram em alguns títulos estrangeiros, no fim das contas acabou sendo um golpe ou algo assim.” Peter clicou a língua e deu a notícia trágica. Sua Alteza, por outro lado, não demonstrou muita reação, exceto pela leve franzido na testa. Parecia que o número de idiotas que foram pegos por investimentos bons demais para ser verdade era maior do que ele esperava. Esse tipo de investimento era atualmente a moda que vinha agitando os círculos sociais há algum tempo.
“Obrigado, meu Senhor. Ainda estou vivo graças à sua ajuda.” Peter, que se aproximou de Bjorn, sussurrou baixinho.
Alguns dias antes, Peter também soube de um investimento lucrativo que despertou seu interesse. Depois de ter informações suficientes, foi direto ao Palácio Schwerin para pedir a cooperação de Bjorn. Era um rumor conhecido nos círculos sociais que a sorte do Príncipe com mulheres e dinheiro era sem precedentes, a ponto de alguns nobres acreditarem que o próprio Deus havia dado ao Príncipe suas bênçãos. Bjorn, no entanto, despedaçou impiedosamente os sonhos do nobre animado depois de ouvir a situação.
“Seu cérebro só serve de enfeite, seu bastardo doente?” Bjorn perguntou simplesmente com voz baixa. Ele, Peter Bergen, ficou tão insultado que quase cometeu traição ao agredir um membro da família real. Se seu oponente fosse um nobre comum, ou até mesmo alguém que ele pudesse derrotar, ele nem pensaria duas vezes e surraria alguém tão rude.
Mas, infelizmente…
Com uma mente razoável, ele justificou que proteger a si mesmo e sua família era mais importante do que bater em um idiota. Principalmente se esse idiota fosse Sua Alteza, o próprio Príncipe, então não havia nada no reino que ele não pudesse tolerar. Além disso, ele não recebeu um lucro bem grande investindo em uma empresa de aço com as informações fornecidas por Bjorn antes? Só de pensar em seus ganhos naquele investimento já bastava para Peter professar seu profundo amor a Sua Alteza.
Se ele, que só tomou um pequeno gole dos lucros de seus investimentos, já recebeu tanto, quanto seria no caso de Sua Alteza? No final das contas, pensar muito sobre isso não o ajudaria a ganhar mais. Ser capaz de adquirir tanto dinheiro era um talento em si, e era preciso ser esperto o suficiente para sobreviver nesse ramo. Essa razão foi suficiente para Peter continuar sua amizade com o Príncipe, mesmo que isso significasse que ele teria que suportar frequentemente sua atitude desrespeitosa.
“Você deve pegá-los de qualquer maneira, Sua Alteza! É um crime sério que já devastou várias vítimas!” Exclamou um herdeiro de uma condessa, enquanto começava a recitar frustrado o nome dos autores. A maioria dos nomes eram filhos de famílias nobres que eram membros conhecidos de uma fraternidade, mas também havia nomes desconhecidos na lista.
“Você conhece o Visconde Hardy? Ele foi uma das vítimas mais infelizes, toda a sua fortuna foi levada. Talvez ele esteja prestes a cometer suicídio com uma pistola agora mesmo.”
‘Hardy?’ Os murmúrios tediosos dos nobres afetados terminaram com um nome desconhecido que ele nunca tinha ouvido antes.
‘Talvez se possa considerar o Visconde como o maior idiota de todas as vítimas tolas.’ Bjorn pensou. Com um cigarro aceso na mão, ele virou os olhos para o jardim por cima da grade do terraço. Através da fumaça enevoada, as flores coloridas da primavera que estavam em plena floração eram visíveis contra a água que subia. Ele estava admirando lentamente a paisagem com o olhar quando, de repente, sua visão parou em um determinado canteiro que tinha pequenas flores brancas.
‘Lírio-do-vale.’
Seus olhos, que estavam fitando a flor, se estreitaram levemente ao lembrar seu nome. Era a mesma flor que Gladys carregava durante o casamento deles. Graças a isso, o lírio-do-vale, apelidado de flor da Princesa Herdeira, foi amado por muitos a ponto de haver escassez de fornecimento por um tempo. Claro, sua popularidade não durou muito e desapareceu em menos de um ano.
‘Hmm… aquela moça interessante na estação usava um chapéu adornado com essa flor que já passou da moda.’ Bjorn pensou enquanto cantarolava a valsa que tocava no salão enquanto expelia a fumaça de seu cigarro.
‘Não admira…’
Ele desviou o olhar do canteiro sem arrependimentos e olhou para a lua branca pendurada no céu noturno.
Mesmo que ele desviasse sua atenção daquela flor, parece que ele ainda continuaria a encontrar coisas relacionadas a Gladys; como uma espécie de maldição lançada sobre ele.