Volume 1 - Capítulo 1
The Irregular at Magic High School
— Eu não vou aceitar isso.
— Você ainda está falando sobre isso...?
Era cedo na manhã do dia da cerimônia de entrada da Primeira Escola, mas ainda faltavam duas horas para o início. Os corações dos novos alunos estavam acelerados com a expectativa de suas novas vidas e dos futuros que os aguardavam, mas certamente poucos estavam tão exaltados quanto esses dois.
Em frente ao auditório, onde aconteceria a cerimônia de entrada, um aluno e uma aluna, ambos vestidos com uniformes novinhos em folha, estavam discutindo. Os dois eram novos alunos, mas seus uniformes eram levemente — mas distintamente — diferentes. Não era apenas o fato de que o uniforme feminino tinha saia e o masculino, calças. O emblema da Primeira Escola, um design composto por oito pétalas de flores, estava no peito da aluna. Não estava no blazer do aluno.
— Como eles puderam colocar meu irmão como substituto? Você teve as melhores notas no exame de entrada! Quem deveria representar os novos alunos é você, não eu!
— Deixando de lado a questão de onde você tirou minhas notas do exame de entrada... esta é uma Escola de Magia, então é óbvio que eles precisam priorizar a habilidade prática de magia ao invés da prova escrita. Você conhece bem minhas habilidades práticas, não é? Eu posso ter conseguido apenas o Curso 2, mas estou surpreso por ter chegado até aqui.
A aluna estava atacando com um tom duro, e seu companheiro tentava acalmá-la. A julgar puramente pelo fato de ela chamá-lo de irmão, eles poderiam ser irmãos — ele o mais velho, e ela a mais nova. Não era impossível que fossem parentes próximos. No entanto, se eram irmãos... então eles não eram muito parecidos.
A irmã mais nova era uma garota bonita que atraía olhares naturalmente. Dez entre dez pessoas, até mesmo cem entre cem, não negariam que ela era encantadora. O irmão mais velho, por outro lado, à exceção de sua postura ereta e olhos penetrantes, parecia completamente comum, sem nenhum traço que se destacasse.
— Por que você não tem mais ambição do que isso? Ninguém pode te vencer quando se trata de estudos e artes marciais! Quero dizer, até mesmo com magia, você é—
A irmã repreendeu firmemente a declaração desanimada do irmão, mas...
— Miyuki!
...ele a chamou em um tom de voz ainda mais severo, fazendo Miyuki prender a respiração e fechar a boca.
— Já discutimos isso antes. Não adianta falar sobre isso.
— ...Eu peço desculpas.
— Miyuki... — Ele colocou a mão sobre a cabeça abaixada dela. Enquanto acariciava lentamente o cabelo longo, liso e brilhante, o jovem considerava (de maneira um tanto patética) como melhorar o humor da irmã. — ...Sou grato por você sentir isso. Você sempre me salva ao ficar brava por minha causa — disse ele.
— Você está mentindo.
— Não estou.
— Sim, está. Tudo o que você faz é me repreender...
— Eu não estou mentindo! É só que eu sinto por você o mesmo que você sente por mim.
>— Oh, meu... Da mesma forma...?
...O quê? Por algum motivo, as bochechas da garota ficaram vermelhas. Ele teve a sensação de que havia algum tipo de mal-entendido que ele realmente não deveria ignorar. No entanto, decidiu deixar suas dúvidas de lado para resolver o problema em questão.
— Mesmo que você se recusasse a fazer o discurso, eles nunca escolheriam a mim no seu lugar. Você com certeza perderia sua posição se os recusasse no último momento. E você sabe disso, não sabe? Afinal, você é uma garota inteligente.
— Isso é—
— Além disso, Miyuki... Estou ansioso para isso. Tenho orgulho de você ser minha irmã. Vá lá e mostre tudo o que você tem para seu irmão inútil.
— Você não é um irmão inútil, ou algo do tipo! ...Mas entendi. Peço desculpas pelo meu egoísmo.
— Não há nada pelo que se desculpar, e eu não acho que foi egoísta de forma alguma.
— Vou indo, então. Certifique-se de me assistir.
— Sim, vá em frente. Estou ansioso pelo evento principal.
A jovem fez uma reverência para se desculpar e desapareceu no auditório. Após vê-la partir, o jovem suspirou aliviado.
E agora... o que eu devo fazer? Ele havia acompanhado a representante estudantil relutante para a escola para o ensaio, mas agora estava perdido, sem saber o que fazer nas duas horas até o início da cerimônia de entrada.
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O campus tinha três partes: um prédio principal, um prédio de práticas e um prédio de laboratórios.
Havia um auditório/ginásio com um layout interno mecanicamente ajustável. Havia bibliotecas no terceiro andar e no segundo subsolo. Havia dois ginásios menores. Também havia um prédio de preparação usado como vestiários, chuveiros, armazenamento e salas de clubes. O refeitório/cafeteria/área de máquinas de venda automática ficava em outro prédio, e várias outras estruturas, tanto grandes quanto pequenas, preenchiam o terreno da Primeira Escola — parecia mais um campus de faculdade suburbana do que uma escola secundária.
O jovem, em busca de um lugar para se sentar enquanto esperava o início da cerimônia de entrada, caminhava por uma estrada de pavimento macio que imitava tijolos, enquanto olhava ao redor.
Os estudantes usavam cartões de identificação para acessar as instalações da escola, mas esses não seriam distribuídos até o final da cerimônia. Até mesmo o café, que ficava aberto para visitantes, estava fechado hoje, talvez para evitar o caos.
Depois de cinco minutos caminhando comparando o que via com o mapa das instalações exibido em seu terminal portátil, ele encontrou um pátio. Ficava atrás das árvores que margeavam o caminho, posicionadas longe o suficiente para não obstruir a visão.
Vagamente grato por não estar chovendo hoje, ele se sentou em um banco para três pessoas e, então, abriu seu terminal portátil para acessar um de seus sites de livros favoritos.
Esse pátio parecia ser um atalho que levava do prédio de preparação ao auditório.
Talvez estivessem organizando a cerimônia — alunos já matriculados (que ele considerava veteranos) passavam à sua frente, mantendo um certo espaço entre eles. No peito esquerdo de cada um dos estudantes estava o emblema de oito pétalas.
A malícia inocente deles se espalhava enquanto se afastavam.
— Ei, não é aquele garoto um Weed?
— Aqui tão cedo? ...Bastante entusiasmado para um substituto.
— Ele é só um reserva, de qualquer forma.
Uma conversa que ele preferia não ter ouvido chegou até seus ouvidos.
Weed era o termo usado para se referir aos alunos do Curso 2. Estudantes com as oito pétalas no lado esquerdo de seus blazers verdes eram chamados de Blooms, por conta do design do emblema, e os estudantes que não tinham o emblema eram chamados de Weeds — porque não floresceriam em flores.
Essa escola tinha duzentos calouros. Desses, cem seriam matriculados como alunos pertencentes ao Curso 2.
A Primeira Escola, uma instituição educacional afiliada à Universidade Nacional de Magia, era um corpo estatutário criado para formar técnicos mágicos. Era obrigada a mostrar certo nível de resultados em troca de fundos governamentais. A cota da escola — o número de alunos que deveria fornecer à Universidade Nacional de Magia, uma instituição de treinamento mágico avançado — era de pelo menos cem.
Infelizmente, a educação mágica era propensa a acidentes. Falhas em magia, seja em exercícios ou experimentos, estavam diretamente relacionadas a acidentes que estavam longe de ser insignificantes. Os estudantes estavam cientes desses perigos — eles haviam apostado seus próprios futuros em seu talento mágico e nas possibilidades de se tornarem magos.
Eles possuíam um talento raro, e quando talentos raros são altamente valorizados pela sociedade, poucos conseguem abandoná-los. Isso era ainda mais verdadeiro no caso de jovens emocionalmente imaturos. As únicas visões de futuro que restavam para eles eram as espetaculares. Isso em si não era necessariamente algo ruim, mas a verdade era que mais do que algumas crianças seriam feridas como resultado desses valores arraigados.
Felizmente, o acúmulo de conhecimento mágico praticamente eliminou acidentes que resultassem em morte ou deficiência física. Mas fatores psicológicos podiam facilmente prejudicar o talento mágico. Um número significativo de estudantes desistia da escola todo ano, após traumas de um acidente os deixarem incapazes de usar magia.
E os que preenchiam essas lacunas eram os estudantes do Curso 2.
Eles eram permitidos a se registrar como estudantes, frequentar aulas e usar as instalações e recursos, mas não tinham acesso à coisa mais importante — a prática individual de magia com um instrutor.
Eles estudavam por conta própria e produziam resultados apenas por seus próprios méritos. Se não conseguissem fazer isso, qualificariam-se apenas para se formarem como estudantes de educação geral. Sem o direito de se formar em uma escola de magia, não poderiam avançar para a Universidade Nacional de Magia.
Atualmente, a grave escassez de professores capazes de ensinar magia obrigava a priorizar aqueles com talento. Os alunos do Curso 2 só tinham permissão para se matricular sob a premissa de que não seriam ensinados.
Era oficialmente proibido chamar os alunos do Curso 2 de Weeds. Mas o termo já estava estabelecido, até mesmo entre os próprios estudantes do Curso 2, como um insulto semipúblico. Até eles se viam como nada mais do que peças sobressalentes.
Isso também valia para esse jovem. Então, não havia necessidade de lembrá-lo desse fato, falando mal dele de propósito ao alcance de sua audição. Ele já estava plenamente consciente disso quando se matriculou.
Eu realmente não pedi sua opinião, ele pensou, voltando sua atenção para os dados do livro que havia baixado para seu terminal de informações.
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Havia um relógio exibido em seu terminal aberto, e ele trouxe sua mente, imersa na leitura, de volta à realidade.
Restavam trinta minutos até a cerimônia de entrada.
— Você é um novo aluno? Está na hora de abrir.
Ele saiu do site de livros habitual e fechou seu terminal, mas, quando estava prestes a se levantar do banco, uma voz lhe chamou atenção.
A primeira coisa que chamou seus olhos foi a saia do uniforme escolar. Em seguida, a pulseira larga em seu pulso esquerdo. Era o mais recente modelo de CAD, mas significativamente mais fino que os tipos mais comuns e com um toque de estilo.
CAD — Dispositivo de Assistência de Conjuração. Também era chamado simplesmente de dispositivo ou assistente. Neste país, alguns usavam o termo "vassoura", que além de ser um acessório clássico de magia, também era uma abreviação da palavra japonesa para "operador mágico".
Era uma ferramenta indispensável para técnicos mágicos modernos, fornecendo programas de ativação para desencadear magia, substituindo métodos e ferramentas mais tradicionais, como encantamentos, amuletos, mudras, círculos mágicos e livros de feitiços.
Encantamentos para usar magia corretamente com uma única palavra ou frase ainda não haviam sido desenvolvidos. Mesmo utilizando métodos em conjunto, como amuletos e círculos mágicos, recitar o feitiço levaria de dez segundos a mais de um minuto, dependendo do feitiço. O CAD substituía tudo isso por um esquema de controle mais simples, permitindo que a magia fosse realizada em menos de um segundo.
Ainda era possível realizar magia sem um CAD, mas ele acelerava o processo de conjuração drasticamente, a ponto de praticamente não existirem técnicos mágicos que não utilizassem um. Até mesmo os chamados "espers", que podiam causar fenômenos sobrenaturais apenas com o pensamento, geralmente sacrificavam sua especialização em certas áreas em troca da velocidade e estabilidade oferecidas pelo sistema de rotinas de ativação.
No entanto, nem todos podiam usar magia apenas tendo um CAD. Eles forneciam os programas de ativação, mas a execução da magia dependia das habilidades do próprio técnico mágico. Portanto, CADs eram inúteis para aqueles que não podiam usar magia. Se você visse alguém com um, era quase certo que estava envolvido com magia.
E, se Tatsuya se lembrava corretamente, apenas os estudantes do conselho estudantil e membros de certos comitês tinham permissão para carregar seus CADs nos terrenos da escola.
— Obrigado. Já estou indo.
No peito esquerdo dela, claro, havia o emblema de oito pétalas. O volume do seu peito que empurrava o blazer não lhe passou pela cabeça.
Ele não se incomodava em esconder seu próprio peito esquerdo. Não era tão submisso assim — mas isso não quer dizer que ele não sentisse um certo senso de inferioridade.
Ele imaginava que uma aluna digna de estar no conselho estudantil não seria tão proativa em se aproximar dele.
— Estou impressionada. Esse é o modelo com tela, não é?
Mas aparentemente ela não compartilhava dessa opinião. Ela sorria como se estivesse se divertindo, olhando para a tela de filme do terminal de informações portátil dobrável nas mãos dele.
Foi então que o jovem finalmente viu o rosto dela. Quando ele se levantou do banco, a cabeça dela estava cerca de vinte centímetros abaixo da dele. Ele tinha 1,75 metros de altura, então, mesmo para uma garota, ela era relativamente baixa. Ela estava na altura perfeita para verificar que ele era um aluno do Curso 2.
Mas não havia absolutamente nenhuma condescendência em seus olhos — apenas uma admiração pura, quase inocente.
— Os alunos são proibidos de carregar terminais com tela virtual dentro da nossa escola. Infelizmente, esse é o tipo que a maioria dos estudantes usa. Mas você já usava o tipo com tela antes mesmo de se matricular aqui, não é?
— O tipo virtual não é adequado para leitura, então...
Qualquer um poderia dizer à primeira vista que o terminal era algo com o qual ele já tinha experiência, então ele não fez perguntas desnecessárias em resposta.
Ele respondeu quase como se estivesse dando uma explicação, porque achava que ser muito ríspido acabaria prejudicando mais sua irmã do que a ele mesmo. Ela era a representante dos novos alunos, então não havia dúvida de que seria escolhida para o conselho estudantil.
Sua resposta calculada, no entanto, só serviu para aumentar a admiração dessa veterana.
— Então você prefere ler a assistir vídeos. Você se torna mais incomum a cada segundo. Eu também aprecio mais materiais impressos do que imagens, então fico bastante feliz em ouvir isso.
Eles viviam em uma época em que materiais virtuais eram preferidos ao texto, mas os amantes de livros estavam longe de serem exóticos. Ela parecia ter uma personalidade quase incomumente sociável — mesmo quando seu tom de voz e escolha de palavras se tornavam cada vez mais informais.
— Ah, peço desculpas. Eu sou a presidente do conselho estudantil da Primeira Escola, Mayumi Saegusa. É escrito com os kanjis para sete e grama. Prazer em conhecê-lo!
Ela finalizou com uma piscadela, mas seu tom de voz estava longe de ser enigmático. Com sua aparência deslumbrante combinada com seu corpo bem delineado (apesar de sua baixa estatura), ela tinha um ar cativante que os alunos do sexo masculino, que acabavam de entrar no ensino médio, não poderiam deixar de interpretar mal.
No entanto, após ouvi-la se apresentar, ele se viu com vontade de franzir o cenho.
Um dos Números... e Saegusa, ainda por cima?
A habilidade dos magos variava enormemente com base na disposição genética. A família de onde você vinha era extremamente importante quando se tratava do seu mérito como mago. E neste país, era costumeiro que as famílias que possuíam um sangue excepcional para magia tivessem números em seus sobrenomes.
Os Números eram as linhagens de magos que possuíam uma predisposição genética superior, e a família Saegusa, com o caractere para sete em seu nome, era uma das duas no Japão atualmente consideradas as mais poderosas. E essa garota, que provavelmente fazia parte da linha de sangue direta, era a presidente do conselho estudantil desta escola.
Em outras palavras, ela era uma elite entre as elites. Não seria exagero dizer que eles eram polos opostos. Ele suprimiu um murmúrio amargo e, de alguma forma, conseguiu forçar um sorriso amigável ao se apresentar.
— Eu sou — ahem. Meu nome é Tatsuya Shiba.
— Tatsuya Shiba... Ah, então você é *aquele*... — Seus olhos se arregalaram em um show de surpresa. Então ela assentiu de maneira um tanto significativa.
Bem, afinal, ela provavelmente quer dizer "aquele" fracassado que mal consegue usar magia, apesar de ser o irmão mais velho da melhor aluna, Miyuki Shiba. Ele escolheu permanecer educadamente em silêncio.
— Os rumores sobre você são o assunto entre os professores, sabia?
Mayumi deu uma risadinha, sem parecer se incomodar com o silêncio de Tatsuya.
Ele imaginou que os rumores eram sobre o quanto ele e sua irmã mais nova eram diferentes. Estranhamente, porém, ele não sentia nenhuma emoção negativa vinda dela. Sua risadinha não tinha qualquer nuance de desprezo. Seu sorriso transmitia apenas um otimismo genuinamente amigável.
— Sua média em todas as sete matérias no exame de entrada foi de 96 de 100. Os destaques foram teoria mágica e engenharia mágica. A média dessas duas disciplinas entre os que passaram não chega nem a 70, e ainda assim você obteve pontuação perfeita em ambas, incluindo as partes dissertativas. Dizem que uma pontuação tão alta é inédita.
Isso parecia um elogio franco, mas Tatsuya decidiu que estava apenas imaginando, porque, afinal —
— Essas foram minhas notas na prova escrita. Elas só vão até o sistema de informações.
O valor de um aluno em uma Escola de Magia não se baseava em suas notas em testes, mas em suas pontuações de habilidades práticas. Tatsuya indicou seu peito esquerdo com um sorriso doloroso, mas amigável. Não havia como a presidente do conselho estudantil não saber o que ele queria dizer com isso.
Mas em resposta, Mayumi sorriu e balançou a cabeça.
Não de cima para baixo — mas da esquerda para a direita.
— Pelo menos, eu não conseguiria imitar essas notas incríveis. Eu tiro notas relativamente altas em matérias teóricas também, mas não acho que conseguiria a pontuação incrível que você conseguiu no exame, mesmo se tivesse as mesmas perguntas que você!
— O tempo é curto, então... Se me dá licença — disse Tatsuya para Mayumi, que ainda parecia ter mais coisas a dizer. Ele se afastou dela sem esperar por uma resposta.
Em algum lugar em sua mente, ele temia o sorriso dela, e temia que ela continuasse a falar com ele daquele jeito.
Ele não tinha certeza do porquê, porém.
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Como Tatsuya havia passado um tempo conversando com a presidente do conselho estudantil, mais da metade dos assentos no auditório já estavam ocupados quando ele entrou.
Os assentos não eram atribuídos de forma geral — os alunos eram livres para se sentar na primeira fila, na última, bem no meio, nas laterais ou onde quisessem.
Mesmo nos tempos modernos, as escolas seguiam a antiga tradição de anunciar quem estava em qual classe antes da cerimônia de entrada e, então, acomodar os alunos por classe. No entanto, nesta escola, você só descobriria em que classe estava ao receber seu cartão de identificação.
Portanto, a sala não se dividia naturalmente por classe.
Havia, no entanto, uma regra clara que regia a distribuição dos novos alunos.
A metade da frente era para os Blooms — os alunos do Curso 1. Os estudantes com o emblema de oito pétalas no peito esquerdo. Os novos alunos que podiam desfrutar de todo o currículo que a escola tinha a oferecer.
A metade de trás era para os Weeds — os alunos do Curso 2. Os estudantes com o tecido sem adornos no bolso do peito esquerdo. Os novos alunos que foram autorizados a se matricular e que seriam tratados como substitutos.
Todos os alunos eram calouros que estavam começando a escola hoje, mas foram divididos de maneira uniforme entre a frente e o fundo, com base na presença daquele emblema — apesar de ninguém estar obrigando-os a fazer isso.
"Acho que aqueles que sentem mais fortemente a discriminação são os que estão na ponta receptora..."
Essa era certamente uma sabedoria para se viver. Ele não se sentia inclinado a desafiar isso, então encontrou um assento vazio perto do meio, no terço de trás da sala, e se sentou.
Ele olhou para o relógio na parede. Restavam vinte minutos.
As comunicações eram restritas dentro do auditório, então ele não podia acessar seus sites de literatura. De qualquer forma, ele já havia lido todos os dados salvos em seu terminal inúmeras vezes, e tirar seu terminal em um lugar como aquele seria uma quebra de etiqueta.
Ele tentou imaginar sua irmã, que provavelmente estava fazendo seus ensaios finais no momento... e balançou a cabeça levemente. Não havia como ela estar tendo dificuldades logo antes do evento.
No fim, sem mais nada para fazer, Tatsuya deslizou mais fundo em sua cadeira sem almofada e fechou os olhos.
Estava prestes a adormecer quando alguém o chamou.
— Com licença, este assento está livre?
Ele abriu os olhos para verificar, e com certeza a pergunta havia sido dirigida a ele. Como a voz havia sugerido, era uma aluna.
— Pode se sentar.
Ele estava um pouco cético quanto ao motivo de ela querer sentar ao lado de um estudante que ela nunca havia visto antes, quando ainda havia muitos outros lugares disponíveis. Os assentos em si eram bastante espaçosos, deixando de lado o quão confortáveis eram, e a garota em questão tinha uma constituição estreita (em termos de largura, pelo menos, se não de profundidade), então não incomodaria Tatsuya de forma alguma se ela se sentasse ao lado dele. Na verdade, era uma escolha melhor do que um grande amontoado de músculos suados se sentando ali.
Com isso em mente, Tatsuya acenou amigavelmente com a cabeça. A garota agradeceu com uma leve inclinação de cabeça e se sentou. Mais três garotas entraram uma a uma e se sentaram ao lado dela.
— Entendi — pensou Tatsuya, convencido. Parecia que as quatro estavam procurando um lugar onde pudessem se sentar juntas.
— Elas são amigas? — ele se perguntou. Parecia incomum que quatro delas tivessem passado no exame para entrar nessa escola difícil, e que todas fossem do Curso 2. Ele achava que não seria estranho se pelo menos uma delas tivesse notas melhores. — Embora isso realmente não importasse para ele.
Ele não tinha mais nenhum interesse por suas colegas de classe que coincidentemente se sentaram ao lado dele, então direcionou seu olhar para a frente. Mas então ela o chamou novamente.
— Com licença...
O que poderia ser? Claramente, ela não era alguém que ele conhecia, e não era como se seus cotovelos ou pés estivessem no caminho dela. Ele não queria se gabar, mas tinha boa postura. Não achava que havia feito algo que justificasse uma objeção. Ele inclinou a cabeça em confusão.
— Meu nome é Mizuki Shibata. Prazer em conhecê-lo — veio a inesperada apresentação. Tanto o tom quanto a aparência dela eram tímidos. Ele sabia que não se podia julgar um livro pela capa, mas ela não parecia ser do tipo que se apresenta espontaneamente aos outros — então ele decidiu que provavelmente ela estava se forçando. Talvez alguém tivesse colocado uma ideia tola em sua cabeça. Algo como "os alunos do Curso 2 precisam se ajudar, já que já temos uma desvantagem", ou algo do tipo.
— Tatsuya Shiba. Prazer em conhecê-la também — respondeu, com a atitude mais suave que conseguiu reunir. Um olhar de alívio passou pelos olhos dela, por trás de suas grandes lentes.
Garotas usando óculos eram algo relativamente raro nos dias de hoje. Como resultado da proliferação das terapias ortópticas a partir de meados do século XXI, a condição de miopia estava rapidamente se tornando uma coisa do passado. Desde que você não tivesse uma anomalia congênita grave na visão, não precisaria de ferramentas de correção visual. E, se sua visão precisasse de correção, lentes de contato que podiam ser usadas por anos sem causar danos físicos também estavam disponíveis.
Os motivos para usar óculos se resumiam a simples preferência, razões de moda ou...
...sensibilidade à radiação de pushion.
Bastava um pequeno movimento para perceber que suas lentes não estavam inclinadas. No mínimo, ela não as usava para corrigir a visão. E pela impressão que ele tinha, ela provavelmente não gostava deles por seu valor estético — ele naturalmente pensou que ela os usava por alguma necessidade.
Sensibilidade à radiação de pushion era uma predisposição, uma condição em que se via demais. Pessoas com essa condição podiam ver as emissões de pushions sem querer e não conseguiam se concentrar para fazê-las desaparecer. Era um tipo de falha no controle de percepção. Mas não era uma doença, nem um impedimento.
Os sentidos da pessoa eram apenas aguçados demais.
Pushions e psions...
Ambos eram fenômenos metapsicológicos — assim como a própria magia.
Eram partículas observáveis que não se enquadravam na categoria de férmions, partículas construídas a partir de matéria, nem de bósons, que criavam ação recíproca entre a matéria. Eram partículas não físicas. A ciência atual acreditava que os psions eram partículas que davam forma à vontade e ao pensamento, enquanto os pushions compunham as emoções criadas pela vontade e pelo pensamento.
Embora, infelizmente, tudo isso ainda estivesse no estágio hipotético.
Normalmente, os psions eram as partículas utilizadas na magia, e as técnicas sistematizadas da magia moderna enfatizavam o controle delas. Os magos começavam aprendendo técnicas de manipulação de psions.
A luz das emissões de pushion afetava as emoções de quem as via. Uma teoria dizia que era por isso que os pushions eram as partículas que compunham as emoções. Por causa disso, a sensibilidade à radiação de pushion tendia a perturbar facilmente o equilíbrio mental de uma pessoa.
O método de evitar isso era, fundamentalmente, controlar a sensibilidade aos pushions, mas aqueles que não conseguiam fazê-lo eram auxiliados por um meio científico alternativo. Um desses meios era o uso de óculos com lentes especiais, chamadas lentes de revestimento de aura.
A sensibilidade à radiação de pushion não era, na verdade, uma condição incomum para um mago. A sensibilidade aos pushions e a sensibilidade aos psions geralmente eram positivamente correlacionadas, então se acreditava que uma sensibilidade extrema à radiação de pushion era apenas algo com que muitos magos — que controlavam psions conscientemente — precisavam lidar.
Mas sintomas no nível em que se precisava bloquear a radiação de pushion com óculos o tempo todo eram realmente incomuns. Seria uma coisa se ela simplesmente tivesse menos habilidade para controlá-los do que o normal, mas se fosse devido a uma sensibilidade extremamente forte, isso causaria problemas a Tatsuya.
— Provavelmente, é o contrário para ela.
Tatsu ya estava guardando um segredo para si mesmo.
Um segredo que, se testemunhado normalmente, seria incompreensível. Ele não precisava se preocupar que fosse visto em primeiro lugar — mas, se ela tivesse olhos especiais que pudessem perceber pushions e psions da mesma forma que a luz visível, ela poderia notá-lo por acaso.
— Ele provavelmente precisaria agir com mais cautela do que o normal quando estivesse perto dela.
— Eu sou Erika Chiba. Prazer em conhecê-lo, Shiba!
— Igualmente.
Seus pensamentos foram interrompidos pela voz da garota sentada ao lado de Mizuki.
Mas a interrupção também foi um alívio no momento certo. Ele estava encarando Mizuki inconscientemente o tempo todo. Ela parecia prestes a explodir de tanta timidez, mas ele não havia percebido.
— Mas isso é meio que uma coincidência engraçada, não é? — Ao contrário de sua amiga, essa não parecia tímida ou assustada com estranhos. Seu cabelo curto, sua cor brilhante e suas feições marcantes ampliavam a impressão de que ela era uma pessoa enérgica e animada.
— O que?
— Quero dizer, temos Shiba, Shibata e Chiba, certo? É meio que um trocadilho, não é? Não exatamente, mas ainda assim.
— ...Entendi.
Não era exatamente um trocadilho, mas ele entendeu o que ela estava tentando dizer.
Mesmo assim, Chiba... significando "mil folhas". Outro dos Números? Não acho que havia uma garota chamada Erika na família Chiba, mas é possível que ela seja de uma família secundária...
Enquanto refletia sobre isso, as garotas conversavam sobre como ela estava certa e como isso era engraçado. As risadas delas estavam um pouco deslocadas ali, mas não o suficiente para atrair olhares gélidos.
Depois que as duas garotas restantes em frente a Erika fizeram suas apresentações, Tatsuya se viu querendo satisfazer sua curiosidade trivial.
— As quatro de vocês estudaram na mesma escola secundária?
A resposta de Erika, no entanto, foi inesperada.
— Não, todas nós nos conhecemos há pouco tempo. — Ela riu, como se a expressão surpresa de Tatsuya fosse fofa, e continuou a explicar. — Eu não sabia onde ir, então estava tendo uma disputa de olhares com o quadro de direções. Aí a Mizuki veio até mim e começamos a conversar.
— ...O quadro de direções?
— Isso é estranho — pensou Tatsuya. Todas as informações sobre a cerimônia de entrada, incluindo onde ela ocorreria, haviam sido distribuídas para todos os novos alunos. Se você usasse o LPS (sistema de posicionamento local) que vinha de série nos terminais portáteis, então, mesmo que não tivesse olhado as direções para a cerimônia e mesmo que não lembrasse de nada, você não se perderia.
— Nenhuma de nós trouxe nossos terminais, sabe...
— Bem, está escrito no folheto de matrícula que o tipo virtual não é permitido!
— Eu mal consegui passar no exame, e não queria que as pessoas ficassem me encarando já durante a cerimônia, sabe?
— Eu simplesmente esqueci o meu.
— Então foi isso que aconteceu...
Honestamente, ele não estava convencido. Esta é a sua própria cerimônia de entrada, então você poderia, no mínimo, garantir que soubesse onde ela aconteceria. Esses eram seus pensamentos sinceros, mas ele não os expressou.
— Não há necessidade de criar discórdia desnecessária — pensou prudentemente.
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O discurso de Miyuki foi, como previsto, fantástico. Tatsuya não tinha a menor dúvida de que sua irmã não tropeçaria em algo tão insignificante quanto isso.
Continha algumas frases relativamente arriscadas, como “todos são iguais”, “unidos como um”, “mesmo fora da magia” e “integral”, mas ela as envolveu muito bem. Ele não sentiu nem uma pitada de acusação em nada disso.
Seu comportamento havia sido digno, mas também fresco e modesto. Combinou bem com sua beleza incomum, e ela conquistou os corações de todos os garotos ali, tanto calouros quanto veteranos.
Certamente seria agitado ao redor dela a partir de amanhã.
Mas isso, também, seria o mesmo de sempre.
Por uma razão ou outra, o carinho de Tatsuya por Miyuki era suficiente para ser chamado de "complexo de irmão" em comparação com as convenções sociais. Ele queria ir parabenizá-la imediatamente, mas, infelizmente, o tempo após a cerimônia seria utilizado para a distribuição dos cartões de identificação.
Eles não haviam criado cartões para todos com antecedência. Em vez disso, os alunos levariam sua identificação normal até lá, e seus dados escolares seriam gravados em um cartão na hora. O processo podia ser concluído em qualquer uma das janelas, mas isso, assim como os assentos no auditório, criava uma barreira natural.
Miyuki provavelmente — não, com certeza — ignoraria essa parte, mas, como representante dos novos alunos, ela já havia recebido seu cartão de qualquer maneira. E agora havia muitos convidados e membros do conselho estudantil ao redor dela.
— Shiba, em que turma você está? — perguntou Erika, incapaz de esconder sua animação. Todos tinham se dirigido para as janelas em grupo, com Tatsuya recebendo seu cartão por último. (Em outras palavras, ele estava fingindo se importar com a coisa de "as damas primeiro".)
— Turma E.
— Sim! Estamos na mesma turma! — Ela pulou de alegria com a resposta dele. Foi um gesto um pouco exagerado, mas...
— Eu também estou na mesma turma. — Mizuki também parecia animada, mas não fez o mesmo movimento exagerado. Talvez isso fosse normal para novos alunos do ensino médio.
— Estou na turma F.
— Eu fiquei na turma G, hein?
Mas isso não significava que as respostas mais leves das outras duas fossem menos entusiasmadas. A parte importante era que estavam animadas com esse evento — a entrada no ensino médio.
Esta escola tinha oito turmas por série, com vinte e cinco alunos por turma. E até aquele ponto, era igual para todos.
Mas então, os Weeds, que não eram esperados para florescer, eram colocados nas turmas E a H — separados das “estufas” onde os Blooms seriam colocados, já que esperavam que florescessem em grandes flores.
Elas naturalmente se separaram das duas alunas que acabaram em outra turma. Pareciam estar indo para suas respectivas salas de aula. As salas de aula eram diferentes apenas porque estavam divididas entre A a D e E a H, mas isso não parecia diminuir em nada sua animação.
Não era como se todos os alunos do Curso 2 ficassem presos nisso. Havia muitos que pensavam: "Uau, consegui entrar em uma escola de elite que estava um pouco fora do meu alcance também." Afinal, a escola era considerada uma das melhores do país, até mesmo para disciplinas além da magia. As duas provavelmente haviam ido procurar amigos em suas turmas, com quem passariam o próximo ano.
— O que você quer fazer? Devemos dar uma passada em nossa sala de aula também? — perguntou Erika, olhando para o rosto de Tatsuya. Mizuki não perguntou, provavelmente porque também estava olhando para ele.
Com exceção das escolas que preservavam tradições antigas, os colégios não usavam mais professores de sala de aula hoje em dia. Não precisavam de pessoas para chamar os alunos ao escritório — e o luxo de desperdiçar despesas com pessoal em algo assim era raro. Tudo era tratado por meio de comunicações entre terminais conectados à rede da escola.
O padrão há décadas era dar a cada aluno um terminal pessoal para usar na escola. Esses terminais de informação eram usados até para ensino individual, desde que não fosse para treinamento prático ou outras atividades em grande escala. Se um aluno precisasse de mais cuidados, as escolas sempre tinham vários conselheiros profissionalmente qualificados de diversas áreas de especialização.
O motivo, então, pelo qual a sala de aula em si era necessária era porque era conveniente para a prática e os experimentos. Eles precisavam preservar um certo número de pessoas para que a prática e os laboratórios terminassem a tempo e sem prolongamentos. Embora sempre surgissem algumas sobras... Além disso, ter seu próprio terminal designado também era altamente conveniente por vários motivos.
Não importava como era o cenário — passar muito tempo em uma única sala significava que você naturalmente aprofundaria os laços com os outros. A remoção dos professores de sala de aula na verdade tendia a fortalecer os relacionamentos entre os alunos.
De qualquer forma, ir para a sala de aula seria a opção mais rápida se quisessem fazer novos amigos. No entanto, Tatsuya balançou a cabeça em resposta ao pedido de Erika.
— Desculpe. Estou marcado de encontrar minha irmã mais nova.
Ele sabia que não haveria aulas ou anúncios hoje. Ele havia prometido a Miyuki que voltaria para casa com ela assim que tivesse terminado seus compromissos formais.
— Uau... Ela deve ser muito fofa, se é sua irmã, Shiba, hein? — murmurou Erika. Parecia tanto uma impressão quanto uma pergunta, e o deixou sem saber ao certo como responder.
— O que ela quis dizer com "se é sua irmã"? — ele pensou. Sentia que a conclusão dela não seguia sua lógica.
Felizmente, não havia motivo para se forçar a responder, porque Mizuki fez uma pergunta mais fundamental.
— Uma irmã mais nova... Ela poderia ser Miyuki Shiba, a nova representante dos alunos?
Dessa vez, ele não precisou se preocupar. Respondeu com um único aceno, implicando fortemente que sim.
— Espera, sério? Vocês são gêmeos? — perguntou Erika.
Era uma pergunta compreensível, e uma à qual Tatsuya já estava bastante acostumado.
— Perguntam isso bastante, mas não somos gêmeos. Eu nasci em abril, e ela nasceu em março. Se eu tivesse nascido um mês antes, ou minha irmã um mês depois, não estaríamos na mesma série.
— Huh... Isso parece meio complicado.
Certamente era complicado estar na mesma série que sua irmã mais nova — uma aluna de honra — mas Erika não tinha má intenção na pergunta.
Tatsuya sorriu e ignorou o comentário. — Mas estou surpreso que você tenha descoberto. Shiba não é um sobrenome tão incomum assim.
As duas garotas sorriram levemente com a resposta dele. Havia uma diferença notável na intensidade entre os sorrisos, no entanto.
— Não, não, é bem incomum! — Erika sorriu com uma expressão um pouco desconfortável.
— Seus rostos são parecidos... — Mizuki, no entanto, sorriu de maneira reservada, quase insegura, por algum motivo.
— São? — Tatsuya não pôde evitar sentir-se um pouco confuso. Provavelmente indicava que as palavras de Mizuki vinham da mesma linha de pensamento de Erika, mas ele simplesmente não sentia que fosse verdade.
Ou melhor, ele não conseguia acreditar nisso.
Mesmo que ele deixasse de lado a visão favorável que tinha dela como membro da família, Miyuki era uma garota extraordinariamente bonita. Mesmo sem suas habilidades exorbitantes, ela inevitavelmente chamaria atenção onde quer que fosse. Ela era uma estrela — uma idol natural.
Quando a olhava, sempre se lembrava do provérbio de que Deus nunca concede todos os dons a uma pessoa — e de como isso era uma mentira.
A própria medida de valor de Tatsuya, ao refletir, estava um pouco acima da média, ou talvez na zona superior da média.
Durante o ensino fundamental, ele via sua irmã recebendo cartas de amor praticamente todos os dias (embora Tatsuya as visse mais como cartas de fãs do que qualquer outra coisa). Ele nunca havia recebido algo assim, nem uma única vez. Eles deveriam compartilhar o mesmo código genético — bem, parte dele, pelo menos — mas isso não impedia Tatsuya de duvidar de sua relação de sangue de vez em quando .
No entanto, Erika assentiu prontamente ao que Tatsuya respondeu — ou melhor, ao que Mizuki havia dito.
— Agora que você mencionou... Sim, eles se parecem! Quero dizer, Shiba é um gato. E não é só o rosto. É como... o tipo de aura ao redor dele, ou algo assim.
— Um gato? Há quantas décadas essa palavra saiu de moda...? Além disso, se desconsiderarmos nossos rostos, não parecemos nada, não é?
O que Erika havia dito provavelmente era algo intuitivo e um pouco difícil de entender, mas aparentemente ela não estava tentando dizer que seus rostos eram semelhantes. Pelo menos foi assim que Tatsuya traduziu, o que o fez não resistir a essa réplica.
— Não é isso. É tipo... Como posso explicar...? — Erika parecia incapaz de expressar bem suas palavras. Ela poderia ter ficado ali tentando por um tempo, se Mizuki não viesse ao seu resgate.
— É a sua aura. Faz suas expressões parecerem realmente dignas. É o que eu esperaria de irmãos.
— É isso! Suas auras! — A cabeça de Erika balançava vigorosamente para cima e para baixo, e ela quase bateu os joelhos.
Agora era a vez de Tatsuya dar um sorriso seco.
— Chiba... Você é meio que uma palhaça, sabia?
— Uma palhaça? — Como de costume, ele apenas ouviu metade do protesto dela de "Que rude!". Pelo tom de voz, Erika não parecia muito incomodada com isso também.
— Ainda assim, Shibata, você é boa em ler as auras nas expressões das pessoas... Você realmente tem bons olhos. — Essas palavras, por outro lado, foram ditas de maneira significativa.
— Hã? Mas a Mizuki usa óculos — ponderou Erika em voz alta.
— Não é isso que eu quero dizer. Além disso, as lentes dela não são curvas, são?
Confusa, Erika olhou para os óculos de Mizuki. Do outro lado das lentes, seus olhos congelaram em surpresa.
Ela estava surpresa por alguém ter notado isso ou desapontada por não ter conseguido esconder? Seja qual for o caso, Tatsuya não achava que fosse um grande problema como ela estava fazendo parecer.
Ele não teve a chance de investigar por que ela estava com aquela expressão, no entanto. Ele estava sem tempo, e esse provavelmente foi o único motivo pelo qual a conversa terminou de maneira agradável.
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— Desculpe por ter te feito esperar, Tatsuya.
Enquanto Tatsuya e as outras conversavam em um canto perto da saída do auditório, ele ouviu a voz de quem estava esperando, vinda de trás deles.
Miyuki havia se desvencilhado da multidão que a cercava.
“Isso foi rápido” foi seu primeiro pensamento, mas ele se corrigiu — considerando a personalidade dela, provavelmente era o momento certo. Ela estava longe de ser antissocial, mas sua aversão a bajulações e gentilezas era inegável. Não era exatamente infantil, mas certamente nunca lhe faltaram elogios quando era mais nova. Em contrapartida, no entanto, ela também recebeu muitos elogios superficiais, misturados com inveja e fofocas.
Pensando por esse lado, era natural que ela estivesse acostumada a ser adulada. Ele diria que ela havia suportado bastante hoje.
Ele planejava se virar e comentar: "Isso foi rápido", e, embora tenha conseguido pronunciar as palavras, sua entonação acabou sendo um tanto interrogativa, porque havia alguém com Miyuki que ele não esperava ver.
— Olá, Shiba. Nos encontramos novamente.
Tatsuya fez uma reverência silenciosa ao seu sorriso afável; suas palavras pareciam tentar remediar algo entre eles. Apesar de sua resposta não demonstrar muita simpatia, a presidente do conselho estudantil, Mayumi Saegusa, não deixou de sorrir. Talvez aquela fosse sua "poker face", ou talvez ela estivesse apenas confortável em seu próprio território. Tatsuya a havia acabado de conhecer, então não sabia dizer.
Mas sua irmã parecia mais interessada nas garotas ao lado dele do que em sua resposta um tanto estranha à presidente do conselho estudantil.
— Tatsuya, quem são essas pessoas...? — Antes de explicar por que não estava sozinha, ela pediu que Tatsuya explicasse por que ele não estava sozinho. Pareceu um pouco abrupto, mas não havia motivo para esconder nada. Ele respondeu sem hesitar. — Esta é Mizuki Shibata. E esta é Erika Chiba. Estamos na mesma turma.
— Entendo... Já em um encontro com suas colegas de classe? — Ela perguntou, fazendo uma expressão fofa e inclinando a cabeça. Seu rosto dizia “E eu certamente não estou insinuando nada com isso”. Um sorriso gracioso estava em seus lábios — mas seus olhos não estavam sorrindo.
"Oh, céus", pensou Tatsuya. Ela estava sob intenso fogo cruzado de bajulações irritantes desde o fim da cerimônia, e parecia que ela havia acumulado bastante estresse.
— Claro que não, Miyuki... Eu só estava conversando com elas enquanto esperava por você. Dizer isso foi rude com elas, sabia?
Pessoalmente, ele achava adorável o rosto emburrado dela, mas não se apresentar ao ser introduzida a alguém não ficaria bem diante dos veteranos e outros novos alunos. Tatsuya deixou uma leve crítica transparecer em seus olhos. Miyuki pareceu surpresa, então deu um sorriso muito mais gracioso.
— Prazer em conhecê-las, Senhorita Shibata, Senhorita Chiba. Eu sou Miyuki Shiba. Também sou uma nova aluna aqui, então espero me dar bem com vocês, assim como meu irmão.
— Eu sou Mizuki Shibata. Prazer em conhecê-la também.
— Prazer em te conhecer. Pode me chamar só de Erika. Posso te chamar de Miyuki também?
— Sim, fique à vontade. Usar meu sobrenome tornaria difícil distinguir entre mim e meu irmão, afinal.
As três garotas trocaram apresentações novamente.
A introdução entre Miyuki e Mizuki foi apropriada para um primeiro encontro. Já Erika, por outro lado, estava agindo de forma muito amigável (para colocar de forma gentil). No entanto, quem hesitou com sua linguagem informal foi Tatsuya. Miyuki, por sua vez, acenou com a cabeça, sem demonstrar nenhum desconforto com o tom familiar e a atitude mais descontraída de Erika.
>— Ah-ha, Miyuki, você parece ser fácil de se dar bem, apesar da sua aparência!
— E você tem uma personalidade bem aberta, assim como parece. Prazer em conhecê-la, Erika.
Miyuki, que estava cansada de todas as bajulações e gentilezas, provavelmente apreciou a atitude sincera de Erika mais do que normalmente apreciaria. No entanto, parecia haver algo mais sendo comunicado entre elas. Elas trocaram sorrisos francos e sem reservas.
Tatsuya não pôde evitar se sentir um pouco deixado de lado, mas eles não podiam continuar parados ali. Eles estavam com o grupo da presidente do conselho estudantil que acompanhava sua irmã, então não seriam vistos como incômodos, mas continuar ali por muito tempo os tornaria uma obstrução no tráfego.
— Miyuki. Você terminou com o conselho estudantil? Se não, talvez não devêssemos ficar parados por aqui.
— Está tudo bem. — Alguém mais respondeu à sua pergunta e sugestão.
— Nós só estávamos nos conhecendo hoje. Miyuki — posso te chamar assim? — perguntou Mayumi.
— Ah, sim. — Miyuki mudou seu sorriso franco para uma expressão mais dócil e acenou com a cabeça.
— Então, Miyuki, discutiremos mais detalhes outro dia.
Mayumi fez uma leve reverência com um sorriso e começou a sair do auditório. Mas o estudante que estava esperando logo atrás dela a chamou. No peito dele, como esperado, estava o emblema de oito pétalas.
— Mas, Presidente, nossos planos—
— Não prometemos nada previamente. Se ela já tem seus próprios planos, devemos priorizar isso, certo?
Controlando o estudante, que mostrava sinais de não querer ceder, com o olhar, Mayumi lançou um sorriso significativo para Miyuki e Tatsuya.
— Então, vou me retirar, Miyuki. Shiba — espero que possamos nos ver outra vez.
Mayumi fez uma segunda reverência e foi embora. O estudante que a seguia se virou e lançou um olhar nada amigável para Tatsuya.
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— ...Devemos ir para casa, então?
Logo de cara, ele parecia ter caído na desgraça de um veterano — e ainda por cima, um membro do conselho estudantil. Mas isso era quase inevitável. Sua vida nunca tinha sido tão tranquila e fácil a ponto de ele se preocupar com algo assim. Essa vida ainda não durava nem dezesseis anos, mas ele já tinha bastante experiência com esse tipo de negatividade.
— Desculpe, Tatsuya. Eu dei a eles uma má impressão de você — começou Miyuki, com a expressão nublada.
— Não é algo pelo qual você deva se desculpar — Tatsuya interrompeu sua frase, balançando a cabeça e colocando a mão na cabeça dela. Ele acariciou seu cabelo como se sua mão fosse um pente, e a expressão amuada dela mudou para uma tingida de uma leve embriaguez. Aqueles que os observavam não podiam negar que estavam agindo de forma questionável para irmãos, mas nem Mizuki nem Erika comentaram sobre isso, talvez por se conterem por ser o primeiro encontro.
— Já que estamos aqui, por que não tomamos um chá?
— Isso parece ótimo! Estou dentro! Aparentemente, há uma confeitaria deliciosa por aqui.
Em vez disso, as garotas os convidaram para uma pequena confraternização. Tatsuya não tinha intenção de perguntar se as famílias delas se preocupariam — mencionar algo assim seria uma consideração desnecessária. E, nesse sentido, Tatsuya e Miyuki eram iguais.
Acima de tudo, Tatsuya tinha algo que queria perguntar. Era algo que, honestamente, não era grande coisa, mas estava o incomodando a ponto de ele não conseguir deixar passar.
— Você não verificou onde seria a cerimônia de entrada, mas sabe onde fica uma confeitaria?
Talvez a pergunta tenha sido um pouco provocativa, mas Erika assentiu confiante, sem um pingo de hesitação.
— Claro! Não é importante?
— Claro... — ele repetiu. Suas palavras saíram como um resmungo, mas ele não se importava se alguém ficasse bravo com ele por isso.
Mas parecia que ele era o único chocado com a “prioridade” de Erika.
— Tatsuya, o que vamos fazer? — Miyuki não demonstrava se importar nem um pouco com a absurda priorização de Erika entre a localização de uma confeitaria e o local da cerimônia. — Claro, Miyuki não sabia como isso havia surgido em primeiro lugar.
No entanto, ele não precisou pensar muito para concordar com elas.
— Por que não? Você fez algumas conhecidas, sabe? Nunca é demais ter mais amigas do mesmo gênero e série.
Não havia nenhum motivo especial para eles terem que voltar para casa com pressa. Tatsuya originalmente havia planejado passar a tarde em algum lugar para comemorar a matrícula de sua irmã, de qualquer forma.
O fato de ele não ter pensado muito no que disse permitiu que seus sentimentos verdadeiramente despreocupados viessem à tona. Erika e Mizuki também entenderam o que ele realmente pensava, e provavelmente foi por isso que responderam do jeito que responderam.
— Quando se trata da Miyuki, Shiba se exclui, né... — comentou Erika.
— Ele é muito atencioso com a irmã... — adicionou Mizuki.
Os olhares delas tinham uma mistura de elogio e confusão. Tatsuya só conseguiu responder com um sorriso silencioso e desconfortável.
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A "confeitaria" para a qual Erika os levou era, na verdade, uma cafeteria de estilo francês com ótimas sobremesas. Eles almoçaram lá e se divertiram com uma longa conversa (embora, com três garotas presentes, Tatsuya principalmente só ouvisse). Já era fim de tarde quando voltaram para casa.
Ninguém veio recebê-los.
Tatsuya e Miyuki viviam sozinhos na maior parte do tempo naquela casa, que era muito maior que a média.
Ele foi para o quarto e tirou o uniforme primeiro.
Parecia que tinham se esforçado para fazer a diferença no seu blazer se destacar. Ele não queria acreditar que algo tão bobo o estivesse afetando emocionalmente, mas, quando tirou o uniforme, sentiu sua disposição melhorar um pouco. Ele zombou de seus próprios sentimentos, então terminou rapidamente de se trocar.
Pouco depois, enquanto relaxava na sala de estar, Miyuki desceu as escadas. Ela havia se trocado para suas roupas de casa. Embora a engenharia de materiais tivesse avançado a passos largos, os designs de roupas não haviam mudado muito em relação a cem anos atrás. As linhas elegantes de suas pernas se estendiam da saia curta, que lembrava os estilos do início do século XXI.
Por algum motivo, o senso de moda de sua irmã incluía mais exposição quando estava em casa. Ele já deveria estar acostumado a isso, mas ultimamente ela havia ficado muito mais feminina, e Tatsuya frequentemente se via sem saber para onde olhar.
— Tatsuya, quer que eu te traga algo para beber?
— Hmm. Vou querer um café, obrigado.
— Já volto.
Seu cabelo, amarrado frouxamente em um único rabo de cavalo, balançava sobre suas costas finas enquanto ela se dirigia à cozinha. Ela o prendia assim para não atrapalhar enquanto trabalhava na cozinha. Por causa disso, a nuca branca, normalmente escondida pelo cabelo longo, ficava aparecendo e desaparecendo por causa do suéter com gola larga, criando uma atração indescritível.
Nas nações desenvolvidas, onde o uso de robôs de automação doméstica (HAR, ou "Haru", abreviado) era comum, ver mulheres na cozinha — e homens, também, claro — estava se tornando algo raro. Cozinhar de verdade era uma coisa, mas apenas aqueles interessados faziam tarefas menores como preparar torradas ou café sozinhos.
E Miyuki fazia parte desse grupo raro de pessoas.
Ela não tinha, particularmente, nenhuma dificuldade com máquinas. Quando amigos vinham, ela geralmente deixava o HAR deles cuidar disso. Mas, quando estavam só os dois, ela nunca poupava esforços.
O som dos grãos sendo moídos e o borbulhar da água quente enchiam os ouvidos de Tatsuya. Era o método mais simples, usando um filtro de papel, mas o fato de ela não usar sequer uma cafeteira antiga indicava que aquilo devia ser uma espécie de obsessão.
Ele já havia perguntado sobre isso uma vez, e ela respondeu: "Porque eu gosto", então provavelmente era algo como um hobby. Quando ele perguntou se era isso, lembrou-se dela lhe lançar um olhar emburrado.
De qualquer forma, o café que Miyuki preparava era o que mais agradava seu paladar.
— Aqui está, Tatsuya.
Ela colocou a xícara na mesinha lateral, depois foi até o outro lado e se sentou ao lado dele. O café que ela colocou na mesa era preto, e o que ela tinha na própria xícara tinha leite.
— Está bom.
Não havia necessidade de elogiar demais. Miyuki sorriu, satisfeita com apenas essas duas palavras.
Ela observou seu irmão tomar o segundo gole, com o rosto satisfeito. Então, com uma expressão de alívio, levou sua própria xícara à boca. Esse era seu ritual habitual.
Os dois apreciaram o café assim por um tempo. Nenhum deles tentou forçar uma conversa.
Não se importavam que tinham alguém ao lado com quem conversar.
Já fazia muito tempo desde que os dois se sentiam desconfortáveis com longos períodos de silêncio entre eles.
Havia muitas coisas para falar. Hoje foi o dia da cerimônia de entrada. Eles fizeram novas amizades, e um veterano um tanto preocupante havia aparecido. Miyuki, como esperado, foi convidada a se juntar ao conselho estudantil. Poderiam passar a noite inteira relembrando os acontecimentos do dia e conversando sobre eles.
Mas os irmãos se sentaram juntos em casa, sozinhos, tomando seu café em silêncio.
— Vou preparar o jantar. — Miyuki se levantou com sua xícara vazia. Tatsuya entregou sua xícara de café à mão estendida dela e também se levantou.
A noite caiu sobre os irmãos, como sempre acontecia.