Volume 10 - Capítulo 384
The Beginning After The End
ELEANOR LEYWIN
Senti um aperto doloroso no coração quando vi meu irmão segurando o corpo de Feyrith. Uma pressão desconfortável surgiu em meus olhos, mas eu não tinha mais lágrimas sobrando.
Albold, Feyrith, Rinia… E tantos outros, pessoas cujos nomes eu nem conheço?
O choque de tantas emoções conflitantes era desgastante, me fazendo sentir nua, frágil. Primeiro a certeza da minha própria morte, para a admiração e felicidade ao ver meu irmão voltar… E depois a compreensão do quanto tinha sido tirado de nós nas últimas horas.
Como se sentindo meu desconforto, mamãe colocou um braço em volta de mim, e me puxou para perto.
Nós ficamos para trás e observamos enquanto Durden se apressava em conjurar um esquife de terra para o corpo de Feyrith. Senti uma pontada de culpa ao pensar em todos os corpos que havíamos deixado naquela câmara estranha, mas tive que me lembrar que os vivos eram mais importantes no momento.
Os mortos tinham tempo para esperar.
Então, voltamos a andar. Arthur e os Glayders andavam à frente, e eu frequentemente descansava o olhar nas costas de meu irmão, observando seus passos firmes e suaves e a maneira com que ele parecia comandar os outros sem ao menos tentar. Era como se a mera presença dele acalmasse nossas mentes e espíritos… Ou talvez acalmasse só a minha.
Eu reparei que Mamãe estava observando-o também, e o rosto dela variava entre as sobrancelhas fechadas e sorrisos meio escondidos.
Alguns minutos depois, mais à frente no túnel, Curtis e Kathlyn se separaram, indo buscar todas as pessoas que estavam viajando com o grupo de Curtis. Ele confirmou que todos os refugiados que estavam com Feyrith — pelo menos cinquenta pessoas — estavam mortos. Depois disso, encontramos o resto dos grupos sobreviventes um a um.
Hornfels e Skarn Earthborn tinham guiado dois grupos diferentes, mas em direções similares, e haviam selado os túneis atras deles. Eles só desfizeram as barreiras quando sentiram nosso grupo se aproximar e confirmar pelo outro lado da barreira que o asura estava morto.
Quando finalmente chegamos à caverna principal, nós éramos como um longo rio sinuoso de pessoas cansadas, assustadas e surpresas por estarem vivas. A entrada do túnel havia desmoronado, mas os Earthborns limparam as pedras com facilidade, revelando uma pilha de corpos: os guardas que estavam na retaguarda.
Arthur passou primeiro, junto com um grupo dos nossos magos mais fortes, instruindo todos a permanecerem nos túneis.
Era tão reconfortante tê-lo ali, e vê-lo voltar ao papel de protetor como se ele nunca tivesse ido embora, mas eu não pude deixar de me sentir um pouco triste. Vendo como os outros olhavam para ele, e como até mesmo os membros do conselho pareciam andar um passo atrás dele a todo tempo, eu me sentia como se ele estivesse ali, mas fora do alcance.
Era como se ele estivesse mantendo uma certa distância de nós… Ou talvez era o contrário. Ao tratá-lo imediatamente como se fosse um salvador saído de alguma estória, todos estavam o afastando, colocando-o na nossa frente como um escudo em vez de recebê-lo de braços abertos.
Eu balancei a cabeça e afastei esse pensamento. Teríamos tempo para fazer as coisas de família amorosa quando estivéssemos seguros.
Depois da entrada do túnel, eu podia ver Arthur e os outros se espalharem, cuidadosamente investigando os destroços do santuário, que tinha sido nosso lar por tanto tempo. O lugar estava em ruínas. Havia rasgos enormes no teto e nas paredes, pedras gigantes haviam caído na vila, esmagando casas inteiras, e tudo parecia ter sido alvo de gelo e eletricidade.
Houve movimento à esquerda, e uma pessoa subiu em uma plataforma de pedra elevada para poder olhar para todos nós.
Eu me soltei do aperto da minha mãe e dei alguns passos rápidos na direção da caverna, passando por cima de corpos familiares para poder ver o que estava acontecendo.
“Lança Bairon!” Curtis gritou, e sua voz ecoou sinistramente pela caverna silenciosa. “Você — Você está vivo!”
Apesar de estar em pé diante de nós, parecia que a Lança tinha sido mastigada por alguma besta de mana e cuspido de volta. “Eu tive sorte que—” Ele parou de repente, encarando o grupo de magos. “Quem…?”
“Bairon,” meu irmão disse. Aqueles que não o conheciam talvez não tivessem percebido, mas eu podia reparar na tensão que entremeava sua voz. “Estou feliz em saber que não sou o último das Lanças a—”
“Arthur!” Bairon gritou, precipitado.
A Lança ferida meio deslizou, meio pulou por uma seção de muros caídos que formavam uma rampa para a plataforma, e correu até meu irmão — cujos olhos se arregalaram de surpresa — e o segurou pelos ombros. Bairon, que normalmente era estoico, tinha lágrimas em seus olhos e estava encarando Arthur descrente, então se inclinou para frente, encostando sua testa na de Arthur em um sinal de respeito e cuidado.
Duas outras figuras apareceram do topo da plataforma, e eu senti minha boca abrir de surpresa.
As Lanças Varay e Mica pareciam muito diferentes da última vez que eu as tinha visto — no castelo, antes que a Anciã Rinia nos resgatasse dos Alacryanos.
Varay desceu atrás de Bairon. Seu cabelo longo e branco havia sido cortado, e ao invés de seu uniforme, ela estava usando uma armadura prateada toda destruída. Quando Bairon finalmente soltou meu irmão e deu um passo para o lado, ela tomou seu lugar, e seus braços envolveram a cintura dele em um abraço suave. Um dos seus braços estava azul como gelo, e brilhava como vidro.
Eu estava surpresa por quão pequena ela parecia ao lado de Arthur. O quão… Normal.
Ainda de pé sobre a plataforma, Mica bufou. “Você está atrasado.”
A Lança anã estava seriamente machucada. Uma ferida feia marcava o lado esquerdo de seu rosto, e uma gema escura brilhava no lugar onde seu olho deveria estar. Ela estava se inclinando em um martelo de pedra enorme, observando Arthur e Varay com um olhar que eu não conseguia decifrar.
Percebi, com uma sensação alarmante, que eu mal conseguia sentir as assinaturas de mana das Lanças. Mesmo que já tivesse passado horas desde que a batalha deles contra Taci acabou, eles ainda pareciam estar perto de uma repercussão por falta de mana.
Varay soltou Arthur, inspecionando-o de perto. “É bom ter você de volta, e aparentemente nos momentos finais antes do desastre. Provavelmente foi você que a anciã elfa viu chegando?”
Arthur limpou a garganta, parecendo desconfortável. “Parece ter sido o caso, sim, apesar de que eu não tinha ideia de onde eu estava chegando.” Ele pausou e olhou em volta. “Onde está Aya—”
“Irmão!” Eu disse, quase como se a palavra escapasse de mim.
Todos se voltaram para me olhar, sobrancelhas levantadas em surpresa, ou abaixadas em irritação, como se eu deveria saber meu lugar e não interromper quando os adultos estivessem falando.
Boo me cercou, e olhou com desconfiança para a direção de onde eu tinha sentido esses olhares.
“Tem assinaturas de mana chegando,” eu disse, vencendo o nó na garganta, e apontando para onde fracos raios de luz penetravam o teto da caverna. Havia um pouco de areia caindo pela luz, e enquanto olhávamos, ela se tornou um fluxo contínuo. “E são muitas.”
Percebi que as pessoas que estavam saindo do túnel atrás de mim entraram em pânico e começaram a voltar, empurrando aqueles que estavam tentando sair. Eu me vi no meio deles, sendo empurrada por todos os lados.
Boo deu um rosnado de aviso quando ficou ao meu lado, servindo de escudo.
“Todo mundo, voltem para o túnel!” Bairon gritou, com a voz ainda cheia de autoridade, apesar de estar ferido.
Apesar de suas próprias palavras, ele e as outras Lanças hesitaram. Varay disse algo, questionando, e sua expressão era de cansaço. A resposta de Arthur foi curta, e foi recebida com clara frustração vinda dos outros, mas então alguém bateu contra mim com força e eu tropecei, tentando me apoiar no Boo. Quando consegui olhar novamente, as Lanças estavam marchando em nossa direção, mas não sem lançar olhares receosos para meu irmão.
Arthur ficou cada vez menor, já que era o único que ainda estava se afastando, enquanto se movia na direção das assinaturas de mana. Sozinho.
“Vocês não podem simplesmente deixar ele ir sozinho!” Eu disse, enquanto Kathlyn se aproximava de mim.
A antiga princesa me deu um sorriso irônico e apologético enquanto envolvia meu braço no dela. Sem dizer nada, ela começou a me puxar gentilmente, mas com firmeza, na direção dos outros.
Boo me cheirou e me cutucou com seu nariz, rosnando.
“Boo acha que devemos lutar também,” eu murmurei, e um pressentimento começou a me encher com energia e nervosismo, o que fez meus dedos formigarem e ansiarem por um arco para segurar, já que o meu tinha, mais uma vez, sido destruído.
“Boo é corajoso,” Curtis disse, do outro lado de Kathlyn, sorrindo tristemente. “Grawder estava ansioso pela batalha também, mas para ser sincero, eu acho que ele está gostando de seu trabalho atual.”
Eu olhei para o fundo escuro do túnel que estava cheio de gente, e Grawder estava muito atrás para que eu pudesse vê-lo. Mas eu sabia que Curtis havia deixado o leão gigante para proteger as muitas crianças que estavam conosco, incluindo minha amiga Camellia, que com certeza não estava feliz em ser tratada como uma criancinha.
Quando me virei de volta para a caverna, Arthur havia passado por uma pilha de destroços que tinha caído no que uma vez já tinha sido um belo riacho que passava pela caverna. Seus passos eram leves, quase relaxados, enquanto se aproximava de onde a areia se acumulava no chão de pedra lisa.
O movimento da areia mudou, se tornando um padrão ondulante, e então se condensando em vários pilares que fluíam suavemente. Acima, eu conseguia ver algumas sombras descendo pelos pilares como se fossem elevadores, seguidos imediatamente por vários outros. No chão, a vinte metros de onde Arthur estava, soldados alacryanos começaram a sair da areia.
O solo abaixo de meus pés tremeu, e paredes semi-transparentes de gelo começaram a crescer do chão em uma curva ao redor da entrada. Apenas Arthur estava do lado de fora da barreira, frente a um exército de alacryanos, completamente sozinho.
Helen Shard apareceu naquele momento, costurando pela multidão para ficar ao lado da minha mãe. Ela acenou para que me juntasse a elas, esticando a mão. Ao meu lado, a parede estava crescendo rapidamente; ela já estava começando a se curvar na parte de cima, e em alguns momentos se fecharia completamente, isolando aqueles dentro do túnel.
Metade dos que estavam ali olhavam para dentro, encorajando e acalmando, enquanto o resto olhava através do gelo, tentando ver o que acontecia. O ar estava cheio de tensão e um silêncio opressor. As outras Lanças encaravam com mais ferocidade que todos, estampando em seus rostos uma mistura de esperança, frustração e medo.
Novamente, todos estavam um passo atrás, olhando para meu irmão como um salvador, e ninguém estava ao seu lado.
Ele esteve sozinho esse tempo todo? Eu me perguntei, tentando imaginar como teria sido do outro lado do portal.
Não era justo que todas essas pessoas iriam apenas jogar seus fardos em cima de Arthur. Não importava o quão forte ele era, meu irmão não deveria ter que fazer tudo sozinho. Ele precisava saber que ainda havia pessoas ao seu lado.
Sem nem mesmo tomar a decisão, eu já estava me movendo. Helen arregalou os olhos quando eu puxei o arco da sua mão, então corri em direção à parede que ainda crescia. A voz de mamãe cortou o barulho geral, mas não olhei para trás enquanto pulava na parede de pedra da caverna, apoiava os pés num recorte raso na pedra, e me jogava para cima, alcançando o topo do gelo curvado.
Meu peito bateu com força, e eu quase escorreguei para trás na dificuldade de segurar a aresta móvel da barreira de gelo. Tomando impulso, eu chutei o gelo e me joguei por cima da beirada, tão repentinamente que já estava do outro lado da escultura, deslizando para baixo. Um momento depois, eu caí rolando, envolvendo o arco para protegê-lo, e deixando que o ímpeto já me colocasse de pé, correndo.
Eu ainda podia ouvir os gritos de mamãe por alguns segundos, e então a barreira de gelo deve ter se fechado e selado eles lá dentro, porque o som foi cortado.
Permanecendo perto da parede da caverna, pulei pela encosta rochosa que levava até onde o riacho agora seco costumava correr por uma série de rachaduras na parede e no chão, e que eram pequenas demais para uma pessoa passar. Pulei as pedras escorregadias de algas no fundo do riacho e subi em uma plataforma de rocha mais alta do outro lado, depois de lá para outro, antes de finalmente me esconder em uma dobra na parede da caverna que me escondia perfeitamente dos Alacryanos.
Os olhos de Arthur se moveram em minha direção. Eu estava a mais de 30 metros, mas podia ver dentro de seus olhos brilhantes como se ele estivesse ao meu lado. Ele fez uma expressão de quem estava se concentrando em algo, a mesma que ele fazia quando falava com Sylvie em sua mente, e então o lobo de sombras e fogo pulou de dentro dele e correu em minha direção.
Eu senti um instante de incerteza, e Boo apareceu ao meu lado com um pop.
O lobo sombrio pulou até mim com um salto só. “Fique recuada, fique quieta,” ele disse rudemente antes de se virar e sentar na minha frente, me protegendo.
Nada de ficar escondida então, eu pensei. Mas pelo menos Arthur sabia que eu estava ali com ele. Ele sabia que não estava sozinho.
Arthur não havia atacado ainda, e deixou mais e mais dos Alacryanos descerem pelos elevadores de terra. À medida que cada grupo de batalha aparecia, eles entravam em formação antes de conjurar barreiras de ar rodopiante, painéis translúcidos de mana e paredes de fogo oscilantes.
Eu não entendia porque ele não estava fazendo nada. Porque deixar eles se prepararem? Ele não estava com medo, e qualquer um podia reparar nisso só de observá-lo. Arthur estava calmo a ponto de parecer casual, e seus olhos dourados passavam pelos inimigos com determinação, mas sem nenhum sinal de preocupação.
Finalmente, um soldado alacryano deu um passo à frente. Ele era um homem magro em sedosos robes de batalha pretos que estava amarrados em seu corpo por uma série de cintos. Dúzias de adagas estavam guardadas nos cintos ao redor de seus braços e torso. Uma cicatriz branca cortava a pele de seu rosto cor de amêndoa, e seus olhos negros encaravam Arthur cuidadosamente.
Atrás do homem, pelo menos cinquenta grupos de batalha estavam alinhados, e todos eles focados completamente em Arthur, prontos para lançar seus feitiços ao comando do líder.
“Diga seu nome,” o líder alacryano gritou, com sua voz rouca e levemente nasal. Quando Arthur não respondeu imediatamente, ele continuou. “Nós estamos procurando rebeldes de Dicathen. Recentemente houve uma grande perturbação de mana neste local, e nós temos razão para acreditar que um grupo grande de rebeldes está escondido aqui. Você é o líder deles? Diga a seu povo para se renderem pacificamente, e nós evitaremos derramamento de sangue desnecessário.”
“Evitar sangue desnecessário é o que eu gostaria também,” Arthur disse, sem emoção. Então, com mais firmeza, disse “Então, deem a volta e saiam.”
O rosto do alacryano ficou vermelho. Ele fez um gesto com o pulso, e todas as facas em seu corpo saíram de seus coldres, passando a flutuar ao redor dele com as pontas brilhantes de aço todas na direção do meu irmão. Ao mesmo tempo, seus soldados todos deram um passo à frente, iniciando feitiços e conjurando armas e armaduras mágicas.
“Pelo decreto da Retentora Lyra Dreide, em sua posição de regente interina de Dicathen, todos os dicatheanos nativos que se rebelarem contra qualquer servo fiel dos Vritra, ou qualquer um que desobedecer qualquer ordem de um soldado ou oficial alacryano operando em nome do Alto Soberano, pode ser morto para garantir a paz,” o homem disse, disparando as palavras como se as tivesse dito várias vezes antes.
“Se resistir, você e todos aqueles que foram tolos o suficiente para fazerem o mesmo serão—”
Meus joelhos cederam, e eu fui ao chão, incapaz de escapar do peso repentino que me pressionava. Me senti perdida e presa ao mesmo tempo, como se tivesse sendo engolida por um oceano de piche negro. Boo girou, choramingando, e seu corpo inteiro tremendo com um medo que eu podia sentir em meus ossos.
Pela fresta entre as duas bestas de mana, eu pude ver o líder alacryano respirando com dificuldade. Essa pressão era a intenção de Arthur, percebi. Mesmo de onde eu estava, tão fundo na caverna, ela roubou o ar de meus pulmões.
Entre as fileiras de soldados, muitos caíram de joelhos como eu, e suas magias se desfazendo nas mãos. Meus sentidos se aguçaram quando eu instintivamente entrei na primeira fase da vontade da besta, e de repente, eu podia ouvir as orações sussurradas para Vritra e sentir o fedor do medo deles.
Com meus instintos e sentidos aguçados pela vontade da besta, eu podia dizer quão controlado e preciso Arthur estava sendo. Este era apenas um aviso, uma sufocante demonstração de poder.
“Conjuradores!” o líder cuspiu. “Soltem as magias!”
Eu respirei assustada quando uma dúzia de magias foram na direção de Arthur. Regis ficou tenso, mas não se moveu enquanto nós dois assistíamos a Arthur levantando uma mão.
Uma chuva de luzes roxas explodiu para frente, como dez mil raios amarrados todos juntos por trás. O bombardeio de magias que convergia em Arthur sumiu na explosão que continuava emanando dele. Os olhos do líder se esbugalharam e ele recuou, formando vários escudos em sua frente, mas isso não foi suficiente. Ele também sumiu na explosão, com escudos e tudo mais.
A onda ametista rolou para a linha de frente dos inimigos, e então desapareceu, deixando apenas uma imagem rosa que eu não conseguia tirar dos olhos.
Arthur estava ileso. Nenhuma das magias tinha nem sequer chegado até ele. O líder alacryano tinha desaparecido completamente, e os grupos de batalha mais próximos tinham sido reduzidos a fumaça.
O resto estava tão imóvel que eu poderia pensar que o tempo em si tinha parado, mas Arthur deu um único passo à frente e olhou para eles com um olhar imperioso. “Vão embora agora. Não é muito tarde.”
Como se um feitiço tivesse sido quebrado, os alacryanos correram em pânico, tropeçando uns nos outros enquanto fugiam.
As colunas de areia tremeram e reverteram o curso, caindo de volta para cima, para o deserto de onde tinham vindo. Os alacryanos estavam correndo de volta para as colunas, e apenas suas sombras eram visíveis quando a magia os levou para fora da caverna.
Apertei meus olhos, ainda tentando respirar normalmente depois do peso da intenção de Arthur ter afugentado os alacryanos. Eu não consegui acreditar no que tinha visto.
Pelo menos cinquenta homens — soldados e magos treinados em Alacrya — haviam caído diante de Arthur em um piscar de olhos, e meu irmão não tinha um arranhão. Eu já havia visto ele lutar antes, conjurando chuva de feitiços em hordas de bestas de mana que atacavam a Muralha, mas isso era diferente… Um tipo casual de massacre. Arthur tinha tirado a vida do inimigo com um gesto de sua mão, simples assim. Era… Assustador.
Quando os últimos dos alacryanos haviam fugido, eu escorreguei de meu esconderijo em direção a Arthur, que havia apenas observado enquanto eles fugiam. Seus olhos estranhos e dourados deixaram o inimigo e se voltaram para mim, com uma pequena ruga marcando seu rosto definido. O peso de seu olhar fez com que minhas costas se curvassem e meus joelhos tremessem, e de repente eu estava nervosa de estar sozinha com ele.
Boo acariciou minha lateral, e aquela energia dourada brilhante que me dava coragem afastou o momento de hesitação.
Arthur sorriu. “Você chegou no estágio de Aquisição. Eu não tinha certeza se a sua conexão com o Boo funcionava assim, considerando a situação.”
“Ah, hmmm… Sim,” eu disse, sem graça. Meus olhos pularam para o que tinha restado dos corpos dos alacryanos, e Arthur olhou também. “Por que você deixou eles irem?”
Arthur fez uma careta ao olhar para a areia, que tinha voltado a cair sem a magia para afetá-la. Ele colocou sua mão em minha cabeça e bagunçou meu cabelo de leve, com a expressão repentinamente cansada, como se sua preocupação estivesse escondendo uma dor mais profunda. “Aquelas pessoas não são nossos inimigos. Eles estão apenas seguindo ordens, tentando sobreviver, da mesma forma que nós. Eu gostaria de dar uma chance a eles.”
O som do gelo se quebrando chegou até nós, e eu olhei para a entrada do túnel, de onde o resto dos dicatheanos estava se espalhando.
“Você realmente acha que podemos vencer assim?” Eu perguntei, imaginando novamente pelo que Arthur devia ter passado enquanto estava ausente. “Não é como se eles tivessem nos tratado como pessoas. Se nós ficarmos com medo de—”
Arthur passou o braço por meus ombros, me interrompendo. “Não estou com medo de lutar, El.” Ele me deu um sorriso irônico. “E nem você, obviamente. Mas devemos ter medo de nos tornarmos tão maus quanto aquilo contra o qual estamos lutando.”
Arthur me deixou para refletir em suas palavras, se virando para a Lança Varay, que foi a primeira a chegar, voando, com minha mãe logo atrás dela, trovejante. Ela olhou para mim e para Arthur enquanto andava, e desacelerou, respirando profundamente.
Eu corri até ela, abraçando sua cintura, sem dizer nada.
Ela alisou meu cabelo, me copiando no silêncio. A maior parte da multidão ficou para trás, e eu podia ver, estampada em seus rostos, a mesma hesitação e intimidação que eu tinha sentido há alguns minutos atrás.
“Nós não podemos continuar aqui,” Varay disse, observando o resultado da batalha com uma expressão calculista. “General Arthur, você tem algum plano do que fazer em seguida?”
Arthur olhou para a Lança Mica, se aproximando ao lado de Bairon. “Sim, eu tenho uma ideia.”