Debaixo do Carvalho

Capítulo 194

Debaixo do Carvalho

O clima esquentou em questão de semanas. Sentado perto da janela na sala comum, Hebaron suspirou preocupado enquanto observava os campos de treinamento banhados pela luz do sol. Embora o vento ainda estivesse frio, o sol estava visivelmente mais quente. Aquarias havia chegado mais uma vez.

À medida que o número de visitantes aumentava, Anatol se tornava mais vibrante do que nunca. Mercadores do Continente Sul traziam todo tipo de mercadoria rara, atraindo comerciantes do Ocidente. No entanto, esse febril período de prosperidade parecia passar ao largo do Castelo de Calypse. Nas últimas semanas, a atmosfera dentro de suas paredes de pedra permanecera pesada.

“Por que você não está pronto?”

Saindo de seu devaneio, Hebaron olhou para cima e viu Ursuline Ricaydo descendo a escada com armadura completa. Hebaron varreu discretamente seu olhar sobre o imaculado sobretudo azul-marinho do cavaleiro. O tecido parecia nítido e novo. Sua armadura estava impecavelmente polida, refletindo a natureza meticulosa de seu portador.

Hebaron estreitou os olhos. Ele suspeitava que as servas favoreciam o outro cavaleiro graças à sua imagem bem cuidada.

Ursuline franziu a testa e encarou Hebaron. “Você não me ouviu?” ele rosnou irritado. “Você precisa se apressar.”

Assim que Hebaron se levantou preguiçosamente, Remus Baldo e Gabel Lachzion entraram na sala comum.

“Sir Hebaron, nos disseram que a senhora está pronta para partir.”

“Já?”

Franzindo a testa, Hebaron colocou a cabeça para fora da janela para ter uma melhor visão dos portões do castelo. Dois carros carregados de bagagem esperavam no pátio. Ele percebeu que a Lady Calypse estava realmente partindo.

Hebaron estava piscando na direção distante quando Ursuline perdeu a paciência.

“Você pretende fazer a senhora esperar? Fique para trás se não quiser vir.”

“Diabos, estarei lá em um minuto.”

Resmungando, Hebaron subiu as escadas com uma leveza que parecia destoar de sua enorme constituição. Ele resmungou consigo mesmo com a preocupação excessiva de Ursuline. Quem teria imaginado essa mudança de atitude em relação à senhora do castelo? Um sorriso amargo brincou nos lábios de Hebaron enquanto ele vestia sua armadura.

A mudança de comportamento de Ursuline era compreensível. O cavaleiro havia se afeiçoado à delicada nobre, assim como todos os outros. Além disso, Ursuline havia participado da missão de resgate no Castelo de Croyso. Ao testemunhar em primeira mão os terríveis abusos que ela sofrera lá, sua nova compaixão não era surpreendente.

Sir Ursuline não era o único. O incidente também deve ter afetado Elliot, já que ele havia sido um dos mais veementes sobre ir à guerra com o duque. Embora nenhum dos cavaleiros tenha revelado os detalhes do que havia acontecido, Hebaron tinha certeza de que Lady Calypse havia sofrido uma grande atrocidade.

Subitamente tomado pela raiva, ele jogou a capa em suas mãos no chão.

Croyso.

Pensar em como aquele cão havia instigado sua atual situação fez seu sangue ferver. Ele passou irritadamente a mão pelo cabelo curto. Imaginar o rosto impassível de seu comandante o fez sentir-se insuportavelmente sufocado.

Suspirando, ele afundou em uma cadeira. Quando soube pela primeira vez que Lady Calypse pretendia partir para a Torre dos Magos, seu pensamento imediato foi que o comandante nunca permitiria.

No entanto, o comandante havia surpreendido a todos e cedido. Ele até retomara suas negligenciadas funções como senhor de Anatol. Aparentemente, tudo parecia ter se encaixado.

Hebaron ainda se sentia inquieto com a calma antinatural de Riftan. As reações do comandante quando se tratava de Maximilian Calypse eram sempre imprevisíveis.

“Maldição. Como se me preocupar com isso agora mudasse alguma coisa…”

Ele clicou a língua e vestiu seu sobretudo azul-marinho estampado com o dragão branco de sua ordem. Agora em plena armadura, ele saiu do quarto e se deparou com o olhar desaprovador de Ursuline.

“Por que está enrolando?! Está esperando o sol se pôr?”

“Pare com seus sermões. O que é isso, minha esposa?”

Ursuline franziu o cenho em resposta. Ele parecia prestes a desencadear uma série de resmungos adicionais. Em vez disso, virou-se como se não pudesse se incomodar em lidar com o outro cavaleiro por mais tempo.

Hebaron seguiu Ursuline enquanto ele partia. “Mais importante… você já pediu desculpas formalmente à senhora?”

Ursuline parou de repente. “Não. Perdi o momento certo.”

Com isso, ele retomou seus passos rápidos.

Hebaron juntou as mãos atrás da cabeça e provocou: “Que bobagem. Eu não tinha ideia de que você era tão tímido.”

Era incomum Ursuline não ter uma resposta afiada pronta, e este parecia ser um daqueles raros momentos. Ele apertou os lábios juntos.

Hebaron riu ao ver Ursuline marchando à frente com uma expressão indignada. Era divertido vê-lo agindo fora de seu padrão, pisando em ovos ao redor de uma mulher tão pequena quanto a senhora.

“Pare de hesitar e faça isso hoje, antes que ela parta. Vai te atormentar se você continuar adiando.”

Em um aviso silencioso para não se intrometer em seus assuntos, Ursuline lançou olhares de desaprovação para Hebaron antes de virar a cabeça. Eles passaram pelos campos de treinamento, os passos de Ursuline precisos e controlados, enquanto Hebaron seguia atrás em seu próprio ritmo relaxado. Quando chegaram à entrada do castelo, viram uma multidão de servos reunidos no grande salão.

Hebaron facilmente identificou a mulher de cabelos castanhos escuros. Maximilian Calypse estava recebendo algo do velho mago que se juntara a eles no ano passado. Hebaron presumiu que devia ser um saquinho de ervas.

“Isso é um bom remédio para o frio, e isso ajuda na restauração de mana. A decocção neste frasco ajuda a aliviar o enjoo. E isso…”

Embora parecesse que Maximilian estava ouvindo atentamente as explicações do velho mago sem um traço de irritação, Hebaron notou seus olhos ocasionalmente vagando pela multidão. Um suspiro pesado escapou de seus lábios.

“Pedimos desculpas por mantê-la esperando, minha senhora.”

Ursuline se aproximou dela e inclinou respeitosamente a cabeça. Maximilian Calypse virou-se para olhá-lo com um sorriso brilhante.

“T-Tudo bem. Eu estava… me despedindo.”

O rosto de Hebaron denunciava suas emoções complicadas. Ver seus esforços para esconder sua tristeza fazia com que ele se sentisse como se estivesse fazendo algo terrível.

Ela lançou um olhar para trás deles e perguntou timidamente: “E o… Riftan?”

“O comandante… está cuidando de assuntos urgentes nas muralhas. Ele nos deu instruções estritas para escoltá-la com segurança até o porto.”

Seu sorriso se desfez. Hebaron amaldiçoou internamente o comandante enquanto uma sombra escura passava pelos olhos cinzentos redondos de sua senhoria.

“N-Nós deveríamos… seguir em frente,” ela disse, sua voz anormalmente brilhante como se para disfarçar sua decepção. “A princesa… está nos esperando no porto.”

Ela estava prestes a subir na carruagem quando um grito alto ressoou ao longe.

“P-Por favor, espere!”

Hebaron ergueu a cabeça. Ulyseon e Garrow corriam pelos terrenos em seus uniformes de treino. Os servos abriram caminho apressadamente para eles.

“N-Nós queríamos nos despedir…” Ulyseon disse, ofegante. Ele entregou a Maxi um punhado de flores silvestres. “Nós procuramos a montanha toda… mas só encontramos pequenos bulbos como estes por causa do frio. Eu sei que não é muito, mas você aceitaria, minha senhora?”

Maximilian estava piscando para a oferta do escudeiro. Enquanto ela cuidadosamente pegava as flores dele, um sorriso iluminou o rosto de Ulyseon.

O rapaz havia crescido visivelmente nos últimos meses. Ele agora arrumava seus traços em uma expressão madura condizente com a de um cavaleiro e disse, “Você deve retornar com boa saúde, minha senhora.”

“M-Muito obrigada. O mesmo para você… Ulyseon.”

“Por favor, cuide-se, minha senhora,” disse Garrow.

Maximilian sorriu para o escudeiro e subiu na carruagem. Os vinte cavaleiros do grupo de escolta, incluindo Hebaron e Ursuline, que foram designados como seus guardas pessoais, montaram em seus cavalos em uníssono.

Hebaron se posicionou ao lado da carruagem enquanto Ursuline liderava. Depois de passar um olhar afiado sobre a formação dos cavaleiros, Ursuline deu sinal para a partida deles. Os portões do castelo se abriram largamente, e a ponte levadiça começou a descer.

Cercando a carruagem de todos os lados, os cavaleiros cruzaram lentamente a ponte e desceram a colina. Lá embaixo, no vilarejo, as pessoas se aglomeravam na estrada principal para dar uma olhada nos Dragões Brancos.

Enquanto cavalgavam em silêncio pela multidão, Hebaron espiou pela janela da carruagem. Ele podia ver o ombro esguio de Maximilian caído através da cortina meio aberta. Seu cabelo comprido, amarrado em uma única trança, parecia pesado demais para o pescoço delicado dela. Um sentimento próximo da culpa o incomodava. Ele havia sido quem pediu a ela que testemunhasse após revelar a situação do comandante.

Hebaron massageou as têmporas latejantes ao relembrar a fúria de Riftan. Ele desejava que o comandante expressasse sua raiva como havia feito naquela época. Agora, Riftan parecia estar tentando reprimir todas as suas emoções. Hebaron nunca o tinha visto tão vulnerável.

Maximilian havia conseguido de alguma forma convencer Riftan, mas ficou claro que não tinha sido um acordo amigável. Não era incomum ouvir os servos no grande salão expressando suas preocupações pelo senhor e pela senhora.

Ainda assim, não pensei que ele recusaria vê-la partir…

Hebaron sentiu-se arrependido. Talvez devesse ter arrastado o comandante com eles. Por outro lado, quem em sã consciência ousaria mencionar o nome dela da forma como ele estava agora? Ele não passava de uma estátua de pedra desprovida de todas as emoções.

Desde que descobriram que Maximilian estava partindo para a Torre dos Magos, os cavaleiros falavam o mínimo possível na presença de Riftan. Todos sabiam o que ela significava para ele.

“Ouço cantos…”

Hebaron virou a cabeça para a voz inesperada. Maximilian estava olhando pela janela, para a distância.

Eles tinham passado pela praça e agora estavam nos arredores da cidade. À direita da larga estrada havia uma colina suave. Ovelhas pontilhavam a ampla e gramada extensão que parecia se estender infinitamente. Um suave som de uma viela chegou até eles.

“Devem estar ensaiando para o Festival da Primavera”, disse Ruth. O feiticeiro tinha se aproximado da carruagem sem que Hebaron notasse. “Eles estão se empenhando bastante agora que há mais visitantes do que nunca. Há cantoria por toda a aldeia nos dias de hoje.”

“Entendo”, respondeu Maximilian após uma pausa.

Seu sorriso parecia amargo, e seus olhos pareciam nublados. Depois de contemplar a colina, tingida de verde com a nova vida, ela olhou para baixo mais uma vez. Eles passaram pelos muros em um silêncio pesado. Logo, a vasta estrada que lhes causara tantos problemas ao longo do ano anterior se estendia diante deles.

Eles avançaram por cerca de uma hora e meia antes de o mar aparecer no horizonte, além de uma suave encosta. Navios enormes se alinhavam no extenso cais, e vários prédios comerciais consideráveis se erguiam ao longo do ancoradouro.

A princesa Agnes estava no cais. Assim que avistou o grupo de Anatol, ela atravessou o agitado grupo de trabalhadores transportando cargas.

“Finalmente vocês chegaram! Estava preocupada que tivessem mudado de ideia.”

Ursuline desmontou do cavalo e fez uma reverência para a princesa. “Peço desculpas por fazê-la esperar, Alteza. Os preparativos demoraram mais do que esperávamos.”

“Tudo bem. Estávamos ocupados carregando a carga”, disse a princesa, apontando para um dos navios alinhados no cais.

A imensa embarcação ostentava o brasão real de Wedon. Os cavaleiros reais e os magos que haviam vindo como escolta da princesa estavam reunidos na passarela em frente.

“Acabamos de terminar todos os preparativos. Vocês podem embarcar agora.”

Hebaron desmontou e ajudou Maximilian a sair da carruagem. Seus olhos cinzentos lúcidos pareciam observar o enorme casco do navio.

Ao lado de Maximilian, a princesa Agnes disse gentilmente: “Apenas aqueles com permissão de Nornui podem entrar. Portanto, os cavaleiros reais irão escoltá-los a partir daqui. Eu também acompanharei, é claro. Decidi ficar na ilha por cerca de um mês para ajudá-la a se estabelecer.”

Um olhar de alívio passou pelo rosto de Maximilian. Foi só então que Hebaron percebeu o quanto deve ser angustiante para ela estar indo rumo ao desconhecido.

“E-eu… apreciaria muito isso.”

“Não há necessidade de se preocupar. A Torre dos Magos é o lugar mais seguro e emocionante para um mago estar. Você se encaixará perfeitamente”, disse a princesa animadamente, e então fez um gesto para a tripulação.

Enquanto os marinheiros carregavam toda a bagagem da carruagem para o navio, Maximilian se despediu dos cavaleiros.

“E-eu quero agradecer a todos… por tudo. Cuidem bem de vocês.”

“Você também precisa se cuidar, minha senhora”, respondeu Hebaron desajeitadamente, coçando a bochecha. “Desejamos uma viagem segura.”

Os outros cavaleiros seguiram o exemplo e ofereceram suas palavras de despedida. Depois de assistir a esses procedimentos em silêncio, Ursuline finalmente falou.

“Minha senhora, gostaria de pedir desculpas… por minhas ações passadas.”

Maximilian ficou atrapalhada com o pedido repentino de desculpas, ao qual Ursuline baixou a cabeça.

“Tenho desejado me desculpar com você por meu comportamento descortês.”

Ela acenou com as mãos, claramente surpresa. “V-Você não precisa se desculpar. Eu… não levei a mal.”

Ursuline lhe deu um sorriso triste e disse: “Por favor, volte para nós o mais rápido possível. O comandante precisa de você.”

O sorriso desapareceu do rosto dela. Hebaron pensou que ela poderia explodir em lágrimas. No entanto, sua voz estava surpreendentemente calma quando ela falou.

“Por favor… cuidem dele. Vocês precisam impedi-lo… de fazer algo muito imprudente.”

Ruth tinha o capuz puxado até o nariz, claramente desconfortável entre os magos reais.

“Por favor, não se preocupe com o Sir Riftan”, ele interrompeu. “Eu vou me certificar de estar constantemente ao seu lado.”

Ele se aproximou e praticamente jogou algo para ela.

“Esta é a pedra mágica mais cara em minha posse. Por favor, cuide bem dela. Provavelmente será útil.”

“O-Obri… obrigada. Você fez… tanto por mim.”

“Estou grato pelo reconhecimento”, Ruth respondeu com uma piada, e depois pareceu hesitante ao coçar a cabeça de forma desajeitada. Ele soltou um suspiro profundo e soltou: “Por favor, volte inteira.”

“Não se preocupe. Eu voltarei… em segurança”, respondeu Maximilian, erguendo os ombros.

De repente, Hebaron lembrou-se da primeira vez que a viu.

Os ombros curvados, dobrados de apreensão; o rosto pálido e medroso; o olhar vulnerável em seus olhos. Tudo estava tão claro. Será que aquele ser frágil era realmente a mesma pessoa que estava diante dele?

Maximilian forçou um sorriso corajoso e virou-se para embarcar no navio. Seu cabelo vermelho brilhava sob o sol escaldante. A ideia de que não estaria mais vendo essa mulher pequena pairando por aí, curando pessoas com magia, o fez sentir um vazio.

Ele acenou de volta para Maximilian, que agora estava debruçada sobre o corrimão. Logo, o navio começou a se afastar lentamente do cais. Eles permaneceram parados até que o navio ficasse menor e ela fosse apenas um pontinho.

Ouviram-se retumbantes atrás deles. Os cavaleiros todos se viraram em uníssono, mãos nos cabos de suas espadas. Uma figura encapuzada pulou no cais e veio correndo em direção a eles a uma velocidade assustadora.

Ao perceber que era Riftan, Hebaron instintivamente se lançou em seu caminho. Riftan o empurrou e tentou se atirar ao mar, tão frenético quanto um louco. O restante dos cavaleiros saiu de seu estupor atordoado e gritou em alarme. Eles correram para contê-lo.

Riftan uivou como uma besta acorrentada. “Soltem!”

“Por Deus, você enlouqueceu?!”

“Eu disse, tirem essas mãos amaldiçoadas de mim!” Rugiu Riftan, debatendo-se.

Ele era tão forte que nem mesmo quatro homens conseguiram contê-lo. Hebaron praguejou e o empurrou à força para o chão.

“Pare com isso! Acabou. Nem mesmo você pode ir atrás dela agora!”

O peito de Riftan subia e descia enquanto ele exalava um suspiro ofegante. Ele estava completamente desgrenhado, e seus olhos tremiam selvagemente enquanto ele observava o navio que se afastava cada vez mais a cada segundo.

Hebaron prendeu a respiração. Como uma represa se desmoronando, o corpo de Riftan tombou para frente. Sua voz mal era audível.

“Eu menti.”

Gotículas salpicaram as tábuas de madeira. Com os braços contendo Riftan, Hebaron piscou atordoado. Ele não imaginava que o comandante sequer estava ciente de que estava chorando.

Riftan parecia estar em transe enquanto murmurava: “Eu menti… quando disse que não esperaria por você.”

Ninguém ousava falar enquanto observavam os ombros do comandante darem uma tremida violenta. O tranquilo som das ondas preenchia o ar. Riftan olhou sobre o mar em movimento, seu rosto se contorcendo como se estivesse cegado. O navio desaparecia enquanto navegava para o horizonte nebuloso.

Continua no próximo volume…

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