Volume 1 - Capítulo 34
O Príncipe Problemático
“Você não está fazendo flores hoje?”, perguntou Lisa enquanto escovava os cabelos de Erna.
Erna vinha fazendo flores sem parar, excluindo tudo mais do mundo e só parando para dormir. Isso até ela levar a encomenda de ontem para a loja de departamentos. Lisa estava preocupada com a mudança repentina em Erna e percebeu que ela estava um pouco mais pálida que o normal.
“Você não está se sentindo bem?”, perguntou Lisa.
“Não, de jeito nenhum, só quero descansar um pouco.”, respondeu Erna.
Lisa torceu para que fosse isso mesmo, mas não confiava muito nas palavras de Erna. Ela temia que toda aquela fofoca amarga da cidade estivesse afetando Erna negativamente.
“Minha senhora, não importa o que digam, eu sempre vou gostar de você”, disse Lisa, largando o pente. “Não dê ouvidos a essas pessoas, elas não sabem nada sobre você e, quando perceberem, tudo vai se acalmar de novo. Sempre acontece.”
“Sim, eu sei”, disse Erna com um sorriso e um aceno de cabeça. “Obrigada, Lisa.”
“Por que você age como se nunca mais fossemos nos ver? Mesmo que você se case, eu vou com você, senhorita, não vai se livrar de mim tão fácil.” Lisa soltou uma risada suave.
Erna respondeu com um simples sorriso. Se ela soubesse… O dia marcado com Pavel estava se aproximando e esta seria a última vez que Erna terminaria o dia conversando com Lisa. Amanhã ela estaria no trem para Buford.
Depois que Lisa terminou, deu um abraço caloroso em Erna e saiu do quarto. Erna ficou sentada, olhando para a porta até que não conseguiu mais ouvir os passos de Lisa.
Ela só parecia se lembrar de lembranças de ter sido enganada, odiada e usada enquanto estava naquela cidade. Lisa era a única fonte de bondade em sua vida. Aquilo e talvez o Príncipe. Apesar de sua reputação, Erna achava o Príncipe bastante encantador e uma boa pessoa.
Tudo estava quieto.
Erna se levantou como se estivesse interrompendo uma discussão desagradável e foi até a cama para tirar a mala de baixo. Abriu-a e começou a conferir as coisas que havia arrumado. Assim como no dia em que chegou, ela partiria leve.
Satisfeita, Erna fechou a mala e a colocou de volta embaixo da cama, justamente a tempo de ouvir passos e o grito distintivo de Lisa logo além da porta.
Em pânico, Erna correu até a porta com as pernas bambas, mas a porta se abriu de repente enquanto ela ia pegar a maçaneta. O Visconde Hardy surgiu, pairando sobre ela como uma sombra imponente. O cheiro de álcool o precedia.
Lisa tentava desesperadamente segurá-lo, mas Walter a empurrou enquanto entrava no quarto e batia a porta, deixando Lisa para fora. Ele se virou para Erna e agarrou um punhado de seus cabelos.
Um vento forte uivava do lado de fora da janela do quarto de Erna. Ele carregava os gritos e os xingamentos de Walter, assim como os gritos e os soluços de Erna.
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O tempo piorou com o passar da noite, de modo que, de manhã, um vendaval violento varreu a cidade.
Pavel olhou ansiosamente pela janela que rangeia, achando um mau presságio o mau tempo naquele dia em que voltaria para Buford com Erna Hardy.
Ele pensou em mandar um telegrama para Erna adiando a viagem para o dia seguinte, mas, se enviasse um telegrama, ele poderia cair nas mãos do Visconde, e isso seria péssima notícia para Erna. O risco era grande demais.
Pavel soltou um suspiro ansioso e fechou as cortinas, como se negar a tempestade fizesse ela ir embora. O quarto que ele alugou na velha casa de pedra era úmido e empoeirado.
Ele só estava ali por causa de uma encomenda de um retrato e, estando a apenas meio dia de trem de Buford, Pavel agarrou a oportunidade. O dinheiro que ganharia com a encomenda era mais do que suficiente para que a família Hardy não precisasse se preocupar, pelo menos por um tempo, e não era algo que levaria muito tempo.
O único problema que Pavel não previu foi a idade avançada da modelo. A velha senhora tinha dificuldade de ficar sentada por muito tempo, o que significava que o retrato estava demorando mais. Ele deveria ter terminado há dois dias, mas trabalhar apenas com esboços só o levava até certo ponto. No fim, ele deveria terminá-lo até aquela manhã.
“Senhor Lore, a patroa diz que tudo está em ordem.”, disse finalmente o mordomo da velha senhora.
Pavel correu pelos corredores com grandes passadas e pressa. Era impressão dele ou os corredores do lugar velho pareciam muito mais longos naquele dia?
Enquanto isso, Pavel continuava murmurando para si mesmo: “7 horas, debaixo do velho relógio da torre.” Como se repetir a promessa fizesse o tempo passar mais rápido. Um relâmpago brilhou pela janela e um trovão trovejou acima em um estrondo lento. A chuva não parecia que ia parar de jeito nenhum naquele dia.
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O clube social estava lotado de jogadores de cartas. A forte tempestade lá fora fez com que todos procurassem abrigo dentro para se divertirem naquele dia.
A carruagem de Bjorn parou na varanda da frente do clube social. Ele desceu levemente, como se não tivesse nenhum cuidado no mundo. Sua vida estava meio pacata, apesar do escândalo que havia se reacendido. Ele não era o alvo daquela espada, era Erna Hardy.
Bjorn trocou cumprimentos com o garçom que abriu a porta para ele e foi direto para a sala de cartas. Fumaça parada, conversas triviais e risinhos suaves o seguiram por todo o clube social. As pessoas pareciam ter esquecido completamente da tempestade lá fora.
“Ah, lá vamos nós. Você não tirou o suficiente da gente naquela aposta alta outro dia, Vossa Alteza?”, disse Leonard entre risos. “Nenhum de nós viu sinal da senhorita Hardy desde aquele dia.”
Bjorn simplesmente se acomodou em sua cadeira e acendeu um charuto. Leonard sabia que Bjorn estava apenas brincando, não reagindo às suas provocações, era o jeito dele.
Embora a brincadeira infantil fizesse tudo parecer diversão, Bjorn não pôde deixar de sentir um aperto de culpa. Tudo aquilo era para ser uma diversão inofensiva, mas as ações deles tinham potencialmente arruinado a vida de uma jovem. A causa raiz disso era totalmente por causa de sua participação no jogo.
Do que ele deveria se importar, afinal? Ele era o Príncipe, o cogumelo venenoso implacável, por que ele se importaria com uma mulher pela qual já havia perdido o interesse? Ele provavelmente nem levantaria uma sobrancelha se a história de Erna Hardy fosse mencionada novamente. Se alguém como a Princesa Gladys é insignificante para ele, que esperança uma jovem destituída, de uma família desfeita, teria?
Não havia como ele ajudar Erna Hardy e só haveria um problema se ele tivesse a intenção de voltar com a Princesa Gladys, e como ele não tinha a intenção de falar com aquela mulher novamente, não havia problema.
O afeto e a devoção das pessoas pelo príncipe e a princesa herdeiros eram incomuns. Eles criaram isso como se fosse um conto de fadas entre um casal insubstituível. Na época em que a notícia do noivado circulou pela cidade, eles já eram os personagens principais de uma narrativa que os tornou mais populares do que qualquer músico ou artista.
As pessoas observavam cada movimento deles e amavam as histórias que vinham deles. Uma história de amor, completa com um casamento perfeito, era a história mais vendida em todo Lechen. Multidões lotavam as ruas no dia do casamento deles. As moedas comemorativas se esgotaram em pouco tempo e retratos do casal enfeitavam todas as casas.
Bjorn e Gladys eram os líderes da família real e até mesmo aqueles que não apoiavam a união entre Lechen e Lars estavam ao lado do casal real. Então, quando eles se divorciaram, uma grande racha se abriu entre os dois países e a única maneira de resolvê-la era Bjorn abdicar do título de Príncipe Herdeiro. E Erna Hardy se tornou uma vilã que ficou entre os heróis enquanto eles trabalhavam para resolver a crise e conseguiram o final feliz. Aquelas acusações que foram lançadas como facas contra ela: …Por causa daquela bruxa!
Assim que Peter voltou do banheiro, Leonard distribuiu as cartas e eles puderam começar a jogar. Leonard e Peter trocaram olhares antes de focar toda a atenção nas cartas à sua frente.
Enquanto amaldiçoavam o nome de Bjorn, a maioria dos apoiadores da união ainda tinham retratos do Príncipe e da Princesa herdeiros em alguma gaveta ou armário. A raiva deles ainda estava quente por causa de como eles queriam que o conto de fadas recomeçasse com seus dois protagonistas favoritos. Não havia uma única pessoa que não esperasse que Bjorn e Gladys voltassem.
“Esse tempo está uma loucura”, disse Peter, organizando suas cartas.
Bjorn olhou para cima e para fora da janela. A cena pintada além, como uma imagem de paisagem, era uma versão distorcida de água suja, enquanto caía continuamente pela janela. Era certamente uma imagem dramática.
Será que ela conseguirá realizar seus desejos?
Ele apoiou o queixo nas mãos enquanto considerava o que Erna havia lhe contado. De qualquer maneira, amanhã ele saberia a resposta, vamos esperar que a tempestade dê uma trégua enquanto isso. Sucesso ou fracasso, por que ele se importava tanto? Bjorn soltou um suspiro e riu para si mesmo.
“Bjorn?”, disse Leonard, trazendo Bjorn de volta para a sala.
Ele olhou para a mesa e percebeu que os outros estavam esperando por ele. Seus olhos frios abrangeram a mesa e todos os números complicados que ele viu ali. Ele notou que o relógio na parede marcava quase 5 horas.