
Capítulo 397
Reformation of the Deadbeat Noble
História Paralela – 2 O Sonho da Gata
Como uma larva de cigarra que esperou pacientemente sete anos no subsolo, a jovem filhote de dragão também passou muitos e longos anos no ninho de sua mãe. Era abafado e tedioso. Ainda assim, apesar do tédio, cada dia transbordava de expectativa e empolgação. Lulu aguardava ansiosamente o dia em que finalmente poderia deixar o ninho, que se tornava cada vez mais apertado.
Ela ansiava por voar pelos vastos céus abertos, uma cena que muitas vezes imaginava enquanto ouvia as histórias cativantes de sua mãe. E assim, aos cinquenta anos, mais ou menos a idade em que uma criança humana mal começaria a dar os primeiros passos cambaleantes, a jovem dragão finalmente embarcou em sua primeira saída.
Após um ano explorando diligentemente a região norte sob o olhar atento de sua mãe, chegou a uma conclusão firme:
“Humanos? Eu odeio eles!”
Ela achava simplesmente impossível enxergar os humanos com bons olhos, por mais que tentasse.
Havia uma planta peculiar chamada Flor Fantasma Vermelha. Com pétalas estranhamente transparentes tingidas de um delicado tom avermelhado, possuía certo charme, mesmo para o olhar exigente de um dragão. No início, Lulu adorava essa flor. Sempre que encontrava uma perto do ninho, corria toda animada até a mãe.
Chilreava empolgada:
— Eu vi uma flor tão bonita!
Mas agora, seu apreço havia desaparecido. Era uma flor egoísta, afinal. Envenenava e matava insetos e pequenos animais ao redor, absorvendo-os como nutrientes. Não só isso, também tornava as plantas ao redor tóxicas, transformando aos poucos toda a cadeia montanhosa numa terra árida.
“Humanos são exatamente assim!”
Embora não fossem tão fofos quanto gatos, os humanos possuíam uma esperteza inegável e eram criaturas intrigantes. Lulu frequentemente usava magia de invisibilidade para observá-los discretamente. Uma vez, quando os seguiu até uma cidade movimentada, a atmosfera viva a encantou tanto que ela desejou dominar logo a magia de transformação para poder conversar com eles.
Mas não mais. Humanos não eram melhores que a Flor Fantasma Vermelha. Cometiam atos perversos sem vergonha alguma, apenas para benefício próprio, espalhando sua negatividade ao redor como uma praga.
Quando um humano era prejudicado, em vez de dizer: ‘Eu não deveria agir assim’, dizia: ‘Então é assim que se vive bem.’ Tornavam-se tão ruins quanto aquele que os feriu, envolvendo tudo ao redor numa escuridão criada por eles mesmos.
— Então não se transforme em humana! É estranho e me dá arrepios! — seu eu do passado gritava.
Mas nada mudava. Sua mãe continuava usando a forma humana, com cabelos negros como ébano e olhos ligeiramente puxados como os de um gato. Sempre exibia um sorriso gentil e benevolente, por mais birras que Lulu fizesse.
— Como nossa querida Lulu já observou, há muitos humanos perversos.
— Não são só muitos! Todos os humanos que eu encontrei são assim!
— Isso não é totalmente verdade. Você não encontrou todos os humanos do mundo, certo? Eu costumava pensar o mesmo, mas não mais. Uma vez conheci um humano que compartilhava seu coração bondoso com os outros, fazendo com que não só ele, mas todos ao redor brilhassem intensamente.
Lulu encarou a mãe.
— Não vou forçar você a gostar de humanos. Mas, até chegar à minha idade, até crescer e se tornar uma adulta forte, saudável e madura, quero que conheça muitos humanos diferentes.
— Mas e se eu ainda não encontrar nenhum que preste? — Lulu fez beicinho, o lábio inferior tremendo.
Sua mãe, a dragão, apenas sorriu calorosamente mais uma vez.
— Isso é altamente improvável, minha querida. Agora… hora de dormir, querida Lulu.
— Hã? Já? Mas por quê?
— Você precisa dormir pra crescer forte e saudável. Não disse que queria crescer logo e virar uma adulta forte?
— Ugh… É verdade, mas…
Clique.
A Lulu que assistia à gravação de suas memórias pausou o vídeo mágico. Aquela era a última imagem que tinha de sua amada mãe. Ela não sabia por que havia desaparecido.
Se tivesse que arriscar um palpite, talvez sua mãe tivesse se sacrificado para protegê-la de algum perigo desconhecido. Perder a memória e se confundir com um gato poderia estar ligado a isso. Sua mãe talvez tivesse estabelecido proteções, barreiras mágicas, talvez, para impedir que a jovem dragão agisse por impulso e se colocasse em perigo.
— Eu sei, eu sei, mas…
Lulu rebobinou o vídeo com o coração pesado. Aquela fora a última conversa que teve com sua mãe. Revivia cada frase, buscando os significados que não entendera na época, relembrando com afinco o amor que não podia mais sentir fisicamente. Mas não podia se apegar ao passado para sempre.
Sentindo uma melancolia familiar, Lulu pegou o próximo vídeo de memória e o inseriu na tela de magia.
E depois de um tempo, ou talvez depois de muito, muito tempo,quanto exatamente, ninguém saberia dizer, Lulu apareceu na tela mais uma vez.
Já não era mais uma jovem dragão, mas sim uma elegante gata preta.
—Yaaawn! Olá! Olá a todos! — a gata preta, Lulu, saudou o mundo com um enorme e feliz bocejo após despertar de um sono tranquilo. Um sorriso sereno e contente acompanhava sua saudação.
Não havia razão para que ela não transbordasse alegria. A luz quente do sol a banhava diariamente com um brilho dourado, o vento do norte, às vezes frio demais, soprava de maneira refrescante num dia de primavera como aquele, e os aromas da grama e das flores faziam cócegas em seu nariz.
— Miau!
— Miau, miau!
— Ah, vocês duas estão aqui! Há quanto tempo estavam me espiando?
E suas amigas felinas estavam ali, claro. O sorriso de Lulu se abriu ainda mais, cheio de ternura, enquanto ela lambia carinhosamente a gata amarela, que retribuía lambendo Lulu de volta.
— Ei! Sua pestinha! Quer levar uma bronca? Quer?
A gata malhada, sempre cheia de travessura, deu três tapas rápidos na cabeça de Lulu. A gata amarela, apanhada no meio do ataque brincalhão, miou alto, e uma caótica luta de brincadeira começou. Naturalmente, Lulu saiu vitoriosa.
Ela não era particularmente grande, nem possuía garras ou dentes afiados, mas sempre vencia, sem exceção. A gata preta se estabelecera firmemente como a líder indiscutível do bairro. Acreditava, de forma ingênua, que sua felicidade atual duraria para sempre. Percebeu que isso não passava de uma ilusão tola quando cinco longos anos se passaram.
“Estou sozinha de novo.”
Águias levaram e mataram alguns dos gatos, encerrando suas vidas em meio a penas e gritos apavorados. Lobos atacaram os demais de forma cruel, deixando seus corpos quebrados e sem vida no mato. Às vezes, os gatos simplesmente sucumbiam ao frio implacável do inverno, com seus corpos pequenos incapazes de suportar as temperaturas congelantes.
Mesmo depois de superar todas essas provações, muitos de seus amigos simplesmente morreram sem motivo aparente, com suas vidas se apagando como uma chama vacilante. Foi então que uma leve, incômoda percepção surgiu dentro dela. Talvez ela fosse um pouco diferente dos gatos comuns, a ideia se infiltrava em sua mente, sutil e insidiosamente.
— Você soube? O John, aquele velho apostador, teve a mão decepada tentando trapacear.
— Eu soube! Mesmo já velho e gasto, tentou enganar um cavaleiro fazendeiro. Bem feito, eu diria.
— Nossa. Sabia que ele era ousado, mas não tanto assim…
— Pois é, e…
Mais estranho ainda era sua habilidade de compreender a língua humana. Não se tratava apenas de entender palavras como plantio, apostas, mercado, casamento. Ela compreendia conceitos complexos, que só os humanos deveriam entender. Isso deixou Lulu profundamente confusa e, ao mesmo tempo, fascinada.
— A-ah, oi, tudo bem? Eu sou a Lulu! Muito prazer! Ah, eu consigo falar também. Isso é incrível!
Ela não só entendia os humanos como também falava a língua deles fluentemente. Claro, não saía por aí abordando qualquer humano para testar isso. Instintivamente, e com base em experiências duras, aprendeu que a maioria dos humanos era muito mais ardilosa, cruel e egoísta do que qualquer gato.
Sempre que ouvia camponeses inocentes falando casualmente de assuntos horríveis, Lulu se assustava, com os pelos eriçados, e fugia rápido. Foi nessa época que também descobriu sua habilidade de voar, algo que lhe causava encanto e uma sensação de liberdade.
Essa nova habilidade a deixou mais ousada. Mesmo se encontrasse alguém perigoso, agora podia escapar rápida e seguramente. Além disso, pensou que não haveria problema em se aproximar de um humano aparentemente inofensivo, como uma criança.
— Oi! Eu sou a Lulu! Como pode ver, sou uma gata!
— Uau! Uma gata que fala! Isso é incrível!
— Sim, sim! Eu sei falar a língua dos humanos!
— Uau, que inveja! Eu queria saber falar com os gatos.
— Quer que eu te ensine, então?
— Você pode me ensinar a falar gato?
— Bem, pra ser sincera, eu não sou muito fluente na língua felina… Mas eu posso voar! Olha só!
— Uaaau! Isso é incrível! Você é demais!
Assim começou seu laço com o filho do lenhador, Brody, um encontro fortuito, repleto de encanto e entusiasmo. Dias felizes e despreocupados se seguiram, um após o outro. Ao contrário dos outros gatos, com quem era difícil ter conversas realmente significativas, ela se deu extremamente bem com o garoto. As personalidades simplesmente combinavam.
Lulu mostrava a ele lugares secretos e maravilhosos que os humanos normalmente não conheciam, fazia acrobacias aéreas deslumbrantes e revelava onde estavam as árvores com as frutas mais doces e suculentas. Em troca, Brody contava histórias fascinantes sobre a vila. Às vezes, trazia a espada de madeira que seu pai lhe dera, e os dois brincavam de cavaleiro e dragão.
Um ano se passou sem que percebessem. Depois, dois anos. E por fim, cinco anos se passaram. A gata preta permanecia inalterada, com o pelo tão negro e brilhante quanto no dia em que se conheceram. Já o garoto havia se tornado um jovem, com um leve e escuro bigode surgindo em seu lábio superior.
Naquela época, Lulu não compreendia plenamente o significado profundo daquela transformação. Ela não entendia como um mero instante para um dragão podia representar uma eternidade para outras criaturas. Mesmo que não fossem tão drasticamente efêmeros quanto os gatos, cuja vida podia se encerrar em apenas cinco anos, os humanos também passavam por mudanças significativas nesse tempo.
— Lulu.
— Hm?
— Você gostaria de ir até minha casa?
Lulu hesitou.
— Não se preocupe. Minha mãe e meu pai são ótimas pessoas. Vai ser muito mais divertido e muito mais feliz se nós quatro brincarmos juntos, comermos juntos, e dormirmos sob o mesmo teto.
— Uhm… Tudo bem então, vamos!
Mesmo percebendo a escuridão crescente no coração de Brody, Lulu ainda foi completamente enganada.
Apesar de notar algo inquietante no olhar do garoto, ou melhor, do jovem, ela o seguiu obedientemente, trotando ao lado de seus calcanhares. Só percebeu que algo estava terrivelmente errado quando ouviu vozes sussurradas e conspiratórias, enquanto ronronava contente e cochilava após comer um delicioso peixe na casa de Brody.
— Era tudo verdade! Brody, meu filho, onde no mundo você encontrou um gato tão extraordinário? Um gato que fala e que voa…
— Shh! Pai, vai acordar ela. Brody, rápido, traga a gaiola. Precisamos prendê-la antes que acorde.
— Em silêncio agora, em silêncio…
— Hehe, fico pensando quanto o circo vai pagar por uma maravilha dessas. Três moedas de ouro, no mínimo, né?
— Talvez. Pode até render uma fortuna de dez moedas…
Lulu não teve coragem de abrir os olhos. Não queria ver, não podia. Tinha medo de ver os rostos dos pais de Brody, deformados pela ganância. E tinha ainda mais medo de ver o sorriso de Brody, um sorriso que antes era cheio de calor e afeto genuíno.
Por que ele estava fazendo aquilo com ela? Eles não eram melhores amigos? O ouro era mesmo tão importante assim a ponto de destruir esse laço? Ela sabia, claro, que os humanos podiam fazer muitas coisas com ouro, mas ainda assim…
— Pronto, está trancada com segurança! Conseguimos!
— Excelente, agora estamos ricos! Ricos, eu digo! Hahaha!
— Brody, meu filho, você é mesmo meu filho! Como pensou num plano tão brilhante…
— Obrigado, pai!
As vozes desagradáveis e estridentes continuavam, suas palavras soando como punhais atravessando o coração de Lulu.
Ontem mesmo, aquelas vozes pareciam doces aos seus ouvidos, mas agora ela não suportava ouvi-las nem por mais um segundo. Uma única lágrima cintilante escapou de seus olhos e escorreu por sua bochecha aveludada. Quando a família de Brody parou abruptamente de falar e encarou a gata preta, seus olhos se arregalaram numa mistura de surpresa e ganância.
Poof.
— O quê?! Onde ela foi parar?!
— Não, ela estava bem aqui até agora, juro…!
— Brody! O que isso significa?! Explique-se!
— Bem, eu…
Lulu se teleportou para fora da casa, fitando-a com um olhar triste e partido. Então, levou a pata até a cintura, como se procurasse um bolso. Um Rato Dourado, um objeto de artesanato refinado e, sem dúvida, de valor imenso, surgiu de um compartimento que aparentemente nem existia.
— Adeus.
Ela deixou o Rato Dourado, que certamente valia muito mais que ela própria, diante da casa de Brody. Em seguida, Lulu alçou voo, suas asas a levando para longe da vila do Norte, deixando para trás o único lugar que algum dia considerara seu lar de verdade.
“Tudo bem. Nem todo humano é como eles. Com certeza existem humanos bons por aí.”
Assim como o Brody de agora era uma pessoa diferente, o Brody de antes também era outro. O Brody de antes a valorizava e a amava de verdade, o laço entre eles era genuíno. Ela ainda poderia encontrar alguém assim.
“Talvez.”
Lulu murmurou baixinho para si mesma, sua voz mal audível no vasto céu. Então, um pensamento repentino a atingiu, e ela parou de voar no ar, pairando no vazio.
“Mas por que Brody?”
Por que o escolheu, dentre todos os humanos que conheceu? Foi apenas porque ele era jovem e parecia inocente? Esse era mesmo o único motivo? A amizade não precisava ter explicação lógica, mas uma curiosidade intensa e súbita aflorou dentro dela.
E a Lulu que assistia à sua própria memória finalmente deu a resposta à pergunta que há tanto a inquietava.
— Porque o cabelo dele tinha a mesma cor do da mamãe.
Lulu suspirou, encheu novamente a tigela de pipoca e inseriu o próximo volume de memórias. Sabia que, por um tempo, viriam lembranças desagradáveis e dolorosas, mas precisava assisti-las. Precisava entender.
Ela precisava se lembrar.